ABSTRACT
Objective: To describe the prevalences of asthma and rhinitis in adolescents (13-14 years of age) in the city of Fortaleza, Brazil, in 2010, comparing the results with those obtained in a prevalence survey conducted in 2006-2007. Methods: This was a cross-sectional study involving probabilistic samples of 3,015 and 3,020 adolescents in surveys conducted in 2006-2007 and 2010, respectively. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood protocol was used on both occasions. Results: Comparing the two periods, there were no significant differences regarding cumulative wheezing, active asthma, four or more wheezing attacks within the last year, sleep disturbed by wheezing more than one night per week, and speech-limiting wheezing. The prevalences of exercise-induced wheezing, dry cough at night, and physician-diagnosed asthma were significantly higher in 2010 than in the 2006-2007 period (p < 0.01 for all). The prevalence of physician-diagnosed rhinitis was significantly lower in 2010 (p = 0.01), whereas there were no significant differences between the two periods regarding cumulative rhinitis, current rhinitis, and rhinoconjunctivitis. In both periods, dry cough at night, current rhinitis, and rhinoconjunctivitis were significantly more prevalent in females than in males (p < 0.01 for all). Also in both periods, active asthma, current rhinitis, and rhinoconjunctivitis were more prevalent in private school students than in public school students (p < 0.01 for all). Conclusions: Our data show that the prevalences of asthma and rhinitis symptoms remain high among 13- and 14-year-olds in Fortaleza, predominantly among females and private school students.
Keywords:
Asthma/epidemiology; Rhinitis/epidemiology; Adolescent.
RESUMO
Objetivo: Descrever as prevalências de asma e rinite em adolescentes de 13-14 anos de idade em Fortaleza (CE) em 2010 e compará-las com as prevalências obtidas em um inquérito em 2006-2007. Métodos: Estudo transversal envolvendo uma amostragem probabilística de 3.015 e 3.020 adolescentes, respectivamente, em 2006-2007 e 2010, utilizando o protocolo do International Study of Asthma and Allergies in Childhood. Resultados: Na comparação entre os dois períodos, não houve diferenças significativas em relação a sibilos cumulativos, asma ativa, quatro ou mais crises de sibilos no último ano, prejuízo do sono por sibilos > 1 noite/semana e crises limitando a fala. Em 2010, houve um aumento significativo na prevalência de sibilos após exercícios, tosse seca noturna e asma diagnosticada (p < 0,01 para todos). Em 2010, houve uma redução significativa na prevalência de rinite diagnosticada (p = 0,01), enquanto não houve diferenças significativas entre os dois períodos nas prevalências de rinite cumulativa, rinite atual e rinoconjuntivite. Em ambos os períodos, tosse seca noturna, rinite atual e rinoconjuntivite foram significativamente mais prevalentes nas mulheres que nos homens (p < 0,01 para todos). Também nos dois períodos, asma ativa, rinite atual e rinoconjuntivite foram significativamente mais prevalentes nos alunos das escolas particulares do que naqueles das escolas públicas (p < 0,01 para todos). Conclusões: Nossos dados mostram que as prevalências de sintomas de asma e rinite continuam altas entre os adolescentes de 13-14 anos em Fortaleza, com predomínio no gênero feminino e em alunos de escolas particulares.
Palavras-chave:
Asma/epidemiologia; Rinite/epidemiologia; Adolescente.
