ABSTRACT
Objective: To evaluate, in a lung model simulating a mechanically ventilated patient, the efficiency and safety of the manual hyperinflation (MH) maneuver as a means of removing pulmonary secretions. Methods: Eight respiratory therapists (RTs) were asked to use a self-inflating manual resuscitator on a lung model to perform MH as if to remove secretions, under two conditions: as routinely applied during their clinical practice; and after receiving verbal instructions based on expert recommendations. In both conditions, three clinical scenarios were simulated: normal lung function, restrictive lung disease, and obstructive lung disease. Results: Before instruction, it was common for an RT to compress the resuscitator bag two times, in rapid succession. Proximal pressure (Pprox) was higher before instruction than after. However, alveolar pressure (Palv) never exceeded 42.5 cmH2O (median, 16.1; interquartile range [IQR], 11.7-24.5), despite Pprox values as high as 96.6 cmH2O (median, 36.7; IQR, 22.9-49.4). The tidal volume (VT) generated was relatively low (median, 640 mL; IQR, 505-735), and peak inspiratory flow (PIF) often exceeded peak expiratory flow (PEF), the median values being 1.37 L/s (IQR, 0.99-1.90) and 1.01 L/s (IQR, 0.55-1.28), respectively. A PIF/PEF ratio < 0.9 (which theoretically favors mucus migration toward the central airways) was achieved in only 16.7% of the maneuvers. Conclusions: Under the conditions tested, MH produced safe Palv levels despite high Pprox. However, the MH maneuver was often performed in a way that did not favor secretion removal (PIF exceeding PEF), even after instruction. The unfavorable PIF/PEF ratio was attributable to overly rapid inflations and low VT.
Keywords:
Physical therapy modalities; Respiratory therapy; Respiratory mechanics; Positive-pressure respiration.
RESUMO
Objetivo: Avaliar, em um modelo pulmonar simulando um paciente sob ventilação mecânica, a eficiência e a segurança da manobra de hiperinsuflação manual (HM) com o intuito de remover secreção pulmonar. Métodos: Oito fisioterapeutas utilizaram um ressuscitador manual autoinflável para realizar HM com o objetivo de remover secreções, em duas condições: conforme rotineiramente aplicada durante sua prática clínica, e após receberem instruções verbais baseadas em recomendações de especialistas. Três cenários clínicos foram simulados: função pulmonar normal, doença pulmonar restritiva e doença pulmonar obstrutiva. Resultados: Antes da instrução, o uso de duas compressões sequenciais do ressuscitador era comum, e a pressão proximal (Pprox) foi mais alta em relação à obtida após a instrução. Entretanto, a pressão alveolar (Palv) nunca excedeu 42,5 cmH2O (mediana, 16,1; intervalo interquartil [IQ], 11,7-24,5), mesmo com valores de Pprox de até 96,6 cmH2O (mediana, 36,7; IQ, 22,9-49,4). O volume corrente (VC) gerado foi relativamente pequeno (mediana, 640 mL; IQ, 505-735) e o pico de fluxo inspiratório (PFI) geralmente excedeu o pico de fluxo expiratório (PFE): 1,37 L/s (IQ, 0,99-1,90) e 1,01 L/s (IQ, 0,55-1,28), respectivamente. Uma relação PFI/PFE < 0,9 (que teoricamente favorece a migração do muco em direção às vias aéreas centrais) foi obtida em somente 16,7% das manobras. Conclusões: Nas condições testadas, a HM gerou valores seguros de Palv mesmo com altas Pprox. Entretanto, a HM foi comumente realizada de um modo que não favorecia a remoção de secreção (PFI excedendo PFE) mesmo após a instrução. A relação PFI/PFE desfavorável foi explicada pelas insuflações rápidas e o baixo VC.
Palavras-chave:
Modalidades de fisioterapia; Terapia respiratória; Mecânica respiratória; Respiração com pressão positiva.
