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Cartas ao Editor

Hemangiomatose capilar pulmonar: uma causa incomum de hipertensão pulmonar

Pulmonary capillary hemangiomatosis: an uncommon cause of pulmonary hypertension

Igor Murad Faria, Leonardo Hoehl Carneiro, Teófilo Augusto Araújo Tiradentes, Gláucia Zanetti, Edson Marchiori

Ao Editor:

Lemos com interesse as recentes publicações no Jornal Brasileiro de Pneumologia que ressaltaram a prevalência da hipertensão pulmonar (HP) no Brasil, particularmente como complicação da anemia falciforme(1) e da esquistossomose,(2) e discutiram o papel dos métodos de imagem na avaliação da doença.(3-5) Gostaríamos de relatar outra causa incomum de HP, a hemangiomatose capilar pulmonar (HCP), e descrever o importante papel dos métodos de imagem no estabelecimento da suspeita diagnóstica dessa condição.

Um não fumante de 25 anos de idade apresentou-se ao departamento de pneumologia com história de três meses de dispneia rapidamente progressiva. O exame físico revelou baqueteamento digital. Como o paciente apresentava taquipneia e cianose, foi necessário o uso de oxigênio suplementar. A ausculta cardíaca e o exame do tórax foram normais. O exame do abdome revelou que o fígado estava ligeiramente aumentado. O ecocardiograma transesofágico revelou um aumento do tronco da artéria pulmonar e da câmara cardíaca direita. A gasometria arterial apresentou os seguintes resultados: pH 7,46; PaCO2 = 26,6 mmHg e PaO2 = 51,8 mmHg. A radiografia de tórax mostrou dilatação do tronco da artéria pulmonar e das artérias pulmonares centrais com um infiltrado intersticial inespecífico. A angiotomografia de tórax nos permitiu excluir embolia pulmonar e revelou opacidades em vidro fosco (OVF) centrolobulares difusas, bem como dilatação acentuada (36 mm) do tronco da artéria pulmonar (Figura 1). As OVF eram bilaterais e simétricas, sem espessamento dos septos interlobulares. Na prova de função pulmonar, a DLCO foi de 20%. O paciente passou a receber terapia anticoagulante com heparina, que inicialmente resultou em ligeira melhora dos sintomas. O cateterismo pulmonar revelou pressão arterial pulmonar média de 65 mmHg e resultado negativo para peptídeo intestinal vasoativo. A pressão de oclusão da artéria pulmonar era de 13 mmHg, e o débito cardíaco era de 2,9 L/min. Por causa da suspeita diagnóstica de HCP, o paciente foi colocado na lista de espera para transplante pulmonar. Não obstante o tratamento com heparina e furosemida, o estado do paciente deteriorou-se gradualmente, e ele morreu dois meses após a admissão. A autópsia revelou dilatação proeminente das câmaras cardíacas direitas e da artéria pulmonar, bem como hemorragia alveolar difusa. O exame microscópico dos pulmões revelou áreas bem demarcadas com densa proliferação de canais capilares dentro das paredes alveolares e ao redor das paredes de vênulas e veias pulmonares, o que apoiou o diagnóstico de HCP (Figura 2).





A síndrome de HP é um grupo heterogêneo de condições cuja característica comum é o comprometimento da artéria pulmonar, resultando em aumento da resistência vascular pulmonar, hipertrofia e dilatação do ventrículo direito, que podem levar a disfunção cardíaca significativa (cor pulmonale) e morte. Atualmente, a definição de HP é pressão arterial pulmonar média em repouso ≥ 25 mmHg, medida por meio de cateterismo cardíaco direito.(5,6)

A HCP é uma causa extremamente rara de HP primária e ocorre mais comumente em adultos de 20-40 anos de idade, embora haja relatos de HCP em todas as faixas etárias, sem predileção por sexo. A apresentação clínica da HCP é muito inespecífica e mais frequentemente inclui dispneia e fadiga. Outras queixas são dor torácica, tosse crônica, edema periférico, cianose e síncope.(3) A hemoptise pode ser um sinal muito útil para diferenciar a HCP da doença veno-oclusiva pulmonar (DVOP), pois não é encontrada nesta última.

