ABSTRACT
Amyotrophic lateral sclerosis (ALS) is a progressive neurodegenerative disease in which most patients die of respiratory failure. Although volume-targeted non-invasive bilevel positive airway pressure (BPAP) ventilation has been studied in patients with chronic respiratory failure of various etiologies, its use in ALS has not been reported. We present the case of a 66-year-old woman with ALS and respiratory failure treated with volume-targeted BPAP ventilation for 15 weeks. Weekly data downloads showed that disease progression was associated with increased respiratory muscle weakness, decreased spontaneous breathing, and increased use of non-invasive positive pressure ventilation, whereas tidal volume and minute ventilation remained relatively constant.
Keywords:
Amyotrophic lateral sclerosis; Respiratory insufficiency; Hypoventilation; Intermittent positive-pressure ventilation; Sleep.
RESUMO
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa progressiva. A maioria dos pacientes com ELA falece por insuficiência respiratória. Embora a ventilação não invasiva com dois níveis de pressão positiva nas vias aéreas e volume alvo tenha sido estudada em pacientes com insuficiência respiratória crônica de diferentes etiologias, sua utilização em ELA não foi relatada. Apresentamos o caso de uma mulher de 66 anos com ELA e insuficiência respiratória tratada com ventilação com dois níveis de pressão positiva e volume alvo por 15 semanas. Os dados obtidos semanalmente mostraram que a progressão da doença estava associada com aumento da fraqueza muscular respiratória, redução da respiração espontânea e maior uso de ventilação não invasiva com pressão positiva, enquanto o volume corrente e a ventilação minuto permaneceram relativamente constantes.
Palavras-chave:
Esclerose amiotrófica lateral; Insuficiência respiratória; Hipoventilação; Ventilação com pressão positiva intermitente; Sono.
IntroduçãoA esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa progressiva. A maioria dos pacientes com ELA morre de insuficiência respiratória em virtude de fraqueza muscular respiratória progressiva; a mediana de sobrevida após o diagnóstico é de menos de 2 anos.(1) A ventilação não invasiva com pressão positiva (VNIPP) prolonga e melhora a qualidade de vida dos pacientes com ELA.(2) Já se estudou o uso de ventilação não invasiva com dois níveis de pressão positiva nas vias aéreas (ventilação BPAP, do inglês bilevel positive airway pressure) e volume controlado, no modo espontâneo-cronometrado (E-C), com ajuste da pressão inspiratória para fornecer um volume corrente (VC) alvo estimado, em pacientes com insuficiência respiratória crônica de diferentes etiologias.(3-8) No entanto, não estamos cientes de nenhum relato de uso em pacientes com ELA.
Relatamos o caso de uma paciente com ELA de progressão rápida e insuficiência respiratória hipercápnica tratada em casa com ventilação BPAP com volume controlado no modo E-C. Além do acompanhamento clínico de rotina, foram monitorados os dados do ventilador, baixados semanalmente.
Relato de casoUma mulher de 66 anos de idade, sem história médica significativa e com índice de massa corporal de 23,4 kg/m2, apresentou sintomas bulbares leves e, em seguida, "pé caído" à direita. Onze meses após o início dos sintomas, recebeu diagnóstico de ELA. Na época, a CVF era de 2,22 L (79% do previsto) e a PImáx era de −28 cmH2O (40% do previsto). Obteve 34 pontos (de 40 possíveis) na Escala de Avaliação Funcional da ELA (EAFELA), com 10 pontos (de 12 possíveis) no componente bulbar, o que denota comprometimento leve. Obteve 8 pontos (de 21 possíveis) no Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP), o que denota má qualidade do sono, e 4 (de 24 possíveis) na Escala de Sonolência de Epworth (ESE), isto é, não havia evidência de sonolência diurna excessiva.
Aos 4 meses de acompanhamento, era evidente a acentuada progressão da doença, com agravamento dos sintomas bulbares e fadiga, assim como o eram os novos sintoma de dispneia durante a conversação, ortopneia e sono não reparador. Sua função pulmonar e seu estado funcional haviam piorado - CVF: 1,58 L (57% do previsto); PImáx: −25 cmH2O (36% do previsto) - e a paciente obteve 28 pontos na EAFELA, com 8 pontos no componente bulbar. A pontuação no IQSP e na ESE permaneceu relativamente inalterada (IQSP = 7 e ESE = 4). Foram feitas duas tentativas de gasometria arterial, ambas sem sucesso. Recomendamos gastrostomia e VNIPP. A paciente solicitou mais testes de confirmação antes dessas intervenções; foi então marcada para a semana seguinte uma polissonografia de noite inteira em laboratório.
A polissonografia revelou hipoventilação durante o sono. Três semanas depois, foi realizada a titulação da ventilação BPAP em modo E-C com volume controlado (Average Volume-Assured Pressure Support; Philips Respironics, Murrayville, PA, EUA) por meio de uma máscara facial inteira, por escolha da paciente (Tabela 1). A paciente não tolerou o VC alvo (8 mL/kg). Portanto, a configuração final foi a seguinte: VC = 320 mL (6 mL/kg); pressão positiva inspiratória nas vias aéreas = 8-15 cmH2O; pressão positiva expiratória nas vias aéreas = 6 cmH2O (aumentada para limitação do fluxo) e tempo inspiratório = 1,5 s, com frequência de backup de 12 ciclos/min. Uma semana depois, a paciente retornou à clínica; apresentava agravamento contínuo dos sintomas bulbares e fraqueza, usava um andador e relatava dispneia aos mínimos esforços. Sua CVF era de 1,05 L (38% do previsto), com PImáx de −19 cmH2O (27% do previsto) e PaCO2 de 53 mmHg. Obteve 26 pontos na EAFELA (com 6 pontos no componente bulbar), 17 no IQSP e 7 na ESE. Iniciou-se VNIPP noturna com configuração de polissonografia e frequência de backup de 14 ciclos/min.
