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Mortalidade, morbidade e categorização de risco para complicações perioperatórias em pacientes com câncer de pulmão

Morbidity, mortality, and categorization of the risk of perioperative complications in lung cancer patients

Fabiana Stanzani, Denise de Moraes Paisani, Anderson de Oliveira, Rodrigo Caetano de Souza, João Aléssio Juliano Perfeito, Sonia Maria Faresin

ABSTRACT

Objective: To determine morbidity and mortality rates by risk category in accordance with the American College of Chest Physicians guidelines, to determine what role pulmonary function tests play in this categorization process, and to identify risk factors for perioperative complications (PCs). Methods: This was a historical cohort study based on preoperative and postoperative data collected for cases of lung cancer diagnosed or suspected between 2001 and 2010. Results: Of the 239 patients evaluated, only 13 (5.4%) were classified as being at high risk of PCs. Predicted postoperative FEV1 (FEV1ppo) was sufficient to define the risk level in 156 patients (65.3%); however, cardiopulmonary exercise testing (CPET) was necessary for identifying those at high risk. Lung resection was performed in 145 patients. Overall morbidity and mortality rates were similar to those reported in other studies. However, morbidity and mortality rates for patients at an acceptable risk of PCs were 31.6% and 4.3%, respectively, whereas those for patients at high risk were 83.3% and 33.3%. Advanced age, COPD, lobe resection, and lower FEV1ppo were correlated with PCs. Conclusions: Although spirometry was sufficient for risk assessment in the majority of the population studied, CPET played a key role in the identification of high-risk patients, among whom the mortality rate was seven times higher than was that observed for those at an acceptable risk of PCs. The risk factors related to PCs coincided with those reported in previous studies.

Keywords: Algorithms; Lung neoplasms; Postoperative complications.

RESUMO

Objetivo: Determinar as taxas de morbidade e mortalidade por categoria de risco conforme as diretrizes do American College of Chest Physicians, verificar como exames funcionais participaram dessa categorização e identificar fatores de risco para complicações perioperatórias (CPOs). Métodos: Estudo de coorte histórica a partir de avaliações pré e pós-operatórias de casos diagnosticados ou suspeitos de câncer de pulmão avaliados entre 2001 e 2010. Resultados: Dos 239 pacientes avaliados, apenas 13 (5,4%) foram considerados como de alto risco para CPOs. O cálculo do VEF1 previsto para o pós-operatório (VEF1ppo) foi suficiente para a estratificação do risco em 156 pacientes (65,3%); entretanto, o teste de exercício cardiopulmonar (TECP) foi necessário para a identificação de alto risco. Foram operados 145 pacientes, e as taxas globais de morbidade e mortalidade encontradas foram semelhantes às de outros estudos. Entretanto, as taxas de morbidade e mortalidade para aqueles com risco aceitável foram de 31,6% e 4,3%, respectivamente, enquanto as taxas para aqueles com alto risco foram de 83,3% e 33,3%. Idade mais avançada, presença da DPOC, ressecção de um ou mais lobos e VEF1ppo mais baixo estiveram relacionados à ocorrência de CPOs. Conclusões: Embora a espirometria tenha sido suficiente para a determinação de risco na maioria da população estudada, o TECP teve papel fundamental na identificação de pacientes com risco alto, que apresentaram uma taxa de mortalidade sete vezes maior que os de risco aceitável. Os fatores de risco relacionados a CPOs coincidiram aos relatados em outros estudos.

Palavras-chave: Algoritmos; Neoplasias pulmonares; Complicações pós-operatórias.

