ABSTRACT
Objective: The aim of this study was to analyze social characteristics and stress as correlates of cigarette smoking in adolescence. The main intent was to identify elements that distinguish adolescents who had experimented with smoking and did not progress to regular smoking from those who became current smokers. Methods: Students at 10 high schools in the city of Ribeirão Preto, Brazil, completed a questionnaire based on an instrument employed in a similar large-scale study. The students were classified as never-smokers or experimenters. The experimenters were subcategorized as having become current smokers or nonprogressors. Analyses were performed using adjusted logistic models. Results: A total of 2,014 students (mean age, 16.2 1.1 years; females, 53%) completed the questionnaire. We categorized 1,283 students (63.7%) as never-smokers, 244 (12.1%) as current smokers, and 487 (24.2%) as nonprogressors. We found that experimentation with smoking was associated with being held back a grade in school (OR = 1.80), alcohol intake (low/occasional, OR = 8.92; high/regular, OR = 2.64), illicit drug use (OR = 9.32), having a sibling or cousin who smokes (OR = 1.39), having a friend who smokes (OR = 2.08), and high levels of stress (in females only, OR = 1.32). Factors associated with an increased risk of transitioning from experimenter to current smoker were alcohol intake (low/occasional, OR = 3.28; high/regular, OR = 2.16), illicit drug use (OR = 3.61), and having a friend who smokes (OR = 7.20). Conclusions: Current smoking was associated with a profile of socioeconomic correlates different from that associated with experimentation only. Our data (showing that current smoking was associated with having a friend who smokes, alcohol intake, and illicit drug use) suggest the need for comprehensive approaches to discourage substance use during adolescence.
Keywords:
Smoking; Tobacco use; Adolescent behavior; Stress, psychological.
RESUMO
Objetivo: Analisar características sociais e estresse como correlatos de consumo de cigarros na adolescência. O principal objetivo foi identificar elementos que distingam adolescentes que experimentaram cigarros e não progrediram para o tabagismo regular daqueles que se tornaram fumantes correntes. Métodos: Estudantes de 10 escolas do ensino médio de Ribeirão Preto responderam um questionário baseado em instrumento empregado em um estudo com escala semelhante. Os estudantes foram classificados em indivíduos que nunca fumaram (NF) e experimentadores de cigarros (E). O grupo E foi subcategorizado em fumantes atuais e indivíduos que não progrediram para tabagismo corrente. As análises foram realizadas usando modelos logísticos ajustados. Resultados: Um total de 2.014 estudantes (16,2 ± 1,1 anos; mulheres, 53%) responderam o questionário. Categorizamos 1.283 alunos (63,7%) em nunca fumantes, 244 (12,1%) como fumantes atuais e 487 (24,2%) como não progressores. A experimentação de cigarros foi associada a repetição de anos na escola (OR = 1,80), consumo de álcool (baixo/ocasional, OR = 8,92; intenso/frequente, OR = 2,64), uso de drogas ilícitas (OR = 9,32), fumantes entre irmãos ou primos (OR = 1,39), fumantes entre amigos (OR = 2,08) e níveis elevados de estresse (apenas em mulheres, OR = 1,32). Fatores associados com um risco maior de passar de experimentador de cigarros para fumante atual foram consumo de álcool (baixo/ocasional, OR = 3,28; regular/elevado, OR = 2,16), uso de drogas ilícitas (OR = 3,61) e amigos fumantes (OR = 7,20). Conclusões: O tabagismo atual associou-se com um perfil de correlatos socioeconômicos diferentes daqueles associados apenas à experimentação. Nossos achados (tabagismo atual associou-se a amigos fumantes, consumo de álcool e de drogas ilícitas) sugerem a necessidade de abordagens abrangentes para o desencorajamento do uso dessas substâncias na adolescência.
Palavras-chave:
Hábito de fumar; Comportamento do adolescente; Estresse psicológico.
