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Artigo Original

Reprodutibilidade da versão brasileira da escala de gravidade da fadiga e sua correlação com função pulmonar, dispneia e capacidade funcional em pacientes com DPOC

Reliability of the Brazilian Portuguese version of the fatigue severity scale and its correlation with pulmonary function, dyspnea, and functional capacity in patients with COPD

Silvia Valderramas, Aquiles Assunção Camelier, Sinara Alves da Silva, Renata Mallmann, Hanna Karine de Paulo, Fernanda Warken Rosa

ABSTRACT

To describe the intra-rater and inter-rater reliability of the Brazilian Portuguese version of the fatigue severity scale (FSS) in patients with COPD and to identify the presence of its association with parameters of pulmonary function, dyspnea, and functional capacity. Methods: This was an observational cross-sectional study involving 50 patients with COPD, who completed the FSS in interviews with two researchers in two visits. The FSS scores were correlated with those of the Medical Research Council (MRC) scale, as well as with FEV1, FVC, and six-minute walk distance (6MWD). Results: The mean age of the patients was 69.4 ± 8.23 years, whereas the mean FEV1 was 46.5 ± 20.4% of the predicted value. The scale was reliable, with an intraclass correlation coefficient of 0.90 (95% CI, 0.81-0.94; p < 0.01). The FSS scores showed significant correlations with those of MRC scale (r = 0.70; p < 0.01), as well as with 6MWD (r = −0.77; p < 0.01), FEV1 (r = −0.38; p < 0.01), FVC (r = −0.35; p < 0.01), and stage of the disease in accordance with the Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease criteria (r = 0.37; p < 0.01). Conclusions: The Brazilian Portuguese version of the FSS proved reliable for use in COPD patients in Brazil and showed significant correlations with sensation of dyspnea, functional capacity, pulmonary function, and stage of the disease.

Keywords: Fatigue; Pulmonary disease, chronic obstructive; Reproducibility of results; Validation studies.

RESUMO

Objetivo: Descrever a reprodutibilidade intra e interobservador da versão brasileira da escala de gravidade da fadiga (EGF) em pacientes com DPOC e verificar a presença de sua associação com parâmetros de função pulmonar, dispneia e capacidade funcional. Métodos: Estudo observacional de corte transversal no qual 50 pacientes com DPOC responderam a EGF em forma de entrevista a dois pesquisadores em duas visitas. Os escores da EGF foram correlacionados aos da escala Medical Research Council (MRC), VEF1, CVF e a distância percorrida no teste da caminhada de seis minutos (DTC6). Resultados: A média de idade dos pacientes foi de 69,4 ± 8,23 anos, enquanto a de VEF1 foi de 46,5 ± 20,4% do previsto. A EGF foi considerada reprodutível, com um coeficiente de correlação intraclasse de 0,90 (IC95%, 0,81-0,94; p < 0,01). Os escores da EGF mostraram correlações significantes com os da escala MRC (r = 0,70; p < 0,01), DTC6 (r = −0,77; p < 0,01), VEF1 (r = −0,38; p < 0,01), CVF (r = −0,35; p < 0,01) e a estágio da doença pela Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (r = 0,37; p < 0,01). Conclusões: A versão brasileira da EGF mostrou-se reprodutível para uso em pacientes com DPOC no Brasil e apresentou correlações significantes com a sensação de dispneia, capacidade funcional, função pulmonar e estágio da doença.

Palavras-chave: Fadiga; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Reprodutibilidade dos testes; Avaliação; Estudos de validação.

Introdução

A fadiga é um importante sintoma e está presente em 43-58% dos pacientes com DPOC,(1-5) com um grande impacto sobre a capacidade funcional e a qualidade de vida desses pacientes.(6,7)

Atualmente, a fadiga é definida como "um sintoma subjetivo e desagradável que incorpora sensações corporais totais, que vão desde o cansaço até a exaustão, criando uma condição implacável global que interfere com a capacidade dos indivíduos para funcionar com sua capacidade normal".(8) A fadiga impõe aos pacientes com DPOC limitações de motivação, concentração e disposição para a prática de atividades, como trabalho e vida social,(9) levando muitas vezes a uma profunda frustração, depressão e sensação de perda de controle emocional importantes.(5)

