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Perfil clínico e epidemiológico e prevalência da coinfecção tuberculose/HIV em uma regional de saúde no Maranhão

Clinical and epidemiological profile and prevalence of tuberculosis/HIV co-infection in a regional health district in the state of Maranhão, Brazil

Marcelino Santos Neto, Fabiane Leita da Silva, Keyla Rodrigues de Sousa, Mellina Yamamura, Marcela Paschoal Popolin, Ricardo Alexandre Arcêncio

ABSTRACT

Objective: To describe the clinical and epidemiological profile, as well as the prevalence, of tuberculosis/HIV co-infection in the Regional Health District of Tocantins, which serves 14 cities in the state of Maranhão, Brazil. Methods: This was a descriptive epidemiological study based on secondary data obtained from individual tuberculosis reporting forms in the Brazilian Case Registry Database. We included all reported cases of tuberculosis/HIV co-infection, by city, between January of 2001 and December of 2010. Results: In the district, 1,746 cases of tuberculosis were reported. Of those tested for HIV, 100 had positive results, which corresponded to a tuberculosis/HIV co-infection prevalence of 39%. Of the co-infected patients, 79% were male, 42% were Mulatto, and 64% were in the 20- to 40-year age bracket, 31% had had ≤ 4 years of schooling, and 88% resided in the city of Imperatriz. Cases of pulmonary tuberculosis and new cases of tuberculosis predominated (in 87% and 73%, respectively). Of the co-infected patients, 27% had positive sputum smear microscopy results, and 89% had chest X-ray findings suggestive of tuberculosis. Sputum culture was performed in only 7% of the cases. Conclusions: Our results show that, because of its clinical and epidemiological profile, tuberculosis/HIV co-infection is still a major public health problem in the southwestern region of Maranhão. This situation calls for better coordination between tuberculosis and sexually transmitted disease/AIDS control programs, as well as a political commitment and greater involvement on the part of administrators and health care professionals in the planning of interventions and the functioning of health care facilities.

Keywords: Tuberculosis/epidemiology; HIV infections/epidemiology; Comorbidity.

RESUMO

Objetivo: Descrever o perfil clínico e epidemiológico e a prevalência da coinfecção tuberculose/HIV na Unidade Regional de Saúde do Tocantins, que envolve 14 municípios no estado do Maranhão. Métodos: Estudo epidemiológico descritivo baseado em dados secundários das fichas individuais de tuberculose do Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação. Foram incluídos todos os casos notificados de coinfecção tuberculose/HIV, por município de residência, no período entre janeiro de 2001 e dezembro de 2010. Resultados: Foram notificados 1.746 casos de tuberculose no distrito. Dos pacientes testados para HIV, 100 eram coinfectados. equivalendo a uma prevalência de 39%. Dos coinfectados, 79% eram do sexo masculino, 42% eram de cor parda, 64% tinham idade entre 20 e 40 anos, 31% tinham até quatro anos de estudo, e 88% residiam em Imperatriz. A forma clínica predominante foi a pulmonar (87%), e 73% eram casos novos. Dos coinfectados, 27% apresentaram resultados positivos na baciloscopia de escarro e 89% tinham imagem sugestiva de tuberculose na radiografia do tórax. A cultura de escarro foi realizada em apenas 7% dos casos. Conclusões: Evidenciou-se que a situação clínica e epidemiológica da coinfecção tuberculose/HIV ainda é um grande problema de saúde pública no sudoeste do Maranhão e impõe uma maior articulação entre os programas de controle de tuberculose e de doenças sexualmente transmissíveis/AIDS. Além disso, são necessários o compromisso e o envolvimento político dos gestores e profissionais de saúde no planejamento de ações e serviços de saúde.

Palavras-chave: Tuberculose/epidemiologia; Infecções por HIV/epidemiologia; Comorbidade.

