ABSTRACT
Tracheal diverticulum, defined as a benign outpouching of the tracheal wall, is rarely diagnosed in clinical practice. It can be congenital or acquired in origin, and most cases are asymptomatic, typically being diagnosed postmortem. We report a case of a 69-year-old woman who was hospitalized after presenting with fever, fatigue, pleuritic chest pain, and a right neck mass complicated by dysphagia. Her medical history was significant: pulmonary emphysema (alpha-1 antitrypsin deficiency); bronchiectasis; and thyroidectomy. On physical examination, she presented diminished breath sounds and muffled heart sounds, with a systolic murmur. Laboratory tests revealed elevated inflammatory markers, a CT scan showed an air-filled, multilocular mass in the right tracheal wall, and magnetic resonance imaging confirmed the CT findings. Fiberoptic bronchoscopy failed to reveal any abnormalities. Nevertheless, the patient was diagnosed with tracheal diverticulum. The treatment approach was conservative, consisting mainly of antibiotics. After showing clinical improvement, the patient was discharged.
Keywords:
Tracheal diseases; Pulmonary emphysema; Diverticulum; alpha 1-antitrypsin deficiency.
RESUMO
Divertículos da traqueia são evaginações benignas da parede traqueal e raramente diagnosticados na prática clínica. Podem ser congênitos ou adquiridos, e na maioria dos casos são assintomáticos, sendo tipicamente diagnosticados em estudos post-mortem. Relatamos o caso de uma mulher de 69 anos que foi hospitalizada após apresentar febre, fadiga, dor torácica pleurítica e uma massa cervical à direita complicada por disfagia. Tinha antecedentes pessoais de enfisema pulmonar (deficiência de alfa-1 antitripsina), bronquiectasias e tireoidectomia. Ao exame físico apresentava murmúrio vesicular diminuído, hipofonese cardíaca e um sopro sistólico. Laboratorialmente apresentava marcadores inflamatórios elevados, e uma TC mostrou uma massa aérea, multiloculada na parede direita da traqueia, achados confirmados por ressonância magnética nuclear. Realizou ainda uma fibrobroncoscopia que se revelou normal. Assumiu-se o diagnóstico de divertículo da traqueia. O tratamento proposto foi conservador, consistindo principalmente de antibioticoterapia. Após melhora clínica, a paciente recebeu alta.
Palavras-chave:
Doenças da traqueia; Enfisema pulmonar; Divertículo; Deficiência de alfa 1-antitripsina.
IntroduçãoDivertículos da traqueia são evaginações benignas da parede traqueal raramente diagnosticados na prática clínica, e há poucos relatos de casos na literatura. Podem ser únicos ou múltiplos(1-9) e se apresentar como cistos ovoides e pediculados ou formações sésseis, com o maior eixo medindo até 3 cm, comunicando-se com a traqueia através de canais.(9) Com relação à etiologia, podem representar anomalias congênitas da árvore traqueobrônquica ou evaginações adquiridas da parede traqueal enfraquecida,(1,2,4,5,8-10) sendo que as duas condições diferem principalmente quanto ao local de implantação e às características histológicas da parede.(3,6,11) Os divertículos da traqueia congênitos geralmente são menores e apresentam uma comunicação mais estreita com a traqueia do que os adquiridos.(1-3,5,8,9,11-13) Os primeiros frequentemente acometem o lado direito, ocorrendo a 4-5 cm abaixo das cordas vocais ou a alguns centímetros acima da carina,(3,4,13-15) e são histologicamente semelhantes à parede traqueal, compreendendo epitélios respiratórios, músculo liso e cartilagem, enquanto os divertículos da traqueia adquiridos são compostos exclusivamente por epitélios respiratórios.(3,11) Acredita-se que a falta de cartilagem na forma adquirida se deva à sua origem, pois a mesma é causada por aumento da pressão intraluminal ou pelo enfraquecimento das estruturas após procedimentos cirúrgicos,(10,13) resultando em evaginação da membrana mucosa através de pontos vulneráveis da traqueia.(2,3,9,11,12) Portanto, os divertículos da traqueia adquiridos podem surgir em qualquer nível, embora tipicamente ocorram ao longo da parede posterolateral direita(6,16,17) perto da entrada torácica.(1,2,8)
