ABSTRACT
Objective: To analyze psychological morbidity as a moderator of the relationship between smoking representations and quality of life in smokers and former smokers, as well as to determine which psychological variables discriminate between smokers with and without the intention to quit smoking. Methods: This was a quantitative, correlational cross-sectional study involving a convenience sample of 224 smokers and 169 former smokers. Results: In smokers and former smokers, psychological morbidity had a moderating effect on the relationship between mental/physical quality of life and smoking representations (cognitive representations, emotional representations, and comprehensibility). Smokers with the intention to quit smoking more often presented with low comprehensibility, threatening emotional representations, behavioral beliefs, and perceived behavioral control, as well as with normative/control beliefs, than did those without the intention to quit. Conclusions: The results of this study underscore the importance of the moderating effect exerted by psychological morbidity, as well as that of sociocognitive variables, among smokers who have the intention to quit smoking.
RESUMO
Objetivo: Analisar a morbidade psicológica como um moderador na relação entre as representações do tabaco e a qualidade de vida em fumantes e ex-fumantes, assim como conhecer as variáveis psicológicas que discriminam os fumantes com e sem intenção para deixar de fumar. Métodos: Estudo quantitativo, correlacional e transversal com uma amostra de conveniência constituída por 224 fumantes e 169 ex-fumantes. Resultados: Verificou-se um efeito moderador da morbidade psicológica na relação entre a qualidade de vida (física e mental) e as representações do tabaco (representações cognitivas e emocionais e compreensão) nos fumantes e nos ex-fumantes. Os fumantes com intenção para deixar de fumar apresentavam menor compreensão, representações emocionais mais ameaçadoras, mais crenças de comportamento, maior controle comportamental percebido e mais crenças normativas/controle do que aqueles sem essa intenção. Conclusões: Os resultados deste estudo enfatizam a importância da morbidade psicológica como moderadora, bem como das variáveis sociocognitivas, junto dos fumantes que querem deixar de fumar.
Palavras-chave:
Hábito de fumar/psicologia; Abandono do hábito de fumar; Hábito de fumar/prevenção & controle.
IntroduçãoReanimadores manuais (RMs) são utilizados para ventilar manualmente o paciente. São também conhecidos como ressuscitadores manuais ou "ambu" que é uma marca registrada de reanimador e denominação utilizada como sinônimo de RM por profissionais no Brasil e em outros países.(1,2) Os RMs são utilizados em UTIs para otimizar a oxigenação e facilitar a remoção de secreção em pacientes em ventilação mecânica invasiva, para transporte intra-hospitalar, e como forma de ventilação temporária em pacientes intubados ou não.(1-4) Os RMs podem ser classificados, de acordo com sua forma de enchimento, em autoinfláveis ou infláveis por fluxo,(1,5) sendo que o primeiro é o tipo mais utilizado nas UTIs brasileiras.
O RM autoinflável, que é o tipo que foi avaliado no presente estudo, é composto de um balão compressível e autoinflável, uma válvula para o reenchimento do balão e uma válvula inspiratória/expiratória (válvula do paciente; Figura 1).(5,6) Quando o balão é comprimido pelo operador, a válvula do paciente oclui a porta expiratória e permite a passagem do ar no interior do balão para o paciente; quando cessa a pressão no interior do balão a válvula retorna a sua posição normal, ocluindo a comunicação do balão com o paciente e permitindo a exalação do ar que vem do paciente pela porta expiratória. A queda de pressão no interior do balão durante a expiração determina a abertura da válvula de reenchimento, permitindo a entrada de ar para o balão.(5,6) Componentes adicionais desse tipo de RM incluem(5,6) um dispositivo para enriquecer a mistura de oxigênio, uma válvula de positive end-expiratory pressure (PEEP, pressão expiratória final positiva) e uma válvula limitadora de pressão (VLP) cujo uso, para pacientes adultos, não é recomendado pela American Society for Testing and Materials (ASTM).(7)
Na literatura, encontram-se estudos que avaliaram o desempenho e a segurança de RMs disponíveis em outros países de acordo com quesitos exigidos por normas técnicas internacionais.(8-10) A realização de estudos comparativos permite identificar problemas e aperfeiçoar esses dispositivos. Nosso objetivo, no presente estudo, foi avaliar as características e o desempenho de alguns dos RMs autoinfláveis, para uso em pacientes adultos, disponíveis no mercado nacional, seguindo alguns quesitos estabelecidos por uma norma internacional.