Introdução

A tuberculose continua ocupando destaque entre as principais doenças infectocontagiosas em países subdesenvolvidos. A intensificação dos casos de tuberculose ocorreu principalmente pelo surgimento da AIDS em 1980, juntamente com os fatores de pauperização, desordem social e ausência de investimentos em programas eficazes no controle da doença.(1)

Dentre os 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose registrados no mundo, o Brasil ocupa o 19º lugar em número de casos e é o 108º país em incidência. Em dados mais explícitos, apenas no ano de 2010 foram notificados aproximadamente 71 mil casos de tuberculose, dos quais 4,8 mil faleceram, constituindo-se na terceira causa de morte por doenças infecciosas e a primeira entre os pacientes com AIDS.(2) Os indivíduos com coinfecção por HIV apresentam taxas de mortalidade por tuberculose de 2,4 a 19 vezes mais altas que aqueles sem a coinfecção; assim, em cada quatro mortes causadas por tuberculose, uma está relacionada com HIV.(3) Além disso, para essa população especificamente, o risco de desenvolver tuberculose ativa é de 10% ao ano, enquanto para indivíduos com sorologia negativa para o HIV, esse risco é de aproximadamente 10% ao longo da vida.(4)

A taxa de detecção da tuberculose em estágios avançados da AIDS é relativamente baixa, uma vez que apenas alguns pacientes irão apresentar elucidação radiológica típica e clínica. Ademais, taxas de positividade do exame são lamentavelmente baixas nesses pacientes, levando ao diagnóstico tardio em um número significativo de pacientes, o que impele a instituição da terapêutica precoce e contribui para a disseminação do bacilo na comunidade.(5)

Ainda na esfera clínica, cabe mencionar que a infecção por HIV modifica a apresentação clínica da tuberculose, a duração do tratamento, a tolerância aos tuberculostáticos, a resistência às drogas disponíveis e, possivelmente, a suscetibilidade dos comunicantes envolvidos.(6,7)

Indubitavelmente, o diagnóstico da soropositividade para HIV entre pacientes com tuberculose constitui-se em arma potente para o controle da doença.(2) No entanto, no Brasil, a demanda por esse exame ainda é baixa,(8) apesar da recomendação do Ministério da Saúde (todo paciente com tuberculose deve realizar o exame anti-HIV.(2) Nesse contexto, destaca-se que quanto menor a proporção de tuberculosos testados para o HIV, maior é a incerteza sobre a real magnitude da prevalência de coinfectados.(9)

Além de toda a trajetória clínica que obstaculiza o controle da tuberculose, ainda há de se considerar os aspectos sociais. Estudos demonstram que o impacto econômico e emocional da coinfecção tuberculose/HIV é maior do que a vivenciada da infecção por tuberculose ou HIV isoladamente. Isso perpetua uma precária qualidade de vida, possivelmente associada ao estigma ou a mazelas sociais das doenças em conjunto.(10) Além do mais, a prevalência da coinfecção tuberculose/HIV, assim como a tuberculose isolada, é desigualmente distribuída e atinge principalmente os segmentos da sociedade mais marginalizados e empobrecidos, ou seja, os mais receptivos e vulneráveis à doença.(11)

Dentro da complexidade que envolve a conjuntura da coinfecção tuberculose/HIV, bem como a necessidade de estratégias e intervenções específicas que priorizem recursos aos grupos mais vulneráveis, sobretudo pela inexistência de estudos realizados na região referida abaixo que demonstrem o perfil e a prevalência da coinfecção tuberculose/HIV, torna-se fundamental conhecer a situação epidemiológica dessa comorbidade nas diversas áreas do Brasil, assim como nos 14 municípios do sudoeste do Estado do Maranhão, que compõem a Unidade Regional de Saúde do Tocantins (URST).

Diante do exposto, a coinfecção tuberculose/HIV desvela um importante indicador da qualidade dos serviços de saúde, o que abre possibilidades para reflexões sobre as práticas em saúde na região e os desafios do país para se alcançar uma política de controle e relevância social. Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivos determinar a prevalência da coinfecção tuberculose/HIV na URST, bem como descrever o perfil clínico e epidemiológico dos casos coinfectados.

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, baseado em dados secundários, coletados junto ao Núcleo de Vigilância Epidemiológica da URST, a partir das fichas de notificação de tuberculose do Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde do Brasil.

O Estado do Maranhão ocupa hoje uma das unidades federadas com maior desigualdade social, e a região coberta pelo presente estudo ocupa níveis frágeis de oportunidades humanas, com municípios apresentando um índice de exclusão social em torno de 0,31 no ano de 2010 e um índice de desenvolvimento humano de 0,58, números próximos aos dos países subsaarianos africanos. A URST está localizada no sudoeste do Maranhão, sendo composta por 14 municípios: Amarante, Buritirana, Campestre, Davinópolis, Estreito, Governador Edson Lobão, Imperatriz, João Lisboa, Lajeado Novo, Montes Altos, Porto Franco, Ribamar Fiquene, São João do Paraíso e Senador La Rocque. No total, os municípios integrantes dessa regional de saúde apresentam uma área geográfica de 22.773,853 km2, uma população de 478.220 habitantes, e uma esperança de vida ao nascer que não excede 61,5 anos.(12)

