Ao Editor,O tiotrópio, um broncodilatador antagonista muscarínico de longa ação e de uso bem estabelecido na DPOC, tem reconhecida ação em reduzir a hiperinsuflação pulmonar, assim como melhorar a dispneia e a capacidade de exercício nessa população.(1) Em um artigo recente,(2) foi demonstrado que o tiotrópio foi capaz de atenuar o remodelamento de vias aéreas promovido pelo TGF-. Além disso, já foi demonstrada a resposta aguda à associação de salbutamol e tiotrópio em portadores de bronquiolite constritiva (BC) secundária à doença do enxerto contra o hospedeiro após transplante de medula óssea, sendo observada variação significativa no VEF1 e/ou CVF em 7 de 17 pacientes testados.(3) Dessa forma, nota-se que a musculatura lisa desempenha um papel significante na BC e que o tiotrópio pode ter uma ação na inibição tanto da broncoconstrição como do remodelamento de vias aéreas.
Entre janeiro de 2004 e setembro de 2009, foi oferecido tiotrópio (HandiHaler, 18 µg; uma vez ao dia por 30 dias) a 11 pacientes consecutivos portadores de BC e cujo diagnóstico encontra-se descrito abaixo. Espirometrias simples foram realizadas de acordo com as diretrizes brasileiras para a realização de testes de função pulmonar antes e após o uso de tiotrópio,(4) e, em 6 pacientes, foi realizada pletismografia pré-tratamento.
Oito pacientes eram do sexo feminino, com média de idade ao diagnóstico de 49 11,6 anos e média de idade ao início do uso de tiotrópio de 54,9 11,0 anos. Seis pacientes tinham história de tabagismo prévio, mas apenas 2 desses apresentavam tabagismo maior que 5 anos-maço.
Nove pacientes apresentavam história de alguma exposição importante (mofo, metalurgia, pássaros, herbicidas, tintas, sementes e gesso). Três pacientes eram portadores de colagenose (artrite reumatoide em 1; síndrome de Sjögren em 1; e ambas em 1); para esses 3 pacientes, a colagenose foi considerada como o fator etiológico principal.
Todos os pacientes realizaram TC de tórax, sendo evidenciados sinais diretos de doença de pequenas vias aéreas (espessamento de paredes brônquicas, bronquiectasias, bronquioloectasias, micronódulos centrolobulares ou opacidades em árvore em brotamento) em 9 pacientes, enquanto o sinal indireto de doença de pequenas vias aéreas (atenuação em mosaico) foi observado em 2 pacientes.(5)
Foram realizadas sete biópsias, sendo seis biópsias cirúrgicas e uma biópsia transbrônquica, todas demonstrando a presença de BC. Os 3 pacientes com doença reumatológica foram dispensados da biópsia pulmonar devido ao quadro clínico, funcional e tomográfico compatível com doença de pequenas vias aéreas, enquanto 1 paciente não foi submetido à biópsia devido a sua condição clínica grave, mas esse paciente apresentava um quadro clínico, funcional e tomográfico de BC.
Os tratamentos instituídos anteriormente à introdução do tiotrópio foram os seguintes: corticoterapia sistêmica, em 8 pacientes; corticoide inalatório, em 7; 2-agonista de longa ação, em 4; metotrexato, em 4; macrolídeo, em 3; azatioprina, em 2; cloroquina, em 2; e ciclofosfamida, em 1. Dois pacientes apresentaram melhora clínica e funcional transitória, 1 deles com o uso de metotrexato e 1 com o uso associado de azatioprina, prednisona e acetilcisteína.
Foram analisadas 22 espirometrias simples (2 por paciente; Tabela 1). A mediana de tempo de tratamento com tiotrópio foi de 21 dias (intervalo interquartílico, 17,5-42,0), com um mínimo de 14 dias. Os valores de CVF e VEF1 antes e após o uso do tiotrópio estão ilustrados na Figura 1. Seis pacientes realizaram pletismografia no início, e todos apresentavam CPT normal ou aumentada e VR aumentado, sugerindo aprisionamento aéreo, compatível com o diagnóstico clínico de BC. Após a introdução do tiotrópio, o VEF1 aumentou de 870 310 mL para 1.060 350 mL (18,7 9,2%; p = 0,0002) e a CVF, de 1.520 500 mL para 1.800 420 mL (16,5 12,6%; p = 0,0011), enquanto a relação VEF1/CVF não mostrou mudança significativa (de 0,57 0,11 a 0,58 0,12; p = 0,46). A Figura 1 mostra a mudança de CVF e VEF1 em cada paciente e a média do grupo.
O ganho funcional médio foi de 280 mL ou 16,5% para CVF e de 190 mL ou 18,7% para VEF1, valores semelhantes aos descritos em pacientes com DPOC.(1) Apenas 2 dos 11 pacientes não apresentaram melhora no VEF1 e/ou CVF acima de 100 mL, não sendo possível predizer a presença de resposta apenas pelas características clínicas.
Nossos resultados demonstram uma melhora funcional prolongada nos pacientes portadores de BC com uma droga de efeito anticolinérgico reconhecido, sugerindo que a acetilcolina possa ter um papel na fisiopatologia da BC através da contração da musculatura lisa bronquiolar. Segundo nosso conhecimento, esta é a primeira série de casos que mostra melhora espirométrica com o uso de tiotrópio em pacientes portadores de BC de diferentes etiologias, justificando estudos maiores e mais prolongados para se avaliar o impacto do uso de brometo de tiotrópio na evolução da BC.(3,6)
Alexandre Melo Kawassaki
Médico, Grupo de Doenças Intersticiais, Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; e Médico Pneumologista, Hospital 9 de Julho, São Paulo (SP) Brasil
Letícia Barbosa Kawano-Dourado
Médica, Grupo de Doenças Intersticiais, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil
Ronaldo Adib Kairalla
Professor Assistente, Grupo de Doenças Intersticiais, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; e Médico Pneumologista, Hospital Sírio-Libanês, São Paulo (SP) BrasilReferências
1. Celli B, ZuWallack R, Wang S, Kesten S. Improvement in resting inspiratory capacity and hyperinflation with tiotropium in COPD patients with increased static lung volumes. Chest. 2003;124(5):1743-8. http://dx.doi.org/10.1378/chest.124.5.1743 PMid:14605043
2. Oenema TA, Mensink G, Smedinga L, Halayko AJ, Zaagsma J, Meurs H, et al. Cross-talk between transforming growth factor-1 and muscarinic M2 receptors augments airway smooth muscle proliferation. Am J Respir Cell Mol Biol. 2013;49(1):18-27. http://dx.doi.org/10.1165/rcmb.2012-0261OC PMid:23449734
3. Barisione G, Bacigalupo A, Crimi E, Brusasco V. Acute bronchodilator responsiveness in bronchiolitis obliterans syndrome following hematopoietic stem cell transplantation. Chest. 2011;139(3):633-9. http://dx.doi.org/10.1378/chest.10-1442 PMid:20724742
4. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para testes de função pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S1-S238.
5. Devakonda A, Raoof S, Sung A, Travis WD, Naidich D. Bronchiolar disorders: a clinical-radiological diagnostic algorithm. Chest. 2010;137(4):938-51. http://dx.doi.org/10.1378/chest.09-0800 PMid:20371529
6. Matsuyama W, Yamamoto M, Machida K, Oonakahara K, Watanabe M, Higashimoto I, et al. A case of bronchiolitis obliterans syndrome successfully treated by tiotropium bromide [Article in Japanese]. Nihon Kokyuki Gakkai Zasshi. 2006;44(5):404-9. PMid:16780100