ABSTRACT
Objective: To determine the probability of oxygen desaturation in healthy individuals undergoing the incremental shuttle walk test (ISWT). Methods: We enrolled 83 healthy subjects: 55 males (including 1 smoker) and 28 females. We determined pre-ISWT FEV1, FEV6, HR and SpO2, as well as post-ISWT HR and SpO2. Results: Mean values overall were as follows: age, 35.05 ± 12.53 years; body mass index, 24.30 ± 3.47 kg/m2; resting HR, 75.12 ± 12.48 bpm; resting SpO2, 97.96 ± 1.02%; FEV1, 3.75 ± 0.81 L; FEV6, 4.45 ± 0.87 L; FEV1/FEV6 ratio, 0.83 ± 0.08 (no restriction or obstruction); incremental shuttle walk distance, 958.30 ± 146.32 m; post-ISWT HR, 162.41 ± 18.24 bpm; and post-ISWT SpO2, 96.27 ± 2.21%. In 11 subjects, post-ISWT SpO2 was higher than was pre-ISWT SpO2. In 17 subjects, there was a 4% decrease in SpO2 after the ISWT. There were no statistically significant differences between the groups with and without post-ISWT oxygen desaturation in terms of age, gender, FEV1, FEV6, FEV1/FEV6, pre-ISWT SpO2, incremental shuttle walk distance, HR, or percentage of maximal HR. In the individuals with post-ISWT oxygen desaturation, the body mass index was higher (p = 0.01) and post-ISWT SpO2 was lower (p = 0.0001). Conclusions: Healthy individuals can present oxygen desaturation after the ISWT. Using the ISWT to predict subtle respiratory abnormalities can be misleading. In healthy subjects, oxygen desaturation is common after the ISWT, as it is during any intense physical activity.
Keywords:
Heart function tests; Respiratory function tests; Body mass index; Oximetry
RESUMO
Objetivo: Determinar a probabilidade de dessaturação arterial em indivíduos saudáveis submetidos ao incremental shuttle walk test (ISWT). Métodos: Foram estudados 83 indivíduos saudáveis, dos quais 55 eram homens (1 deles fumante) e 28 eram mulheres. Foram determinados VEF1 e VEF6 antes da realização do ISWT, assim como FC e SpO2 antes e depois do ISWT. Resultados: As médias gerais foram as seguintes: idade, 35,05 ± 12,53 anos; índice de massa corporal, 24,30 ± 3,47 kg/m2; FC em repouso, 75,12 ± 12,48 bpm; SpO2 em repouso, 97,96 ± 1,02%; VEF1, 3,75 ± 0,81 L; VEF6, 4,45 ± 0,87 L; relação VEF1/VEF6, 0,83 ± 0,08 (sem restrição ou obstrução); distância percorrida no ISWT, 958,30 ± 146,32 m; FC pós-ISWT, 162,41 ± 18,24 bpm e SpO2 pós-ISWT, 96,27 ± 2,21% Em 11 indivíduos, houve um aumento da SpO2 após o ISWT, ao passo que em 17 houve uma queda de 4%. Não houve diferença estatística entre os grupos com e sem dessaturação após o ISWT no tocante às variáveis idade, gênero, VEF1, VEF6, VEF1/VEF6, SpO2 basal, distância percorrida no ISWT, FC e porcentagem da FC máxima. Nos indivíduos que apresentaram dessaturação, o índice de massa corporal foi maior (p = 0,01) e a SpO2 pós-ISWT foi menor (p = 0,0001). Conclusões: Indivíduos saudáveis podem apresentar dessaturação após o ISWT. O uso do ISWT para prever a presença de problemas respiratórios sutis pode ser enganador. Em indivíduos saudáveis, a dessaturação é um evento comum após o ISWT, assim como o é durante a atividade física intensa.
Palavras-chave:
Testes de função cardíaca; Testes de função respiratória; Índice de massa corporal; Oximetria.
