ABSTRACT
Objective: To evaluate the association between extubation failure and outcomes (clinical and functional) in patients with traumatic brain injury (TBI). Methods: A prospective cohort study involving 311 consecutive patients with TBI. The patients were divided into two groups according to extubation outcome: extubation success; and extubation failure (defined as reintubation within 48 h after extubation). A multivariate model was developed in order to determine whether extubation failure was an independent predictor of in-hospital mortality. Results: The mean age was 35.7 ± 13.8 years. Males accounted for 92.3%. The incidence of extubation failure was 13.8%. In-hospital mortality was 4.5% and 20.9% in successfully extubated patients and in those with extubation failure, respectively (p = 0.001). Tracheostomy was more common in the extubation failure group (55.8% vs. 1.9%; p < 0.001). The median length of hospital stay was significantly greater in the extubation failure group than in the extubation success group (44 days vs. 27 days; p = 0.002). Functional status at discharge was worse among the patients in the extubation failure group. The multivariate analysis showed that extubation failure was an independent predictor of in-hospital mortality (OR = 4.96; 95% CI, 1.86-13.22). Conclusions: In patients with TBI, extubation failure appears to lengthen hospital stays; to increase the frequency of tracheostomy and of pulmonary complications; to worsen functional outcomes; and to increase mortality.
Keywords:
Brain injuries; Ventilator weaning; Intensive care units; Glasgow outcome scale.
RESUMO
Objetivo: Avaliar a associação entre falência da extubação e desfechos clínicos e funcionais em pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE). Métodos: Coorte prospectiva com 311 pacientes consecutivos com TCE. Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com o resultado da extubação: sucesso ou falência (necessidade de reintubação dentro de 48 h após extubação). Um modelo multivariado foi desenvolvido para verificar se a falência de extubação era um preditor independente de mortalidade hospitalar. Resultados: A média de idade foi de 35,7 13,8 anos, e 92,3% dos pacientes eram do sexo masculino. A incidência de falência da extubação foi de 13,8%. A mortalidade hospitalar foi, respectivamente, de 20,9% e 4,5% nos pacientes com falência e com sucesso da extubação (p = 0,001). A realização de traqueostomia foi mais frequente no grupo falência da extubação (55,8% vs. 1,9%; p < 0,001). A mediana de tempo de permanência hospitalar foi significantemente maior nos pacientes com falência do que naqueles com sucesso da extubação (44 dias vs. 27 dias; p = 0,002). Os pacientes com falência da extubação apresentaram piores desfechos funcionais na alta hospitalar. A análise multivariada mostrou que a falência da extubação foi um preditor independente para a mortalidade hospitalar (OR = 4,96; IC95%, 1,86-13,22). Conclusões: A falência da extubação esteve associada a maior permanência hospitalar, maior frequência de traqueostomia e de complicações pulmonares, piores desfechos funcionais e maior mortalidade em pacientes com TCE.
Palavras-chave:
Traumatismos encefálicos; Desmame do respirador; Unidades de terapia intensiva; Escala de resultado de Glasgow.
IntroduçãoPacientes vítimas de traumatismo cranioencefálico (TCE) comumente necessitam da ventilação mecânica (VM) como meio para manter a ventilação, otimizar a oxigenação e proteger a via área; contudo, efeitos adversos são associados à utilização da VM.(1,2)
A primeira fase da retirada da VM é denominada descontinuação do suporte ventilatório, e estudos têm sido conduzidos com o objetivo de determinar o melhor momento para seu início. Quando o suporte ventilatório pode ser retirado, é necessária a decisão de se realizar a extubação.(3-5)
A maioria dos pacientes é retirada da VM com sucesso, mas uma proporção desses apresenta falência de extubação, ou seja, há a necessidade de reintubação após 24-72 h da extubação. As taxas de falência da extubação variam de 5-20% a depender da população estudada. A falência da extubação tem sido associada ao prolongamento do tempo de permanência em UTIs e hospitais, assim como a maiores taxas de traqueostomia e de mortalidade.(6-10)
Esse cenário parece ser mais complicado em pacientes com comprometimento neurológico, visto que taxas mais altas de falência da extubação foram observadas nessa população.(11) Apesar do relato de piores resultados em pacientes com falência da extubação, até o momento, o impacto da falência da extubação sobre a evolução de pacientes com TCE não é conhecido e pode ser subestimado. Além disso, a associação entre desfechos funcionais e a falência da extubação não tem sido explorada. Por isso, foi conduzido um estudo prospectivo em um centro de referência em trauma com o objetivo de verificar se a falência da extubação influencia o tempo de permanência hospitalar e em UTI, a mortalidade hospitalar e em UTI e o desfecho funcional no momento da alta hospitalar e da UTI em pacientes com TCE.
