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Apneia obstrutiva do sono e asma

Obstructive sleep apnea and asthma

Cristina Salles, Regina Terse-Ramos, Adelmir Sousa-Machado, Álvaro A Cruz

ABSTRACT

Symptoms of sleep-disordered breathing, especially obstructive sleep apnea syndrome (OSAS), are common in asthma patients and have been associated with asthma severity. It is known that asthma symptoms tend to be more severe at night and that asthma-related deaths are most likely to occur during the night or early morning. Nocturnal symptoms occur in 60-74% of asthma patients and are markers of inadequate control of the disease. Various pathophysiological mechanisms are related to the worsening of asthma symptoms, OSAS being one of the most important factors. In patients with asthma, OSAS should be investigated whenever there is inadequate control of symptoms of nocturnal asthma despite the treatment recommended by guidelines having been administered. There is evidence in the literature that the use of continuous positive airway pressure contributes to asthma control in asthma patients with obstructive sleep apnea and uncontrolled asthma.

RESUMO

Tem-se observado que sintomas dos distúrbios respiratórios do sono, especialmente a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), são comuns em asmáticos; além disso, associam-se com a gravidade da asma. Sabe-se que durante a noite tende a haver maior gravidade dos sintomas da asma, assim como uma maior proporção de mortalidade durante a noite e as primeiras horas da manhã. Sintomas noturnos ocorrem entre 60-74% dos pacientes com asma e são marcadores de controle inadequado da doença. Vários mecanismos fisiopatológicos são relacionados a esse agravamento. A SAOS está incluída entre os fatores mais importantes. A investigação da SAOS em pacientes com asma deve ser realizada sempre que não houver um controle adequado dos sintomas noturnos da asma com o tratamento recomendado por diretrizes. Há evidências da literatura que sugerem que o uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas pode contribuir para o controle da asma, quando o paciente asmático tem apneia obstrutiva do sono e sua asma não está controlada.

Palavras-chave: Apneia; Apneia do sono tipo obstrutiva; Asma.

Asma

A asma é uma doença inflamatória crônica com múltiplos fenótipos relacionados à predisposição genética e interações ambientais variadas, persistindo uma grande lacuna no conhecimento da sua causalidade complexa e, consequentemente, na sua prevenção primária.(1) Estima-se um gasto anual com asma de US$ 11 bilhões nos EUA, onde metade desse montante é usado com hospitalizações.(2) Menos de 20% dos asmáticos têm a forma grave da doença, mas consomem 80% dos recursos destinados à asma.(2) A asma é a quarta causa de hospitalização pelo Sistema Único de Saúde.(3) Um estudo multicêntrico mostrou que o Brasil encontra-se em oitavo lugar, com uma prevalência média de 20%.(4) Aproximadamente 45% dos adultos que têm asma apresentam outra doença crônica, como hipertensão, diabetes e depressão.(5) Além disso, cerca de 2,5 mil pessoas morrem por ano por causa da asma.(6) Em 2011, do total de 177,8 mil internações no Sistema Único de Saúde em decorrência da asma, 77,1 mil foram crianças.(6)

Síndrome da apneia obstrutiva do sono

A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) caracteriza-se por episódios de obstrução completa ou parcial das vias aéreas superiores (VAS) que ocorrem durante o sono.(7) A SAOS induz hipoxemia, retenção de gás carbônico, alteração na estrutura autonômica normal e respostas hemodinâmicas durante o sono.(8) Segundo Young et al.,(9) a SAOS acomete 4% dos homens e 2% das mulheres. No Brasil, acomete 32,9% adultos, sendo 40,6% dos homens e 26,1% das mulheres.(10) Kapur et al.(11) demonstraram que a média anual de custos médicos para os pacientes com SAOS que não têm diagnóstico é de US$ 2.720, aproximadamente o dobro do que tem sido visto em pacientes que têm diagnóstico e tratamento para distúrbio respiratório do sono. Acredita-se que a SAOS, quando não diagnosticada e tratada adequadamente, gera um gasto adicional anual de US$ 3,4 bilhões nos EUA.(11) A falta de diagnóstico em casos graves de SAOS é alarmante devido às comorbidades associadas e ao risco de morte súbita.(12)

