Ao Editor:Recentemente, Bairral et al.(1) descreveram o interessante caso de uma paciente de 20 anos que tentou o suicídio ingerindo "chumbinho". Ela foi medicada com atropina e recebeu 50 g de carvão ativado (CA) diluído em 400 mL de manitol através de uma sonda gástrica. Poucas horas após, ela vomitou e evoluiu com rebaixamento do nível de consciência, desenvolvendo respiração agônica. À broncoscopia, obteve-se material enegrecido misturado com restos alimentares, caracterizando a aspiração do material. Exames de imagem demonstraram opacidades alveolares bilaterais.
Gostaríamos de relatar a nossa experiência em outro caso de tentativa de suicídio, no qual as complicações pulmonares e pleurais se deveram não à aspiração, mas à instilação direta de CA nas vias aéreas. Tratava-se de uma paciente do sexo feminino de 23 anos que dera entrada no hospital cerca de uma hora e meia após a ingestão de 200 mg de paroxetina. Ela chegou ao hospital em coma, sendo submetida à lavagem gástrica com uma solução de 1,5 L de CA. Imediatamente desenvolveu tosse seca e dispneia. A radiografia de tórax mostrou derrame pleural direito e, na toracocentese, houve a saída de um líquido negro, identificado como CA (Figura 1). A TC revelou derrame pleural e consolidação no lobo inferior direito, ambos com densidade elevada (valores de atenuação de aproximadamente 130 UH), além de pneumotórax (Figura 2). Esses achados levaram à suspeição de instilação direta de CA nos pulmões pela colocação da sonda nasogástrica nas vias aéreas. À broncoscopia, houve a saída de material negro emergindo do lobo inferior direito. Foi observada a saída de ar pelo dreno torácico, sugerindo fístula broncopleural. A paciente foi submetida à pleuroscopia com lavagem pleural e, quinze dias após, com o fechamento da fístula, teve alta hospitalar. Alguns dados do presente caso foram reportados em uma publicação anterior.(2)
A maioria das complicações relacionadas ao tratamento com CA resulta de aspiração do conteúdo gástrico, conforme relatado por Bairral et al.,(1) e não da aspiração direta do CA. Eventualmente, a sonda nasogástrica pode ser colocada erroneamente na traqueia, e a administração direta do CA nas vias aéreas pode ocorrer. Outra complicação relacionada à instilação direta de carvão nas vias aéreas é o envolvimento pleural. Achados de derrame pleural, presença de carvão no líquido recolhido e pneumotórax associado à fístula broncopleural são provavelmente secundários à instilação de grande quantidade de solução de CA nas vias aéreas distais.(3) A ruptura pleural causada pela sonda nasogástrica, a ruptura de uma bolha subpleural após a aspiração (com o consequente desenvolvimento de fístula broncopleural) e a perfuração do esôfago, com a formação de fístula esofagopleural, são mecanismos possíveis para o envolvimento pleural.(4)
A incidência de inserção inadvertida de sonda nasogástrica na traqueia e nas vias aéreas distais varia de 0,3% a 15%.(5) O exame físico frequentemente não é um bom preditor do mau posicionamento da sonda, especialmente em pacientes inconscientes. O posicionamento da sonda, em geral, é avaliado inicialmente por aspiração de fluidos ou por insuflação de ar e ausculta do abdome. Essas manobras podem propiciar resultados falso-positivos.(6) A confirmação radiográfica da posição da sonda deve ser obtida antes da administração de CA.(3)
Em conclusão, em pacientes tratados com CA, a presença de material com alta densidade no parênquima pulmonar ou na cavidade pleural na TC é fortemente sugestiva de instilação acidental do produto nas vias aéreas.
Luiz Felipe Nobre
Professor de Radiologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil
Edson Marchiori
Professor Associado de Radiologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil
Daniel Yared Forte
Ex-Residente de Pneumologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil
Gláucia Zanetti
Professora de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Petrópolis, Petrópolis, (RJ) Brasil
Referências
1. Bairral BQ, Saito M, Morrone N. Activated charcoal bronchial aspiration. J Bras Pneumol. 2012;38(4):533-4. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132012000400018 PMid:22964940
2. Nobre LF, Marchiori E, Carrão ÂD, Zanetti G, Mano CM. Pulmonary instillation of activated charcoal: early findings on computed tomography. Ann Thorac Surg. 2011;91(2):642-3; author reply 643. http://dx.doi.org/10.1016/j.athoracsur.2010.06.064 PMid:21256344
3. Seder DB, Christman RA, Quinn MO, Knauft ME. A 45-year-old man with a lung mass and history of charcoal aspiration. Respir Care. 2006;51(11):1251-4. PMid:17067407
4. Sabga E, Dick A, Lertzman M, Tenenbein M. Direct administration of charcoal into the lung and pleural cavity. Ann Emerg Med. 1997;30(5):695-7.
http://dx.doi.org/10.1016/S0196-0644(97)70090-8
5. Boyes RJ, Kruse JA. Nasogastric and nasoenteric intubation. Crit Care Clin. 1992;8(4):865-78. PMid:1393755
6. Thomas B, Cummin D, Falcone RE. Accidental pneumothorax from a nasogastric tube. N Engl J Med. 1996;335(17):1325. http://dx.doi.org/10.1056/NEJM199610243351717 PMid:8992337