Os divertículos da traqueia geralmente são assintomáticos, e sua frequência pode, portanto, ser subestimada.(5,7,18) Na maioria dos casos, o diagnóstico é feito com base em características observadas em radiografias, em imagens de TC,(7,16,17) durante uma broncoscopia(13,16) ou em autópsias.(1-3,5-8,11,12,19) Consequentemente, a incidência relatada varia dependendo da ferramenta diagnóstica utilizada. Por exemplo, em um estudo post-mortem, a incidência foi estimada em aproximadamente 1%,(1,4,6-9,11,13,14) comparada a 0,3% em crianças diagnosticadas por meio de broncoscopia.(7,8,14) Porém, em um estudo empregando TC cervical, Buterbaugh & Erly estimaram que cistos aéreos paratraqueais (ou seja, divertículos da traqueia) ocorrem em aproximadamente 3,7% da população.(20)
Embora pouco frequentes e inespecíficos, sintomas podem se desenvolver em indivíduos com divertículos da traqueia.(3) Como os divertículos geralmente atuam como reservatórios para secreções respiratórias, eles às vezes se associam a tosse crônica e podem se tornar infectados. (2-5,8,9,11,14) Embora menos comuns, dispneia, disfagia, disfonia, paralisia do nervo recorrente, inchaço cervical, hematêmese e hemoptise têm sido descritos em pacientes com divertículos da traqueia.(2,8,12) Os divertículos da traqueia também podem se associar a alterações da função pulmonar e a doença pulmonar obstrutiva,(7-9) principalmente enfisema,(4,20) embora até hoje não tenha sido descrita nenhuma relação entre divertículos da traqueia e deficiência de alfa-1 antitripsina.
A TC desempenha um papel fundamental no estabelecimento do diagnóstico de divertículo da traqueia, fornecendo informações sobre a localização, a origem e o tamanho da lesão, auxiliando assim na distinção entre as formas congênita e adquirida. A fibrobroncoscopia, embora útil, pode produzir resultados falso-negativos, pois frequentemente não detecta o ponto de comunicação com a traqueia.(3,4,6,10,11,14,17)
Várias abordagens de tratamento para divertículos da traqueia têm sido descritas, incluindo ressecção cirúrgica, cauterização endoscópica e medidas conservadoras. A maioria dos divertículos da traqueia é manejada de forma conservadora. A cirurgia geralmente é reservada para divertículos maiores ou apresentações realmente sintomáticas com infecções recorrentes. (1,3,13) O manejo conservador com antibióticos, mucolíticos e fisioterapia pode ser apropriado para pacientes assintomáticos, idosos ou debilitados.(2,3,11,14) Descrevemos aqui o caso de uma paciente que apresentava sintomas atribuídos a um divertículo da traqueia.
Relato de casoMulher de 69 anos de idade procurou a emergência com quadro de febre, fadiga e dor torácica pleurítica há uma semana. Após exame clínico, recebeu alta com prescrição de amoxicilina-clavulanato e azitromicina por uma semana. Apesar da antibioticoterapia, não apresentou melhora clínica nos dias seguintes e, ao invés de melhorar, percebeu uma massa cervical indolor à direita, complicada por disfagia. Além disso, uma anamnese detalhada revelou rouquidão há dois meses, sem nenhuma outra queixa associada. Consequentemente, foi internada no hospital.
Tinha antecedentes pessoais de enfisema pulmonar secundário a deficiência de alfa-1 antitripsina (fenótipo PiZZ); bronquiectasias; pneumonia recorrente (pelo menos dois episódios por ano); neoplasia da tireoide tratada cirurgicamente (por tireoidectomia) em 2001; hipertensão; e infecção por herpes zoster. Negava abuso de álcool e história de tabagismo. Seus medicamentos usuais incluíam levotiroxina, valsartan, hidroclorotiazida e bisoprolol.
Ao exame físico, estava afebril e com a pele aparentemente normal. A ausculta torácica revelou hipofonese cardíaca, um sopro sistólico e murmúrio vesicular diminuído. O restante do exame não mostrou alterações relevantes.