MétodosO estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e realizado no Laboratório Experimental de Ventilação Mecânica da Disciplina de Pneumologia da mesma instituição em 2006.
Foram avaliados oito RMs, sendo cinco fabricados no Brasil (J.G. Moriya, São Paulo; Oxigel, São Paulo; Protec Equipamentos Médico-Hospitalares, São Paulo; RWR Equipamentos Hospitalares, São Bernardo do Campo; e Unitec Ind. e Com. de Aparelhos Hospitalares Ltda., São Paulo), dois na Dinamarca (Ambu® Silicone Resuscitator e Ambu® SPUR; Ambu A/S, Ballerup, Dinamarca) e um nos EUA (Hudson RCI® Lifesaver; Hudson RCI, Durham, NC, EUA). Os RMs testados foram emprestados pelos fabricantes ou representantes nacionais. Todos os modelos ainda são comercializados, e as atualizações realizadas nos equipamentos desde a realização do presente estudo até a sua redação estão descritas na Tabela 1.
Como não existe uma norma brasileira definindo as características para fabricação e comercialização de RMs, para a presente avaliação, foram usados critérios da ASTM, Designation F920-93,(7) equivalente aos da International Organization for Standardization 8382,(11) utilizada em outros países. Os seguintes critérios foram avaliados: a resistência imposta pela válvula do paciente durante as fases inspiratória e expiratória; o funcionamento da válvula limitadora de pressão (VLP); e volume corrente (VT) entregue pelo RM em um simulador do sistema respiratório. De acordo com os critérios da ASTM, os itens avaliados devem obedecer as seguintes especificações: queda de pressão inspiratória e expiratória < 5 cmH2O na presença de um fluxo de 50 L/min, determinando uma resistência < 6 cmH2O . L−1 . s−1; a utilização de VLP não é obrigatória para RM adulto, mas, se disponível, deve poder ser fechada; oferta de VT 600 mL para pacientes adultos (peso 40 kg) com resistência de 20 cmH2O . L−1 . s−1 e complacência de 0,02 L/cmH2O com o operador usando somente uma mão (tamanho máximo da mão de 185 mm).
O sistema de medidas foi constituído por um tubo plástico onde foram adaptados os sensores de pressão e de fluxo (Figura 2). Os sensores tiveram seus sinais amplificados e armazenados em um microcomputador para posterior análise em um aplicativo desenvolvido no software Labview® (National Instruments, TX, EUA). A frequência de amostragem do sinal foi de 200 Hz.
Para as medidas da resistência inspiratória e expiratória, foi conectado um ventilador mecânico (Bear 5®; Bear Medical Systems, Riverside, CA, EUA) a uma das extremidades do tubo plástico com os sensores (Figura 2). O ventilador foi ajustado em modo volume controlado, fluxo inspiratório constante de 60 L/min e PEEP de zero cmH2O. Para a resistência expiratória, o conector do paciente do RM foi adaptado à outra extremidade do tubo plástico, e o ar do ventilador saia pela porta expiratória para o ar ambiente (Figura 2). Na avaliação da resistência inspiratória, o RM foi desmontado e apenas a porção proximal do conjunto, sem o balão, foi utilizada (Figura 2). A parte do RM que se conecta ao balão foi adaptada à outra extremidade do tubo plástico, e o ar saia pelo conector do paciente para o ar ambiente. A VLP, quando presente, foi ocluída. Não foi feito o teste com o RM modelo Ambu® Silicone Resuscitator porque o aparelho não pôde ser desmontado. As duas resistências foram calculadas pela diferença entre a pressão proximal e distal à válvula (a pressão distal não foi medida, pois era igual a zero, já que o sistema estava aberto para o ar ambiente), dividida pelo fluxo medido.