Introdução

A avaliação funcional de candidatos à ressecção pulmonar para tratamento do câncer de pulmão pode ser orientada por diversos algoritmos, sendo os mais conhecidos os propostos pelos consensos do American College of Chest Physicians (ACCP)(1) e da European Respiratory Society/European Society of Thoracic Surgeons.(2) Apesar da potencial redução nas taxas de morbidade e mortalidade que a utilização dessas ferramentas proporcionaria, sua aplicação está comprometida, pois são necessários exames pouco disponíveis para a maioria dos médicos, como a medida da DLCO e, especialmente, o teste de exercício cardiopulmonar (TECP).(3-5)

A principal diferença entre os dois algoritmos está na indicação desses exames, mas ainda não há estudos comparando a superioridade de um em relação ao outro. Entretanto, há trabalhos relatando que, quando não se utilizara nenhum algoritmo, os erros na avaliação foram comuns, recaindo sobre os médicos menos experientes a maior frequência desses erros.(5,6)

Por ter sido publicado anteriormente ao europeu, o algoritmo do ACCP tem sido utilizado pelo setor de avaliação pré-operatória da Universidade Federal de São Paulo nos últimos 10 anos. Objetivamos compartilhar nossa experiência apresentando as taxas de morbidade e mortalidade segundo a categorização de risco, relatar como a DLCO e o TECP participaram dessa categorização e quais fatores de risco estiveram associados à ocorrência de complicações perioperatórias (CPOs).

Métodos

Realizou-se a análise de um banco de dados de uma coorte histórica de avaliações pré-operatórias realizadas no Hospital São Paulo, localizado na cidade de São Paulo (SP), no período entre 1° de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2010, em pacientes que tinham câncer de pulmão já diagnosticado ou sua suspeita clínica. O projeto obteve aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (no. 1487/11).

O algoritmo de avaliação proposto pelo consenso do ACCP foi aplicado após o paciente encontrar-se na sua melhor condição clínico-funcional. A Figura 1 ilustra o algoritmo e a categorização do risco operatório. Todos os pacientes realizaram espirometria, e a pesquisa da DLCO era indicada quando havia suspeita clínica e radiológica de doença intersticial concomitante, quimioterapia neoadjuvante prévia ou intensidade de dispneia referida desproporcional ao valor obtido no VEF1 em percentual do previsto. Quando um dos dois valores funcionais previstos para o pós-operatório (ppo), isto é, VEF1ppo ou DLCOppo, era inferior a 40% ou quando o paciente era incapaz de realizar manobras aceitáveis para a mensuração da DLCO, o TECP foi indicado. Pacientes incapazes de realizar o TECP adequadamente foram considerados de alto risco.



No pós-operatório, os pacientes receberam assistência fisioterapêutica e manejo da dor por equipes especializadas até a alta hospitalar.

As medidas de desfecho analisadas, isto é, as taxas de morbidade e mortalidade, consideraram os eventos ocorridos até o 30º dia de pós-operatório. As definições de CPOs foram descritas em um estudo prévio(7) e eram as seguintes: intercorrências respiratórias ou cardiovasculares que provocaram instabilidade no período intraoperatório; infecção do trato respiratório inferior; atelectasia; insuficiência respiratória aguda; infarto agudo do miocárdio; arritmia atrial com necessidade de tratamento; insuficiência cardíaca congestiva; fístula broncopleural; empiema pleural; perda aérea por 7 ou mais dias; hemotórax; reoperação; e necessidade de oxigenoterapia no 30º dia de pós-operatório.

Na análise estatística, as taxas de mortalidade e morbidade foram apresentadas como proporção simples. Para avaliar se os valores funcionais estavam associados à CPOs, foi necessário recalculá-los, ajustando-os à extensão da ressecção realizada ao invés de mantê-los em conformidade à ressecção planejada, sendo denominados VEF1ppo real e DLCOppo real. Para identificar quais variáveis estiveram relacionadas à ocorrência de CPOs, foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson e o teste t de Student.

Resultados

Dos 262 pacientes elegíveis para o estudo, 239 (91,2%) foram avaliados segundo o algoritmo do ACCP, enquanto as etapas recomendadas pelo consenso não foram cumpridas em 23 (8,8%). As características clínico-funcionais desses 239 pacientes encontram-se na Tabela 1.



