ABSTRACT
Pulmonary sequestration is a rare congenital anomaly, characterized by nonfunctional embryonic pulmonary tissue. Pulmonary sequestration accounts for 0.15-6.40% of all congenital pulmonary malformations. This anomaly, which is classified as intralobar or extralobar, involves the lung parenchyma and its vascularization. We report the case of a 56-year-old male presenting with hemoptysis. A chest X-ray showed an area of opacity behind the cardiac silhouette in the base of the left hemithorax. Chest CT scans with intravenous contrast revealed pulmonary sequestration. The patient underwent surgery, in which the anomalous tissue was successful resected. The postoperative evolution was favorable, and the patient was discharged to outpatient treatment.
Keywords:
Hemoptysis; Bronchopulmonary sequestration; Tomography, spiral computed.
RESUMO
O sequestro pulmonar é uma rara anomalia congênita, caracterizada por tecido pulmonar embrionário não funcionante, perfazendo 0,15-6,40% de todas as malformações pulmonares congênitas. Essa anomalia envolve o parênquima e a vascularização pulmonar, sendo classificado como intralobar ou extralobar. Neste relato, descrevemos o caso de um paciente de 56 anos com hemoptise e imagem hipotransparente retrocardíaca em base de hemitórax esquerdo na radiografia de tórax. Após a realização de TC com contraste endovenoso, foi evidenciada a presença de sequestro pulmonar. O paciente foi submetido à cirurgia para a retirada do tecido anômalo, que foi realizada com sucesso. Apresentou boa evolução pós-operatória e recebeu alta com acompanhamento ambulatorial.
Palavras-chave:
Hemoptise; Sequestro broncopulmonar; Tomografia computadorizada espiral.
IntroduçãoO desenvolvimento da árvore traqueobrônquica começa a partir do 24º dia da embriogênese. A parede ventral da faringe do feto migra em direção caudal, formando a laringe, a traqueia e os brotos pulmonares direito e esquerdo. Os brotos se alongam, desenvolvendo até o 36º dia toda a segmentação pulmonar. No mesmo período, o suprimento vascular acompanha as gerações brônquicas, oriundos de ramos do plexo vascular esplênico.(1) As manifestações congênitas do pulmão são raras, sendo as mais frequentes o enfisema lobar, os cistos pulmonares, a malformação adenomatosa cística e o sequestro pulmonar.(2) O sequestro broncopulmonar é caracterizado por uma área de tecido pulmonar anormal e não funcionante, a qual recebe suprimento sanguíneo por uma artéria sistêmica e sem conexão com a árvore traqueobrônquica. Esse tecido, no sequestro pulmonar intralobar, está localizado dentro da pleura visceral de um lobo pulmonar, e a sua drenagem venosa se faz para as veias pulmonares. As imagens radiográficas têm um papel fundamental para estabelecer o diagnóstico e proveem a equipe médica do mapa vascular para o planejamento cirúrgico.(3) Relatamos um caso de sequestro pulmonar intralobar com diagnóstico tardio e manifestação clínica de hemoptise.
Relato de casoHomem de 56 anos, não tabagista, hipertenso, em tratamento com captopril (75 mg/dia) foi admitido com hemoptise. Referia início dos episódios de hemoptise há um mês, quando procurou auxílio médico e foi medicado com amoxicilina e ácido clavulânico. Durante o uso dos antibióticos, o paciente apresentou novo episódio de sangramento das vias aéreas inferiores, tendo sido encaminhado para a internação. Logo na internação, apresentou outro sangramento, totalizando três episódios de hemoptise, que variavam de 100-200 mL e não causavam alterações hemodinâmicas.
O paciente negava dispneia, febre, emagrecimento ou dor torácica.
Relatava dois episódios de pneumonia, aos 16 e aos 30 anos, tratados com antibióticos.
Ao exame, apresentava-se em bom estado geral, afebril, hemodinamicamente estável, com FC = 88 bpm e pressão arterial de 90-145 mmHg. A ausculta cardíaca era normal, e o exame pulmonar revelava expansibilidade e murmúrio vesicular diminuídos no terço inferior do hemitórax esquerdo, assim como macicez na percussão nesta região torácica. O restante do exame físico não revelava nenhuma anormalidade. Os exames laboratoriais de admissão, como hemograma, lipidograma, coagulograma, eletrólitos, função renal e hepática, eram normais. A VHS era de 32 mm/h. A sorologia para HIV foi negativa. A radiografia de tórax na internação demonstrava condensação no lobo inferior esquerdo no segmento posterior (Figura 1). Foi realizada TC do tórax com reconstrução em 2D, que demonstrava um ramo da aorta em direção à condensação pulmonar (Figura 2), compatível com o diagnóstico de sequestro pulmonar. O paciente foi encaminhado para cirurgia, tendo sido realizada lobectomia inferior esquerda para a ressecção do tecido pulmonar anômalo (Figura 3). Após a análise macroscópica da peça, caracterizou-se o sequestro intralobar. O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo alta com acompanhamento ambulatorial.
