Ao Editor:A embolia pulmonar (EP) aguda é considerada uma emergência cardiovascular porque pode levar a falência ventricular direita aguda e potencialmente fatal. Relatou-se que aproximadamente 5% dos pacientes com EP aguda apresentam trombo nas câmaras cardíacas direitas,(1-3) que ocasionalmente atravessa o septo interatrial, representando uma ameaça às artérias pulmonares e à circulação sistêmica.
Um homem de 63 anos procurou o Hospital Pablo Tobon Uribe, em Medellín, na Colômbia, com queixa de dispneia nas duas semanas anteriores. O exame físico revelou taquicardia, taquipneia, hipertensão leve, distensão venosa jugular, distensão abdominal e edema nos membros inferiores. Entretanto, os achados cardíacos e pulmonares foram normais. O eletrocardiograma revelou apenas taquicardia sinusal. O paciente apresentou troponina I cardíaca = 0,2 ng/mL (normal: < 0,04 ng/mL) e pró-peptídeo natriurético cerebral N-terminal = 3.590 pg/mL (normal: < 125 pg/mL). A TC helicoidal de tórax realizada posteriormente confirmou a presença de EP ao revelar falhas de enchimento no tronco da artéria pulmonar e em seus ramos principais (Figura 1). A ultrassonografia venosa revelou trombose venosa profunda iliofemoral esquerda. O paciente passou então a receber heparina intravenosa.
O ecocardiograma realizado à beira do leito revelou uma massa grande e extremamente móvel no átrio direito, a qual se assemelhava a uma cobra; a massa estava aderida ao septo interatrial (Figura 2) e penetrava o átrio esquerdo (Vídeo 11). As imagens da TC helicoidal foram analisadas novamente, e a imagem descrita acima era evidente. O ventrículo direito (VD) estava dilatado (diâmetro basal: 4,5 cm), hipocinético (tensão longitudinal global reduzida; Figura 2) e sobrecarregado pela pressão (pressão sistólica do VD: 45 mmHg).
Não obstante o trombo nas câmaras cardíacas direitas e os achados de embolia sistêmica iminente, o cirurgião cardiovascular recusou-se a realizar trombectomia cirúrgica por causa da carga pesada e simultânea dos coágulos nas artérias pulmonares. Além disso, o tamanho do trombo no átrio esquerdo causou preocupação quanto ao risco de embolia sistêmica, o que nos impediu de realizar uma trombólise. Por isso, o paciente foi tratado apenas com anticoagulantes; decidiu-se que seria inútil realizar um ecocardiograma transesofágico. A investigação diagnóstica prosseguiu e confirmou a presença de ascite maligna. O diagnóstico final foi de adenocarcinoma de origem primária desconhecida. A evolução clínica foi satisfatória. Devido à trombocitopenia tipo I induzida pela heparina (a contagem de plaquetas caiu de 590.000 no momento da admissão para 102.000 após 8 dias de uso de heparina), o paciente recebeu alta em uso de fondaparinux. Entretanto, foi readmitido várias vezes para o tratamento paliativo da ascite. Não houve evidências clínicas de eventos cardioembólicos até sua morte, quatro meses depois.