IntroduçãoA hiperinsuflação manual (HM) é uma técnica proposta com a intenção de promover a remoção de secreção e a reexpansão das áreas de atelectasias, melhorando assim a complacência pulmonar e a oxigenação em pacientes sob ventilação mecânica.(1,2) Apesar da falta de evidências científicas que confirmem seus benefícios sobre os desfechos clínicos,(2-5) a HM é comumente utilizada em UTI como uma técnica de fisioterapia respiratória. A manobra é amplamente aceita como eficaz(6,7) e, no Brasil, é bastante adotada como forma de remoção de secreções retidas.(8-10) O fundamento para a utilização da técnica como auxiliar na remoção de secreção é o de que ela simula uma tosse.(11) Quando aplicada antes da aspiração, ela teoricamente move as secreções em direção às vias aéreas centrais,(12) aumentando assim a eficácia do procedimento de aspiração.
Há um debate considerável sobre a segurança e a eficiência da HM.(1,3) Mostrou-se que a eficiência da manobra de HM é afetada pelo operador e pelo tipo de ressuscitador manual utilizado,(13,14) assim como pela resistência e complacência do sistema respiratório,(15,16) afetando bastante as pressões e fluxos gerados no sistema respiratório. Em determinadas condições, a utilização dessa técnica pode gerar altos picos de pressão nas vias aéreas, aumentando o risco de barotrauma.(17)
De acordo com as recomendações de especialistas,(1,11,18) para promover a remoção de secreção, a HM deve consistir em uma inspiração lenta e profunda, uma pausa inspiratória e uma rápida liberação do ressuscitador para promover a exalação passiva com altas taxas de fluxo expiratório. Entretanto, o modo de realizar a manobra de HM pode variar de país para país, impedindo a compreensão dos seus efeitos.(1,3,5)
Desde a década de 1980, há cada vez mais evidências de que a relação entre pico de fluxo expiratório e pico de fluxo inspiratório (PFE/PFI) é um fator crítico para a remoção de secreções pulmonares, especialmente em pacientes fortemente sedados ou paralisados.(19-21) Na realidade, mais do que a relação, a diferença entre os dois, em termos de valores absolutos, parece ser o principal determinante: acima de certo limite, sempre que o PFI excede o PFE, as secreções migram mais profundamente no pulmão.(21)
De forma intuitiva, os fisioterapeutas têm promovido manobras para aumentar os fluxos expiratórios, análogos aos observados durante a tosse. Entretanto, relativamente pouca atenção tem sido dada à contraparte inspiratória, apesar das recomendações de especialistas para que se aplique uma inspiração lenta e profunda durante a HM. A fase inspiratória da HM pode ser realizada de muitas formas diferentes, dependendo da experiência pessoal do operador, e há poucas evidências de que a manobra de HM gere um viés de fluxo adequado (ou seja, com o PFE excedendo o PFI) ou de que o objetivo final da manobra (ou seja, a melhora na remoção de secreção) seja atingido.
O objetivo deste estudo foi avaliar a eficiência e a segurança da HM (realizada por fisioterapeutas em um modelo pulmonar simulando um paciente sob ventilação mecânica) com o intuito de aumentar a remoção de secreção, em duas condições diferentes: HM realizada de acordo com a prática clínica diária dos fisioterapeutas e HM realizada de acordo com as recomendações de especialistas.(1,15,18) A eficiência da HM foi determinada pela análise do volume e dos padrões de fluxo gerados em relação aos efeitos previstos sobre a remoção de secreção. A segurança da HM foi avaliada com base nas pressões inspiratórias obtidas (ou seja, se essas pressões permaneceram dentro de limites seguros durante a manobra). Nosso objetivo final foi obter uma análise qualitativa de como a HM é realizada por profissionais experientes e não abordar como ela é realizada no Brasil.
MétodosTrata-se de um estudo experimental realizado no Laboratório de Investigação Médica 09, especializado em Pneumologia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na cidade de São Paulo (SP). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
O estudo compreendeu duas fases, avaliando os efeitos da HM, realizada por fisioterapeutas, na promoção da remoção de secreções pulmonares. Na primeira fase (fase pré-instrução), os fisioterapeutas não receberam nenhuma instrução verbal sobre como aplicar a manobra. Na segunda fase, os fisioterapeutas receberam instruções baseadas em recomendações de especialistas, conforme detalhado abaixo. As duas fases serão daqui em diante chamadas de fases pré- e pós-instrução.