Os valores previstos para VEF1 foram ≥ 80% ou VEF1ppo ≥ 40% em 156 pacientes (65,3%), não sendo necessários outros exames para se concluir a avaliação. Entretanto, 8 pacientes (3,3%) apresentaram VEF1ppo ≤ 40% e portanto tiveram indicação de realizar o TECP.

Dos 239 pacientes, 82 (34,3%) tiveram indicação de realizar a DLCO; porém, 6 desses não o fizeram porque foram incapazes de realizar manobras aceitáveis. Dos 76 pacientes restantes, 60 (73,2%) apresentaram valores de VEF1ppo e de DLCOppo > 40% do previsto, concluindo sua avaliação pré-operatória como com risco aceitável. Dos 14 pacientes com DLCOppo < 40%, 13 apresentavam VEF1ppo > 40%. No total, 23 pacientes (9,6%) tiveram indicação de realizar o TECP, sendo que 13 (56,5%) foram categorizados como pacientes com alto risco pelos seguintes motivos: apresentar consumo de oxigênio no pico do exercício ≤ 15 mL  kg−1  min−1, em 6; realizar esforço submáximo ou não conseguir pedalar, em 4; não realizar o TECP por motivos desconhecidos, em 2; e não realizar o TECP porque o aparelho estava quebrado, em 1. A Figura 2 ilustra a aplicação do algoritmo, que categorizou 13 pacientes (5,4%) como com alto risco e 226 (94,6%) como com risco aceitável.



Foram operados 151 pacientes (63,2%). Em 6 deles, não houve ressecção de parênquima pulmonar e, portanto, foram desconsiderados para as demais análises. Do restante, 139 e 6 pertenciam aos grupos com risco aceitável e alto risco, respectivamente. Em 49,6% desses procedimentos, foi ressecado menos parênquima do que o programado; na maioria das vezes, pela exclusão de doença maligna na análise de congelação no intraoperatório. Em 9,3%, foi ressecado mais tecido em decorrência da progressão do câncer. Foram realizadas lobectomias em 38,6% dos casos; ressecções menores que um segmento, em 29,0%; segmentectomias, em 17,9%; pneumonectomias, em 8,3%; bilobectomias, em 4,8%; e bissegmentectomias, em 1,4%.

Dos 145 pacientes operados, 49 apresentaram CPOs, sendo a taxa de morbidade de 33,8% e a de mortalidade geral de 5,5% (8 óbitos). Ocorreram 101 CPOs, sendo as mais frequentes a perda aérea prolongada, em 19,8%; a infecção respiratória das vias aéreas inferiores, em 19,8%; e a insuficiência respiratória aguda, em 17,8%; seguidas por arritmia cardíaca, em 7,9%; necessidade de reoperação, em 5,9%; oxigenoterapia domiciliar, em 5,9%; empiema pleural, em 5,9%; atelectasia em 5,0%; infarto agudo do miocárdio, em 5,0%; fístula broncopleural, em 4,0%; e intercorrências intraoperatórias, em 3,0%.

Não houve diferenças estatisticamente relevantes nas comparações feitas entre os pacientes operados e não operados em relação a idade, prevalência de comorbidades, prevalência de DPOC e VEF1 em porcentagem do previsto. As causas mais frequentes que impossibilitaram o tratamento operatório foram progressão do câncer; abandono ou desistência do tratamento; e diagnóstico de doença benigna por outro método que não a operação inicialmente programada.

O diagnóstico de malignidade foi confirmado em 105 pacientes operados (72,4%), sendo o adenocarcinoma o tipo histológico mais frequente (40,0%). Em 27,6% dos pacientes, o diagnóstico histológico foi benigno, a maioria (59,5%) correspondendo a lesões benignas não especificadas e tuberculomas.