IntroduçãoEmbora pacientes com fibrose pulmonar intersticial ou hipertensão arterial pulmonar possam apresentar SpO2 normal em repouso, alguns apresentam dessaturação de oxigênio após o exercício submáximo.(1,2) A PaO2 ao final do exercício diminui após o exercício máximo, e o exercício de estado estacionário submáximo mostrou-se uma importante medida da gravidade da doença na fibrose pulmonar intersticial.(3,4) Lama et al. demonstraram que pacientes com pneumonia intersticial usual que apresentaram dessaturação de oxigênio durante e após um teste de caminhada de seis minutos (TC6) - uma diminuição ≥ 4% da saturação de oxigênio em relação à saturação basal (sat ≥ 4%) - eram mais de quatro vezes mais propensos a morrer durante o seguimento.(5) Os achados mencionados acima nos levaram à hipótese de que uma diminuição da saturação de oxigênio durante uma caminhada autocadenciada (um teste de esforço submáximo) seria uma medida significativa do estado da doença em pacientes com esclerodermia. Nossos resultados mostraram que, na análise de regressão logística múltipla, a variável sat ≥ 4% associou-se significativamente a idade, dispneia e duas outras variáveis relacionadas ao envolvimento pulmonar, ou seja, CVF < 80% do previsto (avaliada por meio de espirometria) e positividade para o anticorpo Scl-70, que é um marcador de doença pulmonar na esclerodermia. No entanto, o modelo estatístico aplicado aos dados não indicou qual das variáveis dependentes analisadas (sat ≥ 4% ou a distância percorrida) era melhor em prever doença pulmonar. Não obstante, sat ≥ 4% pareceu ser capaz de fornecer mais informações sobre essa questão do que a distância percorrida.(6)
Outro estudo realizado por nosso grupo de pesquisa, com pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, mostrou que aqueles com sat ≥ 4% após o TC6 (avaliada por oximetria de pulso) apresentaram redução significativa da distância percorrida no TC6 (DTC6), que foi 443 m nos pacientes que apresentaram dessaturação de oxigênio e 497 m naqueles que não o fizeram (p = 0,0291). No entanto, ambas as DTC6 situaram-se bem acima do limite inferior da normalidade. Além disso, quando comparados aos pacientes que não apresentaram dessaturação de oxigênio, aqueles que o fizeram apresentaram maior FC pós-TC6 (p = 0,0170), menor PEmáx (p = 0,0282), menor PImáx (p = 0,0504) e um padrão de doença pulmonar restritiva (determinado por meio de espirometria). Esses resultados sugerem que a dessaturação de oxigênio é mais sensível que a DTC6 para detectar a presença de alterações respiratórias em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (dados não publicados). Portanto, a dessaturação de oxigênio durante o exercício submáximo parece ser um desfecho mais sensível para detectar alterações respiratórias sutis em doenças pulmonares e em doenças sistêmicas que afetam a respiração.
Testes de esforço máximo, como os testes de exercício cardiopulmonar, podem fornecer informações importantes sobre a integração entre os sistemas cardiovascular e respiratório durante o exercício. Embora os testes de exercício cardiopulmonar tenham sido amplamente usados para investigar várias doenças pulmonares, são testes complexos que exigem equipamentos caros.
O incremental shuttle walk test (ISWT, teste de caminhada com carga progressiva) é um teste de esforço máximo que fornece dados que se correlacionam bem com as medições feitas durante testes de exercício cardiopulmonar incremental e é mais simples e menos caro do que estes. O fato de que mesmo pacientes com poucos sintomas e envolvimento pulmonar leve podem apresentar diminuição da saturação de oxigênio em um teste submáximo nos levou a perguntar como a saturação de oxigênio se comportaria durante um teste máximo de caminhada, como o ISWT. Poderia melhorar a sensibilidade do TC6 na detecção de comprometimento respiratório? Com o objetivo de explorar essa hipótese, decidimos realizar o ISWT em indivíduos saudáveis, a fim de determinar a probabilidade de dessaturação de oxigênio ao final do teste.
MétodosTrata-se de um estudo transversal com indivíduos saudáveis que frequentavam uma academia particular de ginástica na cidade de Campinas (SP). Todos os participantes frequentavam a academia a fim de se manter fisicamente ativos e saudáveis, e nenhum deles era atleta profissional. Foram convidados a participar do estudo e concordaram em realizar os testes incluídos no protocolo.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, em Campinas (SP), e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Os indivíduos eram considerados inaptos para o ISWT se apresentassem história de doença pulmonar ou cardíaca ou qualquer outro problema de saúde que pudesse impedi-los de realizar o ISWT. Um questionário padronizado foi aplicado a todos os participantes para garantir que não preenchiam nenhum dos critérios de exclusão.