IntroduçãoApesar dos efeitos negativos do consumo de cigarros sobre a saúde, o número de adolescentes fumantes aumentou recentemente em vários países em desenvolvimento.(1-3) Além disso, é bem reconhecido que a maioria dos fumantes começa a fumar quando são adolescentes, e a investigação dos fatores relacionados ao tabagismo na adolescência assume, portanto, grande importância.
Um número substancial de características psicológicas e ambientais é hoje reconhecidamente associado ao início do tabagismo na adolescência, incluindo baixo nível socioeconômico, laços familiares fracos, pares fumantes e pressão dos pares.(4-8) Porém, a maioria dos estudos disponíveis sobre as características relacionadas ao tabagismo do adolescente envolve comparações entre fumantes atuais e não fumantes ou entre experimentadores de cigarros e não experimentadores. Existe pouca informação sobre correlatos de tabagismo atual ou tabagismo regular entre adolescentes em oposição apenas à experimentação anterior. Isso é particularmente verdadeiro em relação aos adolescentes brasileiros, pois não há estudos avaliando esse último aspecto.
Entre as várias potenciais influências psicológicas, os níveis altos de estresse têm sido associados ao tabagismo em adolescentes. (9,10) A adolescência é um período da vida que se caracteriza muitas vezes por problemas de ajustamento, e o estilo de vida moderno pode impor ônus psicológicos adicionais aos jovens. A 10-item Perceived Stress Scale (PSS-10, Escala de Estresse Percebido com dez questões) é uma ferramenta que avalia em que grau de estresse o indivíduo se encontra nas situações da vida (o quão "imprevisível", "fora de controle" e "sobrecarregada" o indivíduo considera sua vida).(11) A PSS-10 foi empregada em estudos anteriores sobre o tabagismo na adolescência. Em um estudo, as maiores pontuações na PSS-10 se associaram ao tabagismo atual, enquanto as pontuações intermediárias se associaram apenas à experimentação e as menores pontuações se associaram a nunca ter fumado.(10) Nesse contexto, é de grande relevância verificar se níveis altos de estresse percebido desempenham algum papel na experimentação de cigarros e no consumo regular de cigarros na adolescência.
O presente estudo teve como objetivo investigar níveis de estresse percebido e várias características sociais como correlatos de consumo de cigarros em estudantes brasileiros do ensino médio. Adotou-se uma abordagem que procurou identificar elementos que permitissem fazer uma distinção entre adolescentes que haviam experimentado cigarros e aqueles que nunca haviam fumado. Além disso, buscou-se estabelecer uma distinção entre adolescentes que experimentaram cigarros, mas não progrediram para o tabagismo regular e aqueles que se tornaram fumantes atuais. Nossa hipótese era que o perfil dos correlatos seria diferente entre os dois últimos grupos.
MétodosTrata-se de um estudo observacional, de corte transversal, envolvendo estudantes adolescentes do ensino médio de Ribeirão Preto (SP), cidade de aproximadamente 600.000 habitantes. No cálculo do tamanho da amostra, nosso objetivo foi atingir um poder de 90%, com erro amostral de 5% e intervalo de confiança de 95%, considerando uma prevalência de tabagismo de 5,3%, conforme estimado com base nos achados de um estudo piloto inicial. Isso resultou em um tamanho necessário de amostra de 2.000 sujeitos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, pela Diretoria de Ensino do Estado de São Paulo e pelo(a) diretor(a) de cada uma das escolas envolvidas.
Entre as 56 escolas de ensino médio da área em estudo, foram selecionadas aleatoriamente10 (9 escolas públicas e 1 escola particular). Dentro de cada uma dessas 10 escolas, foram selecionadas aleatoriamente seis turmas de estudantes para serem entrevistadas, duas para cada um das três séries (primeira, segunda e terceira). Os estudantes foram inicialmente convidados a participar do estudo, e cada um recebeu um termo de consentimento para ser assinado em casa por um dos pais ou responsáveis legais. Alguns dias depois, os participantes responderam um questionário autoaplicável, anônimo e de múltipla escolha durante uma aula regular. Esse instrumento, desenvolvido pelos autores, incluiu questões do Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND, Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina)(6) e da PSS-10,(11,12) assim como questões relacionadas às condições sociais da família, mas foi baseado principalmente no questionário empregado no estudo de Vigilância Global de Tabaco em Jovens organizado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.(13)
No total, 2.044 estudantes foram convidados a participar do estudo. Nove estudantes não apresentaram o termo de consentimento assinado ou se recusaram a participar da pesquisa. Dos 2.035 questionários distribuídos, 21 foram devolvidos incompletos e, portanto, foram excluídos da análise. Consequentemente, a amostra final foi constituída por 2.014 questionários respondidos.