Para o teste do VT, os RMs foram conectados a um tubo plástico com os sensores, e esse tubo a uma cânula traqueal de diâmetro 8,5 mm (Rusch, Montevidéu, Uruguai), cuja porção distal, com o balonete insuflado, era adaptada no interior de outro tubo plástico que se conectava a um simulador do sistema respiratório (TTL 2600®; Michigan Instruments©, Grands Rapids, MI, EUA; Figura 2). O simulador permitia o ajuste da complacência dos foles através de molas; para o ajuste da resistência, foram utilizados resistores não lineares.
Quatro voluntários, fisioterapeutas de UTI da cidade de São Paulo, sendo dois homens e duas mulheres, operaram os RMs. O tamanho da mão dominante (do punho até a ponta do terceiro dedo) desses profissionais era de 200 mm para o homem 1, 188 mm para o homem 2, 175 mm para a mulher 1 e 160 mm para mulher 2. Os fisioterapeutas foram orientados a insuflar o modelo como se estivessem ventilando um paciente, primeiro com uma e depois com as duas mãos, com os oito RMs, que foram avaliados em sequência aleatória, em duas situações de resistência e complacência: 1) condição "ASTM" - complacência de 0,02 L/cmH2O e resistência de 20 cmH2O . L−1 . s−1, de acordo com a norma da ASTM;(7) e 2) condição "normal" - complacência de 0,05 L/cmH2O e resistência de 5 cmH2O . L−1 . s−1, simulando um paciente sem doença pulmonar.
Para o cálculo do VT, foram analisados três ciclos respiratórios, aleatoriamente escolhidos, entre os ciclos gravados (mínimo de 10 por condição teste). Como cada voluntário (total de quatro) manipulou oito RMs, com uma e com duas mãos, e em dois cenários clínicos distintos (condição ASTM e normal), foram realizadas 128 condições teste.
Dos oito RMs, cinco estavam equipados com VLP e foram submetidos a esse teste. O ventilador, conectado em uma das extremidades do sistema de medidas (com sensor de fluxo e pressão), foi ajustado no modo volume controlado, com fluxo inspiratório constante de 20 L/min, VT de 1.800 mL e PEEP de zero cmH2O. Na outra extremidade, foi conectada uma parte do RM e, na sequência, outro sensor de fluxo (distal) e o simulador (Figura 2). O alarme de pressão do ventilador mecânico foi desativado. Foi avaliada a pressão na qual a VLP se abria e permitia o vazamento de ar (momento que podia ser identificado quando o fluxo no sensor distal caia em relação ao proximal), a qual foi denominada "pressão de abertura" e em qual valor de pressão todo ar enviado pelo ventilador passava apenas pela VLP (momento no qual o fluxo distal era igual à zero), que foi denominada "pressão máxima". O funcionamento da válvula foi considerado adequado se a pressão de abertura ocorresse no intervalo de pressão sugerido pelos fabricantes, em geral, valores maiores do que 35-40 cmH2O (Tabela 1).
Para cada RM, somente um valor de resistência inspiratória e expiratória foi mostrado, pois a variação era desprezível entre os ciclos. O teste da VLP foi realizado apenas uma vez por RM. Os valores de VT foram mostrados como média e desvio-padrão e avaliados através de uma análise multivariada de regressão linear mista (mixed model) para cada uma das quatro condições estudadas: VT com uma mão nas condições ASTM e normal e VT com duas mãos nas mesmas duas condições. Os fisioterapeutas e os RMs foram avaliados como efeitos fixos. Foi realizada uma análise post hoc com correção de Sidak para a comparação dos valores de VT entre os fisioterapeutas e entre os RMs. Para essa análise, foi usado o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 17 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Foram considerados significantes os valores de p < 0,05.
