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Artigo Original

Análise da dessaturação de oxigênio durante o teste de caminhada de seis minutos em pacientes com DPOC

Oxygen desaturation during the six-minute walk test in COPD patients

Maria Ângela Fontoura Moreira, Gabriel Arriola de Medeiros, Francesco Pinto Boeno, Paulo Roberto Stefani Sanches, Danton Pereira da Silva Júnior, André Frotta Müller

ABSTRACT

Objective: To evaluate the behavior of oxygen saturation curves throughout the six-minute walk test (6MWT) in patients with COPD. Methods: We included 85 patients, all of whom underwent spirometry and were classified as having moderate COPD (modCOPD, n = 30) or severe COPD (sevCOPD, n = 55). All of the patients performed a 6MWT, in a 27-m corridor with continuous SpO2 and HR monitoring by telemetry. We studied the SpO2 curves in order to determine the time to a 4% decrease in SpO2, the time to the minimum SpO2 (Tmin), and the post-6MWT time to return to the initial SpO2, the last designated recovery time (RT). For each of those curves, we calculated the slope. Results: The mean age in the modCOPD and sevCOPD groups was 66  10 years and 62  11 years, respectively. At baseline, SpO2 was > 94% in all of the patients; none received supplemental oxygen during the 6MWT; and none of the tests were interrupted. The six-minute walk distance did not differ significantly between the groups. The SpO2 values were lowest in the sevCOPD group. There was no difference between the groups regarding RT. In 71% and 63% of the sevCOPD and modCOPD group patients, respectively, a ≥ 4% decrease in SpO2 occurred within the first minute. We found that FEV1% correlated significantly with the SpO2 (r = −0.398; p < 0.001), Tmin (r = −0.449; p < 0.001), and minimum SpO2 (r = 0.356; p < 0.005). Conclusions: In the sevCOPD group, in comparison with the modCOPD group, SpO2 was lower and the Tmin was greater, suggesting a worse prognosis in the former.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive; Exercise test; Blood gas monitoring, transcutaneous.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o comportamento da curva de saturação de oxigênio durante o teste de caminhada de seis minutos (TC6) em pacientes com DPOC. Métodos: Incluímos 85 pacientes e todos realizaram espirometria, sendo classificados como portadores de DPOC moderada (DPOCm, n = 30) ou grave (DPOCg, n = 55). Todos os pacientes realizaram TC6 em um corredor de 27 m com monitoramento contínuo da SpO2 e FC por telemetria. A partir das curvas de SpO2, foram analisados os tempos para atingir a queda de 4% da SpO2, para atingir a SpO2 mínima (Tmin) e para a recuperação da SpO2 após o TC6 (TR). Foram calculadas as inclinações dessas curvas. Resultados: A média de idade nos grupos DPOCm e DPOCg foi de 62  11 anos e 66  10 anos, respectivamente. Todos os pacientes iniciaram o teste com SpO2 > 94%, nenhum recebeu suplementação de oxigênio durante o TC6, e não houve interrupções. A distância percorrida no TC6 não apresentou diferença significativa entre os grupos. Os menores valores da SpO2 ocorreram no grupo DPOCg. Não houve diferença no TR entre os grupos, e 71% e 63% dos pacientes nos grupos DPOCg e DPOCm, respectivamente, apresentaram queda de SpO2 ≥ 4% até o primeiro minuto. O VEF1% apresentou correlações significativas com SpO2 (r = −0,398; p < 0,001), Tmin (r = −0,449; p < 0,001) e SpO2 mínima (r = 0,356; p < 0,005). Conclusões: As curvas dos pacientes do grupo DPOCg em relação às do grupo DPOCm apresentaram valores menores de SpO2 e maior Tmin, sugerindo um pior prognóstico nos primeiros.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica; Teste de esforço; Monitorização transcutânea dos gases sanguíneos.

Introdução

Avanços nas pesquisas, no tratamento e no diagnóstico de doenças pulmonares vêm demonstrando a importância da inclusão do teste da caminhada de seis minutos (TC6) na avaliação funcional de pacientes com pneumopatias, mais precisamente na detecção da hipoxemia induzida pelo exercício, que é considerada um importante marcador da gravidade das doenças respiratórias. A promoção de medidas reprodutíveis para essa avaliação torna-se necessária.(1-5)

O TC6 é amplamente solicitado, pois além de ser de fácil aplicação, ter baixo custo e ser bem tolerado pelo paciente, é o exercício de capacidade submáxima que melhor representa atividades da vida diária. Dessa maneira, torna-se atrativo por conciliar facilidade de execução e simplicidade operacional. Assim, é normalmente aplicado como complemento na avaliação de DPOC, fibrose cística, cardiopatias, doenças vasculares periféricas, entre outras.(2-4,6)