Os estudantes foram inicialmente categorizados, por situação tabágica, como nunca fumantes (aqueles que nunca haviam fumado cigarros) ou como experimentadores (aqueles que haviam experimentado cigarros pelo menos uma vez, independentemente de sua atual situação tabágica). Os experimentadores de cigarros foram subcategorizados como fumantes atuais ou como não progressores (aqueles que haviam e aqueles que não haviam fumado um cigarro no último mês, respectivamente). A definição de fumante atual foi a mesma empregada no estudo de Vigilância Global de Tabaco em Jovens.(13)
MedidasCom base em relatos anteriores da literatura,(4-8) selecionou-se um conjunto de características sociodemográficas e socioeconômicas para avaliação como variáveis dicotômicas ou categóricas.
Religião - Os estudantes foram classificados como religiosos (pertencentes a qualquer religião organizada ou professantes de qualquer tipo de convicção religiosa) ou não religiosos.
Repetição de ano na escola - Os estudantes foram classificados como já tendo repetido ano ou como nunca tendo repetido ano.
Renda pessoal - Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo renda pessoal (advinda de atividade ou emprego remunerado regularmente).
Consumo de álcool - Em relação à ingestão de bebidas alcoólicas, os estudantes foram classificados como abstêmios; como consumidores de baixas quantidades ou consumidores ocasionais (consumo baixo/ocasional); ou como consumidores de grandes quantidades (consumo alto, embriaguez esporádica) ou consumidores regulares (consumo regular, pelo menos uma vez por semana).
Uso de drogas ilícitas - Os estudantes foram classificados como usuários ou não usuários de drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack ou substâncias semelhantes), sendo que aqueles que relataram uso mesmo esporádico dessas substâncias foram classificados como usuários.
Pais/responsáveis fumantes - Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo pelo menos um dos pais ou responsáveis fumante.
Situação parental - Em relação à estrutura familiar e ao suporte disponível, os estudantes foram classificados como tendo pais vivos e morando juntos, pais vivos que não moravam juntos ou pelo menos um dos pais falecido. Nível educacional dos pais/responsáveis - Para cada estudante, o nível educacional do chefe da família foi classificado como nível universitário (> 12 anos de escolaridade, tendo completado ou não o curso), nível médio (9-12 anos de escolaridade, tendo completado ou não o ensino médio) ou nível fundamental (≤ 9 anos de escolaridade, tendo completado ou não o ensino fundamental).
Irmãos ou primos fumantes - Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo pelo menos um(a) irmão(ã) ou primo(a) fumante.
Amigos fumantes - Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo pelo menos um(a) amigo(a) fumante.
Classe socioeconômica - Com base em dados de autorrelato relacionados a diversas variáveis, incluindo número e tipo de eletrodomésticos presentes na residência e nível educacional dos pais, os estudantes foram classificados como pertencentes a uma das quatro classes socioeconômicas definidas pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (A, B, C e D, com A sendo a mais alta).
Regras sobre fumar em casa - Os estudantes foram classificados como residentes em um lar onde fumar é permitido ou não. Aulas sobre tabagismo - Os estudantes foram classificados como tendo ou não tendo assistido a aulas ou palestras a respeito dos efeitos do tabagismo sobre a saúde.
Nível de estresse percebido - Com base na média da pontuação da PSS-10 obtida para a amostra geral, os estudantes foram classificados como tendo nível alto ou nível baixo de estresse percebido (pontuação individual ≥ 17 ou < 17 na PSS-10, respectivamente).