Um medidor de pico de fluxo digital (Koko Peak Pro 6; Ferraris Cardiorespiratory PDS Healthcare Products Inc., Louisville, CO, EUA) foi usado para determinar o VEF1 e VEF6 antes do ISWT. A relação VEF1/VEF6 foi calculada pelo dispositivo e exibida na tela. Cada participante realizou pelo menos três manobras expiratórias forçadas após manobras inspiratórias máximas, e a melhor manobra foi escolhida automaticamente pelo medidor de pico de fluxo.
A FC e saturação de oxigênio em repouso foram determinadas com um oxímetro de pulso equipado com um sensor de dedo (Nonin Medical, Inc., Plymouth, MN, EUA). Caso o participante a ser testado estivesse usando esmalte nas unhas, o esmalte era removido antes do teste. A fim de garantir a precisão da medida da saturação de oxigênio, o investigador principal certificou-se de que o oxímetro de pulso mostrasse um sinal de pulso aceitável e que a luz do oxímetro estivesse verde e pulsando em sincronia com a FC antes do início dos testes.
O protocolo usado para o ISWT foi a versão de 12 níveis proposta por Singh et al.(7) para a avaliação da capacidade funcional em pacientes com DPOC. Todos os participantes foram testados em condições padronizadas, pelo mesmo investigador. A pista de caminhada era plana e tinha 10 m de comprimento. Foi delimitada por dois cones posicionados dentro da pista, 0,5 m antes de cada extremidade, para evitar a necessidade de mudanças bruscas de direção. A velocidade com que os participantes caminharam foi ditada por um sinal de áudio reproduzido em um microcomputador portátil. Cada participante recebeu uma explicação padronizada ("você deve caminhar em ritmo constante, com o objetivo de virar sempre que ouvir o sinal; você deve continuar a caminhar até que sinta que não é mais capaz de manter a velocidade exigida"). No primeiro nível do teste, a velocidade de caminhada calculada foi 0,5 m/s, e o número de shuttles esperados eram 3; no décimo segundo nível, a velocidade de caminhada foi 2,37 m/s e esperavam-se 14 shuttles. Todos os indivíduos foram cuidadosamente observados durante o teste para que não excedessem seu limite de exercício.
A saturação de oxigênio também foi medida imediatamente após o final do ISWT. Para a análise dos dados, considerou-se dessaturação de oxigênio a diminuição ≥ 4% da saturação de oxigênio (SpO2) em relação ao valor basal (sat = saturação de oxigênio em repouso − saturação de oxigênio imediatamente após o ISWT). Essa diminuição de 4% na saturação de oxigênio foi validada em estudos de hipoxemia induzida pelo exercício durante testes de esforço máximo em atletas.(8) Considerou-se incremental shuttle walk distance (ISWD) máxima a distância máxima que os participantes foram capazes de percorre durante o ISWT.
Uma diminuição ≥ 4% na saturação de oxigênio foi usada para dividir a população estudada em dois grupos. O teste de Anderson-Darling foi aplicado às variáveis medidas e às características demográficas dos dois grupos para determinar sua distribuição. As variáveis cuja distribuição foi normal foram analisadas com o teste t de Student. As variáveis cuja distribuição não foi normal foram analisadas com o teste de Wilcoxon. Os dados categóricos foram comparados por meio do teste do qui-quadrado ou do teste exato de Fisher. A análise estatística foi realizada com o programa SAS, versão 8 (SAS Institute, Inc., Cary, NC, EUA). As diferenças foram consideradas significantes quando p < 0,05.