Pacientes com SAOS tendem a apresentar as VAS em formato circular, opondo-se ao formato em elipse nos indivíduos normais.(13) Os sítios obstrutivos das VAS mais frequentemente acometidos em pacientes adultos são região velofaríngea, em 78% dos casos; estreitamento orofaríngeo, em 35%; e estreitamento hipofaríngeo, em 54%. Obstruções em um único nível foram observadas em 48%, enquanto foram observadas obstruções multiníveis em 52%.(14) Uma anatomia desproporcional da cavidade oral, seja por aumento de tecidos moles (principalmente do volume da língua), seja por hipodesenvolvimento da estrutura óssea bimaxilar, pode ser suspeitada aplicando a classificação de Mallampati modificada.(15) Essa classificação foi modificada por Samsoon e Young (Figura 1).(16,17) As estruturas faríngeas passaram a ser classificadas em quatro tipos: classe I: quando o palato mole, as tonsilas palatinas, a úvula e os pilares anterior e posterior da orofaringe são visíveis; classe II: todas as estruturas de classe I são visíveis, exceto os pilares da orofaringe; classe III: apenas a base da úvula é visível; e classe IV: a úvula não pode ser vista, e apenas o palato duro é visível.(16)




Binômio SAOS-asma

Introdução

A primeira publicação sobre asma e SAOS foi um relato de caso descrito por Hudgel  Shrucard em 1979.(18) Ekici et al.(19) realizaram um estudo com 7.469 adultos; desses, 2.713 tinham história de asma. Observaram que tanto o ronco (OR = 1,7) quanto a apneia referida (OR = 2,7) foram mais prevalentes em pacientes com história de asma quando comparados com os que não tinham história de asma. Larsson et al.(20) avaliaram 46 pacientes com história de tosse crônica, expectoração ou chiado periódico. Desses, 52% tinham história de ronco e apresentaram índice de apneia e hipopneia (IAH)  10 eventos/hora de sono. Naquele estudo, a SAOS foi associada à sibilância em 21% dos casos, e a asma foi associada à SAOS em 17% dos casos.(20) Byun et al.(21) selecionaram 176 adultos que apresentavam as seguintes queixas: ronco habitual, sonolência excessiva diurna (SED), sensação de engasgos durante o sono, fragmentação do sono, sono não reparador, fadiga durante o dia e dificuldade para se concentrar. Esses pacientes foram encaminhados para realizar avaliação clínica e polissonografia. Observaram que 111 (66%) apresentaram 10 > IAH > 5 eventos/h, e 72 (43%) tiveram IAH > 15 eventos/h. Dentre os pacientes que apresentaram IAH > 5 eventos/h, 37 (33,6%) também tinham o diagnóstico de asma moderada a grave.(21)

Tanto a apneia obstrutiva do sono (AOS) quanto a asma podem resultar em sono fragmentado e SED.(22) Calhoun et al.(22) estudaram 700 crianças e constataram que 13,3% das que tinham SED também apresentavam diagnóstico de asma. Os preditores independentes para SED foram circunferência abdominal (OR = 1,4), relato de ansiedade/sintomas depressivos (OR = 2,9), dificuldade em adormecer (OR = 1,7) e histórico de asma (OR = 2,4). Em outro estudo, foi observado que o nível de comprometimento da qualidade do sono das crianças com asma foi muito maior do que nos controles (33 vs. 0; p < 0,01).(23) A SED foi maior nas crianças asmáticas do que as do grupo controle (19 vs. 14; p < 0,05).(23) Essa SED pode ser explicada pelos episódios recorrentes de tosse e dispneia durante o sono, característicos da asma.(23) Deve-se considerar que tanto a asma quanto a SAOS envolvem despertares frequentes associados a limitações funcionais no fluxo de ar e aumento do esforço respiratório, com a consequente dessaturação durante o sono.(19)

Distúrbios respiratórios do sono vs. controle da asma

A SAOS em pacientes com asma comporta-se como um mecanismo que favorece a resistência ao controle da asma,(24) pois a redução do calibre das vias aéreas na asma noturna é frequentemente associada a fragmentação do sono e despertar precoce pela manhã, dificuldade em manter o sono e SED.(25) O aumento da pressão abdominal nos períodos de AOS favorece ao refluxo gastroesofágico (RGE), a hiper-reatividade e a inflamação brônquicas.(26) Os pacientes com asma de difícil controle podem ter um incremento dos episódios da AOS e dessaturação da oxi-hemoglobina, especialmente durante o sono rapid eye movement.(24) De acordo com os motivos citados acima, o National Asthma Education and Prevention Program dos EUA recomenda que pacientes com asma de difícil controle sejam investigados quanto a SAOS.(27)