Foram incluídos todos os casos notificados de tuberculose no período compreendido entre janeiro de 2001 e dezembro de 2010. As variáveis analisadas relativas à caracterização sociodemográfica foram sexo, faixa etária, raça/cor, escolaridade, município de residência e zona de residência. Já os dados de investigação epidemiológica foram forma clínica, tipo de entrada, realização de baciloscopia, prova tuberculínica (PT), cultura, sorologia anti-HIV, realização de tratamento supervisionado e desfecho de tratamento.

A coleta de dados ocorreu em setembro de 2011, após a autorização da Coordenação do Núcleo de Vigilância Epidemiológica. Para tal, foi utilizado um formulário pré-codificado que continha as variáveis a serem consideradas. Para a elaboração do formulário, utilizou-se exclusivamente o documento oficial de entrada para o SINAN, ou seja, a ficha de notificação individual para tuberculose. Posteriormente, as informações foram depositadas em um segundo banco de dados, as quais foram analisadas por meio do programa Epi Info, versão 6.5.3. Por fim, para a demonstração das informações, foram criadas tabelas com os valores absolutos e relativos encontrados na pesquisa.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, sob registro nº 005712/2011 80, tendo parecer emitido nº 36/12 de dispensa de aprovação, uma vez que não se enquadra nos critérios de exigências para atendimento frente à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares.

Resultados

A população de referência da pesquisa foi composta de 1.746 casos de tuberculose notificados, por município de residência, entre os anos de 2001 e 2010 na URST. Observa-se na Tabela 1 o status sorológico do HIV dentre os casos notificados: do total das notificações, a sorologia para HIV não foi realizada em 1.414 casos (81,0%), e, dos 332 (19,0%) que realizaram o exame, 100 (30,1%) apresentaram resultado positivo, 156 (47,0%) apresentaram resultado negativo, e 76 (22,9%) encontravam-se ainda em andamento na redação do presente estudo. O município de Imperatriz apresentou 88 casos (88%) de coinfecção e uma cobertura de 22,12% na realização de sorologia para HIV entre os pacientes com tuberculose. Os municípios de Buritirana e Lajeado Novo não realizaram nenhuma avaliação sorológica entre todos os casos notificados por tuberculose.



A prevalência da coinfecção tuberculose/HIV na população estudada foi de 39%, isso mediante a realização de sorologia para o HIV e liberação de resultados, excetuando os testes em andamento. Já a caracterização sociodemográfica desses casos encontra-se descrita na Tabela 2. A maioria dos coinfectados residia na zona urbana (92%) e era do sexo masculino (79%). Foram predominantes também a faixa etária entre 20 e 40 anos (64%), a raça/cor parda (42%), e nível educacional de até 4 anos de estudo (31%).



De acordo com a Tabela 3, na qual são descritos os dados de investigação epidemiológica, a forma clínica predominante foi tuberculose pulmonar (87%), sendo 73% de casos novos. Em relação aos exames, 27% dos casos apresentaram resultados positivos na baciloscopia de escarro (1ª amostra), e 89% tiveram imagens sugestivas para tuberculose na radiologia. A cultura de escarro e a PT foram realizadas em apenas 12% dos casos. Observa-se ainda que 57% dos pacientes realizaram tratamento supervisionado e que a proporção de cura foi de 62%. Ainda, na referida tabela, observa-se que, em 54% dos casos, não havia informações sobre o resultado da segunda amostra de baciloscopia de escarro.



Discussão

De acordo com o relatório de controle da tuberculose da Organização Mundial da Saúde de 2011, 23% dos pacientes com tuberculose diagnosticados em 2010 no Brasil estavam infectados pelo HIV.(13) Dentre os casos notificados de tuberculose no período entre 2001 e 2010 na URST, foi detectado que, naqueles testados quanto à sorologia para HIV, 39% eram também infectados pelo HIV. Estudos realizados no Brasil revelaram prevalências de 42,4% de coinfectados com tuberculose /HIV em Taubaté (SP),(3) 33,3% em Recife (PE),(14) 31,2% em Ribeirão Preto (SP),(8) 29,2% em Porto Alegre (RS),(15) 14,9% em Londrina (PR),(10) 3,6% em Fortaleza (CE)(16) e 0,8% em Bagé (RS).(17) Vale ressaltar que essas diferenças podem estar relacionadas a variações relativas ao tipo de estudo ou a diferenças reais de prevalência da infecção por HIV em pacientes com tuberculose.

