ABSTRACT
Tracheal tumors are rare and can be difficult to diagnose due to their capacity to mimic other obstructive lung diseases, such as asthma and COPD. We report the case of a female patient with a tracheal tumor. She had previously been treated for asthma and COPD, with little response to the treatment. The onset of infectious complications prompted further investigation. Chest CT images suggested the presence of a tumor, which was confirmed by fiberoptic bronchoscopy. The tumor was endoscopically resected. However, the patient evolved to death due to pneumonia and septic shock.
Keywords:
Lipoma; Lung diseases, obstructive; Tracheal neoplasms.
RESUMO
Os tumores de traqueia são raros e podem ser de difícil diagnóstico, por mimetizarem outras afecções pulmonares de caráter obstrutivo, como asma e DPOC. Relatamos um caso de lipoma de traqueia em uma paciente que fora tratada para asma e DPOC, sem resposta adequada, até apresentar complicações infecciosas. A presença do tumor foi sugerida por TC de tórax e confirmada por fibrobroncoscopia. A paciente foi submetida à ressecção endoscópica do tumor; porém, evoluiu para o óbito por pneumonia e choque séptico.
Palavras-chave:
Lipoma; Pneumopatias obstrutivas; Neoplasias da traqueia.
IntroduçãoOs tumores primários de traqueia são bastante raros, com incidência de 0,2/100.000 habitantes.(1) Os tumores benignos são minoria (10-20%), e há poucos relatos de lipoma de traqueia na literatura.(1-3)
Habitualmente, os pacientes se apresentam com sintomas respiratórios que simulam doenças pulmonares obstrutivas e podem ser tratados, erroneamente, como portadores de asma ou de DPOC. A resposta inadequada ao tratamento geralmente leva a suspeita de obstrução de vias aéreas principais, que pode ser confirmada através de fibrobroncoscopia.
Relatamos o caso de uma paciente idosa com lipoma de traqueia, que foi tratado como asma, e somente teve o diagnóstico esclarecido na UTI após desenvolver um quadro de pneumonia obstrutiva com sepse.
Relato de casoPaciente de 86 anos, sexo feminino, não tabagista, foi internada com quadro de dispneia em repouso, sibilos, dor torácica e tosse com expectoração mucoide, evoluindo com piora progressiva havia uma semana. Negava febre e hemoptise. Havia relato de crises periódicas de tosse seca, sibilos e dispneia nos últimos 2 anos. Nesse período, fora submetida a tratamento com broncodilatadores, além de corticosteroide inalatório e oral, com resposta parcial. No ano anterior, apresentara episódio de pneumonia, tratado ambulatorialmente.
A paciente era portadora de diabetes mellitus, hipotireoidismo e doença de Alzheimer, segundo informação da família.
Ao exame físico, encontrava-se taquipneica, taquicárdica, com esforço respiratório, sibilos difusos, murmúrio vesicular diminuído nas bases pulmonares e SpO2 de 86%, apesar de estar em uso de oxigênio suplementar (5 L/min) por cânula nasal. Não foi escutado estridor ou cornagem.
O radiograma simples de tórax mostrava sinais de hiperinsuflação pulmonar e consolidações alveolares nas metades inferiores de ambos os campos pulmonares, bilateralmente. Foi internada na UTI em caráter de urgência, com diagnóstico inicial de pneumonia e insuficiência respiratória, necessitando de ventilação mecânica.
Na TC de tórax, foi confirmada a presença de consolidações alveolares bilateralmente em lobos inferiores e observada uma massa arredondada na topografia da traqueia, com baixo coeficiente de atenuação, determinando obstrução quase total do corredor aéreo (Figura 1).
Diante da suspeita clínica e radiológica de tumor traqueal, a paciente foi submetida à fibrobroncoscopia, que confirmou a presença de lesão única, pediculada, móvel, de superfície lisa, implantada na parede lateral esquerda da traqueia distal, provocando a obstrução de aproximadamente 90% da luz traqueal (Figura 2). Realizou-se a ressecção endoscópica da lesão, com auxílio de alça de polipectomia, seguida de cauterização da base do pedículo. O estudo anatomopatológico do material revelou achados histológicos compatíveis com lipoma (Figura 3).
Apesar da desobstrução das vias aéreas superiores após a cirurgia endoscópica e da melhora da ausculta pulmonar, com a diminuição dos sibilos, a paciente evoluiu com quadro séptico e piora progressiva, que culminou com o óbito no sexto dia de pós-operatório.