Todas as manobras foram realizadas com um ressuscitador manual autoinflável (SPUR®; Ambu, Ballerup, Dinamarca), com capacidade de 1.500 mL. A manobra foi aplicada por oito fisioterapeutas experientes (quatro do sexo masculino e quatro do sexo feminino), com uma média de 2,6 anos de prática (variação, 2-4 anos) em UTIs na cidade de São Paulo. Cinco dos oito haviam se formado em universidades localizadas no estado de São Paulo, e todos haviam concluído um dos programas de treinamento de pós-graduação em fisioterapia respiratória, com duração de um ano, oferecidos por hospitais universitários.
A manobra foi aplicada a um modelo mecânico do sistema respiratório conhecido como pulmão de treinamento e teste (TTL 2600; Michigan Instruments, Grand Rapids, MI, EUA), conectado a um tubo traqueal (8,5 mm). O fluxo aéreo foi medido proximalmente (entre o ressuscitador manual e o sensor de pressão proximal) com um pneumotacômetro. Dois transdutores de pressão foram conectados ao modelo: um para medir a pressão proximal (Pprox - na via aérea, entre o sensor de fluxo e o tubo traqueal) e outro para registrar a pressão alveolar (Palv). A Figura 1 ilustra a montagem experimental.
Em ambas a fases do estudo, a resistência e a complacência do modelo pulmonar foram alteradas para simular três cenários clínicos: um paciente com doença pulmonar obstrutiva (resistência de 20 cmH2O/L por segundo e complacência de 0,08 L/cmH2O); um paciente normal (resistência de 5 cmH2O/L por segundo e complacência de 0,05 L/cmH2O); e um paciente com doença pulmonar restritiva (resistência de 5 cmH2O/L por segundo e complacência de 0,025 L/cmH2O).
Na fase pré-instrução (conforme mencionado anteriormente), os fisioterapeutas foram instruídos a realizar a HM para promover a remoção de secreção pulmonar de acordo com sua prática clínica diária. O modelo pulmonar foi ajustado de acordo com os três cenários clínicos explicados acima e coberto com um lençol, permitindo que os fisioterapeutas sentissem o movimento do fole enquanto permaneciam cegados para o cenário clínico selecionado. Após aproximadamente oito ciclos de HM, os ajustes eram mudados para simular o próximo cenário (na sequência descrita acima) até que todos os três cenários tivessem sido executados. Na fase pós-instrução, cada fisioterapeuta recebeu instruções verbais breves sobre como realizar a HM de acordo com recomendações de especialistas,(1,11,18) e todos os passos realizados na fase pré-instrução foram repetidos. As instruções verbais foram dadas em um espaço de aproximadamente 2 min, e os fisioterapeutas não foram treinados para seguir um determinado padrão de insuflação. As instruções foram sempre dadas pelo mesmo pesquisador, que instruiu cada fisioterapeuta da seguinte forma: "Agora você deve realizar a HM com uma insuflação lenta e uma pausa inspiratória de 2 s, seguida de uma rápida liberação do ressuscitador".Enquanto dava as instruções, o pesquisador demonstrava a manobra com o ressuscitador manual utilizado no estudo. As instruções foram dadas duas vezes.
Os sinais analógicos dos transdutores de fluxo e pressão foram amplificados, digitalizados e gravados em 200 Hz com o uso de um sistema de aquisição de dados e análise off-line desenvolvido no software Laboratory Virtual Instrumentation and Engineering Workbench (LabVIEW; National Instruments, Austin, TX, EUA). Para cada condição experimental, três dos (aproximadamente) oito ciclos respiratórios foram selecionados aleatoriamente para análise. O início da fase inspiratória foi definido como fluxo zero imediatamente antes da insuflação, e o fim do ciclo respiratório foi definido como fluxo zero ao final da expiração. A Pprox foi definida como o valor do pico de pressão durante a fase inspiratória, medido pelo transdutor de pressão proximal. O PFI foi definido como o valor do pico de fluxo durante a fase inspiratória, medido pelo transdutor de fluxo, e o PFE foi definido como o pico de fluxo durante a fase expiratória. O volume corrente (VC) foi calculado pela integração do sinal do fluxo inspiratório. A Palv foi definida como o valor do pico de pressão durante a fase inspiratória, medido pelo transdutor de pressão alveolar. O tempo inspiratório (TI) foi definido como a duração da insuflação mais a pausa inspiratória.