MétodosUm estudo de coorte prospectivo foi conduzido entre novembro de 2008 e dezembro de 2010 em pacientes com TCE admitidos na UTI do Hospital Geral do Estado da Bahia, na cidade de Salvador (BA). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências, e os pacientes foram incluídos no estudo após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos responsáveis.
Foram incluídos pacientes adultos (idade ≥ 18 anos) de ambos os sexos com diagnóstico de TCE, sob VM por tubo orotraqueal por pelo menos 48 h, que obtiveram sucesso no teste de respiração espontânea (TRE). Foram excluídos os pacientes com traumatismo raquimedular, aqueles que evoluíram para o óbito, os que foram submetidos à traqueostomia antes da primeira extubação e os que apresentaram extubação não planejada.
Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão foram observados diariamente até o óbito ou a saída da UTI. Para cada paciente do estudo, somente o primeiro episódio de extubação foi analisado. O resultado da extubação foi classificado como sucesso ou falência. A falência da extubação foi definida como a necessidade de reintubação dentro de 48 h após a extubação.(12)
Todas as decisões sobre o desmame, extubação, reintubação, traqueostomia e utilização de ventilação não invasiva (VNI) foram tomadas pela equipe de assistência das unidades participantes, sem o envolvimento dos pesquisadores. De acordo com práticas padronizadas, os pacientes foram considerados aptos para iniciar o TRE quando esses apresentaram reversão ou controle do evento que motivou a VM, trocas gasosas adequadas e estabilidade hemodinâmica. Os pacientes foram extubados caso tolerassem de 30-120 min de TRE em pressão de suporte de 7 cmH2O ou com o uso de tubo T.
Dos pacientes reintubados, foram coletados a data e horário da reintubação e a causa da reintubação. O tempo até a reintubação foi mensurado em horas, e as causas para reintubação foram dicotomizadas em causas associadas a problemas nas vias aéreas (obstrução de vias áreas superiores, aspiração ou excesso de secreção pulmonar e broncoespasmo) e causas não associadas a problemas nas vias aéreas (desconforto respiratório excessivo, redução do nível de consciência e outras causas).
O nível de consciência foi avaliado através da Escala de Coma de Glasgow (ECG). Como os pacientes estavam sob VM e intubação orotraqueal, a resposta verbal foi designada como escore 1 para todos os pacientes.
Os desfechos clínicos analisados foram os seguintes: óbito na UTI; óbito hospitalar; necessidade de traqueostomia; tempo de permanência na UTI e tempo de permanência hospitalar; complicações pulmonares na UTI; e desfecho funcional na alta da UTI e na alta hospitalar.
As complicações pulmonares avaliadas durante a internação na UTI foram definidas da seguinte forma: pneumonia, definida como o aparecimento de infiltrado pulmonar novo ou progressivo à radiografia de tórax, associado à pelo menos dois dos seguintes sinais: secreção traqueal purulenta, temperatura corporal > 38,3°C e aumento de 25% nos valores basais de leucócitos; atelectasia evidenciada em radiografia de tórax e com presença de sintomas respiratórios agudos; traqueobronquite, considerada quando houve aumento do volume, mudança na coloração ou aspecto purulento da secreção traqueobrônquica associada à radiografia de tórax normal; e broncoespasmo, definido como a presença de sibilos associados a sintomas respiratórios agudos com necessidade de medicação broncodilatadora.