Teodorescu et al.(28) observaram que a SAOS esteve associada a 3,6 vezes mais chances de se ter asma não controlada. Janson et al.(29) observaram uma associação da hiper-reatividade brônquica com fadiga diurna, SED, despertar precoce, maior percentual de tempo acordado durante a noite e menor eficiência de sono. O uso de teofilina foi relacionado ao aumento da prevalência de dificuldade para iniciar o sono e diminuição da eficiência do sono.(29) O VEF1 correlacionou-se negativamente com fadiga diurna, enquanto o PFE correlacionou-se positivamente com o tempo de insônia e eficiência do sono.(29)

Julien et al.(30) observaram que quanto maior a gravidade da asma, maior o IAH, ou seja, pacientes com asma grave tiveram IAH = 23,6 eventos/h; aqueles com asma moderada, IAH = 19,5 eventos/h; e aqueles com asma leve, IAH = 9,9 eventos/h (p < 0,001). Ao considerarem SAOS quando o IAH  15 eventos/h, observaram que 23 dos 26 (88%) pacientes com asma grave tiveram diagnóstico de SAOS, assim como 15 dos 26 (58%) pacientes com asma moderada e apenas 8 dos 26 (31%) do grupo controle sem asma. A média da SaO2 noturna foi significativamente menor nos pacientes com asma grave vs. controles.(30) A elevada prevalência da SAOS em pacientes com asma grave sugere que o reconhecimento e o tratamento da SAOS podem ser elementos importantes na melhoria do controle da asma.(30) Aproximadamente 63% das crianças com asma grave também têm SAOS.(31)

Teodorescu et al.(32) observaram que pacientes asmáticos que faziam uso regular de corticoide inalatório em baixas doses apresentaram 2,29 mais chances de desenvolver SAOS do que os que não usavam corticoide inalatório; nos que faziam uso de doses médias de corticoide inalatório, a chance aumentou para 3,67; e naqueles que faziam uso de altas doses de corticoide inalatório, a chance aumentou para 5,43. Também tem sido demonstrada uma associação inversa entre SAOS e VEF1.(32) Teodorescu et al.(32) afirmaram que as associações entre as doses de corticoide inalatório e SAOS podem estar associadas com os conhecidos efeitos adversos dos corticosteroides. Os autores sugerem que os corticoides inalatórios em pacientes com asma poderiam comprometer os músculos dilatadores das VAS, funcionando como um facilitador para a SAOS.(32-34)

Tem sido observado que 60-74% dos pacientes com asma apresentam sintomas noturnos, os quais funcionam como marcadores do controle inadequado da doença.(25) Em 1988, Guilleminault et al.,(35) ao estudarem pacientes com asma noturna e AOS, observaram que episódios de exacerbação da asma noturna foram inibidos com o tratamento preconizado para a SAOS, ou seja, continuous positive airway pressure (CPAP, pressão positiva contínua nas vias aéreas). Logo, os autores sugeriram que pacientes com SAOS apresentam um aumento do tônus vagal durante o sono, o que pode aumentar a chance da broncoconstrição à noite, que, por sua vez, pode ser inibida pela ação de CPAP. Posteriormente, Ciftci et al.(36) realizaram estudos polissonográficos em asmáticos com sintomas noturnos, apesar de usarem as medicações preconizadas pela Global Initiative for Asthma. Além desse quadro, aqueles pacientes também deveriam ter queixa de ronco há pelo menos 6 meses. De acordo com a polissonografia, 21 dos 43 pacientes (48,83%) tiveram SAOS, ou seja, IAH  5 eventos/h, e 19 dos 21 pacientes com SAOS apresentaram IAH  15 eventos/h; logo, foram encaminhados para o tratamento com CPAP, sendo constatada melhoria dos sintomas da asma noturna com o tratamento preconizado.(36)