Atualmente, apenas a presença de tensão do VD no ecocardiograma e biomarcadores elevados são recomendados para avaliar a necessidade de trombólise no contexto de EP submaciça.(4) Em casos raros, o ecocardiograma pode revelar a presença de trombo nas câmaras cardíacas direitas. No International Cooperative Pulmonary Embolism Registry (Registro Internacional Cooperativo de Embolia Pulmonar), 1.135 pacientes com EP foram avaliados por meio de ecocardiografia, e 42 (4%) apresentaram trombo nas câmaras cardíacas direitas.(1) Igualmente, dois estudos unicêntricos, cada qual com mais de 300 pacientes, relataram evidências ecocardiográficas de trombo nas câmaras cardíacas direitas em aproximadamente 5% dos pacientes.(2,3) A aparência do trombo nas câmaras cardíacas direitas pode sugerir a etiologia do coágulo.(5) Trombos tipo A são tubulares, extremamente móveis e, acredita-se, representam coágulos venosos periféricos temporariamente alojados nas câmaras cardíacas direitas. Trombos tipo B assemelham-se a trombos nas câmaras cardíacas esquerdas, são menos móveis e parecem estar associados a alterações cardíacas subjacentes. Finalmente, trombos tipo C são raros, têm aparência semelhante à dos mixomas e são extremamente móveis. Estabeleceu-se uma associação entre a aparência dos trombos e o prognóstico em curto prazo.(5) Não só a mortalidade precoce (< 8 dias) é mais elevada para pacientes com o tipo A do que para aqueles com o tipo C ou B (42%, 14% e 4%, respectivamente), mas também o risco de EP é maior para pacientes com o tipo A do que para aqueles com o tipo C ou B (79%, 62% e 38%, respectivamente). Entretanto, o desfecho depende da carga total dos coágulos e do desempenho miocárdico do VD, e não apenas do trombo intracardíaco. Além disso, depois da alta hospitalar, o prognóstico parece depender em grande parte da doença de base (sepse, tumor, doença cardíaca etc.), e não do trombo em si.(5) Quando associado a defeitos do septo cardíaco, o trombo nas câmaras cardíacas direitas representa um risco de embolia paradoxal sistêmica. Geralmente, os trombos passam das câmaras cardíacas direitas para as esquerdas através de um defeito do septo interatrial ou de forame oval patente (FOP). A presença de FOP aumenta o risco relativo (RR) de morte (RR = 2,4), acidente vascular cerebral isquêmico (RR = 5,9), embolia arterial periférica (RR = 15) e curso hospitalar complicado (RR = 5,2).(4) Diretrizes recentes recomendam que se investigue a presença de FOP em pacientes com EP,(4) embora ainda não esteja claro se e quando a cirurgia é indicada.
Finalmente, na presença de EP maciça ou submaciça, o tratamento da EP em pacientes com embolia sistêmica iminente permanece controverso. De acordo com um comunicado da American Heart Association,(4) a trombectomia cirúrgica (particularmente em pacientes com trombo intracardíaco) pode reduzir a incidência de acidente vascular cerebral, ao passo que a trombólise pode estar associada a maior mortalidade. Uma revisão sistemática recente(6) apoiou essa recomendação, mostrando que a incidência do desfecho composto de mortalidade em 30 dias ou embolia sistêmica durante o tratamento foi menor entre pacientes submetidos a trombectomia cirúrgica do que entre aqueles tratados apenas com anticoagulantes (OR = 0,26; IC95%: 0,11-0,60; p < 0,001). Essa incidência não foi significativamente menor naqueles submetidos à trombólise (OR = 0,90; IC95%: 0,28-2,86; p = 0,86). Entretanto, essas recomendações podem não ser apropriadas para pacientes com câncer, nos quais o risco de tromboembolismo venoso é maior e um tratamento mais conservador é aconselhável, uma vez que a anticoagulação pode ser suficiente, sem produzir quaisquer complicações tromboembólicas clinicamente significativas.
Nilson Lopez Ruiz
Cardiologista Assistente, Unidade de Cardiologia, Hospital Pablo Tobon Uribe, Medellín, ColômbiaReferências1. Torbicki A, Galié N, Covezzoli A, Rossi E, De Rosa M, Goldhaber SZ, et al. Right heart thrombi in pulmonary embolism: results from the International Cooperative Pulmonary Embolism Registry. J Am Coll Cardiol. 2003;41(12):2245-51.
2. Pierre-Justin G, Pierard LA. Management of mobile right heart thrombi: a prospective series. Int J Cardiol. 2005;99(3):381-8.
3. Ferrari E, Benhamou M, Berthier F, Baudouy M. Mobile thrombi of the right heart in pulmonary embolism: delayed disappearance after thrombolytic treatment. Chest. 2005;127(3):1051-3.
4. Jaff MR, McMurtry MS, Archer SL, Cushman M, Goldenberg N, Goldhaber SZ, et al. Management of massive and submassive pulmonary embolism, iliofemoral deep vein thrombosis, and chronic thromboembolic pulmonary hypertension: a scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2011;123(16):1788-830. Erratum in: Circulation. 2012;125(11):e495. Circulation. 2012;126(7):e104.
5. The European Cooperative Study on the clinical significance of right heart thrombi. European Working Group on Echocardiography. Eur Heart J. 1989;10(12):1046-59.
6. Myers PO, Bounameaux H, Panos A, Lerch R, Kalangos A. Impending paradoxical embolism: systematic review of prognostic factors and treatment. Chest. 2010;137(1):164-70.