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Efeitos da metilprednisolona na atividade inflamatória e estresse oxidativo nos pulmões de ratoscom morte cerebral

Effects of methylprednisolone on inflammatory activity and oxidative stress in the lungs of brain-dead rats

Eduardo Sperb Pilla, Raôni Bins Pereira, Luiz Alberto Forgiarini Junior, Luiz Felipe Forgiarini,Artur de Oliveira Paludo, Jane Maria Ulbrich Kulczynski, Paulo Francisco Guerreiro Cardoso,Cristiano Feijó Andrade

ABSTRACT

Objective: To evaluate the effects that early and late systemic administration of methylprednisolone have on lungs in a rat model of brain death. Methods: Twenty-four male Wistar rats were anesthetized and randomly divided into four groups (n = 6 per group): sham-operated (sham); brain death only (BD); brain death plus methylprednisolone (30 mg/kg i.v.) after 5 min (MP5); and brain death plus methylprednisolone (30 mg/kg i.v.) after 60 min (MP60). In the BD, MP5, and MP60 group rats, we induced brain death by inflating a balloon catheter in the extradural space. All of the animals were observed and ventilated for 120 min. We determined hemodynamic and arterial blood gas variables; wet/dry weight ratio; histological score; levels of thiobarbituric acid reactive substances (TBARS); superoxide dismutase (SOD) activity; and catalase activity. In BAL fluid, we determined differential white cell counts, total protein, and lactate dehydrogenase levels. Myeloperoxidase activity, lipid peroxidation, and TNF-α levels were assessed in lung tissue. Results: No significant differences were found among the groups in terms of hemodynamics, arterial blood gases, wet/dry weight ratio, BAL fluid analysis, or histological score-nor in terms of SOD, myeloperoxidase, and catalase activity. The levels of TBARS were significantly higher in the MP5 and MP60 groups than in the sham and BD groups (p < 0.001). The levels of TNF-α were significantly lower in the MP5 and MP60 groups than in the BD group (p < 0.001). Conclusions:áIn this model of brain death, the early and late administration of methylprednisolone had similar effects on inflammatory activity and lipid peroxidation in lung tissue.

RESUMO

Objetivo: Avaliar os efeitos da administração sistêmica precoce e tardia de metilprednisolona nos pulmões em um modelo de morte encefálica em ratos. Métodos: Vinte e quatro ratos Wistar machos foram anestesiados e randomizados em quatro grupos (n = 6 por grupo): sham, somente morte encefálica (ME), metilprednisolona i.v. (30 mg/kg) administrada 5 min após a morte encefálica (MP5) e 60 min após a morte encefálica (MP60). Os grupos ME, MP5 e MP60 foram submetidos à morte encefálica por insuflação de um balão no espaço extradural. Todos os animais foram observados e ventilados durante 120 min. Foram determinadas variáveis hemodinâmicas e gasométricas, relação peso úmido/seco, escore histológico, thiobarbituric acid reactive substances (TBARS, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico), atividade de superóxido dismutase (SOD) e de catalase, assim como contagem diferencial de células brancas, proteína total e nível de desidrogenase lática no LBA. A atividade da mieloperoxidase, peroxidação lipídica e níveis de TNF- foram avaliados no tecido pulmonar. Resultados: Não foram observadas diferenças significativas nas variáveis hemodinâmicas e gasométricas, relação peso úmido/seco, análises do LBA, escore histológico, SOD, mieloperoxidase e catalase entre os grupos. Os níveis de TBARS foram significativamente maiores nos grupos MP5 e MP60 do que nos grupos sham e ME (p < 0,001). Os níveis de TNF- foram significativamente menores nos grupos MP5 e MP60 do que no grupo ME (p < 0,001). Conclusões: Neste modelo de morte cerebral, a administração precoce e tardia de metilprednisolona apresentou efeitos semelhantes sobre a inflamação e a peroxidação lipídica no tecido pulmonar.