Os dados são apresentados como mediana e intervalo interquartil (IQ) 25-75%. Para cada variável, ANOVA para medidas repetidas foi utilizada para avaliar os seguintes fatores intra-sujeitos: os três cenários clínicos e as duas fases (antes e após as instruções). Todas as interações de duas vias entre esses fatores também foram testadas. Fluxo inspiratório versus fluxo expiratório e pressão alveolar versus pressão proximal também foram testados como fatores intra-sujeitos para comparar variáveis de pico de fluxo e de pico de pressão, respectivamente. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
ResultadosPara cada uma das seis condições experimentais (três cenários clínicos em cada fase do estudo), analisamos três ciclos respiratórios, correspondendo a dezoito ciclos respiratórios para cada um dos oito fisioterapeutas. Portanto, analisamos um total de 144 ciclos respiratórios.
Entre todos os ciclos respiratórios analisados, a máxima Palv observada foi de 42,5 cmH2O (mediana, 16,1 cmH2O; IQ, 11,7-24,5), mesmo com valores de Pprox muito mais altos (máximo, 96,6 cmH2O - mediana, 36,7; IQ, 22,9-49,4). Os valores de VC foram relativamente baixos (máximo, 955 mL - mediana, 640; IQ, 505-735), e o TI foi curto (mediana, 1,29 s; IQ, 0,95-1,72).
De forma geral, o PFI foi significativamente mais alto do que o PFE (p < 0,02). Uma relação PFI/PFE < 0,9, que teoricamente favorece a migração do muco em direção às vias aéreas centrais,(19) foi obtida em somente 24 (16,7%) das 144 manobras avaliadas. Essa relação favorável ocorreu principalmente na fase pós-instrução (em 18 das 24 manobras) e foi fortemente associada a apenas um dos fisioterapeutas testados (que foi responsável por 12 das 24 manobras). Durante a fase pré-instrução, seis dos oito fisioterapeutas realizaram HM usando duas compressões do ressuscitador e produziram um PFI mais alto do que o produzido na fase pós-instrução (Figura 2).
A Tabela 1 mostra a comparação entre as fases pré- e pós-instrução em termos das variáveis mecânicas avaliadas. Após a instrução, a HM foi realizada de forma mais lenta, com um TI mais longo e um PFI mais baixo, produzindo uma Pprox mais baixa. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre as duas fases em termos da Palv, do VC e do PFE. A Figura 2 ilustra a diferença entre as duas fases do estudo e entre dois fisioterapeutas diferentes.
Comparando os três cenários clínicos testados e as duas fases do estudo, verificamos que a Pprox foi expressivamente mais alta do que a Palv em todas as situações, com exceção do cenário de doença pulmonar restritiva na fase pós-instrução (Figura 3). Na fase pré-instrução, os valores de PFI foram sempre mais altos do que os valores de PFE. Na fase pós-instrução, a relação PFI/PFE foi mais próxima de 1:1. A única situação em que essa relação foi sempre desfavorável (o PFI ainda excedendo em muito o PFE) foi o cenário de doença pulmonar obstrutiva (Figura 4).
DiscussãoO principal achado do presente estudo foi que, após receberem instruções explícitas, os fisioterapeutas aqui avaliados realizaram HM de uma forma que provavelmente não auxiliaria na remoção de secreção, com o PFI comumente excedendo o PFE. O uso de várias compressões do ressuscitador em rápida sucessão resultou em valores altos de PFI e de Pprox. Entretanto, esse achado foi geralmente associado a um VC relativamente baixo, provavelmente em razão dos tempos curtos de compressão do ressuscitador. Portanto, a Palv foi comumente baixa no início da expiração, resultando em um PFE baixo. Ambos os fatores (várias compressões rápidas e Palv baixa) parecem ser responsáveis pela relação desfavorável entre PFI e PFE. Finalmente, embora seja possível que a manobra de HM não promova a remoção de secreção, nossos resultados sugerem que é pouco provável que essa manobra, conforme realizada em nosso estudo, cause barotrauma, preocupação expressa por outros autores em razão da alta Pprox que ela gera.(17) No presente estudo, também observamos valores altos de Pprox. Entretanto, os valores de Palv - representados de forma aproximada por pressões de platô, que apresentam melhor correlação com barotrauma do que os valores de Pprox - ficaram dentro da faixa de segurança.