A Escala de Resultados de Glasgow (ERG) tem sido amplamente empregada para a avaliação dos resultados em vítimas de TCE por levar em consideração sequelas físicas, sociais e cognitivas. A ERG, na sua versão ampliada, foi utilizada para a determinação do desfecho funcional após o TCE. A ERG ampliada é composta de oito categorias e de um escore que varia de 1 a 8 pontos: recuperação total (8 pontos), boa recuperação (7 pontos), incapacidade moderada (6 pontos), incapacidade moderada acentuada (5 pontos), incapacidade grave (4 pontos), incapacidade grave acentuada (3 pontos), estado vegetativo persistente (2 pontos) e morte (1 ponto).(13) Os pacientes foram graduados segundo a ERG ampliada na alta da UTI e na alta hospitalar.
A variável ERG ampliada foi dicotomizada em variáveis independente (recuperação total, boa recuperação, incapacidade moderada e incapacidade moderada acentuada) e dependente (incapacidade grave, incapacidade grave acentuada, estado vegetativo persistente e morte).(14)
Os pacientes que apresentaram falência da extubação foram comparados aos pacientes extubados com sucesso em relação ao tempo de permanência na UTI e no hospital, realização de traqueostomia, mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar, complicações pulmonares e desfecho funcional.
As variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e relativas. As variáveis numéricas foram expressas em média e desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartílico (II), quando apropriado. O teste do qui-quadrado foi utilizado para a comparação das variáveis categóricas, e, quando inadequado, o teste exato de Fisher foi utilizado. O teste t de Student foi utilizado para estabelecer a significância estatística da diferença entre as médias dos grupos e, na sua impossibilidade, foi utilizado o teste de Mann-Whitney.
O modelo de regressão logística múltipla foi utilizado para avaliar a capacidade de predição de cada variável independente na ocorrência do desfecho esperado (mortalidade hospitalar). Após a análise univariada, as variáveis independentes foram inseridas no modelo logístico caso apresentassem um valor de p < 0,10, permanecendo no modelo caso continuassem significantes (p < 0,05). Foi adotado o procedimento manual para a inserção e a retirada das variáveis.
O nível de significância adotado foi de p < 0,05. O tratamento estatístico foi realizado utilizando-se o Statistical Package for the Social Sciences, versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
ResultadosDurante o período do estudo, foram incluídos 311 pacientes consecutivos com TCE extubados pela primeira vez. A média da idade dos pacientes foi de 35,7 13,8 anos. Dos 311 pacientes, 287 (92,3%) eram do sexo masculino, e a média da ECG foi de 9,7 4,4 na admissão hospitalar. O tipo de acidente mais frequente foi o motociclístico, em 33,8%; seguido de causas diversas, em 23,5%; automobilístico/atropelamento, em 18,0%; agressão física, em 16,4%; perfuração por arma de fogo, em 5,8%; e ferimento por arma branca, em 2,6%. Entre os 311 pacientes, 232 (74,6%) foram submetidos ao tratamento cirúrgico e 79 (25,4%) ao tratamento conservador. A mediana do tempo de VM foi de 7 h (II, 5-10 h).
A falência da extubação ocorreu em 43 pacientes (13,8%). Os motivos para reintubação foram insuficiência respiratória, em 18 pacientes (41,9%); obstrução de vias aéreas superiores, em 11 (25,6%); redução do nível de consciência, em 7 (16,3%); excesso de secreção pulmonar/inabilidade de proteger as vias aéreas, em 4 (9,3%); broncoespasmo, em 1 (2,3%); e outras causas, em 2 (4,7%). A mediana do tempo para reintubação foi de 6,0 h (II, 2,0-25,5 h). A maioria dos pacientes (27 casos, 62,8%) apresentou falência da extubação em até 12 h da extubação; enquanto 4 pacientes (9,3%) a apresentaram em 12-23 h da extubação; 4 (9,3%), em 24-35 h da extubação; e 8 (18,6%), em 36-48 h da extubação. Dos 311 pacientes extubados, 18 (5,8%) realizaram VNI após a extubação. Os pacientes com falência da extubação tenderam à maior utilização da VNI após a extubação (11,6% vs. 4,9%; p = 0,086).