As taxas de morbidade e mortalidade dos pacientes categorizados no pré-operatório como com risco aceitável foram de, respectivamente, 31,6% e 4,3% (6 óbitos), enquanto, naqueles com alto risco, essas foram de 83,3% e 33,3% (2 óbitos). Na recategorização dos pacientes conforme a extensão do procedimento realizado, dos 139 pacientes que pertenciam ao grupo com risco aceitável, 4 teriam indicação de realizar o TECP para concluir a avaliação. Dos 6 pacientes considerados como com alto risco, 4 assim permaneceram, e 2 foram recategorizados como com risco aceitável. Recalculando as taxas de morbidade e mortalidade, respectivamente, essas foram de 31,4% e 3,6% para aqueles com risco aceitável, e de 100% e 50,0% para aqueles com alto risco. A Tabela 2 mostra as taxas de morbidade e mortalidade obtidas no grupo de pacientes categorizados como com risco aceitável de acordo com os exames realizados.



Comparando os pacientes que apresentaram CPOs com aqueles sem CPOs, foi observado que somente as variáveis idade, realização de ressecções em um ou mais lobos, VEF1ppo real em porcentagem do previsto e DPOC como comorbidade apresentaram diferenças estatisticamente significativas (Tabela 3).



Discussão

A utilização do algoritmo do ACCP mostrou que os pacientes categorizados como com risco alto apresentaram uma taxa de mortalidade de sete a treze vezes superior à encontrada naqueles considerados como com risco aceitável. Essa diferença ocorreu estando as taxas globais de mortalidade e morbidade condizentes às relatadas por outros serviços.(8-10) Esse dado permitiu constatar que o algoritmo ofereceu uma boa predição de risco para esses pacientes, identificando aqueles que merecem mais atenção e investimento tanto antes quanto após o procedimento.

Enquanto a maioria da população estudada precisou apenas do cálculo de VEF1ppo para ser avaliada e apresentou evolução pós-operatória favorável, o valor de DLCOppo < 40% determinou a necessidade de se realizar o TECP cinco vezes mais frequentemente do que o valor de VEF1ppo < 40%. Porém, considerando o subgrupo de pacientes submetido a esse exame, não houve uma modificação do risco em 75% dos casos. Esse resultado não era esperado, uma vez que a DLCO ganhou muito destaque na avaliação pré-operatória nos últimos anos, quando vários estudos demonstraram que a DLCO é mais acurada para predizer o risco de CPOs do que o VEF1.(11-13) Uma provável explicação para isso seria a perda do poder discriminatório da DLCO quando inserida em um algoritmo que categoriza os pacientes em apenas duas classes. Mas também há de se considerar que, se nossa amostra fosse maior ou se a DLCO tivesse sido realizada em todos os pacientes, talvez os resultados pudessem ser diferentes, permitindo até a criação de outras categorias, como a de risco moderado.

O TECP é, sem dúvida, o exame de eleição na estratificação do risco operatório mesmo fora da cirurgia torácica; porém, é muito pouco disponível.(14,15) Nossos resultados mostraram que, quando o TECP é utilizado após uma sequência de exames que identificaram um paciente com reserva limitada, o que correspondeu a apenas 9,6% da nossa população, o risco seria alto em 56,5% das vezes. Porém, é necessário atentar que as taxas de CPOs e de morte encontradas foram muito altas. No nosso entendimento, da maneira como o algoritmo utilizado foi concebido, essa categoria espelhou um "risco muito alto", e, portanto, deveria haver um aprimoramento do algoritmo com a inserção de categorias de risco intermediárias às existentes.

Segundo o algoritmo europeu, o TECP deve ser realizado quando o previsto de VEF1 ou de DLCO estiver abaixo de 80%, isto é, na fase inicial da avaliação. Essa recomendação foi embasada, sobretudo, nos estudos de Bolliger et al.,(3,4) que dispunham desse exame no seu serviço e elaboraram um algoritmo a partir dele. Por outro lado, não se conhece a relação custo-efetividade dessa proposição comparada a outras estratégias mais simples de avaliação, principalmente em pacientes com baixo risco. Se tivéssemos aplicado o algoritmo europeu na nossa amostra, o TECP deveria ter sido feito em 81,7% da população. Uma recente publicação espanhola mostrou que quando seis hospitais utilizaram aquele algoritmo, dos 92 pacientes (53,2%) da amostra total do estudo que tinham indicação para a realização do TECP, somente 68 o fizeram. Na maioria das vezes, a não realização desse exame se deu pela falta de estrutura técnica.(16)