A escala de Borg(10) tem sido rotineiramente utilizada para quantificar a sensação de fadiga em membros inferiores durante a realização de esforço físico ou em testes de capacidade funcional. No entanto, um instrumento que quantifique a fadiga relacionada às atividades de vida diária também deve ser considerado como uma importante ferramenta no processo de avaliação e tratamento do paciente com DPOC. A escala de gravidade da fadiga (EGF),(11) já traduzida para a língua portuguesa usada no Brasil, tem sido amplamente utilizada para avaliar a fadiga em doenças neurológicas,(12-14) em idosos(15) e em portadores de neoplasias.(16,17)

É uma escala autoaplicável formada por nove afirmações que descrevem a gravidade e a influência da fadiga nas atividades de vida diária dos indivíduos durante as duas últimas semanas.

A hipótese dos pesquisadores foi de que a EGF apresentaria boa reprodutibilidade, além de boa consistência interna e validade, ou seja, se correlacionaria com a função pulmonar, a percepção de dispneia e a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (DTC6). Outra hipótese do estudo foi de que os pacientes com fadiga apresentariam maiores limitações clínicas e funcionais (gravidade da obstrução aérea, estágio da doença, dispneia e capacidade funcional de exercício).

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a reprodutibilidade intraobservador e interobservador da EGF e verificar se há associações do grau de fadiga com a função pulmonar, percepção de dispneia e capacidade funcional ao exercício em pacientes com DPOC.

Métodos

O estudo de corte transversal avaliou pacientes com DPOC segundo o consenso da Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD),(18) clinicamente estáveis e sem mudança de medicação por pelo menos três meses antes de participarem do estudo. Os pacientes foram selecionados em um centro médico universitário no período entre outubro e dezembro de 2011. Foram excluídos pacientes envolvidos em qualquer tipo de atividade física antes do início do estudo, aqueles portadores de qualquer doença não pulmonar que causasse limitação funcional e fadiga, como doença cardiovascular grave, e aqueles que apresentaram problemas na compreensão dos itens da escala (avaliado segundo critérios subjetivos dos entrevistadores).

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional, e todos os participantes assinaram um termo de consentimento.

A EGF é composta por nove afirmações, sendo que, para cada item, o paciente é instruído a escolher um escore que varia de 1 a 7, sendo 7 o nível máximo de concordância com a afirmação. O escore total da EGF é determinado pelo cálculo da média entre todos os itens, sendo que uma pontuação  4 indica a presença de fadiga.(11)

Para determinar a reprodutibilidade da EGF, a escala foi aplicada por dois entrevistadores, em duas ocasiões diferentes, com um intervalo de duas semanas entre elas. As avaliações foram denominadas entrevista 1 (E1, avaliação da reprodutibilidade intraobservador) e entrevista 2 (E2, avaliação da reprodutibilidade interobservador). As entrevistas foram realizadas de forma independente pelos avaliadores com um intervalo de 30 min entre elas.(19) Embora os pacientes fossem alfabetizados e seguindo a metodologia utilizada em outros estudos,(13,14) durante a aplicação da escala, o entrevistador realizava a leitura das questões, e assinalava a resposta indicada pelo paciente.
Adicionalmente, foram avaliados o grau de dispneia por meio da escala do Medical Research Council (MRC),(20) já traduzida e validada para a língua portuguesa do Brasil,(21) a DTC6(22) e parâmetros da função pulmonar (CVF e VEF1).(23)

A análise dos dados foi realizada por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A análise estatística descritiva (frequência, média, desvio-padrão, mediana e intervalo interquartílico) foi utilizada para a caracterização demográfica, antropométrica e clínica dos pacientes avaliados, a depender do tipo de variável e da distribuição dos dados. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI), com o respectivo IC95%, foi utilizado para avaliar a reprodutibilidade interobservador nas avaliações E1 e E2, e o teste de Wilcoxon foi utilizado para verificar se houve diferença entre essas aplicações. A concordância intraobservador entre E1 e E2 e a concordância interobservador foram avaliadas visualmente por meio da disposição gráfica de Bland & Altman. Nessa disposição gráfica, as diferenças são dispostas, a média geral e a variância são calculadas, e é construído o IC95% ao redor da média, assumindo-se uma distribuição normal dos dados. Para verificar a associação entre a escala EGF e as variáveis grau de dispneia pela escala MRC, DTC6, gravidade da doença, VEF1 e CVF, foi utilizado o teste de Spearman. O nível de significância estatística adotado foi de p < 0,05.