ResultadosNa Tabela 1, são apresentadas as características dos RMs testados. Em relação ao tipo da válvula do paciente, predominou o tipo diafragma e, em relação ao material do balão, o silicone. A capacidade do balão de cada RM era variável (1.000-2.500 mL). Os três RMs importados não dispunham de VLP, presente nos cinco equipamentos nacionais, sendo que, no da marca RWR, a VLP podia ser fechada sem que ocorresse vazamento. Outra diferença observada entre os RMs importados e nacionais foi o fato de que o conector do paciente era fixo nos cinco reanimadores brasileiros, enquanto, nos importados, esse era do tipo "swivel 360°".
Na Tabela 2, estão descritos os resultados dos testes que avaliaram as resistências da válvula do paciente, durante a inspiração e expiração, e o funcionamento da VLP. Apenas a resistência expiratória do RM da marca Protec excedeu o limite estabelecido pelos critérios da ASTM (< 6 cmH2O . L−1 . s−1). As demais resistências dos RMs testados estavam de acordo com as normas, sendo o maior valor de resistência inspiratória encontrado no RM da Oxigel (5,69 cmH2O . L−1 . s−1). A pressão da abertura da VLP (presente em cinco dos RMs) foi baixa (< 17 cmH2O), e o valor de sua pressão máxima variou de 32,0-55,9 cmH2O.
O valor médio de VT ofertado pelos RMs (Tabela 3) e pelos fisioterapeutas (Tabela E1, disponível no site do Jornal Brasileiro de Pneumologia, http://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_artigo.asp?id=2212 foi variável. Nas situações avaliadas (manipulação dos oito RMs, com uma e duas mãos, e em dois cenários clínicos distintos, condição ASTM e normal), houve diferenças significantes (p < 0,001) tanto entre os RMs, quanto entre os fisioterapeutas. Todos os RMs, sempre que manipulados com uma mão, ofertaram um VT inferior ao valor preconizado pela norma americana ( 600 mL, na condição ASTM). Apenas os dois modelos do fabricante Ambu A/S ofertaram VT 600 mL, utilizando somente uma mão; porém, somente durante a simulação da condição clínica normal. Mesmo manipulando o RM com as duas mãos, os RMs dos fabricantes Oxigel e RWR, na condição clínica ASTM, não ofertaram o VT mínimo, enquanto que os dos fabricantes Protec e Unitec, independentemente do cenário clínico simulado, ofertaram VT < 600 mL.
Ainda, observando os resultados expressos na Tabela 3, é possível verificar que os valores de VT na situação clínica normal foram, no geral, maiores do que na condição ASTM, que simula uma condição pulmonar com menor complacência e maior resistência, e que a maioria dos VT obtidos com os RMs sem VLP foram superiores em relação aos obtidos com os RMs com VLP.
Discussão
Os principais resultados do presente estudo podem ser resumidos nos seguintes itens: 1) as resistências (inspiratória e expiratória) da válvula do paciente obedeceram aos padrões estabelecidos pela norma americana, com exceção de um RM; 2) os oito RMs avaliados não ofertaram o VT mínimo em condições padronizadas pela mesma norma (VT 600 mL, com uma mão, na condição clínica ASTM); 3) manipular o RM com as duas mãos não resolveu o problema em quatro RMs (o VT permaneceu < 600 mL); e 4) a VLP presente nos RMs nacionais determinou, no geral, o fornecimento de um VT menor em relação aos RMs sem VLP.
No Brasil, existem poucos estudos publicados avaliando RMs para pacientes adultos, comumente utilizados em UTIs brasileiras.(5,12,13) Embora esses estudos tenham investigado características importantes, como, por exemplo, a fração de oxigênio ofertada pelos RMs com e sem o reservatório de oxigênio, o presente estudo avaliou outras propriedades igualmente importantes que ainda não haviam sido relatadas na literatura nacional.
