A DPOC é uma importante condição de longo prazo associada a uma incapacitação relevante e requer novas abordagens terapêuticas. O curso da DPOC é caracterizado por episódios de exacerbações por agravamento dos sintomas respiratórios,(1) agora conhecidos por afetar o estado de saúde e a progressão da doença e por ser um fator importante para a necessidade de internação e reinternação.(2) Essas exacerbações da DPOC demandam altos custos aos serviços de saúde em todo o mundo, e, apesar de uma série de terapias farmacológicas isoladas ou em combinação possa prevenir exacerbações da DPOC, as reduções observadas nas taxas de exacerbação são de aproximadamente 25%. (3,4) Assim, novas abordagens tendo como alvo específico os mecanismos fisiopatológicos são essenciais para pacientes com DPOC.
Embora o número de exacerbações geralmente aumente com o aumento da gravidade da doença, em um estudo observacional relatou-se que cerca de 22% dos pacientes com DPOC moderada (FEV1 = 50-80% do valor previsto) eram particularmente suscetíveis a exacerbações da DPOC e apresentavam dois ou mais eventos tratados por ano, apesar de terapia usual.(5) Foi demonstrado que esses exacerbadores frequentes têm um fenótipo de frequência de exacerbação relativamente estável, e o número de exacerbações em um ano prediz o número de eventos que poderão ocorrer em anos subsequentes
Vários estudos reforçaram a importância do refluxo gastroesofágico (RGE) como uma comorbidade em pacientes com DPOC.(6-8) Não surpreende o fato de que sintomas de RGE sejam comuns com o aumento da idade da população. Aquele mesmo estudo observacional mostrou também que a presença de RGE foi relacionada à frequência de exacerbações na DPOC visto que exacerbadores frequentes têm uma chance maior de desenvolver sintomas de RGE.(5) Naquele estudo, a prevalência autorrelatada de RGE foi de 27%, semelhante à prevalência de outros estudos com pacientes com DPOC. No entanto, sabe-se que o RGE autorreferido pode subestimar a verdadeira prevalência de RGE, pois o RGE pode ocorrer na ausência de sintomas e questionários validados precisam ser utilizados para avaliar a DRGE na DPOC.
Na presente edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Sakae et al. apresentam um estudo interessante na forma de uma revisão sistemática e meta-análise sobre as relações entre sintomas de RGE e frequência de exacerbações. Essa revisão confirmou a associação entre exacerbações e RGE e mostrou que o risco de se ter uma exacerbação da DPOC foi sete vezes maior em pacientes com RGE do que naqueles sem RGE. Além disso, os autores também mostraram que pacientes com DPOC têm uma prevalência significativamente maior de RGE do que aqueles sem DPOC, enfatizando que o RGE é uma comorbidade importante e comum em pacientes com DPOC.
O RGE é uma condição complexa e pode envolver refluxo ácido e não ácido, incluindo refluxo gasoso. As várias formas de refluxo surgem através de relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior, esvaziamento gástrico retardado e aumento da pressão intra-abdominal. Esses processos são mais prováveis em pacientes idosos com DPOC que apresentem hiperinsuflação pulmonar, tosse, uso dos músculos abdominais, uso de medicamentos anticolinérgicos, e tônus autonômico alterado. Há evidências de que pacientes com DPOC apresentem colonização bacteriana das vias aéreas inferiores,(10) e hoje é sabido que a colonização aumenta a inflamação das vias aéreas e afeta a suscetibilidade a exacerbações. É possível que o refluxo nas vias aéreas possa aumentar a carga bacteriana nas vias aéreas inferiores com aumento da inflamação das vias respiratórias e, por conseguinte, aumento na susceptibilidade a exacerbações frequentes
A terapia antirrefluxo na fibrose pulmonar mostrou-se independentemente associada com maior sobrevida.(11) No entanto, um estudo realizado sobre asma não mostrou um efeito significativo do esomeprazol (inibidor da bomba de prótons) sobre a asma mal controlada, embora não houvesse evidências consideráveis de RGE assintomático em pacientes asmáticos(12) e em pacientes com DPOC.
Sasaki et al., em um estudo duplo-cego randomizado de 12 meses, relataram que o lansoprazol (inibidor da bomba de prótons) reduziu a frequência de exacerbações; porém, a amostra consistia de apenas 100 pacientes.(13) Assim, há uma necessidade de mais estudos bem projetados sobre a terapia para RGE na DPOC com poder adequado quanto à redução do número de exacerbações e com uma intervenção apropriada e direcionada aos vários tipos de refluxo.
Sabemos agora que a DPOC está associada a comorbidades complexas e que o RGE é comum em pacientes com DPOC, sendo associado a uma maior frequência de exacerbações. Assim, os sintomas de RGE precisam ser reconhecidos em pacientes com DPOC, uma vez que esses pacientes apresentarão um maior risco de futuras exacerbações e suas consequências. São necessários mais estudos para avaliar a melhor intervenção para reduzir o RGE em pacientes com DPOC para que possamos, de forma mais eficaz, prevenir exacerbações nesses pacientes e melhorar a sua qualidade de vida.
Jadwiga A. Wedzicha
Centro de Medicina Respiratória, University College London, Royal Free Campus, Londres, Reino Unido
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