A manobra de HM foi originalmente descrita como consistindo em uma inspiração lenta e profunda, com uma pausa inspiratória e uma rápida liberação do ressuscitador.(22) Desde então, muitas técnicas diferentes de HM foram descritas, incluindo uma que fornece um VC que é maior que o VC basal para o paciente em questão(15); uma que fornece um VC que é 50% maior que o fornecido pelo ventilador(23); e uma que consiste em uma inspiração lenta (de 3 s) para atingir um pico de pressão nas vias aéreas de 40 cmH2O.(24) Por outro lado, descobrimos que os fisioterapeutas que trabalham na cidade de São Paulo customizaram a manobra de acordo com sua prática e seu viés pessoal, frequentemente aplicando duas compressões do ressuscitador, sem pausa inspiratória, fazendo com que o PFI seja mais alto que o PFE. Uma possível explicação é que a manobra aplicada dessa forma estimula a tosse e, consequentemente, melhora a remoção de secreção, ou pelo menos dá essa impressão ao fisioterapeuta. Conforme observado neste estudo, entretanto, a aplicação da manobra dessa forma pode torná-la ineficaz, com relações desfavoráveis entre fluxos inspiratórios e expiratórios, especialmente se o paciente apresentar reflexo da tosse diminuído ou for incapaz de tossir de forma eficiente.
De acordo com estudos anteriores,(19,20) acima de um determinado limite de fluxo, o sentido do transporte de muco (dentro ou fora do sistema respiratório) é governado pelo pico de fluxo mais alto: um PFE 10% mais alto do que o PFI (ou seja, uma relação PFI/PFE < 0,9) irá favorecer o movimento da secreção das vias aéreas distais para as centrais. Um estudo recente avaliando o transporte de muco artificial em um pulmão-teste(21) relatou que o transporte de muco é mais bem explicado pela diferença absoluta entre o PFI e o PFE do que pela relação PFI/PFE. Quando o PFE é mais alto do que o PFI, quanto maior a diferença entre os dois, melhor é o transporte de muco. No presente estudo, a relação PFI/PFE foi inferior a 0,9 em somente 24 (16,7%) das 144 manobras avaliadas, sendo que a maioria dessas 24 foi realizada na fase pós-instrução. Consequentemente, a mediana do PFI foi muito mais alta do que a mediana do PFE, o que é motivo de grande preocupação. Esse resultado decepcionante é concordante com os achados de alguns outros estudos em que ressuscitadores autoinfláveis também foram utilizados.(5,25)
O ressuscitador manual testado no presente estudo tinha um balão autoinflável (o tipo de ressuscitador manual mais utilizado nas UTIs do Brasil). Esses ressuscitadores costumam gerar um VC mais baixo do que o obtido com ressuscitadores que têm balões fluxo infláveis.(12,14,15) Mesmo após receberem instruções explícitas, os fisioterapeutas produziram valores de VC que foram mais baixos do que os relatados em outros estudos.(12,13,15,17) Essa diferença pode estar relacionada apenas ao tamanho do balão utilizado: 1,5 L no presente estudo, em comparação com 1,6-2,0 litros nos outros estudos citados. Relações PFI/PFE muito mais favoráveis foram relatadas quando dispositivos fluxo infláveis foram utilizados.(13)
A instrução verbal sobre como realizar a HM melhorou o desempenho dos fisioterapeutas no sentido de que a manobras pós-instrução geraram PFI mais baixos e TIs mais longos. Entretanto, essas diferenças pouco fizeram para melhorar a eficiência da técnica, pois os PFE ainda eram muito baixos. Isso é provavelmente explicado pelo fato de que a Palv ainda era muito baixa no início da expiração, o que resultou em uma pressão de condução baixa para fluxo expiratório. Outros autores relataram grande variabilidade na implantação prática da manobra de HM,(4,5,13-15,26) cuja execução raramente segue a descrição original. Isso faz com que seja praticamente impossível comparar a efetividade da HM entre estudos clínicos.(27)
Se aceitarmos o conceito de que a relação entre a PFI e o PFE é responsável pelo sentido no qual as secreções se movem,(19-21) devemos questionar a utilização de uma pausa inspiratória com base em razões fisiológicas. Em razão do relaxamento de tensão, a pressão de condução eficaz para fluxo após uma pausa será sempre mais baixa do que imediatamente após o final da inspiração.(28) Portanto a utilização de uma pausa inspiratória poderia diminuir o PFE e, consequentemente, prejudicar a eficiência da manobra de HM.