IntroduçãoA asma e a rinite são doenças inflamatórias crônicas das vias aéreas que afetam grande parte da população geral e cujas prevalências vêm aumentando em várias partes do mundo nas últimas décadas.(1-3) Os fatores genéticos, embora importantes, não são capazes de justificar, isoladamente, esses aumentos observados nas prevalências, e é provável que o ambiente tenha uma maior relevância na expressão dessas doenças.(4,5) Nesse sentido, comparações entre as suas prevalências, em diferentes populações e ao longo do tempo, podem ser uma importante fonte de novas pistas para a compreensão dessas afecções.(6,7)
A asma é uma afecção cuja definição ainda é vaga e de pouca acurácia - dado que a sua patogênese ainda não está muito clara - o que pode dificultar a identificação dos casos em estudos epidemiológicos.(8) Nessa direção e buscando-se maximizar o valor das pesquisas sobre asma e alergias em crianças e adolescentes, foi desenvolvido, em 1991, o protocolo do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), para permitir comparações de prevalências dessas enfermidades e identificar suas tendências espaciais e temporais entre populações de diferentes países e regiões.(7)
O ISAAC teve como objetivos, na sua primeira fase, descrever a prevalência e a gravidade de asma, rinite e eczema em crianças de 6 e 7 anos e em adolescentes de 13 e 14 anos vivendo em diferentes localidades do mundo, assim como realizar comparações dentro e entre os vários países e regiões, além de estabelecer medidas basais para a avaliação de futuras tendências na prevalência e gravidade dessas doenças e prover uma estrutura para estudos etiológicos posteriores em genética, estilo de vida, cuidados médicos e fatores ambientais relacionados a essas doenças. A segunda fase do estudo objetivou investigar a importância relativa de hipóteses de interesse desenvolvidas na fase I, utilizando marcadores objetivos, como a broncoprovocação induzida por metacolina. Na sua terceira fase, o estudo buscou avaliar as tendências da prevalência de asma, rinite e eczema nos centros participantes da fase I, assim como inserir novos centros que não participaram da fase inicial e identificar possíveis fatores relacionados a essas tendências.(6,7)
Na primeira fase do ISAAC, considerando-se os dois grupos etários, a prevalência mundial de sintomas de asma nos 12 meses anteriores variou de 1,6% a 36,8%, e a prevalência de rinite alérgica variou de 1,4% a 39,7%.(9) Mais recentemente, os achados da fase III do ISAAC indicam que as diferenças internacionais nas prevalências de sintomas de asma têm decrescido, particularmente no grupo etário de 13-14 anos, com a diminuição dessas prevalências em países de língua inglesa e na Europa Ocidental, mas com aumentos em regiões onde essas eram previamente baixas. No entanto, os aumentos nas prevalências dessa doença registrados na África, América Latina e em partes da Ásia indicam que a sua carga global continua a aumentar.(10) Na América do Sul, as médias de prevalência de asma e rinite têm aumentado, com redução das diferenças entre os centros.(11)
No Brasil, os resultados referentes à participação de várias cidades no estudo ISAAC fase III têm confirmado as altas prevalências de asma e rinite já observadas anteriormente.(12) No estado do Ceará, ainda não está disponível um estudo comparativo das prevalências de asma e rinite em diferentes períodos. O objetivo do presente estudo, portanto, foi descrever as prevalências mais recentes (em 2010) dessas doenças entre adolescentes com 13 e 14 anos de idade residentes em Fortaleza e compará-las com as prevalências obtidas em um inquérito realizado em 2006-2007.(13,14)
MétodosTrata-se de um estudo de delineamento transversal, descritivo, de base populacional, envolvendo adolescentes de 13 e 14 anos de idade de escolas públicas e particulares, conduzido em Fortaleza (CE), e composto de dois inquéritos, um realizado em 2006-2007 e outro em 2010, durante os períodos entre abril e novembro de cada ano.
Fortaleza situa-se numa planície litorânea, logo abaixo da linha do Equador, com latitude entre 3°30' e 4°30' e a 15,49 m de altitude. Sua extensão é de 4.667,8 km2 e tem uma população de 2.431.415 habitantes.(15) A temperatura média anual oscila entre 26°C e 27°C.(16) A qualidade do ar é classificada, atualmente, como regular, com umidade relativa em torno de 82%.(17) Segundo o censo de 2010, 72,9% da população ganhava até dois salários mínimos.(15)
A cidade é dividida em seis regionais administrativas.(18) Entre as escolas que apresentavam em seus registros um número igual ou superior a 50 adolescentes na faixa etária do estudo, 29 e 27, respectivamente, foram selecionadas no período 2006-2007 e em 2010, de forma aleatória, distribuídas entre as seis regionais administrativas. Manteve-se a proporção de adolescentes de 13 e 14 anos de cada regional, otimizando-se, dessa forma, a representatividade da amostra de uma população heterogênea.