Na radiografia de tórax, a HCP aparece como opacidades reticulonodulares difusas ou bibasais. Sinais de hipertensão arterial pulmonar (HAP), tais como artérias pulmonares centrais aumentadas e dilatação do lado direito do coração, também podem estar presentes. A TC pode mostrar OVF centrolobulares difusas e mal definidas e sinais compatíveis com HAP (diâmetro do tronco da artéria pulmonar > 3 cm).(4,5) A associação entre OVF centrolobulares e os achados mencionados acima é uma pista importante para diferenciar a HCP das causas clássicas desse padrão de OVF, tais como infecções virais e pneumonite de hipersensibilidade aguda. Deve-se suspeitar de HCP e DVOP em pacientes com HAP associada a hemoptise ou derrame pleural hemorrágico e infiltrados pulmonares intersticiais.

O diagnóstico final de HCP é feito por meio de biópsia pulmonar. A biópsia pulmonar a céu aberto é o método mais preciso, porém vários pacientes não apresentam as condições clínicas necessárias para se submeter a tal procedimento. A biópsia transbrônquica foi considerada um procedimento altamente arriscado devido à possibilidade de sangramento. A proliferação de canais capilares dentro das paredes alveolares é a principal característica histológica da HCP. (6) Não há nenhum outro tratamento específico além do transplante pulmonar.

Em suma, a HCP é uma causa extremamente rara de HP primária e tem um prognóstico ruim. Essa condição deve ser considerada quando um paciente com HAP apresenta hemoptise ou derrame pleural hemorrágico e infiltrados pulmonares intersticiais, especialmente na presença de OVF centrolobulares e espessamento esparso e liso de septos interlobulares. Atualmente, a biópsia é o único método para confirmar o diagnóstico de HCP.


Igor Murad Faria
Médico Residente, Serviço de Radiologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil

Leonardo Hoehl Carneiro
Médico, Serviço de Anatomia Patológica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil

Teófilo Augusto Araújo Tiradentes
Médico Residente, Serviço de Anatomia Patológica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil

Gláucia Zanetti
Professora de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Petrópolis, Petrópolis (RJ) Brasil

Edson Marchiori
Professor Associado de Radiologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil



Referências


1. Padua AI, Martinez JA. Sickle cell anemia: a significant potential cause of pulmonary hypertension in Brazil. J Bras Pneumol. 2012;38(1):143-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132012000100021 PMid:22407053

2. Correa Rde A, Moreira MV, Saraiva JM, Mancuzo EV, Silva LC, Lambertucci JR. Treatment of schistosomiasis-associated pulmonary hypertension. J Bras Pneumol. 2011;37(2):272-6. PMid:21537664

3. Hochhegger B, Marchiori E, Irion K, Souza AS Jr, Volkart J, Rubin AS. Magnetic resonance of the lung: a step forward in the study of lung disease. J Bras Pneumol. 2012;38(1):105-15. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132012000100015 PMid:22407047

4. Vonk Noordegraaf A. The image of pulmonary hypertension. J Bras Pneumol. 2011;37(3):283-4. PMid:21755196

5. Hovnanian A, Menezes E, Hoette S, Jardim C, Jasinowodolinski D, Souza R. The role of imaging techniques in the assessment of pulmonary circulation. J Bras Pneumol. 2011;37(3):389-403. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132011000300017 PMid:21755197

6. Almagro P, Julià J, Sanjaume M, González G, Casalots J, Heredia JL, et al. Pulmonary capillary hemangiomatosis associated with primary pulmonary hypertension: report of 2 new cases and review of 35 cases from the literature. Medicine (Baltimore). 2002;81(6):417-24. http://dx.doi.org/10.1097/00005792-200211000-00002

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