O pequeno número de fisioterapeutas participantes neste estudo impede que nossos dados sejam generalizados para aplicação em prática clínica. Entretanto, acreditamos que essa análise qualitativa, realizada com operadores representativos (de ambos os sexos, recrutados em diferentes hospitais dentro da mesma cidade), ilustrou cenários que comumente ocorrem em algumas UTIs. Outra limitação deste estudo foi a utilização de um modelo pulmonar, o qual não pode ser extrapolado para a complexidade dos pulmões humanos. Ainda assim, acreditamos que resultados semelhantes - relações PFI/PFE altas, VC baixo e Pprox alta - também seriam obtidas em pacientes humanos sob ventilação mecânica, especialmente nos que estão fortemente sedados, e isso deve chamar a atenção dos fisioterapeutas para o modo como eles realizam a manobra de HM. Se a aplicação de PFI alto durante a HM irá aumentar a remoção de secreção em pacientes com reflexo de tosse preservado é uma questão que merece maiores investigações. Não obstante, a mensagem central aqui é que a realização da HM com relações PFI/PFE altas em pacientes que são incapazes de tossir não irá auxiliar na remoção de secreção, podendo até contribuir para a retenção de muco.
Outro ponto que deve ser mencionado é que a manobra de HM pode ser realizada em combinação com compressão torácica expiratória para maximizar o aumento do PFE(10,29); entretanto não fomos capazes de investigar a utilização dessa combinação em razão do sistema experimental utilizado. Além disso, conforme anteriormente mencionado, não se pode descartar a possibilidade de que a utilização de um dispositivo ressuscitador diferente (um ressuscitador autoinflável com balão com maior volume interno ou um ressuscitador fluxo inflável) possa produzir melhores resultados.
Visto que, no Brasil, a HM é geralmente realizada sem monitoração da Pprox, deve-se considerar a opção de realizar a manobra com um ventilador mecânico, de forma que o fluxo inspiratório, o VC e a pressão possam ser facilmente monitorados e ajustados.(27,30) Em estudos comparando a HM com ressuscitador manual e a HM com ventilador mecânico,(7,27,30) não foram encontradas diferenças entre as duas modalidades em termos da quantidade de secreção removida, embora as vantagens de melhor monitoração com o ventilador mecânico tenham sido reconhecidas.
É importante observar que, embora a manobra de HM tenha sido originalmente concebida para reduzir o colapso pulmonar e melhorar a oxigenação ou a complacência pulmonar, esses potenciais benefícios não foram testados aqui. Na realidade, acreditamos que a HM deve ser utilizada apenas como técnica de remoção de secreção. Se a técnica for aplicada para recrutamento do pulmão colapsado, seus efeitos benéficos serão contrabalançados, pelo menos em parte, pelo fato de que o paciente deve ser desconectado do ventilador, expondo assim o pulmão à pressão mais baixa do ar ambiente no final de cada compressão.
Finalmente, não encontramos evidências de que a manobra de HM, conforme realizada aqui, aumente o risco de barotrauma. O valor da Palv é resultado do volume de insuflação e da complacência pulmonar, os valores de Pprox que são mais altos do que a Palv são causados por resistência no tubo orotraqueal e nas vias aéreas. Embora haja relatos empíricos de alta Pprox durante a HM em adultos, com volumes < 1 L,(17) não há evidências concretas de que a manobra seja perigosa.