Análise de dadosAs associações entre as características e a situação tabágica foram investigadas por meio de modelos logísticos ajustados para todas as características. Esses modelos permitiram a estimativa de risco mesmo quando os desfechos foram binários. Utilizou-se a função PROC LOGISTIC do programa SAS/STAT, versão 9.0 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA). O nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05.
ResultadosAs características clínicas e sociodemográficas dos adolescentes estão listadas na Tabela 1. Dos 2.014 estudantes que responderam o questionário, 1.067 (53%) eram do sexo feminino e 947 (47%), do masculino. A média de idade da amostra geral foi de 16,2 ± 1,1 anos. A média da pontuação da PSS-10 para a amostra geral foi de 17 (variação: 0-40). A média da pontuação do FTND para os fumantes atuais foi de 0 (variação: 0-8). Dos 244 estudantes classificados como fumantes atuais, 190 (77.9%) obtiveram pontuação ≤ 2 no FTND, que é indicativa de níveis muito baixos de dependência de nicotina.
As odds ratios e os intervalos de confiança de 95% para os fatores de risco associados à experimentação de cigarros estão listados na Tabela 2. O risco de experimentação de cigarros foi significativamente maior para os estudantes que haviam repetido o ano (OR = 1,8), tinham consumo baixo/ocasional ou alto/regular de álcool (OR = 8,92 e OR = 2,64, respectivamente), faziam uso de drogas ilícitas (OR = 9,32), tinham irmãos ou primos fumantes (OR = 1,39), tinham amigos fumantes (OR = 2,08) ou tinham nível alto de estresse percebido (OR = 1,32).
A análise por sexo mostrou que, entre os estudantes do sexo masculino, a experimentação de cigarros associou-se significativamente a repetição de ano na escola (OR = 1,66), consumo baixo/ocasional e alto/regular de álcool (OR = 10,05 e OR = 3,34, respectivamente), uso de drogas ilícitas (OR = 11,31) e amigos fumantes (OR = 1,96). Resultados semelhantes foram obtidos para as estudantes do sexo feminino, entre as quais a experimentação de cigarros também se associou significativamente a morte de pais (OR = 1,44), a irmãos ou primos fumantes (OR = 1,41) e a nível alto de estresse percebido (OR = 1,52).
As odds ratios e os intervalos de confiança de 95% para o risco de passar de experimentador de cigarros para fumante atual estão listados na Tabela 4. Os resultados obtidos com o modelo ajustado mostram que o risco de um experimentador se tornar um fumante atual foi significativamente maior na presença dos fatores consumo de álcool baixo/ocasional ou alto/regular (OR = 3,28 e OR = 2,16, respectivamente), uso de drogas ilícitas (OR = 3,61) e amigos fumantes (OR = 7,20).
DiscussãoOs resultados do presente estudo indicam que, entre os adolescentes brasileiros, o risco de experimentação de cigarros é significativamente maior para aqueles que repetiram o ano na escola, aqueles que consomem bebidas alcoólicas, aqueles que usam drogas ilícitas, aqueles que têm irmãos ou primos fumantes, aqueles que têm amigos fumantes e aqueles que têm um nível alto de estresse percebido. Esses fatores já foram reconhecidamente associados a essa experimentação.(4-10) Os achados mais relevantes de nosso estudo foram as distinções entre os experimentadores que evoluíram para tabagismo atual e aqueles que não o fizeram. Observou-se que os fatores de risco significativamente associados à transição da experimentação de cigarros para o tabagismo atual foram consumo de álcool, uso de drogas ilícitas e amigos fumantes. Esses resultados sugerem que o uso de outras substâncias viciantes e pressão dos pares desempenham papéis importantes no estabelecimento da dependência de nicotina.