As diretrizes da American Thoracic Society, com relação ao TC6, recomendam a utilização de um espaço físico fechado e plano com uma distância reta de 30 m, onde o paciente deverá caminhar por seis minutos, com o objetivo de percorrer a maior distância possível.(7)

O TC6 está entre os testes mais utilizados para avaliar a tolerância ao exercício em indivíduos portadores de doenças obstrutivas e crônicas e de doenças intersticiais. Esses pacientes podem apresentar um decréscimo acentuado da SpO2 quando submetidos a exercícios submáximos ou mesmo dessaturação em repouso. A hipoxemia decorrente do esforço pode ser explicada por fatores fisiopatológicos, como limitação ventilatória, desproporção entre a oferta e o consumo de oxigênio, inflamação sistêmica e estresse oxidativo, afetando a oxigenação muscular periférica. A queda significativa nos níveis de oxigênio circulante, resultante do aumento da demanda pelo esforço realizado, pode ocasionar o aumento da pressão arterial, da dispneia e da fadiga muscular, reduzindo assim a tolerância na execução de exercícios submáximos.(8)

Os pacientes com DPOC não apresentam a mesma limitação ao realizar exercícios ou atividades da vida diária. O desempenho e a manutenção do exercício dependem basicamente da interação perfeita entre os sistemas que comandam e controlam a ventilação, a troca gasosa, o fluxo de sangue, a hemoglobina, o transporte de oxigênio/dióxido de carbono, a utilização de oxigênio e a produção de dióxido de carbono.(8)

No TC6 dos pacientes com DPOC, um dos eventos adversos mais importantes é a dessaturação de oxigênio, que pode ser mais bem avaliada se houver um monitoramento continuo durante o teste. Logo, o objetivo do presente estudo foi analisar o comportamento da curva de saturação de oxigênio durante o TC6 em pacientes com DPOC.

Métodos

Os dados foram coletados no período entre janeiro e dezembro de 2012 na Unidade de Fisiologia Pulmonar do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), na cidade de Porto Alegre (RS). A pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Pesquisa e Ética em Saúde do HCPA (Projeto 09-549), e os pacientes convidados a participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes da realização do TC6.

Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de DPOC,(9) de ambos os sexos, estáveis, cuja espirometria indicava obstrução moderada (DPOCm) ou grave (DPOCg), classificados de acordo com as Diretrizes Brasileiras para Testes de Função Pulmonar de 2002.(10) As espirometrias foram realizadas por técnicos aprovados como técnicos em espirometria pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Utilizou-se um espirômetro (Jaeger, Würtzburg, Alemanha) e foram adotados os valores previstos de Crapo. (11) A espirometria foi realizada 1 h antes do TC6 no mesmo dia. O VEF1 e a CV foram retirados das curvas fluxo-volume.

O TC6 foi realizado em um corredor de 27 m seguindo as normas da American Thoracic Society.(7) No HCPA, é possível a monitorização contínua da FC e da SpO2 durante o TC6, através de telemetria, utilizando um módulo de oximetria digital e um software desenvolvido pela Engenharia Biomédica do HCPA. Esse sistema permite a transferência simultânea da FC e SpO2 para o computador, tornando possível a observação do grau de dessaturação de oxigênio em tempo real, permitindo assim uma melhor avaliação do nível de gravidade da doença.(5,7) A Figura 1 mostra o registro de uma curva. Todos os pacientes incluídos completaram o TC6 sem interrupção e iniciaram o teste com valores de SpO2 > 94%. Nenhum paciente recebeu suplementação de oxigênio durante o esforço. Foram excluídos da amostra aqueles que apresentavam patologias ortopédicas, doenças intersticiais e hipertensão arterial pulmonar associada ou qualquer impeditivo que limitasse a execução do TC6. Foram analisadas as curvas nas quais houve uma queda da SpO2 ≥ 4%.



A partir das curvas de SpO2 foi determinado o tempo para a queda de 4% na SpO2 e para atingir o menor nível de saturação, como também o tempo de recuperação após os 6 min. A inclinação dessas curvas foi calculada através da seguinte fórmula:
(SpO2 final - SpO2 inicial) ÷ tempo entre esses momentos

As inclinações foram comparadas a fim de se determinar mudanças nessas em função da gravidade da obstrução. A Figura 2 mostra um exemplo das inclinações calculadas.