Os pacientes com falência da extubação apresentaram maiores tempos de permanência em UTI e de permanência hospitalar. A mortalidade na UTI foi significativamente maior nos pacientes com falência da extubação quando comparados aqueles com sucesso da extubação. A necessidade de traqueostomia foi significativamente mais frequente nos pacientes do grupo falência da extubação do que no grupo sucesso da extubação (Tabela 1).
Os resultados da análise univariada para a mortalidade hospitalar são mostrados na Tabela 2. Após o ajuste para outras variáveis, a falência da extubação foi independentemente associada com a mortalidade hospitalar (Tabela 3).
Em relação à evolução dos 43 pacientes que apresentaram falência da extubação, 23 foram submetidos à segunda extubação, e, desses, 6 (27,3%) apresentaram nova falência da extubação. A realização de traqueostomia ocorreu em 24 pacientes (55,8%) dos 43 que apresentaram falência da extubação, sendo realizada em 19 após a primeira falência da extubação e em 5 após a segunda falência da extubação. Um paciente permaneceu intubado após a primeira falência da extubação até o óbito. Apenas 1 paciente foi extubado pela terceira vez e evoluiu com sucesso.
Uma diferença não significante foi observada ao se comparar a mortalidade entre pacientes reintubados por causas não associadas a problemas nas vias aéreas e àqueles reintubados por problemas associados a vias aéreas (25,9% vs. 12,5%; p = 0,45). Dentre os pacientes reintubados, aqueles que foram reintubados até 12 h tenderam a apresentar menor mortalidade hospitalar (14,8% vs. 31,3%; p = 0,26).
Foram avaliadas as complicações pulmonares na UTI em 256 dos 311 pacientes da coorte, sendo essas mais frequentes no grupo de pacientes com falência da extubação do que no grupo com sucesso da extubação (65,7% vs. 30,8%; p < 0,001).
Tomando como parâmetro os escores da ERG ampliada, os pacientes com falência da extubação apresentaram um pior desfecho funcional na alta da UTI e na alta hospitalar quando comparados aqueles com sucesso da extubação. Os pacientes com falência da extubação apresentaram uma menor média do escore de ERG ampliada na alta da UTI (3,8 2,2 vs. 5,5 1,8; p < 0,001) e na alta hospitalar (5,0 2,4 vs. 6,0 2,0; p = 0,036). A proporção de pacientes dependentes na alta da UTI e hospitalar foi significativamente maior no grupo com falência da extubação quando comparado ao grupo com sucesso da extubação (67,1% vs. 33,3%; p < 0,001; e 43,8% vs. 24,0%; p = 0,018, respectivamente). As distribuições das categorias da ERG ampliada dos pacientes com sucesso e com falência da extubação na alta da UTI e na alta hospitalar estão apresentadas na Figura 1.
DiscussãoO presente estudo examinou a associação da falência da extubação aos desfechos clínicos e funcionais em pacientes com TCE. Os pacientes que apresentaram falência da extubação tiveram maiores tempos de internamento na UTI e no hospital, maior taxa de complicações pulmonares, mais necessidade de traqueostomia, pior desfecho funcional e maior mortalidade.