Em conclusão, quando solicitada a aplicar a HM de acordo com sua prática clínica diária, essa pequena amostra de fisioterapeutas realizou a manobra de forma muito diferente da recomendada pelos especialistas, produzindo um padrão ventilatório preocupante em termos de remoção de secreção. A repetição da manobra após instruções explícitas reduziu a Pprox, mas não ajudou muito. As pressões alveolares foram geralmente baixas (em razão do pequeno VC gerado) apesar das altas pressões proximais e dos altos picos de fluxo inspiratório. Com o resultado, o PFE também foi baixo, muito mais baixo do que o PFI anterior, condição que teoricamente impacta as secreções mais profundamente no pulmão. São necessários mais estudos nessa área, principalmente com foco na utilização de dispositivos fluxo infláveis que fornecem volumes correntes mais altos.
Referências1. Denehy L. The use of manual hyperinflation in airway clearance. Eur Respir J. 1999;14(4):958-65.
2. Paulus F, Binnekade JM, Vroom MB, Schultz MJ. Benefits and risks of manual hyperinflation in intubated and mechanically ventilated intensive care unit patients: a systematic review. Crit Care. 2012;16(4):R145.
3. Branson RD. Secretion management in the mechanically ventilated patient. Respir Care. 2007;52(10):1328-42; discussion 1342-7.
4. Paulus F, Binnekade JM, Middelhoek P, Schultz MJ, Vroom MB. Manual hyperinflation of intubated and mechanically ventilated patients in Dutch intensive care units--a survey into current practice and knowledge. Intensive Crit Care Nurs. 2009;25(4):199-207.
5. Paulus F, Binnekade JM, Middelhoek P, Vroom MB, Schultz MJ. Performance of manual hyperinflation: a skills lab study among trained intensive care unit nurses. Med Sci Monit. 2009;15(8):CR418-22.
6. Gosselink R, Bott J, Johnson M, Dean E, Nava S, Norrenberg M, et al.
Physiotherapy for adult patients with critical illness: recommendations of the European Respiratory Society and European Society of Intensive Care Medicine Task Force on Physiotherapy for Critically Ill Patients. Intensive Care Med. 2008;34(7):1188-99.
7. Dennis D, Jacob W, Budgeon C. Ventilator versus manual hyperinflation in clearing sputum in ventilated intensive care unit patients. Anaesth Intensive Care. 2012;40(1):142-9.
8. Nozawa E, Sarmento GJ, Vega JM, Costa D, Silva JE, Feltrim MI. Perfil de fisioterapeutas brasileiros que atuam em unidades de terapia intensiva. Fisioter Pesqui. 2008;15(2):177-82.
9. França EE, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcante R, Duarte A, Martinez BP, et al. Physical therapy in critically ill adult patients: recommendations from the Brazilian Association of Intensive Care Medicine Department of Physical Therapy. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22.
10. Berti JS, Tonon E, Ronchi CF, Berti HW, de Stefano LM, Gut AL, et al. Manual hyperinflation combined with expiratory rib cage compression for reduction of length of ICU stay in critically ill patients on mechanical ventilation. J Bras Pneumol. 2012;38(4):477-86.
11. Hodgson C, Denehy L, Ntoumenopoulos G, Santamaria J, Carroll S. An investigation of the early effects of manual lung hyperinflation in critically ill patients. Anaesth Intensive Care. 2000;28(3):255-61.
12. Maxwell L, Ellis ER. The effects of three manual hyperinflation techniques on pattern of ventilation in a test lung model. Anaesth Intensive Care. 2002;30(3):283-8.
13. Maxwell LJ, Ellis ER. Pattern of ventilation during manual hyperinflation performed by physiotherapists. Anaesthesia. 2007;62(1):27-33.
14. Maxwell LJ, Ellis ER. The effect of circuit type, volume delivered and "rapid release" on flow rates during manual hyperinflation. Aust J Physiother. 2003;49(1):31-8.