Palavras-chave: Ratos; Morte encefálica; Estresse oxidativo; Pulmão; Hidroxicorticosteroides.

Introdução

O transplante pulmonar é uma opção terapêutica estabelecida para pacientes com doença pulmonar terminal. Na última década, tem havido um aumento significativo do número de centros de transplante pulmonar.(1) Consequentemente, o número de pacientes em listas de espera tem aumentado. Em contraste, o grupo de doadores tem se mantido relativamente constante, sendo que a proporção de pulmões disponíveis adequados para transplante varia de 4,9% a 27%.(1-4) Recentemente, com o uso de pulmões de doadores marginais e os resultados encorajadores da perfusão pulmonar ex vivo para recondicionamento pulmonar, tem havido uma tendência a um aumento do número de transplantes pulmonares.(5,6)

Doadores com morte encefálica ainda representam a principal fonte de órgãos para transplante. Na UTI, os pulmões de doadores em potencial são expostos a danos diretos causados pelo processo relacionado à ocorrência de morte encefálica. Além disso, os pulmões correm risco de lesão pulmonar aguda secundária a trauma, ventilação mecânica prolongada, transfusão, isquemia, aspiração e infecção.(7,8)

A morte encefálica é a morte de todos os tecidos neurológicos centrais, resultando na perda da função cerebral.(9) A fisiopatologia da morte encefálica é complexa, envolvendo mecanismos simpáticos, hemodinâmicos e inflamatórios que podem lesar o pulmão.(7,10) Alterações endócrinas significativas resultam em diminuição dos níveis plasmáticos de hormônio adrenocorticotrófico, cortisol, triiodotironina, tiroxina, insulina e vasopressina.(7)

Atualmente, existe um consenso de que os enxertos de órgãos não devem ser considerados imunologicamente inertes. Fatores de risco relacionados ao doador, tais como doenças prévias, idade, causa da morte, manejo de doadores, e, mais importante, a morte encefálica em si, podem reprogramar o enxerto, tornando-o um órgão imunologicamente ativo.(8,11) Novas estratégias para o tratamento de potenciais doadores com morte encefálica representam uma abordagem promissora para reduzir a imunogenicidade do enxerto e melhorar a qualidade do órgão antes do transplante.(12)

Sabe-se que a administração de corticosteroides sistêmicos em doadores com morte encefálica é benéfica principalmente por causa de sua capacidade de modular a resposta inflamatória sistêmica causada pela morte encefálica. Essa modulação melhora a viabilidade do enxerto ao reduzir a liberação de moléculas pró-inflamatórias e a produção de moléculas de adesão leucocitária, aumentando assim a depuração do fluido alveolar.(13,14)

O momento ideal para a administração de corticosteroides no contexto de morte encefálica é controverso. O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos da administração sistêmica precoce e tardia de metilprednisolona sobre os pulmões em um modelo murino de morte encefálica.

Métodos

O Comitê de Cuidado com Animais e o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), aprovaram os protocolos usados no presente estudo.

Vinte e quatro ratos Wistar machos, pesando 170-200 g, foram submetidos a anestesia geral, induzida por cetamina (100 mg/kg) e xilazina (15 mg/kg) administradas por via intraperitoneal. A anestesia foi seguida de uma traqueostomia com um cateter de longa permanência de 14 gauge (Abbocath® #14; Abbott Laboratories, Abbott Park, IL, EUA). Os ratos foram ventilados com ar ambiente a 70-80 ciclos/min e volume corrente de 10 mL/kg (Harvard Rodent Ventilator, modelo 683; Harvard Apparatus Co., Millis, MA, EUA). A artéria carótida direita foi dissecada e canulada com uma cânula de 24 gauge (Becton Dickinson, Franklin Lakes, NJ, EUA) para registro da pressão arterial média e da FC com um gravador com jato de tinta (Sirecust 730; Siemens-Elema, Solna, Suécia). A veia jugular direita foi dissecada e canulada da mesma maneira. Solução salina normal foi usada para lavar as linhas, com volume total de 5 mL/kg por hora em todos os animais, e uma mesa cirúrgica aquecida foi usada para manter a temperatura corporal em 37°C durante o procedimento.