Observamos, em nosso estudo, uma incidência de 13,8% de falência da extubação em pacientes com TCE, em concordância com outro estudo que avaliou uma população semelhante.(15) As incidências relatadas de falência da extubação diferem amplamente, variando de 2% a 25%.(16) Essas incidências podem ser difíceis de serem comparadas devido a diferenças nas definições de falência de extubação. Além disso, essa variação pode ser parcialmente explicada pela heterogeneidade das populações estudadas. Karanjia et al. observaram, em uma coorte heterogênea de pacientes neurológicos, uma incidência de falência da extubação inferior à do presente estudo (6%). A diferença observada pode ser justificada pelo fato que aqueles autores utilizaram para o cálculo da incidência da extubação o total de pacientes intubados ao invés do total de pacientes que foram extubados.(17)
Autores têm reportado taxas mais altas de falência da extubação em pacientes com comprometimentos neurológicos.(11,18) Contudo, a incidência observada é consistente com as descritas em outras populações.(9,19) Uma publicação recente sugere que uma taxa "ótima" de falência da extubação estaria em 5-10%.(20) Em contraste, alguns autores têm reportado que taxas de falência de extubação de 10-15% são aceitáveis.(5) Determinar qual é a taxa ideal de falência da extubação não é fácil; contudo, pode-se inferir que taxas próximas a 0% são indicativas de que muitos pacientes permaneceram desnecessariamente por um tempo prolongado em VM e taxas muito elevadas sugerem a retirada prematura da VM.
O principal motivo para a reintubação no presente estudo foi a insuficiência respiratória, consistente com os achados reportados em estudos prévios.(21,22) Nosso estudo não encontrou uma associação entre a causa da reintubação e a mortalidade hospitalar, corroborando os achados de Menon et al.(23) Diferentemente dos nossos resultados, um estudo conduzido por Epstein et al.(24) observou uma maior mortalidade nos pacientes reintubados por fatores não associados a vias aéreas. É plausível que os pacientes reintubados por obstrução de vias áreas superiores possam ter o quadro de insuficiência respiratória aguda imediatamente corrigido, enquanto a disfunção de órgãos não possa ser prontamente corrigida.
No presente estudo, os pacientes com falência da extubação tenderam a utilizar mais VNI após a extubação na análise univariada. Autores têm sugerido que a VNI após a extubação, quando empregada sem uma seleção adequada, atrasa a terapêutica apropriada e resulta em piores resultados.(25)
Nosso estudo encontrou desfechos desfavoráveis para os pacientes com falência da extubação. Isso foi relatado em estudos anteriores, com maiores taxas de mortalidade em UTI em pacientes que apresentaram falência da extubação do que naqueles que evoluíram com seu sucesso.(24,26) Além disso, no presente estudo, os pacientes com falência da extubação apresentaram maiores tempos de internamento em UTI e no hospital, corroborando achados prévios.(7)
Na amostra investigada, um número substancialmente maior de pacientes com falência da extubação necessitou de traqueostomia quando comparados aos pacientes com sucesso da extubação. Tal achado é semelhante ao observado por um grupo de autores (66,6% vs. 8,6%).(10) É possível que o evento falência da extubação, quando associado a outros fatores, como excesso de secreção pulmonar e redução do nível de consciência, tenha motivado a indicação da traqueostomia, visto que 79% das traqueostomias foram realizadas após o primeiro episódio de falência da extubação.
A mortalidade hospitalar nos pacientes com falência da extubação foi aproximadamente cinco vezes maior que naqueles com sucesso da extubação, corroborando achados da literatura.(21,27) No presente estudo, a falência da extubação foi independentemente associada à mortalidade hospitalar em pacientes com TCE. Consistente com achados prévios, na análise multivariada, a idade permaneceu como um fator de risco para a mortalidade hospitalar, mesmo quando ajustada para a falência da extubação.(28)
Devido à natureza invasiva da reintubação, esse procedimento pode provocar complicações diretas, uma vez que o ato da reintubação por si só pode estar associado a um aumento de complicações relacionadas a risco de vida. O impacto do prolongamento do tempo de VM decorrente da falência da extubação é outro fator que pode ser responsável pelos resultados adversos. Além disso, a falência da extubação pode ser apenas um marcador de maior gravidade clínica. Existe ainda a possibilidade de que ocorra uma deterioração clínica entre o momento da extubação e o da reintubação.(24) Um estudo(24) mostrou que pacientes reintubados até 12 h após a extubação apresentaram menor mortalidade do que aqueles reintubados mais tarde (24% vs. 51%; p < 0,05). No presente estudo, os pacientes reintubados até 12 h tenderam a uma menor mortalidade.