Laboratorialmente apresentava marcadores inflamatórios elevados (leucócitos: 18.300/µL; neutrofilia; e proteína C reativa: 31,01 mg/dL) e hiponatremia leve (132 mmol/L). A radiografia de tórax (na internação) mostrou uma área de hipertransparência no mediastino superior (Figura 1), e a TC de tórax (realizada 10 dias após a internação) mostrou uma massa aérea multilocular medindo 3,5 × 2,5 cm, sem evidências de infecção, na parede direita da traqueia, perto do ápice do pulmão (Figura 2). A TC de tórax também confirmou a insuflação pulmonar, as lesões enfisematosas panacinares e as bronquiectasias descritas nos exames anteriores. A não ser pela hiperemia, a fibrobroncoscopia revelou-se normal, não mostrando nenhuma comunicação inequívoca com a luz traqueal. No entanto, foi proposto o diagnóstico de divertículo da traqueia. A ressonância magnética (RM) cervical confirmou a imagem cística e a resolução da infecção (Figura 3).
Após tratamento com meropenem e vancomicina por 14 dias, a paciente apresentou melhora clínica. Os marcadores inflamatórios retornaram a valores normais, e ela recebeu alta hospitalar.
DiscussãoA escassez de relatos sobre divertículos da traqueia deve-se em parte à sua raridade e em parte à natureza inespecífica de seus sintomas, o que tende a dificultar o diagnóstico.(2-5,8,9,11,14) Divertículos traqueais são geralmente relatados após o desenvolvimento de complicações ou em exames post-mortem.(1,4,6-9,11,13,14) A maior série de casos, relatada por Goo et al.,(10) foi constituída por 64 casos confirmados.
Relatamos aqui um caso de divertículo da traqueia associado a infecção do trato respiratório, massa cervical à direita, disfagia e dois meses de rouquidão. A paciente tinha antecedentes pessoais de infecções respiratórias recorrentes e de doença pulmonar crônica, especificamente enfisema, que sabidamente se associa a divertículos da traqueia. Porém, até onde sabemos, este é o primeiro relato de deficiência de alfa-1 antitripsina em paciente com divertículo da traqueia. Parece óbvio que se tratava de um caso de divertículo da traqueia adquirido, em razão da presença de enfisema e do antecedente pessoal de tireoidectomia, que poderiam ter criado pontos fracos na anatomia cervical, aumentando a propensão a desenvolver divertículos. Além disso, embora não tenhamos realizado nenhum exame histológico para confirmação dessa hipótese, a localização do divertículo da traqueia foi a relatada com maior frequência para a forma adquirida.(1,2,8)
A abordagem de tratamento para divertículos da traqueia varia de acordo com a idade do paciente, a apresentação clínica e a presença de comorbidades. A ressecção cirúrgica é tipicamente reservada para pacientes mais jovens e altamente sintomáticos, enquanto pacientes mais velhos, especialmente aqueles com comorbidades, são tratados de forma conservadora.(12) No caso aqui apresentado, a paciente recebeu tratamento conservador. O antecedente pessoal de infecção recorrente (e consequentes cursos de antibióticos) foi provavelmente responsável pela falta de resposta ao tratamento inicial e subsequente necessidade de mudança para antibióticos de amplo espectro. Apesar de o diagnóstico definitivo ter sido de divertículo da traqueia infeccionado, a TC e a RM, enquanto ainda mostrando o cisto aéreo, indicavam resolução da infecção, pois ambas foram realizadas após pelos menos 10 dias de tratamento com antibióticos. A fibrobroncoscopia não detectou o ponto de comunicação com a traqueia e não foi muito útil no diagnóstico, conforme relatado anteriormente.(3,4,6,10,11,14,17)
Em suma, os divertículos da traqueia são em sua maioria assintomáticos e frequentemente não são diagnosticados. Quando sintomáticos, a abordagem de tratamento deve ser personalizada de acordo com o paciente. Em muitos casos, como no aqui relatado, indica-se tratamento conservador, embora uma abordagem cirúrgica possa ser considerada em pacientes que não respondem ao tratamento clínico.
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*Trabalho realizado no Departamento de Medicina Interna, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal, e no Hospital de Santarém, Santarém, Portugal.
Endereço para correspondência: Beatriz Amaral. Rua Carlos de Oliveira, 8, apartamento 12, Edifício Mozart, CEP 1600-028, Lisboa, Portugal.
Tel. 351 914073731. E-mail:beatrizaamaral@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 9/4/2014. Aprovado, após revisão, em 16/5/2014.
Sobre os autoresCecília Beatriz Alves Amaral
Médica. Departamento de Medicina Interna, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal.
Sónia Silva
Pneumologista. Hospital de Santarém, Santarém, Portugal.
Salvato Feijó
Pneumologista. Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, Lisboa, Portugal.