DiscussãoDiante de um paciente com 56 anos, internado para a investigação de hemoptise, sem evidência clínica de infecção respiratória, sem história de tabagismo e apresentando imagem de condensação no segmento posterior do lobo inferior esquerdo na radiografia de tórax, uma das hipóteses que deve ser aventada é a possibilidade de estarmos frente a um caso de sequestro pulmonar. O sequestro broncopulmonar foi primeiramente descrito por Pryce em 1946 como "uma artéria anormal advinda da aorta que supre uma massa broncopulmonar ou cisto que é dissociado da árvore brônquica normal".(4) Após esse relato, alguns casos têm sido relatados na literatura,(5,6) e hoje conhecemos o sequestro pulmonar, assim como descrito por Pryce, como uma formação anômala do pulmão que geralmente não apresenta comunicação brônquica e que normalmente está associada a um suprimento sanguíneo aberrante.(7) A sua etiologia não é consensual. Duas hipóteses são as mais citadas: a formação e a migração caudal de um broto pulmonar supranumérico que acompanha o esôfago, o que explicaria a notória preferência pela localização no terço inferior do hemitórax esquerdo; e a deficiência vascular pulmonar primária, o que explicaria a persistência do suprimento sanguíneo anômalo.(8)
Existem duas formas de sequestro pulmonar: intralobar ou extralobar.(7)
A forma intralobar corresponde a 75% dos casos(6) e é caracterizada por compartilhar o mesmo revestimento pleural visceral do pulmão normal.(8)
Essa forma é raramente associada a outras anomalias. A sua localização mais comum é no segmento posterior do lobo inferior. Em 85% dos casos, o sequestro intralobar é suprido por uma artéria originada na aorta infradiafragmática.(7) A maioria dos pacientes é assintomática, convivendo por anos com a anomalia, e o diagnóstico é considerado durante a realização de uma radiografia de tórax. Metade dos pacientes é diagnosticada após os 20 anos de idade. Os sintomas respiratórios são inespecíficos e infrequentes, podendo o paciente referir dor torácica e broncoespasmo durante processos infecciosos. Em casos mais raros, o sequestro intralobar pode se apresentar com hemoptise franca.(9) Muitas vezes, o diagnóstico é feito quando a região anômala se infecta; nesse caso, a maioria dos pacientes apresenta pneumonia.(10) Pelo risco de hemoptise e de infecção pulmonar de repetição, o sequestro intralobar é frequentemente removido por segmentectomia ou lobectomia.(7)
A forma extralobar apresenta envoltório pleural próprio, usualmente em íntima proximidade com o pulmão normal.(6) Essa forma predomina em neonatos do sexo masculino e é encontrada também com mais frequência no hemitórax esquerdo,(7) geralmente logo acima do diafragma.(6) Frequentemente essa forma está associada a outras anomalias congênitas,(7) tais como hidropisia, hérnia diafragmática, pectus excavatum, malformação adenomatoide cística do pulmão, fístulas traqueoesofágicas e duplicações gástricas ou cólicas, e tem o seu suprimento arterial, na grande maioria dos casos, originado na aorta abdominal.(9-11) O sequestro extralobar é geralmente assintomático e, como não existe comunicação brônquica, o risco de infecção é baixo.(7)
Na investigação de um caso com suspeita de sequestro pulmonar, os exames de imagem têm dois objetivos principais: descartar a presença de outras patologias e caracterizar a presença do suprimento arterial anômalo.(12-15) A apresentação radiológica mais comum é de uma opacidade homogênea no segmento basal posterior do lobo inferior esquerdo. A arteriografia permite caracterizar as artérias anômalas, fornecendo informações valiosas no planejamento pré-operatório.(13) A TC helicoidal permite a visualização da origem e do curso dos vasos na maioria dos casos, assim como ocorre com a ressonância nuclear magnética. Nesses casos, é desnecessária a realização da angiografia.(10,15) O diagnóstico de sequestro pulmonar é caracterizado pela reconstrução na TC de tórax multicanal com contraste venoso, não sendo necessárias a aortografia e a ressonância magnética de tórax e abdômen, pois a TC de tórax e de andar superior do abdômen permite visualizar o vaso arterial de comunicação com sequestro e as alterações do parênquima pulmonar.(14,15)
Atualmente, os aparelhos de TC multicanal, com softwares mais rápidos na reconstrução, fizeram com que a ortografia praticamente desaparecesse na contextualização do diagnóstico e no planejamento cirúrgico, já que esses tomógrafos permitem a reconstrução de vasos de poucos milímetros.(16,17)
Neste relato, o paciente referia dois episódios prévios de hemoptise de vulto na semana anterior e apresentava imagem hipotransparente retrocardíaca em base esquerda. O paciente não apresentava perda ponderal, e seu estado geral era preservado, dados que falavam contra uma etiologia neoplásica. O paciente não apresentava comorbidades prévias e negava história prévia de infecções de repetição. Foi internado para investigação diagnóstica. A TC de tórax com contraste endovenoso e reconstrução em 2D evidenciou a presença de sequestro pulmonar com individualização do suprimento arterial anômalo. O paciente foi submetido à cirurgia para a ressecção do tecido pulmonar anômalo e, após a análise macroscópica da peça, caracterizou-se o sequestro intralobar. O caso apresentado é raro, e o paciente apresentou boa evolução pós-operatória, recebendo alta com acompanhamento ambulatorial.
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Trabalho realizado nas Disciplinas de Cirurgia Torácica e de Pneumologia e Tisiologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Rogério Rufino. Rua Mário Pederneiras, 10/121, Humaitá, CEP 22261-020, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2286-9333. E-mail: rrufino@uerj.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 20/10/2009. Aprovado, após revisão, em 12/1/2010.
Sobre os autoresJosé Gustavo Pugliese
Médico Residente em Pneumologia e Tisiologia. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Thiago Prudente Bártholo
Médico Residente em Pneumologia e Tisiologia. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Heron Teixeira Andrade dos Santos
Médico Residente em Cirurgia Torácica. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Eduardo Haruo Saito
Professor Adjunto de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM/UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Cláudia Henrique da Costa
Professor Adjunto de Pneumologia e Tisiologia. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM/UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Rogério Rufino
Professor Adjunto de Pneumologia e Tisiologia. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM/UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.