DiscussãoTumores primários de traqueia são raros e, em cerca de 80% dos casos, são malignos.(1,2,4) Entre os benignos, a papilomatose recorrente é o tipo histológico mais frequente, e está bem estabelecida sua associação com o vírus do papiloma humano. Também são citados adenomas, liomiomas, harmartomas, condromas, neurofibromas, hemangiomas, tumores glômicos e lipomas, dentre outros. Lipomas endobrônquicos representam 0,1-0,5% de todos os tumores pulmonares malignos e benignos; no entanto, não encontramos estatísticas que mencionem a incidência de lipomas traqueais.(5,6) Numa série de casos realizada no Japão, foram relatados 64 casos de lipoma endobrônquico; porém, não foi relatado nenhum caso de lipoma de traqueia.(7)
Cerca de 50% das neoplasias benignas da traqueia ocorrem no terço inferior e são, geralmente, pediculadas.(2) Habitualmente, sua apresentação clínica simula doenças pulmonares obstrutivas, como asma e DPOC, levando ao atraso do diagnóstico e a equívocos no tratamento.(4) Algumas situações peculiares podem mimetizar um quadro clínico de asma: 1) agravamento da dispneia em decúbito em tumores com pedículo anterior, que pode ser confundido com asma noturna; 2) achado de pulmão hiperinsuflado à radiografia de tórax em tumores que exercem efeito de válvula (ball-valve); 3) melhora de curta duração após o uso de corticoides orais, justificada pela redução do edema que envolve o tumor.(2)
Quanto ao quadro clínico, os pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar dispneia de caráter intermitente ou progressivo. Pode haver hemoptise e tosse, além de sintomas relacionados a infecções secundárias, como febre, expectoração e astenia. Ao exame físico, podem ser encontrados sinais clínicos de obstrução de vias aéreas e insuficiência respiratória, como sibilância, estridor, taquipneia, uso de musculatura acessória da respiração e sinais de toxemia, em caso de complicação infecciosa.
Dentre os métodos propedêuticos disponíveis, a radiografia de tórax pouco acrescenta, exceto quando se observa hiperinsuflação pulmonar ou quando a lesão é detectada na incidência de perfil. A espirometria possibilita, através do estudo da morfologia da curva fluxo-volume, presumir a localização da obstrução (intra ou extratorácica). Pode ainda indicar o comportamento dinâmico da lesão, se variável ou fixo, e oferece avaliação da gravidade da obstrução. As lesões traqueais também podem ser vistas à TC de tórax; porém, o padrão ouro para o diagnóstico é a fibrobroncoscopia, por meio da qual é possível identificar a lesão, realizar a biópsia e, muitas vezes, proceder à ressecção endoscópica.
Outras modalidades de tratamento são curetagem, laser, cauterização e criocirurgia. A extirpação por toracotomia ou esternotomia está indicada quando existe extensão extraluminal do tumor ou em caso de insucesso do tratamento endoscópico, mas raramente isso é necessário.(4,6)
O caso relatado ilustra a necessidade de se considerar a obstrução de vias aéreas principais por tumores como diagnóstico diferencial em pacientes portadores de doenças pulmonares obstrutivas, especialmente aqueles que não estejam evoluindo com resposta satisfatória ao tratamento otimizado.
Referências 1. Keshavjee S, De Perrot M, Cardoso P, Pearson FG. Upper airway tumors. In: Pearson FG, Cooper JD, Deslauriers J, Ginsberg RJ, Hiebert C, Patterson GA, Urshel HC, editors. Thoracic surgery. 2nd ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2002. p. 347-62.
2. Caiado A, Sá JM. Revisão dos tumores da traqueia: A propósito de um caso clínico de tumor adenóide cístico. Rev Port Pneumol 2008;14(4):527-34.
3. Gamblin TC, Farmer LA, Dean RJ, Bradley RA, Dalton ML. Tracheal polyp. Ann Thorac Surg. 2002;73(4):1286-7.
4. Baldi BG, Fernandes CJ, Salge JM, Takagaki TY. Tracheal polyp. J Bras Pneumol. 2007;33(5):616-20.
5. Bof AM, Rapoport A, Paier LC, Diaz YL, Leiro LC, Pando-Serrano RR, et al. Endobronchial lipoma. J Bras Pneumol. 2005;31(6):555-8.
6. Gaissert HA, Grillo HC, Shadmehr MB, Wright CD, Gokhale M, Wain JC, et al. Uncommon primary tracheal tumors. Ann Thorac Surg. 2006;82(1):268-72; discussion 272-3.
7. Muraoka M, Oka T, Akanine S, Nagayasu T, Iseki M, Suyama N, et al. Endobronchial lipoma: review of 64 cases reported in Japan. Chest. 2003;123(1):293-6.
Trabalho realizado na Irmandade Nossa Senhora das Mercês, Montes Claros (MG) Brasil.
Endereço para correspondência: Vinícius Turano Mota. Rua Lírio Brant, 714, Melo, CEP 39401-063, Montes Claros, MG, Brasil.
Tel 55 38 3216-7181. E-mail: viniciusturano@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 15/10/2009. Aprovado, após revisão, em 7/1/2010.
Sobre os autoresVinícius Turano Mota
Médico Cirurgião Torácico. Serviço de Cirurgia Torácica, Irmandade Nossa Senhora das Mercês, Montes Claros (MG) Brasil.
José Geraldo Soares Maia
Médico Pneumologista. Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica, Irmandade Nossa Senhora das Mercês, Montes Claros (MG) Brasil.
Ana Teresa Fernandes Barbosa
Médico Pneumologista. Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica, Irmandade Nossa Senhora das Mercês, Montes Claros (MG) Brasil.
Diego Franco Silveira Fernandes
Médico Residente em Clínica Médica. Hospital Universitário Clemente de Faria, Montes Claros (MG) Brasil.
Emanuelly Botelho Rocha
Acadêmica de Medicina. Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES - Montes Claros (MG) Brasil.