Em relação à avaliação da resistência da válvula do paciente na inspiração e na expiração, todos os RMs testados estavam dentro das especificações da ASTM, com exceção do RM do fabricante Protec, que apresentou resistência expiratória de 7,91 cmH2O . L−1 . s−1. Esse resultado não surpreende, uma vez que outros estudos internacionais já haviam descrito equipamentos com resistências da válvula do paciente superiores ao recomendado.(14,15) É importante ressaltar que quanto maior a resistência expiratória, mais prolongada se torna a expiração, o que pode provocar aprisionamento de ar (auto-PEEP) e risco de barotrauma,(15) principalmente quando o RM é manipulado com alta frequência respiratória e alto VT.
Para o teste do VT com uma e duas mãos, foram escolhidos voluntários de ambos os sexos, pois se sabe que o VT obtido varia com o sexo do operador (VT menor nos operadores do sexo feminino).(16) Houve grande variabilidade entre as médias dos VT dentre os RMs testados, o que já havia sido observado em outros estudos.(17) Observamos que alguns RMs nacionais ofertaram um VT baixo mesmo com uso das duas mãos, que determina maior VT do que o uso de somente uma mão.(2,17,18) Outros autores já haviam relatado, mesmo em simulações com complacência normal, valores de VT menores do que 600 mL.(17) Entretanto, no estudo de Mazzolini et al.,(10) que avaliou 16 RMs descartáveis fabricados no exterior, apenas três RMs não ofertaram o VT mínimo preconizado pela ASTM ( 600 mL).
Possivelmente, vários fatores influenciaram os resultados referentes ao VT. Um fator que parece ter determinado valores elevados de VT foi o tamanho das mãos de um dos fisioterapeutas (200 mm, medida superior à recomendada pelas normas, Homem 1, Tabela E1, disponível no site do Jornal Brasileiro de Pneumologia, http://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_artigo.asp?id=2212). Essa associação entre o VT entregue e o tamanho das mãos já foi descrita por outros autores.(6,8,17,18) Fatores que poderiam determinar volumes baixos são o tamanho(18) e o material do balão do reanimador testado.(8) O volume de ar no balão não é totalmente insuflado para o paciente quando ele é comprimido, sendo que, genericamente, o volume do balão deve ser duas vezes maior que o volume que se quer insuflar.(8) Um balão de material pouco complacente (como o polivinil) pode determinar um VT menor.(8) No nosso estudo, o RM que ofertou os menores VT (Unitec) tinha o balão com o menor volume e que era, ainda, constituído de polivinil. É importante ressaltar que o VT dos RMs nacionais foi, no geral, menor do que o dos importados, com exceção do RM do fabricante RWR, que apresentou VT maiores, provavelmente porque a capacidade do balão era de 2.500 mL.
Poderia ser questionado se o baixo VT encontrado para alguns RMs ocorreu devido à fadiga dos voluntários. No entanto, no estudo de Hess et al.,(16) que avaliou o efeito da fadiga determinada por uma ventilação com RM por um período de 30 minutos em uma situação de baixa complacência (20 mL/cmH2O), não foi observada uma redução do VT após 30 minutos para os 14 voluntários avaliados. Considerando que, em nosso estudo, o tempo total de teste para cada um dos RM foi de cerca de um minuto, o que determinaria um total de oito minutos para cada uma das quatro situações avaliadas (duas situações de impedância com uma ou com duas mãos) e que ainda havia um período de descanso entre cada medida, parece pouco provável que a ocorrência de fadiga tenha influenciado os resultados.