Observa-se que a prevalência de coinfecção na região investigada possivelmente está abaixo da média nacional, podendo estar associada à incipiente demanda do teste sorológico para HIV na região, uma vez que a maioria dos pacientes (81,0%) não realizou o exame, conforme demonstrado na Tabela 1.

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) tem como meta disponibilizar testes anti-HIV para 100% dos indivíduos com tuberculose.(4) Em todos os 14 municípios estudados, menos de 50% dos casos de tuberculose realizaram o teste sorológico. Portanto, é notória a necessidade de se implantar efetivamente a proposta de realização da testagem sorológica para o HIV em todos os pacientes com diagnóstico de tuberculose, uma vez que a notificação fidedigna de pacientes com coinfecção tuberculose/HIV é essencial para o planejamento adequado de medidas de controle e para o cuidado integral do paciente.

Os dados referentes ao status sorológico do HIV em pacientes com tuberculose revelam um número considerável de notificações de tuberculose (22,9%) que não apresenta resultado definitivo do teste anti-HIV, ou seja, ainda havia no banco de dados exames em andamento. Tais números evidenciados na URST podem ser decorrentes de falhas estruturais dos serviços de saúde, como dificuldade de acesso ao laboratório, demora no recebimento do resultado, extravio de exames ou falta de atualização do sistema de informação. Assim, ocorrem prejuízos significativos relacionados ao diagnóstico precoce em função de uma infraestrutura inadequada e uma deficiência no fluxo de informação da rede assistencial.(18)

Dentre os casos de coinfecção tuberculose/HIV notificados por município de residência na URST, merece destaque o município de Imperatriz, um dos 19 municípios prioritários para o controle da tuberculose no Maranhão, que apresentou maior número de casos (88,00%). Isso pode ser reflexo da existência do Programa Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)/HIV/AIDS, implantado desde 1998. Os demais municípios integrantes dessa regional de saúde não possuem um programa de AIDS implementado; entretanto, contam com profissionais capacitados para a realização do teste rápido para HIV como diagnóstico desde 2007. Apesar de Imperatriz ter o programa em funcionamento e de os demais municípios terem profissionais habilitados para o diagnóstico de HIV/AIDS, a taxa de cobertura de realização de exames anti-HIV ainda está distante do preconizado pelo PNCT. Dessa forma, faz-se necessária a implantação de mudanças estruturais nos serviços de saúde que garantam a realização da sorologia anti-HIV para todos os pacientes com tuberculose.

A notificação e a análise dos casos de coinfecção tuberculose/HIV são componentes relevantes no sistema de avaliação epidemiológica, que é minimamente satisfatório quando permite estimar a situação das doenças numa determinada população ou região, assim como avaliar o possível impacto das medidas de controle.(4)

As características sociodemográficas dos coinfectados são semelhantes às características dos pacientes descritas em diversos estudos realizados nacionalmente, onde há predomínio da coinfecção tuberculose/HIV no sexo masculino.(3,8,10,15,19,20) No entanto, ainda não está claro se existe uma real disparidade na prevalência da coinfecção entre os sexos ou se são fatores de confusão, como diferenças em relação ao acesso do tratamento e estigmatização.(20)

A faixa etária com maior ocorrência, de 20 a 40 anos, sugere que os pacientes são adultos jovens, em plena fase produtiva da vida profissional, o que traz perdas econômicas e subsequentes repercussões sociais para pacientes, famílias e sociedade. Esses dados são coincidentes com os da literatura,(3,9,10,14,15,19-22) que confirmam tal faixa etária como alvo das epidemias de tuberculose e AIDS, e esse fato pode estar relacionado ao estilo de vida de adultos jovens, que adotam comportamentos vulneráveis, como a falta do uso de preservativos, e refutam qualquer possibilidade de infecção por sentimento de proteção ou por uma abordagem emancipatória, resultando em maior exposição a HIV e Mycobacterium tuberculosis.

Outra tendência verificada foi a existência de pacientes na faixa etária de 40 a 60 anos, bem como casos de tuberculose em pacientes com mais de 60 anos, elevando a faixa etária daqueles acometidos por tuberculose e AIDS. Tal achado está em concordância com o expresso em documentos do PNCT,(2) que apontam uma tendência de crescimento da coinfecção em homens com mais de 40 anos.