Em ambos os inquéritos, os dados foram coletados com a aplicação do questionário escrito do protocolo ISAAC, módulos asma e rinite - validados no Brasil, respectivamente, por Solé et al.(19) e Vanna et al.(20) Os questionários foram preenchidos pelos próprios adolescentes, em sala de aula, na presença da pesquisadora principal e/ou dos auxiliares de pesquisa, devidamente treinados pela mesma e especialmente instruídos para evitar explicações que pudessem interferir nas respostas - esses auxiliares receberam um manual próprio do ISAAC, que contém os detalhes do processo de trabalho em campo.(6) Cada escola foi visitada pelo menos duas vezes para minimizar os problemas relacionados ao absenteísmo e otimizar a taxa de resposta.
O protocolo ISAAC tem seu questionário composto por três módulos - asma, rinite e eczema - e sugere que a amostra seja de 3.000 sujeitos para cada faixa etária.(6,7) Escolheu-se a faixa etária de 13-14 anos por permitir uma maior facilidade operacional e um ótimo retorno dos questionários.
O módulo asma do ISAAC contém quatro questões referentes à ocorrência de sintomas da doença: sibilos alguma vez na vida (sibilos cumulativos); sibilos nos últimos 12 meses (sibilos atuais ou asma ativa); sibilos desencadeados pelos exercícios; e tosse seca noturna na ausência de resfriado ou infecção respiratória nos últimos 12 meses. Além disso, esse módulo contém três questões sobre a gravidade desses sintomas: número de crises de sibilos; sono interrompido por sibilos; e sibilância limitando a fala nos últimos 12 meses. Ainda há uma questão sobre o diagnóstico médico de asma (asma alguma vez na vida). Definiu-se asma como a presença de sibilos nos últimos 12 meses. Consideraram-se como portadores de asma grave aqueles que apresentaram, nos últimos 12 meses, "quatro ou mais crises de sibilos", e/ou "sono prejudicado por sibilos uma ou mais noites/semana" e/ou "sibilos limitando a fala". Essa última questão se refere aos episódios de asma aguda grave.(6,7)
O módulo rinite do ISAAC, que dá ênfase ao relato de sintomas não relacionados com gripes ou resfriados, é composto por seis questões,(6,7) a saber: espirros, coriza ou obstrução nasal alguma vez na vida (rinite cumulativa); espirros, coriza ou obstrução nasal nos últimos 12 meses (rinite atual ou rinite ativa), utilizada para identificar os adolescentes com rinite; espirros, coriza ou obstrução nasal acompanhados de sintomas oculares (lacrimejamento ou coceira nos olhos) nos últimos 12 meses, utilizada para identificar os adolescentes com rinoconjuntivite(7); mês ou meses em que os problemas nasais ocorreram, que não foi analisada no presente estudo; interferência dos sintomas relacionados à rinite nas atividades diárias (que mede a morbidade/gravidade dos sintomas), utilizada para definir o grau de rinite - considerou-se como "rinite grave" a resposta "muito" para essa questão -; e rinite alguma vez na vida, utilizada para identificar rinite diagnosticada.
Os dados foram processados no programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As frequências das respostas positivas às questões foram obtidas considerando-se o percentual de respostas positivas para cada questão em relação ao número total de questionários válidos. O teste do qui-quadrado foi aplicado para testar a significância estatística das comparações entre os resultados das duas pesquisas e para a análise de possíveis associações entre as variáveis. Resultados dos testes com p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (Processo nº 09554007-5, FR 31889).
ResultadosNo primeiro inquérito, em 2006-2007, foram distribuídos 3.078 questionários entre os adolescentes, com taxa de retorno de 98,9% e taxa de resposta de 97,9%, obtendo-se 3.015 questionários válidos. No segundo inquérito, em 2010, foram distribuídos 3.120 questionários, com taxa de retorno de 100% e taxa de resposta de 96,8%, obtendo-se 3.020 questionários válidos. As características dos adolescentes cujos questionários foram corretamente preenchidos encontram-se na Tabela 1, na qual se observa que, em ambos os inquéritos, houve uma maior participação do gênero feminino. A proporção de escolas públicas em relação às particulares aumentou no segundo inquérito.