Como esperado, o VT obtido na simulação de um paciente "normal" foi superior ao encontrado nos testes com os ajustes de complacência e resistência padronizados pela norma americana, que simulavam um paciente com baixa complacência e alta resistência, que comprovadamente determinam um menor VT.(17)
A presença da VLP nos RMs nacionais possivelmente prejudicou seu desempenho. Todos RMs brasileiros tinham a VLP e, em somente um deles, a válvula podia ser fechada. A abertura inicial das válvulas de todos os dispositivos ocorreu em pressões reduzidas, com valores abaixo do especificado, determinando vazamento durante a insuflação, o que pode explicar, em parte, o menor VT obtido com os RMs com VLP. Esse resultado pode ser considerado uma falha grave, pois pode impedir a adequada ventilação de pacientes com complacência pulmonar baixa ou com resistência de vias aéreas elevada, como, por exemplo, no caso de pacientes com edema pulmonar e crise asmática, respectivamente.
Segundo alguns autores, a presença da VLP não traz segurança adicional para o paciente adulto,(9) já que o risco de barotrauma não está associado somente às pressões de pico elevadas durante a inspiração.(19) Inclusive a norma americana(7) dispensa o uso do dispositivo regulador de pressão para os RMs para adultos e, se presente, determina que a válvula possa ser travada e que o seu modo de fechamento deva ser bem evidente para o operador.(6,7) Mesmo no caso dos RMs para pacientes da faixa neonatal/pediátrica, para os quais é recomendada a presença da válvula para limitar a pressão em valores inferiores a 40 ± 5 cmH2O,(7,20) o funcionamento inadequado da VLP também pode comprometer a ventilação.(2)
São consideradas limitações do nosso estudo a realização de todos os testes com apenas uma unidade de cada RM (porém, todos os RMs eram novos, sem uso prévio); o teste da resistência da válvula do paciente foi realizado com fluxo de 60 L/min, em vez de 50 L/min, valor esse preconizado pela ASTM, o que pode dificultar a comparação com outros estudos; e, como o presente estudo foi realizado em 2006, alguns modelos de RM sofreram alterações (Tabela 1), o que pode ter modificado seus desempenhos. Tal fato provavelmente deve ser verdadeiro para o RM do fabricante Unitec, que teve a capacidade do balão aumentada significativamente (Tabela 1).
Apesar das limitações do estudo, acreditamos que são apontadas deficiências importantes dos RMs fabricados no Brasil, principalmente referentes ao funcionamento da VLP (a maioria não pôde ser travada e apresentou abertura precoce), que, em algumas situações clínicas, podem comprometer a ventilação de pacientes críticos. Os resultados apresentados indicam a necessidade de que, para se ofertar um VT adequado, as duas mãos devem comprimir o RM e que, quando o RM permitir, a VLP deve ser mantida fechada. Acreditamos que os resultados obtidos no presente estudo poderão auxiliar na realização de futuros testes e no aprimoramento dos RMs nacionais.
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* Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Médica 09, Pneumologia (LIM09) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Mauro R. Tucci. Laboratório de Pneumologia LIM09, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Avenida Dr. Arnaldo, 455, Sala 2144, 2º andar, CEP 01246-903, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3061-7361. Fax: 55 11 3061-2492. E-mail: mrotucci@gmail.comApoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Laboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).
Recebido para publicação em 21/2/2013. Aprovado, após revisão, em 6/9/2013.
Sobre os autoresTatiana de Arruda Ortiz
Fisioterapeuta. Laboratório de Investigação Médica 09, Pneumologia (LIM09) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Germano Forti Junior
Fisioterapeuta. Laboratório de Investigação Médica 09, Pneumologia (LIM09) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Márcia Souza Volpe
Professora Adjunta. Departamento de Fisioterapia Aplicada, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG) Brasil.
Marcelo do Amaral Beraldo
Fisioterapeuta. Laboratório de Investigação Médica 09, Pneumologia (LIM09) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Marcelo Britto Passos Amato
Médico Supervisor. UTI Respiratória, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Carlos Roberto Ribeiro Carvalho
Professor Titular de Pneumologia. Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Mauro Roberto Tucci
Médico. Laboratório de Investigação Médica 09, Pneumologia (LIM09) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; e Hospital do Câncer A.C. Camargo, São Paulo (SP) Brasil.