Hipóteses para a interação entre SAOS e asma

SAOS-obesidade-asma

A obesidade é considerada um dos fatores causais para a SAOS. Peppard et al.(37) avaliaram adultos em dois momentos diferentes (um basal e 4 anos depois). Os dados iniciais mostraram que indivíduos com índice de massa corpórea (IMC)  30 kg/m2 (n = 268) apresentavam IAH = 7,4 eventos/h; aqueles com 30 < IMC  25 kg/m2 (n = 241) tinham IAH = 2,6 eventos/h; e aqueles com IMC < 25 kg/m2 (n = 181) tinham IAH = 1,2 eventos/h. Após 4 anos, 39 dos pacientes que não tinham SAOS moderada a grave (IAH  15 eventos/h) tiveram um acréscimo no peso em 3,9 kg. Dentre os 46 participantes que tinham SAOS moderada a grave, 17 ganharam uma média de 3,1 kg, mas não houve mudança significativa no IAH; dentre os que tinham IAH dentro da normalidade, houve um acréscimo médio no peso de 2,2 kg. Também observaram que o acréscimo de peso correlacionou-se positivamente com o IAH, ou seja, um paciente que ganhe 10% do peso corporal tende a ter um aumento de aproximadamente 32% no IAH, assim como uma redução em 10% do peso implicou em uma redução de 26% no IAH. O ganho de 10% no peso corporal aumentou em 6 vezes a chance de desenvolver SAOS moderada a grave.(37)

A elevada prevalência da SAOS em pacientes com asma parece estar associada à obesidade. Cottrell et al.(38) conduziram um estudo transversal com 17.994 crianças (4-12 anos de idade), das quais 14% tinham diagnóstico de asma. A prevalência de asma foi diretamente proporcional ao percentil do IMC das crianças. A prevalência de asma é maior entre as crianças que são obesas e ainda maior em crianças que têm obesidade mórbida. Sugere-se que, a partir de um certo limiar de obesidade, os fatores metabólicos participam na fisiopatologia da inflamação das VAS, assim como na hiper-reatividade brônquica, sendo capaz de interferir nas manifestações clínicas da asma.(38) Parece que a associação da asma com a SAOS piora o quadro clínico da asma, pois a SAOS pode estimular o ganho de peso corporal, desempenhando um papel significativo na gravidade da asma.(39) A SAOS interfere na homeostase dos lipídios e na inflamação sistêmica e, quando associada à obesidade, também afeta a regulação glicêmica, interferindo na sensibilidade à insulina, independentemente do IMC.(40) Komakula et al.(41) observaram que pacientes com asma apresentam níveis de IMC, leptina e adiponectina associados à redução dos níveis do óxido nítrico exalado.

SAOS-inflamação sistêmica-asma

A SAOS interfere negativamente nas concentrações dos lipídios de forma pró-aterogênica e promove respostas inflamatórias, evidenciadas pelo aumento reversível da proteína C reativa (PCR).(40) Gozal et al.(40) observaram que os níveis de triglicérides tornaram-se mais baixos após a adenotonsilectomia apenas no grupo de crianças obesas. Os níveis séricos de apoB foram notavelmente reduzidos após adenotonsilectomia em ambos os grupos, e o efeito foi ligeiramente maior no grupo das crianças não obesas. Similarmente, os níveis séricos da PCR que se encontravam elevados no período pré-adenotonsilectomia sofreram uma redução proporcional ao IAH, e essa redução foi mais importante em crianças não obesas. A SAOS, por meio da hipoxemia, hipercapnia e fragmentação do sono, pode causar ou agravar estados pró-inflamatórios através dos efeitos sobre a hiper-reatividade simpática e/ou estresse oxidativo.(42)

O TNF- é considerado um marcador para os distúrbios respiratórios do sono.(42) Vgontzas et al.(43) demonstraram que, através da inibição do TNF-, pode-se observar uma redução nos níveis da SAOS. Gozal et al.(44) observaram que crianças com SAOS moderada a grave apresentaram níveis elevados de TNF- nas primeiras horas da manhã e que, após tratamento cirúrgico, para as crianças que tinham hipertrofia adenotonsilar, foi verificada uma redução dos níveis de TNF-. Pacientes com SAOS, ao realizarem terapia com CPAP, apresentam melhoras quanto aos níveis de PCR, TNF- e IL-6.(45) O TNF- é uma potente citocina pró-inflamatória que desempenha um importante papel na patogênese da asma, ou seja, interfere na capacidade contrátil do músculo liso das vias aéreas.(45)

SAOS-leptina-asma

O tratamento da SAOS é capaz de reduzir os níveis da leptina circulante, como consequência da redução do IAH.(46) Sanner et al.(46) observaram que adultos com SAOS tratados com CPAP tiveram uma redução do IAH = 29 eventos/h no pré-tratamento, para IAH = 1,6 eventos/h no pós-tratamento; assim como o nível da leptina entre o pré e o pós-tratamento reduziu de 8,5 ng/mL para 7,4 ng/mL. Os níveis circulantes da leptina são diretamente proporcionais à quantidade de tecido adiposo; logo, indivíduos obesos têm elevados níveis da leptina circulante, tanto em adultos quanto em crianças.(46) Mai et al.(47) demonstraram que os níveis de leptina são mais elevados em crianças obesas quando comparadas com crianças não obesas (média: 18,1 ng/mL vs. 2,8 ng/mL). Além disso, quando as crianças são asmáticas, essas têm 2 vezes mais chances de ter níveis mais elevados da leptina quando comparadas com crianças sem asma. Guler et al.(48) compararam os níveis da leptina em crianças com asma e saudáveis: 3,53 ng/mL e 2,26 ng/mL, respectivamente. Ao realizarem a regressão logística, encontraram que a leptina atuou como um fator preditivo para a asma.