ResultadosOitenta e três indivíduos que frequentavam uma academia de ginástica em Campinas (SP) foram convidados a participar do estudo e aceitaram o convite. Dos 83 participantes, 55 eram do sexo masculino e 28 eram do sexo feminino. Apenas 1 era fumante. A média de idade foi de 35,05 ± 12,53 anos, e a mediana foi 32 anos. A média do índice de massa corporal (IMC) foi de 24,30 ± 3,47 kg/m2, e a mediana foi 24,5 kg/m2. A média da FC em repouso foi de 75,12 ± 12,48 bpm, e a mediana foi 73 bpm. A média da SpO2 em repouso foi de 97,96 ± 1,02%, e a mediana foi 98%. A média do VEF1 foi de 3,75 ± 0,81 L, e a mediana foi 3,65 L. A média do VEF6 foi de 4,45 ± 0,87 L, e a mediana foi 4,38 L. A média da relação VEF1/VEF6 foi de 0,83 ± 0,08, e a mediana foi 0,82. Em todos os participantes, o VEF6 medido situou-se acima do limite inferior da CVF prevista (conforme se determinou por meio das equações desenvolvidas para a população brasileira), e todos apresentaram VEF1/VEF6 ≥ 0,8. Esses resultados permitem-nos supor que nenhum dos participantes tinha doença pulmonar restritiva ou obstrutiva (Tabela 1).
A ISWD média foi de 958,30 ± 146,32 m, e a mediana foi 1.020 m. A média da FC pós-ISWT foi de 162,41 ± 18,24 bpm, e a mediana foi 166 bpm. A média da SpO2 pós-ISWT foi de 96,27 ± 2,21%. Em 11 participantes, os valores de saturação de oxigênio pós-ISWT foram maiores do que os valores basais. Em 17 participantes, a saturação de oxigênio diminuíra ≥ 4% ao final do teste. Em 2 participantes, a SpO2 foi < 92% (Tabela 2).
A população estudada foi dividida em dois grupos com base na presença de dessaturação de oxigênio ≥ 4% após o ISWT. Não foram encontradas diferenças entre os dois grupos quanto à idade, gênero, VEF1, VEF6, VEF1/VEF6, saturação de oxigênio inicial (SpO2 em repouso), ISWD, FC em repouso, FC após o ISWT e porcentagem da FC máxima (Tabela 1). O IMC foi significativamente maior naqueles que apresentaram dessaturação de oxigênio (p = 0,01), e houve diferença significativa entre os dois grupos no tocante à SpO2 após o ISWT (p < 0,0001).
DiscussãoEm 66 participantes, os valores de saturação de oxigênio após o ISWT foram bastante semelhantes aos basais, um achado que era esperado por causa da intensidade do exercício realizado. Em 11 indivíduos, os valores da SpO2 após o ISWT foram maiores que os valores basais. Esse resultado não é incomum, uma vez que a atividade física melhora a ventilação e o recrutamento alveolar. No entanto, 17 (20,7%) dos 83 indivíduos da amostra estudada apresentaram queda significativa da saturação de oxigênio durante o ISWT (sat ≥ 4%). Esse resultado foi inesperado, e há poucas informações na literatura sobre o que acontece com a saturação de oxigênio após o ISWT em indivíduos saudáveis.
A hipoxemia induzida pelo exercício em atletas é arbitrariamente definida como uma diminuição da PaO2 de aproximadamente 7,5 mmHg,(7) SaO2 abaixo de 95% ou ambas; casos extremos apresentam SaO2 < 88%.(9) O consumo de oxigênio aumenta durante o exercício para satisfazer às necessidades impostas pelo aumento da taxa metabólica e correlaciona-se com a intensidade do trabalho até que todos os indivíduos alcancem o consumo máximo de oxigênio.(10) Cada etapa do transporte de oxigênio do ar ambiente para as células pode limitar o consumo de oxigênio do corpo todo, e a circulação foi considerada o mais importante fator que limita o consumo máximo de oxigênio durante o exercício que envolve grande massa muscular.
A diminuição da PaO2 e SaO2 é bastante comum durante o teste de esforço máximo em remoergômetro.(11) Nesses indivíduos, o débito cardíaco pode exceder 30 L/min; nessas circunstâncias, a capacidade de renovar o ar alveolar e manter elevadas pressões parciais de oxigênio, a resistência de difusão ao oxigênio na membrana alveolocapilar, a redução do tempo de trânsito das hemácias no capilar pulmonar e o aumento da probabilidade de desequilíbrio entre a ventilação e a perfusão são extremamente importantes para o consumo de oxigênio.(12)
A prevalência de hipoxemia induzida pelo exercício parece ser elevada, chegando a 50%.(13) A intensidade do exercício determina o grau de hipoxemia.(14) A dessaturação de oxigênio é também mais pronunciada durante o exercício que envolve o corpo todo, como o remo ou a corrida, do que durante o exercício de membros inferiores, e o exercício de membros inferiores é mais capaz de induzir hipoxemia do que o exercício de membros superiores.(14) Isso sugere que a quantidade de massa muscular envolvida no exercício influencia o surgimento de dessaturação de oxigênio.