No processo de revisão de nosso manuscrito, foi publicada a terceira revisão das orientações da ACCP para candidatos à ressecção pulmonar.(17) Foi proposto um novo algoritmo, extrapolado de um elenco de publicações, mas, infelizmente, sem que um grande estudo prospectivo e multicêntrico o tivesse validado. Comparativamente à publicação de 2007, as novidades trazidas foram a concordância com o algoritmo europeu em relação à realização da medida da DLCO em todos os candidatos a ressecção, a utilização de testes submáximos antes do TECP, novos parâmetros para categorizar o risco baixo e a criação de uma categoria de risco moderado. Assim, quando o VEF1ppo e a DLCOppo estivessem acima de 60%, os pacientes seriam classificados como com baixo risco. Se qualquer um desses valores estivesse entre 30% e 60%, os testes de shuttle ou de escada estariam indicados. A depender dos resultados obtidos, o TECP seria realizado e seus resultados definiriam se o paciente pertenceria às categorias de risco baixo, moderado ou alto.

Na tentativa de simplificar a avaliação dinâmica da reserva cardiopulmonar, muito se pesquisou a respeito dos testes de exercícios submáximos, como os testes de escada, de caminhada de seis minutos (TC6) e de shuttle.(18-20) Apesar dos resultados satisfatórios encontrados, alguns pontos negativos foram observados. A falta de padronização do teste de escada, o baixo nível de evidência do TC6, a variabilidade do esforço empregado durante os testes e, principalmente, a falta de avaliação de parâmetros metabólicos e cardiopulmonares mais complexos em quaisquer desses testes reservaram a eles o papel de confirmar se o paciente realmente apresentava um risco baixo de CPOs. Os consensos europeu e da ACCP concordam que pacientes com desempenho insatisfatório nesses testes deveriam realizar o TECP. Provavelmente, novos estudos discutirão se a estratégia de utilização de testes submáximos inseridos no novo algoritmo se mostrará suficientemente discriminatória e custo-efetiva.

Frente a esses achados, questionamos se o maior problema não estaria nos algoritmos propostos ao invés da disponibilidade dos exames. Na tentativa de responder essa dúvida, nossa sugestão seria de iniciar o processo investigativo após a determinação de quais CPOs seriam consideradas significativas para esse tipo de procedimento para compor a taxa de morbidade. A partir daí, seriam estipuladas metas balizadas por taxas de morbidade e de mortalidade consideradas toleráveis para cada categoria de risco. Pesquisas avaliariam quais exames e quais resultados seriam necessários para se atingir cada meta, determinando quanto de acurácia ganharíamos com a adição de exames mais sofisticados em cada uma das categorias. Talvez, concebido assim, o algoritmo traria maior segurança ao cirurgião e ao paciente e faria com que a necessidade de exames mais complexos e a participação de um time multiprofissional fossem mais bem aproveitadas conforme o risco aumentasse. Esse raciocínio é fruto da dificuldade que enfrentamos ao comparar nossas taxas de CPOs e morte com as das demais publicações e da hipótese levantada pelos nossos resultados, ou seja, que o TECP tem um papel mais decisivo na diferenciação das categorias de risco alto e muito alto, assim como em relação ao tratamento clínico.

Sendo assim, apesar de o TECP estar disponível na nossa instituição, continuaremos a indicá-lo apenas para pacientes com reserva limitada, pois, como serviço público, não há recursos e logística suficientes para corresponder a demanda trazida pelo uso do algoritmo europeu. Além disso, como observado na Tabela 2, as taxas de morbidade e de mortalidade obtidas para a categoria com risco aceitável utilizando-se espirometria e DLCO foram satisfatórias.