O grau bastante baixo de dependência de nicotina apresentado pelos fumantes atuais identificados no presente estudo provavelmente se deve a curta história de tabagismo dos estudantes avaliados. A nicotina atua no sistema nervoso central ligando-se aos receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs), que são canais iônicos regulados por ligantes.(14) A exposição repetida dos nAChRs à nicotina leva à neuroadaptação a alguns de seus efeitos. Simultaneamente à neuroadaptação, há aumento do número de nAChRs no cérebro, como resposta à dessensibilização mediada pela nicotina. Esses mecanismos parecem desempenhar papéis importantes no desenvolvimento de tolerância à nicotina e, consequentemente, no processo de aumento do consumo de cigarros ao longo dos anos seguintes.(15)
A ocorrência de fatores estressantes no âmbito da família, das amizades e da escola tem sido associada ao tabagismo na adolescência em diversos contextos culturais.(9,10) No presente estudo, verificou-se que o risco de apresentar níveis altos de estresse percebido foi maior entre os experimentadores de cigarros do que entre os nunca fumantes, achado concordante com os de estudos anteriores.(9) Pode-se, portanto, considerar que estressores e níveis altos de estresse percebido são os principais determinantes da experimentação ou não de cigarros entre adolescentes. Nossos resultados também indicam que certos estressores são determinantes mais fortes dessa experimentação em adolescentes do sexo feminino do que do sexo masculino. De fato, existem dados na literatura indicando que eventos estressantes na vida podem ser contribuintes mais importantes para o início do tabagismo em adolescentes do sexo feminino do que do sexo masculino.(16,17) No presente estudo, a proporção de adolescentes do sexo feminino com pelo menos um dos pais falecidos foi maior entre os experimentadores de cigarros do que entre os nunca fumantes, o que pode ter contribuído para nosso achado de que a pontuação da PSS-10 foi maior entre as experimentadoras do sexo feminino do que entre os do sexo masculino. Entre adultos fumantes, verificou-se que as mulheres são mais propensas que os homens a relatar redução da tensão como razão para fumar.(18) A evidência disponível, portanto, implica que fenômenos emocionais desempenham um papel mais importante na experimentação de cigarros em indivíduos do sexo feminino do que nos do sexo masculino.
Em nossa amostra, a pontuação da PSS-10 foi maior entre os experimentadores de cigarros do que entre os nunca fumantes. Porém, essa medida não nos permitiu fazer uma distinção clara entre os experimentadores que se tornaram não progressores e aqueles que se tornaram fumantes atuais. Esse achado sugere que níveis altos de estresse percebido não explicam totalmente a progressão para dependência de nicotina. Isso também é evidência de que o fumo contínuo por si só não está associado com aumentos progressivos do nível de estresse percebido na adolescência.
Vários estudos demonstraram fortes associações entre tabagismo e abuso de álcool em adolescentes e adultos.(19,20) Isso também vale para tabagismo e uso de drogas ilícitas.(21) De fato, o tabagismo em adolescentes é reconhecido como preditor de alcoolismo e uso de drogas ilícitas em adultos jovens. (22) Embora a verdadeira natureza dessas associações ainda não seja completamente compreendida, fatores genéticos e ambientais parecem contribuir para os desfechos individuais de forma complementar.(23) Além disso, as drogas psicoativas talvez exerçam seus efeitos através dos mesmos sistemas neurais.(23)
Algumas características do comportamento adolescente, tais como a disposição para correr riscos e a busca de sensações, têm sido tradicionalmente consideradas fatores de vulnerabilidade para o desenvolvimento de transtornos de abuso de substâncias. O cérebro humano poderia ser constitucionalmente predisposto para a busca de sensações e a disposição para correr riscos na adolescência.(24) À medida que os adolescentes se tornam mais velhos, eles desenvolveriam as habilidades para regular melhor suas emoções e impulsividade. A exposição repetida de um cérebro ainda em desenvolvimento à nicotina poderia certamente levar a mudanças estruturais, incluindo a expressão excessiva de nAChRs e o comprometimento da habilidade de regular a impulsividade. Estudos recentes sugerem que os nAChRs desempenham um papel importante não apenas na dependência de nicotina mas também na dependência de álcool e outras drogas.(25) Portanto, pode-se aventar a hipótese de que o tabagismo na adolescência é um importante contribuinte para o estabelecimento de outras dependências em jovens. Independentemente dos mecanismos envolvidos, os achados do presente estudo confirmam a necessidade de adoção de abordagens mais abrangentes para a concepção de intervenções profiláticas e terapêuticas para prevenir o uso de todas as drogas na adolescência.