A análise estatística dos dados coletados foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A normalidade e a homogeneidade da variância dos dados foram analisadas. Foi utilizado o teste t para amostras independentes para a comparação entre os grupos. Para a análise de correlações foi utilizado o teste de correlação de Pearson. Para todas as análises, o nível de significância adotado foi de p < 0,05. Os valores foram expressos em médias e desvios-padrão.

Resultados

A amostra envolveu 85 pacientes: 55 com DPOCg (média de idade de 62  11,3 anos e de índice de massa corpórea [IMC] de 22,5  3,3 kg/m2) e 30 com DPOCm (média de idade de 66,0  10,1 anos e de IMC de 25,1  2,8 kg/m2). A Tabela 1 apresenta as variáveis analisadas nos dois grupos.



Os grupos mostraram-se homogêneos quanto aos parâmetros idade e SpO2 antes do TC6. O IMC não estava acima de 30 kg/m² em nenhum dos grupos, valor a partir do qual há influência na espirometria.(10) A distância percorrida pelos dois grupos não foi significativamente diferente. Os valores mínimos de SpO2 foram significativamente menores no grupo DPOCg (p < 0,014). Houve queda de 4% na SpO2 até o primeiro minuto em 63% e em 71% nos grupos DPOCm e DPOCg, respectivamente. O tempo de dessaturação em 4% e o tempo para recuperação não diferiram significativamente entre os grupos; porém, o tempo para atingir o menor valor de SpO2 foi maior no grupo DPOCg que no grupo DPOCm (p < 0,001). As inclinações das curvas de SpO2 para uma dessaturação de 4%, para a queda máxima e para a recuperação não mostraram diferenças significativas entre os grupos. A variação da SpO2 (SpO2) entre o inicio do TC6 e a queda máxima foi estatisticamente diferente entre os dois grupos (p = 0,005).

Em relação às correlações (Figura 3), o VEF1% apresentou uma correlação moderada positiva com a SpO2 mínima (r = 0,356; p < 0,005), uma correlação moderada negativa com a SpO2 (r = −0,398; p < 0,001) e uma correlação moderada negativa com o tempo para atingir a SpO2 mínima (r = −0,449; p < 0,001).



A inclinação da queda máxima da SpO2 teve uma correlação moderada negativa com o tempo para atingir a SpO2 mínima (r = −0,467; p < 0,001), com o tempo para uma dessaturação de 4 % (r = −0,437; p < 0,001) e com o menor valor da SpO2 (r = −0,393; p < 0,001). A distância caminhada no TC6 (DTC6) não apresentou correlações significativas com a SpO2 e suas variações e nem com o VEF1%.

Discussão

A dessaturação durante o exercício pode ser medida no TC6 e é um índice de valor prognóstico nas patologias intersticiais e na DPOC. Uma queda na SpO2 ≥ 4% sugere uma dessaturação importante e se usa para avaliar a necessidade de oxigênio em pacientes com doenças pulmonares crônicas.(12) Outro índice de avaliação da capacidade funcional é a DTC6, que tem um valor prognóstico na DPOC.(13)

Entretanto, a hipoxemia é um dos maiores problemas na medicina respiratória, pois é muito comum em pacientes com doenças pulmonares e a sua rápida avaliação e tratamento são necessários para prevenir danos orgânicos irreversíveis.

A dessaturação ao exercício é comumente observada em pacientes com DPOC; entretanto, os parâmetros clínicos não são capazes de identificar essa alteração. A SpO2 < 95% em repouso foi reportada como um preditor para a dessaturação ao exercício, especialmente em pacientes com DLCO comprometida em ≥ 36%.(14) Zafar et al.(15) não encontraram uma correlação significativa entre a variação (queda) na SpO2 e a SpO2 em repouso. Em nosso estudo tampouco houve uma correlação significativa entre a SpO2 basal e a queda da SpO2 (r = 0,08; p = 0,46).

A teoria da intolerância ao exercício na DPOC é de construção multifatorial: o maior trabalho e consumo de oxigênio pela musculatura respiratória, a disfunção da musculatura esquelética dos membros inferiores e o mecanismo de hiperinsuflação pulmonar dinâmica, atuando isoladamente ou em conjunto.(8) Zafar et al.,(15) utilizando 30 pacientes com DPOC, demonstraram uma boa correlação entre a dessaturação de oxigênio no TC6 e a hiperinsuflação dinâmica, mas sem correlação com a DTC6. Nossos resultados tampouco mostraram uma correlação entre a dessaturação e a DTC6; entretanto, não avaliamos a hiperinsuflação no presente estudo.