A ocorrência de CPOs é sempre preocupante. Para o paciente, significa maior tempo de internamento hospitalar, maior atraso na retomada de suas atividades laborais e sociais e maiores despesas médico-hospitalares, além de adicionar maior risco de sequelas ou de morte. Assim como em recentes publicações, a taxa de complicações cardíacas observadas foi menor do que as pulmonares.(9,21) Uma possível explicação poderia ser o cuidado em reconhecer e tratar comorbidades cardíacas antes de se iniciar a avaliação para a ressecção, recomendação dada tanto pelo algoritmo do ACCP quanto pelo europeu. Estudos mostraram que a implementação de um algoritmo de avaliação cardíaca pré-operatória contribuiu para o uso apropriado de exames e estratégias terapêuticas, reduzindo as taxas de morbidade cardíaca.(22,23) Outro fator contribuinte seria o avanço no diagnóstico e tratamento da dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e insuficiência coronariana, reduzindo o estado inflamatório sistêmico.

Ainda é controverso se a idade mais elevada é isoladamente um fator de risco para a ocorrência de CPOs(24,25) ou se a gravidade e a quantidade de comorbidades que acometem doentes mais velhos são as responsáveis por elas.(9,26-28) Nossa prevalência de comorbidades foi semelhante ou menor quando comparada a de outras publicações(8,9,29) e similar entre os grupos com e sem CPOs. O inverso ocorreu com a presença de DPOC e a extensão da ressecção, que são, reconhecidamente, os dois mais importantes fatores de risco relacionados a CPOs.(4,9,24)

O presente estudo apresentou algumas limitações. A primeira delas foi seu caráter retrospectivo; por isso, priorizamos coletar as complicações de maior impacto, com definições previamente estabelecidas e já anteriormente utilizadas em outras pesquisas em nosso serviço, como infecção pulmonar, insuficiência respiratória aguda e fístula broncopleural. A segunda limitação foi o modesto número de pacientes estudados, o que comprometeu análises estatísticas mais complexas. Entretanto, este é o primeiro relato sobre a utilização do algoritmo do ACCP no Brasil. A terceira limitação foi a possibilidade de pacientes graves não terem sido encaminhados para o nosso ambulatório por terem sido previamente considerados de muito alto risco. Por isso, os resultados aqui obtidos não devem ser generalizados.

Concluindo, a utilização do algoritmo da ACCP proporcionou a identificação de um grupo de pacientes cujas taxas de morbidade e mortalidade foram consideravelmente mais elevadas, consumindo mais atenção em todo período perioperatório. A maioria da nossa população foi avaliada apenas por espirometria, apresentando taxas de morbidade e mortalidade aceitáveis, mas o TECP teve um importante papel no reconhecimento do paciente com alto risco. Concordante com estudos publicados, idade mais avançada, presença da DPOC, ressecção de um ou mais lobos e função pulmonar mais comprometida estiveram relacionados à ocorrência de CPOs.

Agradecimentos

Aos pacientes, que entregam suas melhores expectativas em nossas mãos, e ao querido Professor Dr. Vicente Forte (in memoriam), nosso mestre e nosso norte, o agradecimento sincero, carinhoso e humilde. Agradecemos sua presença firme no presente projeto quando conosco, e após, em conceito e inspiração.

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*Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Fabiana Stanzani. Rua Dr. Afonso Baccari, 71, apto 103, Vila Clementino, CEP 04026-030, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3253-4331. E-mail: fabiana.stanzani@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 25/7/2012. Aprovado, após revisão, em 28/10/2013.



Sobre os autores

Fabiana Stanzani
Médica. Disciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Denise de Moraes Paisani
Fisioterapeuta. São Paulo (SP) Brasil.

Anderson de Oliveira
Cirurgião Torácico. Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho, São Paulo (SP) Brasil.

Rodrigo Caetano de Souza
Cirurgião Torácico. Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

João Aléssio Juliano Perfeito
Cirurgião Torácico, Disciplina de Cirurgia Torácica, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Sonia Maria Faresin
Professora Afiliada. Disciplina de Pneumologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

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