Resultados

Foram incluídos no estudo 50 pacientes, todos alfabetizados, sendo que 28 (56%) eram pertencentes ao sexo masculino. Não foram encontradas diferenças significantes entre os sexos em relação a nenhuma das variáveis avaliadas. Todos os pacientes faziam uso de broncodilatadores. Os dados sociodemográficos, gerais e clínicos estão descritos na Tabela 1.



Não houve diferenças significativas nos escores da ESF na comparação entre E1 e E2 intraobservador (p = 0,76), e interobservador (p = 0,67).

Os CCI intraobservador e interobservador foram significantes para a EGF (0,90 [0,81-0,94]; p < 0,01; e 0,95 [0,92-0,98]; p < 0,01, respectivamente). O coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,90.

A confiabilidade teste-reteste foi demonstrada pelas disposições gráficas de Bland & Altman para a EGF entre E1 e E2, assim como entre os dois avaliadores (Figura 1).



As correlações da EGF com a gravidade da doença (critérios GOLD), SpO2, VEF1, CVF, escala MRC e DTC6 estão demonstradas na Tabela 2.



A mediana do escore da ESF foi de 5,33 (variação, 1-7). A prevalência de fadiga na amostra avaliada foi de 60% (n = 30); consequentemente, foi possível dividir a amostra em dois grupos - com fadiga (n = 30) e sem fadiga (n = 20). Quando comparados, os grupos apresentaram diferenças significantes em relação aos escores da ESF, parâmetros espirométricos (VEF1, CVF e relação VEF1/CVF), critérios GOLD, escala MRC e DTC6 (Tabela 3).



Discussão

Os resultados do presente estudo demonstraram que a versão brasileira da EGF é reprodutível para seu uso na avaliação de fadiga em pacientes com DPOC. Além disso, a EGF mostrou uma correlação forte e significativa de sua pontuação com o grau de dispneia e a DTC6, assim como a EGF foi capaz de estratificar a amostra em dois grupos (com fadiga e sem fadiga) e detectar diferenças entre os mesmos em relação aos parâmetros avaliados.

Para instrumentos (como escalas e questionários) serem considerados adequados para uso clínico ou de pesquisa em países onde esses não foram desenvolvidos, é necessário avaliar a sua reprodutibilidade,(11) que é definida como a capacidade de um instrumento apresentar baixa ou nenhuma variabilidade ao ser utilizado por diferentes pesquisadores ou em momentos distintos.

A ausência de uma diferença estatisticamente significativa na confiabilidade teste-reteste, juntamente com o alto valor do CCI e com uma consistência interna excelente (coeficiente alfa de Cronbach de 0,90) demonstram a reprodutibilidade da EGF em pacientes com DPOC.

A reprodutibilidade da EGF também foi avaliada visualmente através da análise das disposições gráficas de Bland & Altman, que mostraram que a razão do viés (diferença entre E1 e E2) foi muito próxima de zero, o que demonstrou uma boa concordância entre as entrevistas e entre os dois avaliadores.

Em relação ao tempo de aplicação da escala, não houve diferença estatística entre E1 e E2 (5 ± 3 min e 3 ± 2 min, respectivamente), embora o tempo de teste na E2 tenha sido mais curto. Acreditamos que essa diferença mínima pode ser devida ao fato de que os pacientes tiveram uma melhor compreensão das perguntas. Esse tempo foi menor quando comparado à aplicação da mesma escala em pacientes com doença de Parkinson no Brasil.(13) Os autores acreditam que essa diferença pode ser justificada pelo maior comprometimento do estado cognitivo dos pacientes com doença de Parkinson.

Em relação à validade de construto, o escore da ESF demonstrou uma correlação forte e significativa com o grau de dispneia pela escala MRC (r = 0,69) e com a DTC6 (r = −0,77), bem como uma correlação moderada com o estágio da doença, SpO2 e os parâmetros espirométricos VEF1, CVF e relação VEF1/CVF.