Verificou-se que, em comparação com os nunca fumantes, os experimentadores de cigarros tinham maior probabilidade de ter amigos fumantes, assim como de ter irmãos ou primos fumantes. A última associação foi forte entre adolescentes do sexo feminino. Porém, é provável que seja válida para adolescentes do sexo masculino também, apesar do fato de que, entre os adolescentes do sexo masculino aqui avaliados, a associação entre experimentação de cigarros e ter irmãos ou primos fumantes atingiu apenas significância limítrofe (p = 0,06). Embora ter amigos fumantes tenha sido identificado como um fator de risco para passar de experimentador de cigarros para fumante atual, história de tabagismo entre parentes próximos, incluindo pais/responsáveis e irmãos/primos, não o foi. Isso ressalta a grande importância potencial da pressão dos pares, juntamente com a necessidade de aceitação em grupos de todos os tipos e de identificação com os mesmos, para a manutenção da dependência. A interação continua com amigos fumantes não só pode servir como um estímulo positivo para manter os adolescentes fumando como também poderia inibir, na origem, impulsos e iniciativas para deixar de fumar. Nossos achados sugerem a necessidade de desenvolvimento de novas formas de intervenção, voltadas para grupos de amigos e não para indivíduos. Novas formas de comunicação de mídia por meio de redes virtuais, que são tão populares entre os adolescentes, poderiam ser um meio adequado para essas intervenções inovadoras.
O presente estudo tem limitações substanciais, incluindo seu delineamento transversal e o fato de se basear unicamente em dados autorrelatados. Porém, estudo recentes sugerem fortemente que os jovens fornecem informações confiáveis sobre seu consumo de cigarros e drogas.(26) Além disso, alguns dos estudantes que foram classificados como fumantes ativos podem ser na realidade não progressores em transição. Ademais, alguns dos estudantes classificados como não progressores poderiam ter sido mais precisamente classificados como ex-fumantes, dependendo da quantidade de cigarros fumados anteriormente. Apesar disso, como a média de idade da amostra foi baixa, qualquer ex-fumante erroneamente classificado como não progressor teria uma história curta de tabagismo e, portanto, seria improvável que o erro de classificação alterasse os resultados finais de maneira substancial. Por fim, não tivemos acesso a adolescentes que não eram estudantes regulares do sistema escolar. Apesar dessas limitações, nossos resultados contribuem para aprofundar o conhecimento sobre os fatores de risco para o tabagismo entre adolescentes brasileiros, tema sobre o qual há poucos estudos sólidos.(27-29)
Em suma, embora níveis altos de estresse percebido e vários elementos sociais estejam claramente associados à experimentação de cigarros, apenas of fatores ter amigos fumantes, consumir bebidas alcoólicas e usar drogas ilícitas parecem ser marcadores importantes para a identificação de experimentadores com alto risco de se tornarem fumantes atuais. Os resultados do presente estudo sugerem a necessidade de adoção de abordagens mais abrangentes nas intervenções de saúde relacionadas ao uso de múltiplas substâncias na adolescência.
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*Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: José Baddini-Martinez. Avenida Bandeirantes, 3900, Campus Universitário, CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Tel. 55 16 3602-2531. E-mail: baddini@fmrp.usp.br
Apoio financeiro: Amanda Gimenes Bonilha recebeu uma bolsa de doutorado da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, Processo: 09/50562-0)
Recebido para publicação em 27/6/2014. Aprovado, após revisão, em 8/9/2014.
Sobre os autoresAmanda Gimenes Bonilha
Fisioterapeuta. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Antonio Ruffino-Netto
Professor Titular (aposentado). Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Mayara Piani Sicchieri
Estatística. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Jorge Alberto Achcar
Professor Colaborador. Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Antonio Luiz Rodrigues-Júnior
Professor Associado Livre-Docente. Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
José Baddini-Martinez
Professor Associado Livre-Docente. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.