SAOS-RGE-asma

Acredita-se que o importante aumento da pressão negativa intratorácica devido à obstrução das VAS pode predispor ao movimento retrógrado do conteúdo gástrico.(49) Observou-se que 71,4% dos pacientes com SAOS apresentavam RGE, medido através de pHmetria, sendo que 10,4% desses não referiam sintomas.(50) Guda et al.(51) sugerem que pacientes com RGE têm mais episódios de AOS do que aqueles que não têm sintomas do RGE. O RGE induzido pela SAOS pode desempenhar um importante papel nos sintomas da asma.(39) Kiljander et al.(52) estudaram 90 pacientes com asma e observaram que o RGE foi diagnosticado em 32 desses (36%). No entanto, essa prevalência pode chegar a 84%.(53,54) Sontag et al.(53) estudaram 62 pacientes com asma e RGE, distribuídos da seguinte forma: 24 no grupo controle em uso de antiácidos, 22 em uso de ranitidina (150 mg) e 16 submetidos a fundoplicatura. Os pacientes que foram submetidos ao tratamento cirúrgico apresentaram uma redução imediata da exacerbação do sibilo, tosse e dispneia à noite. Após 2 anos, a melhora do quadro da asma foi observada em 74,5% dos pacientes que foram submetidos ao tratamento cirúrgico, em 9,1% do grupo da ranitidina e em 4,2% do grupo controle. O escore dos sintomas da asma no grupo do tratamento cirúrgico melhorou em 43%, ao passo que, no grupo ranitidina e grupo controle, esse valor foi inferior a 10%.(53)

SAOS-VAS-asma

A tendência atual é considerar que tanto o nariz quanto os brônquios são partes de uma única via aérea.(55) A rinite é considerada como um fator de risco independente para asma.(56) A frequência dos pacientes com asma que têm sintomas de rinite pode chegar até 100%.(57) Kiely et al.(58) observaram que após quatro semanas de tratamento com corticosteroide (propionato de fluticasona), o IAH foi menor no grupo que fez uso da fluticasona do que no grupo controle. Kheirandish-Gozal et al.(59) usaram a budesonida intranasal em crianças com SAOS moderada durante seis semanas e observaram uma melhora significativa das variáveis polissonográficas, de tal forma que 54,1% delas atingiram os índices de normalidade. Também foram observadas reduções quanto ao tamanho da adenoide. A descontinuidade do corticoide nasal não comprometeu os resultados. Entretanto, no grupo placebo, não foram observadas mudanças nos dados investigados.(59)

A frequência dos sítios obstrutivos das VAS em crianças com SAOS ocorre na seguinte ordem: adenoide (57%), palato duro (29%) e tonsilas palatinas (14%).(60) Donnelly et al.,(61) ao estudarem as VAS utilizando a ressonância magnética observaram colapso em hipofaringe em 81% das crianças com SAOS, ao passo que, no grupo controle, composto por crianças saudáveis, não foi observado colapso. Fregosi et al.(62) observaram que 74,3% das obstruções das VAS nas crianças podem ser explicadas pelas tonsilas palatinas, tonsilas faríngeas e pelo palato duro. Entretanto, Guilleminault et al.(63) observaram que 45% das crianças que foram submetidas a adenotonsilectomia apresentaram persistência da SAOS. Logo, a hipertrofia adenotonsilar é apenas uma das causas de SAOS na criança. Devem-se considerar outros fatores desencadeantes, como rinopatias, hipertrofia de cornetos, desvio septal e micrognatia maxilar.(64)