Estudos têm concluído que a necessidade de reintubação aumenta o risco para complicações pulmonares.(24,29) Um estudo de caso controle observou uma maior incidência de pneumonia nos pacientes que necessitaram de reintubação (47% vs. 10%).(29) Um estudo prospectivo em pacientes neurológicos mostrou taxas mais altas de complicações respiratórias em pacientes com falência da extubação quando comparados com aqueles com sucesso da extubação (85% vs. 15%).(8) Em nosso estudo, a taxa de complicações pulmonares nos pacientes com falência da extubação foi mais que duas vezes superior à daqueles com sucesso.
Outro achado importante do nosso estudo foi a associação entre a falência da extubação e o desfecho funcional. A associação de falência da extubação com a mortalidade ou com o tempo de permanência hospitalar tem sido estudada.(7-9,23,26) Contudo, dados sobre a sua associação com sequelas físicas são escassos. A incapacidade cognitiva, o maior tempo de VM e de permanência hospitalar são fatores que podem estar relacionados a um pior desfecho funcional em pacientes com TCE que evoluíram com falência da extubação. Além disso, a polineuropatia do doente crítico é um dos eventos que influenciam o declínio da capacidade funcional de pacientes internados em UTI. Um estudo demonstrou que a polineuropatia do doente crítico foi um preditor independente de falência do desmame ventilatório.(30)
Esses dados sobre a funcionalidade reforçam a necessidade de medidas preventivas para a falência da extubação visto que a incapacidade funcional está atrelada a condições de saúde e apresenta impactos sobre as atividades do cotidiano. Uma questão a ser considerada em futuras pesquisas seria o acompanhamento da capacidade funcional desses pacientes em longo prazo.
Nosso estudo apresenta limitações. Como todo estudo observacional, esse estudo é apenas um gerador de hipóteses; no entanto, é razoável admitir que os resultados sejam representativos da prática clínica vigente ao cuidado intensivo de pacientes com TCE. Outra provável limitação é o fato de que o estudo foi realizado em um único centro; apesar disso, a incidência de falência da extubação está dentro da variação descrita na literatura. Finalmente, não foram avaliados escores prognósticos de gravidade. Essa questão foi parcialmente resolvida pela inclusão do escore da ECG obtido na admissão hospitalar; além disso, o impacto da falência da extubação nos desfechos clínicos é compatível com os de estudos prévios, mas reconhecemos que estudos futuros que utilizem escores prognósticos permitirão uma maior precisão sobre o poder preditivo da falência da extubação sobre a mortalidade em pacientes com TCE. A despeito dessas limitações, o presente estudo conseguiu identificar que a falência da extubação caracteriza-se como um preditor de mau prognóstico na evolução de uma amostra de pacientes com TCE.
O presente estudo mostrou que a falência da extubação esteve associada a uma maior permanência hospitalar, maior frequência de traqueostomias e de complicações pulmonares, pior desfecho funcional e maior mortalidade em pacientes com TCE.
AgradecimentosEste estudo faz parte da tese de doutorado de Helena França Correia dos Reis, no Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador, BA.
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Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública,
Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Helena França Correia dos Reis, Rua Comendador Pereira da Silva, 174, Brotas, CEP 40285-040,
Salvador, BA, Brasil.
Tel. 55 71 3276-8260. E-mail: lenafran@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 3/10/2012. Aprovado, após revisão, em 5/3/2013.
Sobre os autoresHelena França Correia dos Reis
Professora Adjunta. Universidade Federal da Bahia; Professora. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública; e Fisioterapeuta.
UTI do Hospital Geral do Estado da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
Mônica Lajana Oliveira Almeida
Fisioterapeuta Supervisora. UTI do Hospital Geral do Estado da Bahia; e Professora Assistente. Faculdade Social da Bahia, Salvador
(BA) Brasil.
Mário Ferreira da Silva
Fisioterapeuta. UTI do Hospital Geral do Estado da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
Mário de Seixas Rocha
Professor Adjunto. Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública,
Salvador (BA) Brasil.