Em nossa casuística, observou-se uma predominância de pacientes da raça/cor parda (42%), contrastando com outros estudos realizados no país.(21,23) Adicionalmente, tem-se observado na literatura um maior risco para essa coinfecção em sujeitos de raça/cor preta,(24) e, no presente estudo, esse fator não se reafirmou, pois a prevalência de tuberculose em negros foi menor que em brancos. Embora a relação desse dado possa ser mais importante do que a etnia, estudos realizados nos EUA, em populações desprivilegiadas socialmente, também evidenciaram uma maior prevalência de tuberculose em indivíduos dessa raça/cor.(25,26)

A magnitude da coinfecção tuberculose/HIV ultrapassa as barreiras biológicas e constitui-se um grave problema social. A vulnerabilidade dos indivíduos está evidenciada pela falta de percepção dos riscos eminentes aos quais eles estão expostos, diminuindo a prática do autocuidado e causando maior dificuldade aos serviços de saúde.(21) A predominância da coinfecção em indivíduos com baixa escolaridade (até 4 anos), revelada no estudo, reflete a situação educacional do Brasil, caracterizada pelo analfabetismo funcional, consequente da evasão escolar observada ao longo do sistema de ensino.(22) Além disso, 54% dos coinfectados tinham somente até oito anos de estudos (sem se considerar os 9% sem escolaridade). As possibilidades profissionais desse grupo são preocupantes, pois acabam sendo restringidas a condições desfavoráveis de vida e emprego, mantendo o estado de pauperização. É exatamente nessa população que a incidência da infecção por HIV é elevada, fomentando a manutenção de condições sociais desfavoráveis e um ambiente propício ao incremento da prevalência de tuberculose. Verifica-se, portanto, a estreita relação dessa comorbidade com os fatores sociais (grau de instrução) e coletivos (privação social e marginalidade).(3,21)

Evidenciou-se que a apresentação clínica da tuberculose mais frequente no coinfectados foi a pulmonar (87%). Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos.(3,10,19,22) A tuberculose pode se tornar ativa em qualquer fase da evolução da infecção por HIV, mas, em pacientes com estado avançado de comprometimento imunológico atendidos em nível terciário, a forma extrapulmonar se revela a condição clínica mais comum,(3) diferenciando-se da realidade encontrada no presente estudo.

O diagnóstico precoce da tuberculose em pacientes infectados por HIV e o início de seu tratamento interrompem a evolução da doença, o que predispõe a melhora no estado clínico, com repercussões positivas no prognóstico.(27) Estudos ressaltam que, apesar de a baciloscopia representar o principal recurso diagnóstico da tuberculose pelo seu baixo custo e simplicidade, suas limitações ainda demandam a realização da cultura.(28)

Em nossa pesquisa, verificamos que poucos pacientes foram submetidos a baciloscopia de escarro, PT e cultura, o que de certa forma compromete o diagnóstico precoce e, consequentemente, a assistência adequada aos pacientes. A situação torna-se ainda mais preocupante uma vez que a radiografia de tórax foi priorizada na detecção dos casos de tuberculose sugestiva (89%). Nesse sentido, as situações desafiadoras precisam emergencialmente ser melhoradas pela gestão e pelos profissionais de saúde, principalmente no âmbito assistencial, para que de fato o diagnóstico precoce seja estabelecido.

O tratamento supervisionado representa uma estratégia que, além do enfoque terapêutico, possibilita também o acolhimento, o vínculo e a responsabilidade, ampliando a capacidade de interação entre os profissionais e os doentes, com a perspectiva de garantir maior qualidade da atenção e adesão do paciente ao tratamento.(4) De acordo com os dados coletados, o tratamento supervisionado atingiu 57% dos coinfectados, ou seja, acima da média de 48% encontrada em Ribeirão Preto (SP)(8) e abaixo da de 65%, identificada em São José do Rio Preto (SP).(29)