Após os procedimentos iniciais, os animais foram aleatoriamente divididos em quatro grupos (6 animais por grupo):

 Sham (operação simulada): a craniotomia foi realizada, mas o cateter balão não foi introduzido no espaço extradural.
 ME (morte encefálica apenas): a morte encefálica foi induzida; 5 minutos após a confirmação da morte encefálica, foram administrados 0,2 mL de solução salina normal por via intravenosa.
 MP5 (metilprednisolona 5 min após a morte encefálica): a morte encefálica foi induzida; 5 minutos após a confirmação da morte encefálica, foi administrado um bolus intravenoso de metilprednisolona (30 mg/kg) diluída em 0,2 mL de solução salina normal.
 MP60 (metilprednisolona 60 min após a morte encefálica): a morte encefálica foi induzida; 60 min após a confirmação da morte encefálica, foi administrado um bolus intravenoso de metilprednisolona (30 mg/kg) diluída em 0,2 mL de solução salina normal.

O modelo de morte encefálica já foi minuciosamente descrito.(15,16) Em suma, através de uma trepanação frontolateral (1 × 1 mm com uma broca odontológica), um cateter de Fogarty 14G (Baxter Healthcare Corp., Irvine, CA, EUA) foi introduzido no espaço extradural com a ponta em direção caudal. O balão foi inflado com 1,5 mL de água durante 1 min, produzindo um aumento súbito da pressão intracraniana, o que resultou em lesão cerebral rapidamente progressiva, levando à morte encefálica imediata. Um aumento acentuado seguido de queda da pressão arterial e da FC definiram o início da morte encefálica. O estado de morte encefálica foi confirmado pela ausência de reflexos da córnea e pelo teste de apneia.

Os animais foram monitorados por 120 min, durante os quais os parâmetros ventilatórios pré-procedimento foram mantidos. Amostras de sangue arterial foram colhidas para análises gasométricas: no momento da inserção da linha arterial (momento basal) e 60 e 120 min após os procedimentos. Após a conclusão da avaliação, foi realizada uma esternotomia mediana, e os animais foram sacrificados por meio de exsanguinação. Os blocos cardiopulmonares foram ressecados, o brônquio principal direito foi pinçado, e o pulmão esquerdo foi submetido a LBA três vezes (3 mL de solução salina normal em cada uma das vezes). O pulmão direito foi então separado do bloco cardiopulmonar e dividido em duas partes. A maior parte do pulmão direito foi congelada instantaneamente em nitrogênio líquido e armazenada a −80°C para análises posteriores de peroxidação lipídica, atividade da catalase, atividade da superóxido dismutase, e níveis de TNF-. O restante do pulmão foi fixado em formol para exame histopatológico. O lobo mediastinal foi ressecado e pesado (peso úmido) em uma balança de precisão. As amostras foram então colocadas em uma estufa a vácuo (a 70°C durante 72 h) até que se obtivesse um peso seco estável. A relação peso úmido/seco do pulmão foi então calculada e usada como um indicador de edema pulmonar.(17)

O lavado broncoalveolar foi centrifugado a 300 × g durante 5 min, e o sedimento celular resultante foi separado do sobrenadante. Após a preparação, a contagem diferencial de leucócitos foi realizada com coloração de Romanowsky. A concentração de proteínas totais foi determinada pelo método do biureto (Modular Analytics; Roche Diagnostics, Penzberg, Alemanha), ao passo que a concentração de desidrogenase lática foi determinada pelo método cinético UV (Modular Analytics).