Em 1984, Dempsey et al.(15) estudaram a incidência de hipoxemia arterial induzida pelo exercício em 16 corredores saudáveis altamente treinados que eram capazes de atingir e manter taxas metabólicas muito altas, inclusive um consumo máximo de oxigênio de 72 ± 2 mL/kg. Os gases arteriais e o estado ácido-básico foram determinados a cada carga de um teste de esforço progressivo de curto prazo e repetidamente determinados durante a corrida em esteira rolante com carga constante. Foram encontrados três tipos de respostas, as quais foram bastante reprodutíveis dentre os indivíduos testados: quatro corredores mantiveram a PaO2 a 10 mmHg dos valores em repouso; outros quatro apresentaram redução de 10-15 mmHg na PaO2 e os demais oito corredores apresentaram PaO2 notavelmente diminuída. A redução da PaO2 variou de 21 mmHg a 35 mmHg; a PaO2 caiu para menos de 75 mmHg em todos os casos e para menos de 60 mmHg em dois casos. Durante o exercício com carga constante, a PaO2 frequentemente se manteve durante os 30 s iniciais, quando a hiperventilação foi maior; posteriormente, houve hipoxemia, cuja gravidade, na maioria dos casos, permaneceu igual ou piorou ao longo dos 3-4 min que se seguiram. A hipoxemia mais grave durante o exercício pesado associou-se a uma diferença entre a pressão parcial alveolar de oxigênio (estimada) e a PaO2 (medida) superior a 40 mmHg. A análise de todas as variáveis medidas durante a investigação levou os autores à hipótese de que a hipoxemia observada atribuía-se a uma limitação de difusão secundária a tempos muito curtos de trânsito de hemácias em pelo menos uma parte da circulação pulmonar; esses tempos de trânsito curtos podem ocorrer em altas taxas metabólicas. A respiração corrente durante o exercício pesado pode frequentemente exceder a curva fluxo-volume máxima, e a hiperventilação pode ser limitada pela carga mecânica sobre a parede torácica secundária a um aumento da impedância pulmonar, uma situação que também pode prejudicar a renovação do ar alveolar.
Embora tenha sido descrito como um teste incremental de campo de caminhada que produz desempenho máximo limitado por sintomas, o ISWT não pode ser comparado com os testes de esforço máximo citados acima. Não obstante, 17 voluntários saudáveis apresentaram dessaturação de oxigênio após o ISWT no presente estudo. A única diferença significativa entre os indivíduos que apresentaram dessaturação de oxigênio e os que não o fizeram foi o IMC, que foi maior naqueles. Esse resultado é consistente com a hipótese de que os pulmões, durante atividades físicas que fazem com que a FC chegue o mais próximo possível da FC máxima que se espera de determinado indivíduo, são incapazes de arterializar o sangue que flui rapidamente, especialmente em indivíduos cujas necessidades são ampliadas em virtude da massa corporal maior. Embora Durand et al.(16) não tenham encontrado diferenças em altura, peso e volume pulmonar entre atletas que apresentaram dessaturação de oxigênio e aqueles que não o fizeram, pode-se argumentar que as porcentagens dessas variáveis são mais importantes do que seus valores absolutos.
Nossos resultados e os dados da literatura levam a uma possibilidade preocupante: a dessaturação de oxigênio durante a atividade aeróbica é provavelmente mais comum do que se pensava e pode representar uma ameaça sistematicamente negligenciada aos atletas de alto desempenho. Embora a ocorrência de dessaturação de oxigênio seja reconhecida em estudos que datam da segunda metade do século passado, nenhum desses estudos esmiuçou os potenciais efeitos nocivos de tais períodos de hipoxemia intermitente.
Não temos conhecimento de nenhum protocolo de avaliação para treinamento aeróbio de alto desempenho que inclua a determinação da dessaturação de oxigênio induzida pelo exercício. Como a morte súbita é relativamente comum em atletas, parece-nos justificável a investigação da dessaturação de oxigênio.