Um tubo de gastrostomia foi inserido sob orientação radiológica, e a paciente passou a ser tratada em regime de internação domiciliar, sem planos de voltar à clínica. Sete semanas após o início da VNIPP, a paciente foi contatada para ajuste da configuração com base nos sintomas e nos dados baixados (Tabela 2 e Figura 1). Decidiu fazer uma rápida visita à clínica para discutir a piora da dispneia. Apresentava dispneia leve em repouso e necessitava de uma cadeira de rodas para se mover. A VNIPP noturna, usada todas as noites, facilitava a respiração, permitindo-lhe dormir melhor e por mais tempo. Recentemente houvera um vazamento na máscara, em virtude da perda de peso da paciente. Na época, a paciente apresentava CVF de 1,01 L (36% do previsto), PImáx de −15 cmH2O (21% do previsto) e PaCO2 de 55 mmHg. A configuração do ventilador foi ajustada assim: VC = 370 mL (7 mL/kg); pressão inspiratória positiva nas vias aéreas = 10-17 cmH2O e tempo inspiratório = 1,2 s, com frequência de backup de 18 ciclos/min. Recomendamos o uso de VNIPP intermitente durante o dia e um ajuste no tamanho da máscara. O contato com a paciente (por telefone e e-mail) foi mantido, e as mudanças foram bem toleradas. Seis semanas após sua última visita, a paciente foi novamente contatada para ajuste da configuração do ventilador, mas não quis fazer mais alterações. Pouco tempo depois, morreu de insuficiência respiratória progressiva.
DiscussãoApresentamos o caso de uma paciente com ELA tratada com ventilação BPAP com volume controlado no modo E-C durante 15 semanas em virtude de insuficiência respiratória crônica. Nessa paciente, o monitoramento semanal dos dados do ventilador mais os cuidados de rotina forneceram informações úteis para o tratamento da insuficiência respiratória. A progressão da doença associou-se a piora da fraqueza muscular respiratória, diminuição da respiração espontânea e aumento do uso de VNIPP, embora o VC e a ventilação minuto (VE) tenham permanecido relativamente constantes. Até onde sabemos, não há relatos de casos de ELA nos quais se tenha usado esse modo de VNIPP.
Em pacientes com ELA, a progressão da doença é relativamente rápida, mas varia.(9) Portanto, ajustes seriais da pressão da VNIPP podem ser necessários para compensar a diminuição da força muscular respiratória e o aumento da hipercapnia. (10) Um modo de VNIPP com variação de pressão inspiratória (para manter um VC alvo) em vez de pressão fixa pode reduzir a frequência de ajustes necessários ao longo do tempo em alguns pacientes. Esse recurso também pode ser benéfico em curto prazo, como durante o sono, quando os pacientes com fraqueza diafragmática estão vulneráveis à piora da hipoventilação, especialmente durante o sono rapid eye movement. Ambogrio et al. mostraram que, em comparação com o modo tradicional de ventilação BPAP E-C, o modo de ventilação BPAP E-C com volume controlado foi mais capaz de manter a VE (por meio da manutenção do VC) durante o sono em pacientes com síndrome de hipoventilação por obesidade.(4)
O software embutido nos dispositivos de VNIPP é privado, e, na ausência de validação independente, os dados relativos a muitos parâmetros devem ser considerados indicadores de tendências, sem qualquer garantia de linearidade das estimativas.(11) Apesar dessa limitação, os dados disponíveis podem fornecer informações valiosas para o tratamento do paciente. Estudos envolvendo o monitoramento remoto de dados de adesão à VNIPP em pacientes com ELA usando ventilação BPAP tradicional mostraram que, em comparação com os cuidados de rotina, esse monitoramento reduz a utilização de serviços de saúde e as internações hospitalares, potencialmente reduzindo os custos globais de cuidados de saúde. (12) Essa modalidade de monitoramento pode ser particularmente útil em pacientes com ELA avançada ou de progressão rápida, que, como nossa paciente, podem ficar impedidos de sair de casa. A capacidade de solicitar alterações na configuração e verificá-las remotamente (sem uma visita domiciliar) é uma vantagem adicional.
A ventilação BPAP com volume controlado no modo E-C é uma alternativa relativamente nova à VNIPP tradicional para pacientes com insuficiência respiratória, e fomos os primeiros a relatar seu uso em um paciente com ELA. São necessários mais estudos a fim de comparar os vários modos de VNIPP quanto a seu efeito sobre a sobrevida, qualidade de vida, qualidade do sono, adesão, adequação da ventilação e utilização de serviços de saúde em pacientes com ELA.
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*Trabalho realizado na Seção de Pneumologia e Medicina Intensiva, Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, Baltimore (MD) EUA.
Endereço para correspondência: Montserrat Diaz-Abad. Sleep Disorders Center, Division of Pulmonary and Critical Care Medicine, University of Maryland School of Medicine. 685 West Baltimore Street, MSTF 800, Baltimore, Maryland, 21201, USA.
Tel. 1 410 706-4771. Fax: 1 410 706-0345. E-mail: mdiaz@kunhardt.net
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 13/6/2013. Aprovado, após revisão, em 2/8/2013.
Sobre os autoresMontserrat Diaz-Abad
Médica. Centro de Distúrbios do Sono, Universidade de Maryland; e Professora Assistente de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, Baltimore (MD) EUA.
John Edward Brown
Médico. Centro de Distúrbios do Sono, Universidade de Maryland; e Professor Assistente de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, Baltimore (MD) EUA.