Após as amostras terem descongelado, uma placa de 96 poços foi revestida com anticorpo monoclonal para a determinação dos níveis de TNF-. Os poços foram preenchidos com 100 µL de pulmão homogeneizado (diluição 1:2), 100 µL de controle positivo, 100 µL de controle negativo ou 100 µL de TNF- recombinante, nas concentrações estabelecidas pelo fabricante do anticorpo (Creative Biomart, Nova York, NY, EUA). A cada poço, adicionamos, em seguida, 100 µL de anticorpo policlonal anti-TNF- conjugado com peroxidase e incubamos as placas durante 3 h em temperatura ambiente. Após o período de incubação, a placa foi lavada quatro vezes com uma solução de detergente. Uma mudança de cor foi então induzida por meio da adição de peróxido de hidrogênio (0,02%) e tetrametilbenzeno (2%). A reação foi interrompida 30 min depois com ácido sulfúrico (1 M). A intensidade da cor foi medida em um leitor automático de ELISA (Titertek Multiskan®; Flow Laboratories, McLean, VA, EUA), em comprimento de onda de 450 nm, e é expressa em densidade óptica. A concentração de TNF- no pulmão homogeneizado foi calculada a partir dos resultados obtidos com uma curva-padrão.

Os produtos gerados pela peroxidação lipídica foram quantificados por meio da quantificação das thiobarbituric acid reactive substances (TBARS, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico) com 3 mg de proteína por amostra. As amostras foram incubadas a 90°C durante 30 min, e 500 µL de ácido tiobarbitúrico a 0,37% e ácido tricloroacético a 15% foram então adicionados às amostras, que foram centrifugadas a 2.000 g a 4°C durante 15 min. A absorbância foi determinada por espectrofotometria a 535 nm.(18)

A atividade da superóxido dismutase foi determinada por radiólise de pulso baseada na auto-oxidação da epinefrina, em conformidade com o método descrito por Misra & Fridovich. (19) A atividade da catalase foi determinada pelo método de espectrofotometria descrito por Maehly & Chance.(20)

A atividade da mieloperoxidase foi usada como um indicador de acúmulo de leucócitos polimorfonucleares. A taxa de mudança da absorbância foi medida por espectrofotometria a 650 nm. A atividade da mieloperoxidase foi definida como a quantidade de enzima que degradasse 1 µmol de peróxido/min a 37°C e foi expressa em mU/g de tecido úmido.

O fragmento de pulmão fixado em formol foi incluído em parafina, cortado em seções de 3 mm e corado com H&E. Um patologista que não estava ciente do protocolo experimental realizou o exame quantitativo por meio de microscopia de luz. Cada amostra de pulmão foi examinada com aumento pequeno e grande, e 20 campos foram aleatoriamente selecionados e analisados. A gravidade das lesões histológicas foi avaliada por meio da pontuação de cinco parâmetros: edema intra-alveolar; formação de membrana hialina; hemorragia; colapso alveolar focal ou consolidação e descamação epitelial ou necrose de vias aéreas ou alvéolos. Cada parâmetro foi avaliado semiquantitativamente por meio da seguinte escala: 0 = ausente; 1 = leve; 2 = moderado e 3 = proeminente. Para cada animal, as pontuações dos parâmetros foram somadas a fim de obter a pontuação final.(21)

Todos os dados coletados foram codificados, registrados e analisados com o programa Statistical Package for Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Usamos ANOVA para comparações entre os grupos. Quando a ANOVA revelava uma diferença significativa, aplicava-se o teste post hoc de Tukey para comparações múltiplas, a fim de avaliar a diferença. Usamos ANOVA para medidas repetidas para comparações entre os grupos relacionadas a variáveis dependentes medidas mais de uma vez durante o período de observação. Para cada teste, os dados foram expressos em médias e erros-padrão, e o nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.

