Ao Editor:
Em um estudo muito interessante recentemente publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia, Queiroz et al.(1) relataram uma taxa de subdiagnóstico de DPOC de 71,4% na atenção primária à saúde. Além disso, os autores observaram que somente 5,6% dos indivíduos previamente diagnosticados com DPOC tinham sido submetidos a testes de função pulmonar (TFP). Gostaríamos de relatar a nossa experiência em relação à subutilização de ferramentas diagnósticas, como a espirometria, e a consequente subestimação de doenças respiratórias. O subdiagnóstico dos principais problemas de saúde, como asma e DPOC, deve ser observado, especialmente num período no qual o acesso aos serviços de saúde não é mais um direito inalienável e universal devido à recente desaceleração econômica.
A Grécia está atualmente lidando com uma grave crise financeira, que tem efeitos devastadores em todos os aspectos da vida de seus habitantes, não somente relacionados ao acesso à saúde, mas também à qualidade dos serviços de saúde disponíveis. Especificamente, a redução da renda familiar e a impossibilidade de se custear seguros de saúde têm limitado o uso de serviços de saúde de alta qualidade. O gasto governamental total (orçamento) para a saúde também foi afetado pela crise econômica. A Organização Mundial da Saúde relatou que, devido à desaceleração econômica, em países como a Grécia, a população tem procurado serviços de saúde públicos ou adiado seus cuidados de saúde por completo.(2) Consequentemente, cada vez mais pacientes permanecem sem diagnóstico, mesmo sendo sintomáticos ou apresentando fatores de risco para uma doença específica, como a DPOC.
Nosso grupo, em cooperação com a Hellenic Thoracic Society, avaliou 267 indivíduos (183 homens; média de idade: 53,5 ± 14,3 anos). Todos os participantes responderam um questionário que incluía dados demográficos e clínicos, assim como informações quanto á realização de TFP anteriores. Os participantes, em seguida, realizaram testes espirométricos de acordo com recomendações internacionais.(3)
Dos 267 indivíduos avaliados, 167 (62,5%) nunca haviam realizado TFP. Portanto, para a maioria dos participantes, nosso projeto constituiu sua primeira avaliação de função pulmonar. Dos 167 participantes que nunca realizaram TFP, 84 eram fumantes, e 48 eram ex-fumantes. Além disso, 55,1% apresentavam pelo menos um sintoma respiratório (como dispneia, expectoração e sibilância). Embora apresentassem esses fatores de risco para doenças respiratórias, os participantes nunca haviam procurado um serviço médico. Daqueles 167 participantes que nunca realizaram TFP, 32 (19,2%) tiveram resultados espirométricos alterados, e 110 (65.6%) apresentavam sintomas respiratórios, como tosse, dispneia e baixa tolerância ao exercício.
O subdiagnóstico da DPOC depende de muitos fatores que podem ser afetados pela atual crise econômica, como o acesso difícil a serviços de saúde por problemas financeiros, a falta de serviços de diagnóstico e a ausência de equipes experientes e qualificadas. Ainda, o baixo nível educacional associado à desaceleração econômica pode resultar na falta de informação quanto aos fatores de risco, o que pode até impedir que um número significativo de pacientes identifique seus sintomas.
A espirometria é um teste de função ventilatória de baixo custo e não invasivo. Ela tem um papel crítico no diagnóstico de doenças respiratórias. Entretanto, a triagem da população geral não é exequível. Um grupo de autores sugeriu que pacientes com alta probabilidade de ter DPOC deveriam ser identificados a partir de questionários baseados em sintomas e posteriormente avaliados por TFP quando necessário. Dessa forma, o diagnóstico tardio e a realização de testes espirométricos desnecessários seriam evitados.(4)
Durante uma crise financeira, quando os governos não podem investir na saúde pública e as pessoas mal podem pagar por exames especiais, o que as faz negligenciar sua saúde, a espirometria deveria ser acessível a todos os pacientes sintomáticos a fim de se obter um diagnóstico precoce e impedir a progressão da doença, o que reduziria os custos de saúde. Ferramentas de triagem, como a espirometria, deveriam estar disponíveis para indivíduos com risco de doenças respiratórias, tais como idosos e fumantes, com o objetivo de se reduzir o subdiagnóstico dessas doenças, que podem ser adequadamente tratadas quando precocemente detectadas.
Filio Kotrogianni
Residente de Pneumologia, Departamento de Medicina Respiratória, Hospital Universitário de Larissa, Larissa, Grécia
Foteini Malli
Residente de Pneumologia, Departamento de Medicina Respiratória, Hospital Universitário de Larissa, Larissa, Grécia
Konstantinos I Gourgoulianis
Professor de Pneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Tessália, Larissa, Grécia
Referências
1. de Queiroz MC, Moreira MA, Rabahi MF. Underdiagnosis of COPD at primary health care clinics in the city of Aparecida de Goiânia, Brazil. J Bras Pneumol. 2012; 38(6):692-9.
2. World Health Association. The Financial Crisis and Global Health. Report of a High-Level Consultation, 19 January 2009. Geneva: World Health Organization; 2009.
3. Standardization of Spirometry, 1994 Update. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(3): 1107-36.
4. Thorn J, Tilling B, Lisspers K, Jörgensen L, Stenling A, Stratelis G. Improved prediction of COPD in at-risk patients using lung function pre-screening in primary care: a real-life study and cost-effectiveness analysis. Prim Care Respir J. 2012;21(2):159-66.