A morte súbita cardíaca (MSC) é considerada a principal causa de morte em atletas jovens. A verdadeira incidência de MSC é desconhecida e altamente subestimada. Os estudos nos quais se relatou a maior incidência estimaram a ocorrência de até 110 mortes por ano em atletas jovens, o que equivale a 1 morte a cada 3 dias nos Estados Unidos.(17) As evidências disponíveis apontam para uma anormalidade estrutural cardíaca como causa básica de MSC. A cardiomiopatia hipertrófica e anomalias das artérias coronárias são responsáveis por aproximadamente 25% e 14%, respectivamente, de todas as MSC nos Estados Unidos.(18) A displasia/cardiomiopatia arritmogênica ventricular direita é uma doença cardíaca caracterizada por necrose miocárdica seguida de substituição fibrogordurosa. Essas áreas miocárdicas alteradas constituem o substrato anatômico para circuitos de reentrada que propiciam o aparecimento de arritmias ventriculares.(19) As arritmias ventriculares podem ser particularmente importantes no contexto do presente estudo. A dessaturação de oxigênio durante a atividade física intensa pode causar episódios repetidos de vasoconstrição pulmonar hipóxica e hipertensão pulmonar. As paredes do ventrículo direito podem sofrer durante esses episódios, a ponto de necrose miocárdica, e a substituição fibrogordurosa é a consequência esperada desse tipo de estresse.
Outra causa comum de MSC é a síndrome de Brugada,(20) que se caracteriza por uma elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas no eletrocardiograma, seguida de uma onda T negativa. Estima-se que a prevalência mundial da síndrome de Brugada seja de 1-5 por 10.000 habitantes, embora seja maior no Sudeste Asiático.(21) A síndrome de Brugada é tradicionalmente considerada uma doença cardíaca elétrica primária do miocárdio estruturalmente normal. No entanto, a ressonância magnética, a tomografia por emissão de pósitrons, e a avaliação anatomopatológica de fragmentos de biópsia identificaram anormalidades estruturais em muitos pacientes com diagnóstico de síndrome de Brugada, incluindo a substituição fibrogordurosa da parede livre do ventrículo direito e bloqueio fibrótico do ramo direito do feixe.
Está estabelecido na literatura que a síndrome de Brugada é resultado de uma mutação autossômica dominante do gene SCN5A no cromossomo 3, a qual resulta em anormalidade de perda de função do canal de sódio.(22) Torna-se cada vez mais claro que a expressão gênica de canais iônicos é altamente dinâmica e pode responder a muitos estímulos ambientais.(23) A hipoxemia é possivelmente um desses estímulos. Portanto, uma predisposição genética para arritmia cardíaca não impede a sobreposição de hipoxemia causando a morte súbita de jovens (atletas ou não).
Os dados do presente estudo e o conhecimento acumulado sobre a dessaturação de oxigênio durante a atividade física levantam a hipótese de que a hipoxemia durante o exercício pode ser perigosa e sugerem que é aconselhável incluir um teste de detecção de dessaturação de oxigênio nos protocolos de avaliação para atletas de resistência. Mais estudos são necessários a fim de explorar essa hipótese.
Em suma, em virtude da possibilidade de dessaturação de oxigênio em indivíduos saudáveis submetidos ao ISWT, o uso do ISWT para prever a presença de alterações respiratórias sutis não detectadas por testes submáximos como o TC6 pode ser enganador. A constatação de que a dessaturação de oxigênio é comum em indivíduos saudáveis submetidos ao ISWT soma-se ao conhecimento de que a dessaturação de oxigênio durante a atividade física intensa é muito comum e pode ter efeitos deletérios.
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*Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ilma Aparecida Paschoal. Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Disciplina de Pneumologia, FCM-UNICAMP,
Distrito de Barão Geraldo, CEP 13083-888 Campinas, SP, Brasil.
Tel. 55 19 3521-7948. E-mail: ilma@fcm.unicamp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 22/4/2013. Aprovado, após revisão, em 9/7/2013.
Sobre os autoresDaniel Machado Seixas
Professor de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Daniela Miti Tsukumo Seixas
Médica. Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Monica Corso Pereira
Médica. Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Marcos Mello Moreira
Serviço de Doenças Respiratórias. Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Ilma Aparecida Paschoal
Professora Associada. Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.