Resultados

Não houve diferenças entre os grupos quanto à duração do procedimento; relação peso úmido/seco; medidas de gasometria arterial; atividade da mieloperoxidase; atividade da superóxido dismutase; atividade da catalase; ou, no lavado broncoalveolar, contagem diferencial de leucócitos, teor de proteína total e níveis de desidrogenase lática. Também não houve diferenças entre os grupos quanto à pressão arterial média durante o período de observação.

Os níveis de TBARS foram significativamente mais elevados nos dois grupos tratados com metilprednisolona do que nos grupos sham e ME (p < 0,001; Figura 1). Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto à pontuação histológica (Figura 2). A lesão pulmonar, representada por hemorragia intra-alveolar ou formação de membrana hialina, não foi observada em nenhuma amostra. O achado predominante foi colapso alveolar focal leve, presente na maioria das amostras, em intensidade semelhante em todos os grupos (Figura 2). Os níveis de TNF- foram significativamente mais baixos nos grupos MP5 e MP60 do que no grupo ME (p < 0,001 para ambos; Figura 3).







Discussão

A grande maioria dos estudos experimentais tem demonstrado um aumento significativo de moléculas inflamatórias e interleucinas imediatamente após a indução da morte encefálica.(22,23) Demonstrou-se que a citocina pró-inflamatória TNF- está significativamente suprarregulada no tecido pulmonar após a morte encefálica(12,24) e desempenha um papel importante no desenvolvimento de lesão pulmonar.(22) No presente estudo, a morte encefálica resultou em uma resposta inflamatória sistêmica e a administração de metilprednisolona associou-se a uma redução da expressão de TNF- no tecido pulmonar. McLean et al. obtiveram resultados semelhantes em um estudo sobre os efeitos de um glicocorticoide sobre a função miocárdica em um modelo suíno de morte encefálica.(25)

Até onde sabemos, o presente estudo é o primeiro a investigar o papel da administração de metilprednisolona em um modelo murino de morte encefálica e sua influência sobre a expressão de TNF-α e o estresse oxidativo nos pulmões.(22)

Nosso estudo demonstrou que a administração de metilprednisolona não tem nenhum efeito sobre os gases no sangue arterial ou parâmetros hemodinâmicos. A ausência de diferenças nesses achados pode estar relacionada ao curto período de observação. Em um modelo murino de transplante pulmonar, demonstrou-se que a administração de metilprednisolona imediatamente após a morte encefálica modula a lesão inflamatória do pulmão do doador, resultando em melhor desempenho do enxerto após o transplante.(14)

Clinicamente, o uso de corticosteroides em doadores de múltiplos órgãos ainda é controverso. Entretanto, vários estudos clínicos com diferentes protocolos de ressuscitação hormonal têm apresentado resultados promissores. Não obstante, ainda não se estabeleceu um protocolo-padrão, em especial no que diz respeito à recuperação pulmonar.(26-29) O uso de glicocorticoides em doadores com morte encefálica provavelmente tem dois efeitos benéficos, pois reduz a atividade inflamatória e repõe os níveis de cortisol no sangue. Embora tenhamos estudado a atividade de TNF- após a morte encefálica, teria sido interessante ter medido também os níveis de cortisol após a morte encefálica nesse modelo. Em um modelo com babuínos, Faropoulos & Apostolakis constataram que os níveis de cortisol aumentam dentro de 5 min após a indução da morte encefálica e diminuem constantemente a partir de então (ao longo dos 15-45 min seguintes), tornando-se indetectáveis 4 h após a morte encefálica.(30)

Em nossos experimentos, não encontramos diferenças nem na contagem diferencial de leucócitos no lavado broncoalveolar nem na histologia. Supomos que alterações inflamatórias pulmonares possam ser avaliadas em até 120 min de ventilação após a indução da morte encefálica em pulmões que ainda são adequados para transplante. Entretanto, há relatos baseados em outros modelos experimentais de lesão pulmonar e morte encefálica que advogam a análise da inflamação pulmonar durante as primeiras 6 h após a morte encefálica.(11)