Observamos que a DTC6 não apresentou correlações com as alterações da SpO2. Há relatos na literatura mostrando mudanças na musculatura esquelética dos pacientes com DPOC, destacando-se o predomínio das fibras glicolíticas sobre as oxidativas. A partir dessas alterações, os pacientes utilizam predominantemente o metabolismo anaeróbio num precoce nível de esforço,(16,17) caracterizando uma mudança da rota metabólica e reduzindo a carga aeróbica. A ocorrência de alguns fatores, tais como estresse inflamatório, descondicionamento físico, uso prolongado de corticosteroides e hipoxemia, contribui para a modificação da atividade contrátil do músculo, desencadeando uma série de adaptações que envolvem uma alteração das fibras musculares. Segundo um grupo de autores,(18) o trabalho respiratório é duas vezes maior no grupo de pacientes com DPOC que são recrutadores da musculatura abdominal do que no grupo com DPOC não recrutador, associado à maior dispneia e menor tolerância ao exercício. Essa é uma possível explicação para os nossos resultados, pois os pacientes podem possuir uma predominância de fibras glicolíticas e/ou serem do grupo não recrutador da musculatura abdominal.

Estudos prévios(19,20) mostraram que o tempo de dessaturação durante o TC6 é um indicativo da possibilidade de dessaturação durante as atividades cotidianas, culminando em hipoxemia severa e necessidade de oxigenoterapia. Jenkins e Cecins(21) analisaram os eventos adversos durante o TC6 em um grupo de 572 pacientes com DPOC que completaram o TC6; 345 (47%) dos pacientes exibiram dessaturação significativa (queda ≥ 4%). O estudo de Jenkins e Cecins(21) destaca a importância do monitoramento contínuo da SpO2 no TC6. O sistema de telemetria utilizado no HCPA nos permitiu um seguimento do comportamento da SpO2 em tempo real durante o TC6.

Um grupo de autores(20) mostrou que, em 83 pacientes com DPOC que realizaram o TC6, 48 apresentaram SpO2 < 90% precoce (antes do primeiro minuto) e, em um seguimento de 5 anos, 65% daqueles pacientes migraram para hipoxemia severa com necessidade de oxigenoterapia domiciliar, em contraste com 11% dos pacientes que não apresentaram dessaturação precoce (p < 0,001). A dessaturação precoce também está associada com a dessaturação durante 24 h e durante a maior parte das atividades da vida diária. Na nossa amostra composta de pacientes que apresentaram dessaturação no TC6, notamos que a maioria dos pacientes dos grupos DPOCg e DPOCm apresentou uma dessaturação ≥ 4% no primeiro minuto (71% e 63% dos pacientes, respectivamente), indicando a necessidade de uma avaliação mais rigorosa das atividades de rotina desses indivíduos.

Em um estudo,(22) foram estudados 224 pacientes com DPOC divididos em dois grupos: com e sem dessaturação de oxigênio no TC6. Os pacientes foram acompanhados por 3 anos, e foi observado que o VEF1 teve uma redução mais rápida no grupo com dessaturação (p = 0,006), sugerindo que a dessaturação ao exercício pode ser um preditor para o declínio da função pulmonar em pacientes com DPOC. Em nosso estudo, o VEF1 mostrou-se um bom indicador de dessaturação ao exercício, apresentando uma correlação significativa negativa moderada com a SpO2 (r = −0,398; p < 0,001) e com o tempo para atingir a SpO2 mínima (r = −0,448; p < 0,001).

A dessaturação de oxigênio é um parâmetro de monitorização que qualifica o desempenho do paciente no TC6 e contribui para dimensionar o grau de comprometimento da doença no esforço físico. A análise da curva de dessaturação nos permite uma visão completa do tempo que inicia a queda da SpO2, da intensidade dessa queda e do tempo necessário para sua recuperação, o que pode nos auxiliar a dimensionar a gravidade do quadro clínico; entretanto, até onde sabemos, nenhum estudo prévio expôs esses dados para comparação.

O presente estudo ressalta a importância da análise da dessaturação de oxigênio com o monitoramento contínuo no TC6 em pacientes com DPOC. No grupo estudado, os pacientes do grupo DPOCg, em comparação aos do grupo DPOCm, atingiram valores menores de SpO2, e a maioria apresentou dessaturação precoce (até o primeiro minuto), sugerindo um pior prognóstico. O VEF1 mostrou-se um bom marcador para a dessaturação ao exercício, apresentando uma correlação moderada com a SpO2 mínima, com a SpO2 e com o tempo para atingir a SpO2 mínima.

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