Na Tabela 1, nota-se que, no segundo inquérito, em relação ao primeiro, houve um aumento significativo na prevalência de sibilos após exercícios, tosse seca noturna e asma diagnosticada (p < 0,01 para todas). Entretanto, observa-se uma redução significativa nas prevalências de rinite diagnosticada e rinite grave (p = 0,01 para ambas). Verifica-se ainda uma importante diferença entre a prevalência de asma ativa e a de asma diagnosticada, bem como entre a prevalência de rinite atual e a de rinite diagnosticada.
Na Tabela 2, observa-se que, em ambos os inquéritos, a maioria dos sintomas foram mais prevalentes entre os adolescentes das escolas particulares. Destacamos as variáveis cujas diferenças entre os tipos de escola (pública e particular) foram estatisticamente significativas em 2006-2007 e que continuaram em 2010, a saber: sibilos cumulativos, asma ativa, uma a três crises de sibilos nos últimos 12 meses, quatro ou mais crises de sibilos nos últimos 12 meses, tosse seca noturna, asma diagnosticada, rinite cumulativa, rinite atual, rinoconjuntivite, atividades diárias nada atrapalhadas por rinite e rinite diagnosticada. Quanto à variável sibilos após exercícios, foi observado um predomínio entre os adolescentes de escolas particulares em 2006-2007 com significância estatística (p = 0,03) e, em 2010, com tendência à significância estatística (p = 0,06). Quanto à questão "sono interrompido uma ou mais noites por semana", houve predomínio entre os adolescentes de escolas particulares apenas em 2010 (p < 0,01).
Observa-se, na Tabela 3, que, em ambos os tipos de escola, houve um aumento significativo na proporção de ocorrência de vários sintomas relacionados à asma quando comparados os resultados dos dois inquéritos. Entre os adolescentes das escolas públicas, a proporção de respostas positivas para "quatro ou mais crises nos últimos 12 meses" (p = 0,05), "sibilos após exercícios" (p < 0,01) e em relação à asma diagnosticada (p < 0,01) aumentou. Entre os adolescentes das escolas particulares, houve um aumento significativo na proporção dessas respostas para sibilos cumulativos (p = 0,02), asma ativa (p = 0,01) e "sono interrompido por sibilos uma ou mais noites por semana" (p < 0,01), assim como um aumento com tendência à significância (p = 0,08) quanto a "sibilos após exercícios". Em relação à questão "tosse seca noturna", houve um aumento significativo nos adolescentes tanto das escolas públicas como privadas (p < 0,01 e p = 0,05, respectivamente).
Quanto aos sintomas de rinite, houve alterações significativas apenas entre os adolescentes das escolas públicas. Aqui, houve aumentos em relação à rinite cumulativa (p = 0,05) e à resposta "atividades nada atrapalhadas por rinite" (p < 0,01), enquanto houve uma diminuição significativa na prevalência de rinite grave (p = 0,03). Não houve redução significativa na prevalência de rinite diagnosticada quando a comparação foi estratificada por tipo de escola (Tabela 3).
Nos dois inquéritos, nota-se uma predominância de vários sintomas de asma e rinite no gênero feminino (Tabela 4). Podemos destacar as seguintes variáveis, cujas diferenças entre os sexos foram estatisticamente significativas nos dois inquéritos: sibilos cumulativos, sono interrompido menos de uma noite por semana, tosse seca noturna, rinite cumulativa, rinite atual, rinoconjuntivite, atividades diárias pouco atrapalhadas por rinite e rinite diagnosticada. Quanto às variáveis asma ativa, uma a três crises de sibilos nos últimos 12 meses e atividades diárias nada ou moderadamente atrapalhadas por rinite (p < 0,01 para todas), foi observado um predomínio no gênero feminino apenas em 2006-2007. Quanto à variável sibilos após exercícios (p = 0,01), tal predomínio foi evidente apenas em 2010.