O presente estudo tem limitações, e é preciso ter cuidado ao extrapolar seus resultados para uma situação clínica. Usamos um modelo experimental padronizado de morte encefálica em animais de pequeno porte que inclui um aumento súbito da pressão intracraniana, o que difere do que frequentemente se encontra em pacientes que evoluem para morte encefálica, nos quais a pressão intracraniana aumenta em um ritmo mais lento. Outra diferença é que o tempo transcorrido desde a morte encefálica até a captação do órgão é tipicamente muito maior no cenário clínico do que o foi em nosso modelo. Foi desenvolvido um modelo de morte encefálica em que a pressão intracraniana é gradualmente induzida pela insuflação de um cateter balão subdural. Esse modelo melhorado permite o estudo da qualidade do órgão do doador sem o uso de infusão inotrópica. No que tange à administração de corticosteroides, há evidências de que a metilprednisolona dada a cada 24 h (em doses de 15 mg/kg i.v.) durante a morte encefálica melhora a eficácia do transplante pulmonar subsequente.(13) Portanto, decidimos usar uma dose maior de metilprednisolona na tentativa de potencializar os efeitos anti-inflamatórios. O período ideal para a administração do corticosteroide ainda é controverso na literatura. No cenário clínico, espera-se que o tratamento com corticosteroides seja introduzido o mais rápido possível a fim de reduzir a atividade inflamatória. Consideramos tardia a administração realizada 60 min após a morte encefálica, já que, em um modelo animal controlado de morte encefálica, a atividade inflamatória 60 min após a morte encefálica seria consideravelmente maior do que o seria 5 min após a morte encefálica.

Os resultados do presente estudo mostram que a administração precoce de metilprednisolona após a morte encefálica aguda não melhora os índices de oxigenação ou os parâmetros hemodinâmicos em pulmões ventilados durante 120 min. Demonstramos também um aumento na geração de produtos da peroxidação lipídica nos grupos tratados com metilprednisolona após 5 e 60 min de morte encefálica. Como demonstrado previamente, o traumatismo cranioencefálico aumenta significativamente os níveis de peroxidação lipídica no tecido pulmonar somente 24 h após o trauma,(22) o que poderia explicar os resultados de peroxidação lipídica obtidos no presente estudo. Entretanto, as causas exatas desses achados não podem ser determinadas a partir de nossos experimentos.

Concluímos que, em nosso modelo de morte encefálica, tanto a administração precoce de metilprednisolona como a tardia têm efeitos semelhantes sobre a inflamação e a peroxidação lipídica no tecido pulmonar. Sugerimos que a administração tardia de metilprednisolona pode ser usada em contextos de morte encefálica, devido a seu potencial efeito anti-inflamatório. São necessários mais estudos sobre os efeitos da administração tardia de metilprednisolona no contexto de transplante pulmonar após morte encefálica, a fim de confirmar seus efeitos benéficos.


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* Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Cristiano Feijó Andrade. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Departamento de Cirurgia Torácica, Rua Ramiro Barcelos, 2350, Santa Cecília, CEP 90035-903, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel. 55 51 3359-8839. E-mail: cristianofa@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Recebido para publicação em 18/9/2012. Aprovado, após revisão, em 22/1/2013.




Sobre os autores

Eduardo Sperb Pilla
Cirurgião Torácico. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Raôni Bins Pereira
Médico. Departamento de Cirurgia Torácica, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Luiz Alberto Forgiarini Junior
Professor. Curso de Fisioterapia, Centro Universitário Metodista, Instituto Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Luiz Felipe Forgiarini
Biólogo. Departamento de Cirurgia Torácica, Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Artur de Oliveira Paludo
Acadêmico de Medicina. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Jane Maria Ulbrich Kulczynski
Professora Adjunta. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Paulo Francisco Guerreiro Cardoso
Professor Doutor. Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Cristiano Feijó Andrade
Cirurgião Torácico. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Hospital da Criança Santo Antônio, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

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