Quanto ao processo inflamatório das VAS, Almendros et al.(65) conduziram um estudo experimental com ratos que foram submetidos a episódios recorrentes de pressão negativa alternados por pressão positiva, induzindo colapso e reabertura das VAS, semelhante ao que ocorre na SAOS. Concluíram que houve uma elevada expressão de biomarcadores pró-inflamatórios, como TNF-, IL-1 e macrófagos, no tecido da laringe e do palato mole. Puig et al.(66) avaliaram células epiteliais brônquicas humanas que foram colocadas numa plataforma vibratória. Após 12 e 24 h de exposição à ação vibratória, as células apresentaram elevados níveis da IL-8 quando comparadas com as do grupo controle. Os autores concluíram que esses resultados indicam que a vibração das células epiteliais pode desencadear processos inflamatórios, de forma semelhante ao que ocorre nos quadros de ronco e AOS.(66)

Trudo et al.(67) avaliaram as VAS através de ressonância magnética durante o sono induzido em 15 adultos saudáveis e observaram que ocorrem mudanças tanto nas VAS quanto ao redor dessas. O espaço aéreo ao nível da região retropalatal reduziu em 19% durante o sono, à custa da redução no sentido anteroposterior e laterolateral da faringe. Na região retroglossal, não foram observadas reduções significativas. Schwab et al.(68) compararam as dimensões das VAS em pacientes com SAOS e em indivíduos saudáveis. A chance das estruturas das VAS estar associadas com a SAOS foi de 6,01 para a parede lateral da faringe; de 4,66 para o volume da língua; e de 6,95 para tecidos moles. O volume da língua e das paredes laterais da faringe mostrou-se como um fator independente para o risco de SAOS. O depósito de gordura tem sido demonstrado em tecidos das VAS em pacientes com SAOS.(69,70)

Perspectivas de intervenção sobre o binômio SAOS-asma

Pacientes com asma grave não controlada procuram 15 vezes mais as unidades de emergência médica e são hospitalizados 20 vezes mais do que os asmáticos moderados.(71-73) Especula-se que a SAOS pode ser um fator importante nas exacerbações de asma e que o uso de CPAP poderia reduzir as exacerbações, melhorar a qualidade de vida e reduzir o número de casos de asma de difícil controle.(74) Chan et al.(75) observaram que a média do VEF1 pré e pós-broncodilatador foi maior durante o intervalo durante a terapia com CPAP quando comparada entre dois períodos sem CPAP. O tratamento com CPAP melhorou o controle da asma e, em particular, as exacerbações noturnas da asma. Guilleminault et al.(35) estudaram pacientes com asma e alterações craniomandibulares com redução do espaço retrolingual. Constataram que, com o uso do CPAP, roncos, apneias, hipopneias e episódios de exacerbação da asma noturna foram eliminados. A CPAP nasal não teve efeito sobre o quadro da asma durante o dia.(35) O uso bem indicado e criterioso de CPAP tem apresentado benefícios para o binômio asma-SAOS, com efeitos favoráveis sobre a inflamação brônquica e sistêmica, redução da hiper-reatividade brônquica, melhora na arquitetura do sono, redução do peso corpóreo, supressão da produção de lecitina pelo tecido adiposo, melhora na função cardíaca e redução significativa do RGE.(74) Logo, a asma brônquica e a SAOS são dois problemas de saúde pública, cuja inter-relação está sendo reconhecida.(76) Espera-se que a compreensão desse processo sirva de subsídio para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento.(76)

Considerações finais


A associação entre SAOS e asma é frequente, mas pouco investigada. A SAOS não tratada pode contribuir para o não controle da asma, especialmente quanto aos sintomas noturnos. A investigação da SAOS em pacientes com asma deve ser realizada sempre que não houver um controle adequado dos sintomas noturnos da asma com o tratamento recomendado por diretrizes. Há evidências na literatura que sugerem que o uso de CPAP é eficaz para a remissão dos sintomas e controle da asma quando o paciente asmático tem AOS e asma não controlada.

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* Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Cristina Salles. Avenida Professor Magalhães Neto, Centro Médico Hospital da Bahia, Sala 2010, CEP 41820-011, Salvador, BA, Brasil.
Tel./Fax: 55 71 2109-2210. E-mail: dra.cristinasalles@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
Recebido para publicação em 27/3/2013. Aprovado, após revisão, em 14/6/2013.




Sobre os autores

Cristina Salles
Otorrinolaringologista e Médica do Sono. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

Regina Terse-Ramos
Professor Adjunto. Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina da Bahia - Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

Adelmir Sousa-Machado
Professor Adjunto. Instituto de Ciências da Saúde, Divisão de Biomorfologia e Programa para Controle da Asma na Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

Álvaro A Cruz
Coordenador. Núcleo de Excelência em Asma, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

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