DiscussãoOs questionários têm sido os instrumentos mais amplamente utilizados em inquéritos epidemiológicos, devido às facilidades operacionais, ao baixo custo e à boa aceitabilidade, além de serem autoaplicáveis, eliminando o viés do entrevistador, e serem considerados relativamente independentes de fatores climáticos. No questionário ISAAC, a maioria das questões limita a investigação aos últimos 12 meses, buscando reduzir erros de memória e não interferir com o mês de realização do estudo. No entanto, uma preocupação que se tem, quando se realiza uma pesquisa baseada em questionários, diz respeito à habilidade da população estudada para compreender as questões e fornecer respostas adequadas. Facilitando esse processo, o questionário ISAAC apresenta-se com questões objetivas, definidas e de fácil compreensão. Ele foi validado em vários países e é mundialmente aplicado, permitindo comparações válidas entre prevalências de asma e alergias em diferentes cidades e países.(6,7,21,22)
A prevalência dos sintomas de asma e rinite foi elevada nos dois inquéritos. Apesar de ter havido um aumento na proporção de adolescentes de escolas públicas, que apresentaram menores frequências de sintomas de asma em ambos os inquéritos, o aumento de sibilos após exercícios e tosse seca noturna esteve bem evidenciado na população total do estudo. A comparação dos resultados dos dois inquéritos estratificados por tipo de escola, indicando o aumento de alguns sintomas em um grupo, mas não no outro, demonstrou que as frequências de tosse seca noturna e de sibilos após exercícios estiveram aumentadas nos dois grupos. Vale salientar que a menor proporção dos adolescentes das escolas particulares pode ter reduzido o poder estatístico dos dados para a demonstração do aumento de sibilos após exercícios nesse grupo, que teve tendência à significância estatística.
Sibilos após exercícios e tosse seca noturna estiveram também aumentados em um estudo comparativo semelhante realizado em Recife (PE). (22) Os achados do presente estudo estão também de acordo com aqueles observados na terceira fase do ISAAC, no qual as mudanças médias registradas em sibilos após exercícios (aumento de 0,15% por ano) e tosse seca noturna (aumento de 0,51% por ano) foram as mais significativas. Registraram-se, naquela fase, pequenas mudanças mistas na prevalência de sintomas de asma, mas os aumentos foram duas vezes mais comuns que os decréscimos na maioria dos centros. No caso de sibilos após exercícios, por exemplo, houve uma redução das taxas no Mediterrâneo Oriental, no subcontinente Indiano e na Oceania e aumentos nas demais regiões do globo.(10)
Os fatores envolvidos nas diferenças dessas tendências de prevalência de asma ainda não estão totalmente esclarecidos. Aspectos ambientais associados ao estilo de vida de populações e famílias, tais como exposição a alérgenos, densidade familiar, sedentarismo, obesidade, status socioeconômico, hábitos alimentares e exposição precoce a infecções, entre outros, vêm sendo apontados como de grande relevância na explicação dessas diferenças e podem oferecer interessantes oportunidades de prevenção.(4,5,23)
Os subdiagnósticos de asma e rinite, evidenciados nos dois inquéritos, têm sido observados também em outros estudos.(24-26) As respostas às perguntas "você já teve asma alguma vez na vida?" e "você já teve rinite alguma vez na vida?" dependem do reconhecimento dessas doenças pelos adolescentes, o que, por sua vez, depende da percepção de seus familiares, do acesso do paciente ao sistema de saúde, da percepção e concepção do médico assistente e da morbidade da doença.(22) Em um estudo anterior, observou-se que, na medida em que se reduzia o grau de morbidade, o número de adolescentes que não se percebiam como asmáticos aumentava.(14) Por outro lado, o aumento observado em asma diagnosticada, em nosso segundo inquérito, aponta para um melhor reconhecimento do problema nessa população ou mesmo uma melhor aceitação do termo "asma", contribuindo para que mais casos estejam sendo tratados. Corroborando essa possibilidade, registra-se, no inquérito mais recente, a manutenção das prevalências relativas à gravidade da asma, apesar do aumento nas prevalências de outros sintomas.