15. McCarren B, Chow CM. Manual hyperinflation: a description of the technique. Aust J Physiother. 1996;42(3):203-8.
16. Rusterholz B, Ellis E. The effect of lung compliance and experience on manual hyperinflation. Aust J Physiother. 1998;44(1):23-8.
17. Turki M, Young MP, Wagers SS, Bates JH. Peak pressures during manual ventilation. Respir Care. 2005;50(3):340-4.
18. Stiller K. Physiotherapy in intensive care: towards an evidence-based practice. Chest. 2000;118(6):1801-13.
19. Kim CS, Iglesias AJ, Sackner MA. Mucus clearance by two-phase gas-liquid flow mechanism: asymmetric periodic flow model. J Appl Physiol. 1987;62(3):959-71.
20. Benjamin RG, Chapman GA, Kim CS, Sackner MA. Removal of bronchial secretions by two-phase gas-liquid transport. Chest. 1989;95(3):658-63.
21. Volpe MS, Adams AB, Amato MB, Marini JJ. Ventilation patterns influence airway secretion movement. Respir Care. 2008;53(10):1287-94.
22. Clement AJ, Hübsch SK. Chest physiotherapy by the 'bag squeezing' method: a guide to technique. Physiotherapy. 1968;54(10):355-9.
23. Singer M, Vermaat J, Hall G, Latter G, Patel M. Hemodynamic effects of manual hyperinflation in critically ill mechanically ventilated patients. Chest. 1994;106(4):1182-7.
24. Berney S, Denehy L, Pretto J. Head-down tilt and manual hyperinflation enhance sputum clearance in patients who are intubated and ventilated. Aust J Physiother. 2004;50(1):9-14.
25. Rodrigues MV. Estudo do comportamento hemodinâmico, da troca gasosa, da mecânica respiratória e da análise do muco brônquico na aplicação de técnicas de remoção de secreção brônquica em pacientes sob ventilação mecânica [thesis]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2007.
26. Patman S, Jenkins S, Smith K. Manual hyperinflation: consistency and modification of the technique by physiotherapists. Physiother Res Int. 2001;6(2):106-17.
27. Berney S, Denehy L. A comparison of the effects of manual and ventilator hyperinflation on static lung compliance and sputum production in intubated and ventilated intensive care patients. Physiother Res Int. 2002;7(2):100-8.
28. D'Angelo E, Milic-Emili J, Marazzini L. Effects of bronchomotor tone and gas density on time dependence of forced expiratory vital capacity maneuver. Am J Respir Crit Care Med. 1996;154(5):1318-22.
29. Dias CM, Siqueira TM, Faccio TR, Gontijo LC, Salge JA, Volpe MS. Bronchial hygiene technique with manual hyperinflation and thoracic compression: effectiveness and safety. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(2):190-8.
30. Savian C, Paratz J, Davies A. Comparison of the effectiveness of manual and ventilator hyperinflation at different levels of positive end-expiratory pressure in artificially ventilated and intubated intensive care patients. Heart Lung. 2006;35(5):334-41.
* Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Médica 09 (LIM-09), especializado em Pneumologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Mauro R. Tucci. Laboratório de Pneumologia LIM-09, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Av. Dr. Arnaldo, 455, 2º andar, sala 2144, CEP 01246-903, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3061-7361. Fax: 55 11 3061-2492. E-mail: mrotucci@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Recebido para publicação em 2/7/2012. Aprovado, após revisão, em 14/1/2013.
Sobre os autoresTatiana de Arruda Ortiz
Professora Adjunta. Departamento de Fisioterapia, Universidade de Cuiabá, Tangará da Serra (MT) Brasil.
Germano Forti
Pesquisador. Laboratório de Investigação Médica 09 (LIM-09), especializado em Pneumologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Márcia Souza Volpe
Professora Adjunta. Departamento de Fisioterapia. Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG) Brasil.
Carlos Roberto Ribeiro Carvalho
Professor Titular de Pneumologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Marcelo Brito Passos Amato
Médico Coordenador. Unidade de Terapia Intensiva Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Mauro Roberto Tucci
Médico. Unidade de Terapia Intensiva Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.