Alguns estudos também investigaram a prevalência e a associação entre fadiga e parâmetros funcionais e clínicos em pacientes com DPOC, utilizando, no entanto, outras escalas ou questionários, tais como a fatigue impact scale,(24) multidimensional fatigue inventory,(25) chronic respiratory disease questionnaire,(26) e functional assessment of chronic illness therapy-fatigue scale.(27)

Somente um estudo(20) utilizou a fatigue severity scale, cujos resultados demonstraram que a presença de fadiga esteve correlacionada com a idade (r = −0,31), grau de dispneia pela escala MRC (r = 0,27) e qualidade de sono (r = 0,37). Nossos resultados demonstraram uma força de correlação mais elevada com a escala MRC, o que pode ser justificado pela presença, em nossa amostra, de um grande número de pacientes em estágio avançado da doença.


Em um estudo de validação da escala MRC para uso no Brasil,(21) os resultados demonstraram uma fraca correlação com a DTC6 (r = −0,33). A escala MRC é um instrumento que avalia as limitações impostas pela dispneia e,(29) por isso, é menos sensível para identificar fadiga quando comparada à EGF.

Nossos resultados confirmam que a fadiga é um sintoma comum em pacientes com DPOC, afetando 60% da amostra estudada. Não houve diferenças em relação a idade, sexo, índice de massa corpórea e SpO2 entre os grupos com e sem fadiga. Pacientes com fadiga estavam na maioria em um estágio avançado da doença (GOLD III e IV), apresentaram maior comprometimento da função pulmonar, maior grau de dispneia e menor DTC6 (Tabela 3). A mediana do escore da EGF foi de 5,33, valor mais elevado do que aqueles encontrados por outros autores que utilizaram essa escala em pacientes com DPOC (mediana de 3,91)(27) e em pacientes com doença de Parkinson (mediana de 4,6).(11) O valor mais alto demonstrado em nosso estudo pode ser justificado pela presença de um número elevado de pacientes em estágio avançado da doença.

O tamanho da amostra do presente estudo excedeu o de outro estudo de validação da EGF,(13) assim como o de outras escalas ou questionários, como o Saint George's Respiratory Questionnaire,(29) escala MRC e Pulmonary Functional Status and Dyspnea Questionnaire - Modified version,(21) o que demonstra a importante reprodutibilidade e validade externa da EGF.

A EGF é um instrumento simples e útil para a avaliação da fadiga, sintoma muito frequente em pacientes com DPOC, sendo que sua utilização pode contribuir mais especificamente para avaliar a efetividade de uma intervenção clínica (física e farmacológica) sobre a fadiga de pacientes com DPOC. Além disso, a identificação da associação entre a fadiga e os principais aspectos funcionais e clínicos relacionados ao paciente com DPOC, como a presença de dispneia e a diminuição da capacidade funcional de exercício, pode levar a intervenções mais específicas no processo de reabilitação.

Dessa forma, os resultados do presente estudo demonstraram que a versão brasileira da EGF mostrou-se reprodutível para uso em pacientes com DPOC no Brasil e apresentou uma forte correlação com o grau de dispneia e a DTC6.

Agradecimentos

Agradecemos a Professora Dra. L. B. Krupp a autorização para a utilização da EGF.

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*Trabalho realizado na Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba (PR) Brasil.
Endereço para correspondência: Silvia Valderramas. Rua Paulo Martins, 298, CEP 81710-000, Curitiba, PR, Brasil
Tel. 55 41 3218-5550. E-mail: svalderramas@uol.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB)
Recebido para publicação em 29/4/2013. Aprovado, após revisão, em 18/7/2013.




Sobre os autores

Silvia Valderramas
Professora, Faculdade Dom Bosco e Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba (PR) Brasil.

Aquiles Assunção Camelier
Professor, Escola Bahiana de Medicina e Saude Publica/Hospital Português, Salvador (BA) Brasil.

Sinara Alves da Silva
Fisioterapeuta, Universidade do Estado da Bahia - UNEB - Salvador (BA) Brasil.

Renata Mallmann
Fisioterapeuta, Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba (PR) Brasil.

Hanna Karine de Paulo,
Fisioterapeuta, Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba (PR) Brasil.

Fernanda Warken Rosa
Professora. Universidade do Estado da Bahia - UNEB - Salvador (BA) Brasil.

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