As frequências da maioria dos sintomas de rinite mantiveram-se semelhantes ou idênticas às registradas anteriormente, sugerindo que a prevalência dessa doença tenha atingido o pico entre esses adolescentes residentes em Fortaleza. Alguns estudos têm demonstrado um aumento paralelo nas prevalências de asma e rinite, enquanto outros não o demonstraram.(25) Na fase III do ISAAC, nenhuma tendência temporal global consistente na prevalência de rinoconjuntivite na infância pôde ser identificada.(26,27)
Pode-se atribuir a redução de rinite diagnosticada ao aumento na proporção de adolescentes de escolas públicas no segundo inquérito, pois, em ambos os inquéritos, a frequência dessa variável nos adolescentes das escolas particulares foi mais que o dobro que nos adolescentes das escolas públicas. Corroborando esse fato, não houve uma variação significativa das frequências de rinite diagnosticada entre os adolescentes do mesmo tipo de escola. Esses dados estão de acordo com aqueles encontrados em Recife (PE), onde foi observada uma menor prevalência de asma em 2002 na comparação com aquela obtida em um estudo realizado em 1994-1995. Tal redução foi também atribuída ao aumento na proporção de alunos de escolas públicas no segundo inquérito.(22)
Quanto à redução de rinite grave, supõe-se que se mais casos de asma estão sendo tratados, como presumido pelo aumento na frequência de asma diagnosticada, isso poderia, em alguma medida, influenciar a redução da gravidade da rinite, visto que essa pode estar sendo concomitantemente tratada, assim como pelo fato de que, ao se tratar a asma, pode-se obter uma melhora da rinite. É reconhecido que essas doenças têm mecanismos inflamatórios semelhantes e, frequentemente, coexistem no mesmo paciente. As mucosas nasal e brônquica apresentam similaridades, e um dos conceitos mais importantes sobre as interações entre nariz e pulmão é a complementaridade funcional.(25) Adicionalmente, entre os adolescentes das escolas públicas, houve uma melhora da percepção dos sintomas mais leves da doença - traduzida pelo aumento de respostas "atividades diárias nada atrapalhadas por sintomas nasais" - o que pode estar contribuindo para que mais casos estejam sendo tratados com a consequente diminuição dos casos graves, que se mostrou significativa exatamente nesse grupo.
A predominância de sintomas de asma e rinite no gênero feminino e entre os adolescentes das escolas particulares, observada no segundo inquérito, confirma os achados do primeiro e foi discutida em um estudo anterior.(28)
Em conclusão, o segundo inquérito, realizado em 2010, confirma as altas prevalências de asma, rinite e sintomas observadas anteriormente nesse grupo etário, evidenciando um aumento na frequência de sibilos após exercícios e tosse seca noturna. Os subdiagnósticos de asma e de rinite ainda são evidentes, embora tenha havido um aumento na frequência de relatos de asma diagnosticada e uma redução naquela de rinite grave. O estudo confirma ainda a predominância de sintomas dessas doenças no gênero feminino e entre os adolescentes das escolas particulares. Finalmente, a pesquisa apresenta, pela primeira vez, uma comparação das prevalências de asma e rinite em dois diferentes períodos, na cidade de Fortaleza, trazendo dados atuais e relevantes que oferecem um alerta aos dirigentes e planejadores de saúde no sentido de investir na qualidade dos cuidados primários voltados à prevenção e controle dessas doenças.
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Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria de Fátima Gomes de Luna. Avenida Engenheiro Santana Júnior, 2977, Condomínio Flamboyant du Parc, apto. 401, CEP 60192-205, Fortaleza, CE, Brasil.
Tel. 55 85 3224-3423. E-mail: fatimaluna@terra.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo Edital MCT/CNPq/CT-Saúde nº 54/2009 - Doenças Respiratórias na Infância.
Recebido para publicação em 22/8/2012. Aprovado, após revisão, em 4/3/2013.
Sobre os autoresMaria de Fátima Gomes de Luna
Médica Pediatra e Diretora Clínica. Hospital da Criança de Fortaleza, Fortaleza (CE) Brasil.
Gilberto Bueno Fischer
Professor. Disciplina de Doenças Respiratórias, Programa de Pós-Graduação em Ciências Pneumológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
João Rafael Gomes de Luna
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Professor. Universidade Estadual do Ceará - UECE - Fortaleza (CE) Brasil.
Paulo César de Almeida
Professor. Universidade Estadual do Ceará - UECE - Fortaleza (CE) Brasil.
Daniela Chiesa
Professora. Universidade de Fortaleza - UNIFOR - Fortaleza (CE) Brasil.