A tendência epidemiológica da tuberculose em imunossuprimidos é diferente daquela em imunocompetentes, pois existe uma possibilidade maior de ocorrer resistência aos fármacos antituberculose. Além disso, a infecção por M. tuberculosis acelera o processo de replicação do HIV, o que pode dificultar a cura e resultar em um aumento da mortalidade para os pacientes coinfectados.(3) Avaliando o resultado do tratamento em relação à situação de encerramento, o percentual de cura foi de 62%, ainda abaixo do preconizado pelo Ministério da Saúde (85%).(2) Tal resultado sugere que os serviços de saúde locais devem rever as estratégias de monitoramento durante o tratamento da tuberculose até a cura comprovada. A proporção de abandono de tratamento (8%) está acima dos 5% preconizados pelo Ministério da Saúde,(2) mas os óbitos por tuberculose (1%) encontram-se abaixo dos 9%, evidenciados em outros estudos.(29,30)

Cabe mencionar ainda que foram verificadas falhas relacionadas à alimentação do sistema de informação. Houve um número expressivo de "não informado" em algumas variáveis, como baciloscopia de escarro (2ª amostra), PT, radiografia de tórax e tratamento supervisionado. Essas falhas podem ser atribuídas aos profissionais de saúde ou aos digitadores. A ausência de informações nas fichas de notificação pode vir a ocasionar a subnotificação dos casos, bem como gerar um panorama equivocado da situação de saúde, refletindo, assim, em intervenções distanciadas do quadro real de necessidade da população. Isso altera, sobretudo, a qualidade da atenção a ser prestada.

As falhas identificadas no estudo reforçam a importância da capacitação de recursos humanos e de vigilância do sistema de registro e informação. Nesse sentido, é imprescindível uma vigilância mais efetiva do sistema de informação e uma interlocução entre os responsáveis pela gestão desses sistemas e os profissionais de saúde da rede de atenção.

Melhorar a qualidade dos registros em relação ao preenchimento dos campos e à atualização dos dados são primordiais para a confiabilidade da análise epidemiológica. Com essa perspectiva, o presente estudo demonstrou que a revisão periódica do banco de dados do SINAN, bem como dos livros de registros, é uma atividade essencial para a notificação e o encerramento oportuno dos casos. Ressalta-se, finalmente, a necessidade de compartilhar as análises dos dados do SINAN com os profissionais de saúde que acompanham os casos e que preenchem as notificações para que eles compreendam a importância do preenchimento adequado dos registros e sintam-se motivados em garantir a qualidade dos dados coletados.

Evidenciou-se que a situação clinica e epidemiológica da coinfecção tuberculose/HIV é um grande problema de saúde pública do sudoeste do Maranhão e impõe uma maior articulação entre os programas de controle da tuberculose e os de DST/AIDS, além do compromisso e envolvimento político dos gestores e profissionais de saúde no planejamento das ações e serviços de saúde.

Conhecer os aspectos clínicos e epidemiológicos da coinfecção tuberculose/HIV constitui um elemento fundamental para a definição de estratégias com vistas à redução do dano decorrente da associação tuberculose e HIV, elevando-se, assim, a sobrevida e a qualidade de vida desses pacientes. A conquista desses aspectos conjunturais dos sistemas de saúde é primordial para uma atenção integral, de maior resolubilidade e com chances de redução da carga da tuberculose nos distintos contextos.

Agradecimentos

Agradecemos à Gerência da Unidade Regional de Saúde do Tocantins e à Coordenação do Núcleo de Vigilância Epidemiológica a autorização para a realização da pesquisa e a concessão dos dados.

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* Trabalho realizado no Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia, Universidade Federal do Maranhão - UFMA - Imperatriz (MA) Brasil.
Endereço para correspondência: Marcelino Santos Neto. Rua Urbano Santos, s/n, CEP 65900-410, Imperatriz, MA, Brasil.
Tel. 55 99 3221-7600. E-mail: marcelinosn@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 2/4/2012. Aprovado, após revisão, em 31/8/2012.





Sobre os autores

Marcelino Santos Neto
Doutorando em Saúde Pública. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil; e Professor Assistente II, Curso em Enfermagem, Universidade Federal do Maranhão - UFMA - Imperatriz (MA) Brasil.

Fabiane Leita da Silva
Graduanda de Enfermagem. Universidade Federal do Maranhão - UFMA - Imperatriz (MA) Brasil.

Keyla Rodrigues de Sousa
Graduanda de Enfermagem. Universidade Federal do Maranhão - UFMA - Imperatriz (MA) Brasil.

Mellina Yamamura
Doutoranda em Saúde Pública. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Marcela Paschoal Popolin
Mestranda em Saúde Pública. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Ricardo Alexandre Arcêncio
Professor Doutor. Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

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