Ao Editor,Vimos com interesse o artigo publicado por Almeida et al.(1) no Jornal Brasileiro de Pneumologia. No artigo, foi estudado o perfil tabágico e a dependência de nicotina em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. A maioria dos pacientes apresentava dependência elevada ou muito elevada, e pacientes com neoplasia avançada fumavam mais cigarros por dia que pacientes com neoplasia inicial, dado esse paradoxal. Porém, isso revela o comportamento dessa população específica, mesmo portando uma doença grave.
A importância desse dado é que o tabagismo é uma doença crônica caracterizada pela dependência da nicotina e, por isso, está inserido na classificação do Código Internacional de Doenças.(2) O tabagismo é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Estima-se que cerca de 30% de todos os tumores malignos estejam associados ao consumo de tabaco. No paciente com diagnóstico de câncer, o tabagismo é responsável por pior resposta ao tratamento, diminuição da sobrevida e da qualidade de vida, toxicidade ao tratamento instituído, aumento da recorrência do câncer e aparecimento de metástases. O tratamento do tabagismo nessa população é extremamente difícil, pois é necessário aconselhamento, psicoterapia e intervenção comportamental específicos para essa população, já que a recorrência do tabagismo é muito grande e o tratamento medicamentoso não é suficiente para manter o paciente abstinente por longos períodos.(3) Dessa maneira, conhecer o perfil dos pacientes tabagistas com neoplasia é fundamental ao desenvolvimento de estratégias específicas para a cessação do uso de tabaco nessa população. Nesse sentido, realizou-se um estudo observacional prospectivo com 50 indivíduos tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas internados na unidade de clínica médica de um hospital terciário na cidade de São Paulo, no período compreendido entre fevereiro e maio de 2014, por meio da aplicação dos seguintes instrumentos: Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina,(4) escala motivacional de Prochaska e DiClemente(5) e escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar.(6) O estudo teve a aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Anhembi Morumbi, localizada na cidade de São Paulo. Dos 50 entrevistados, 18 (36%) relataram serem não tabagistas; 15 (30%), ex-tabagistas; e 17 (34%), tabagistas. Desse modo, nota-se que a maioria dos analisados tem ou teve exposição ao tabaco. Em relação ao perfil sociodemográfico dos participantes, foi constatado que a maioria era do sexo masculino, casada e com baixo nível de escolaridade. Referente à faixa etária para o inicio do hábito de fumar, o presente estudo corrobora um estudo anterior,(7) evidenciando que o hábito de fumar se inicia na adolescência, sendo que 58,3% dos pacientes tabagistas começaram a fumar antes dos 18 anos de idade, o que aponta a necessidade de campanhas, especificamente para essa faixa etária, que conscientizem os adolescentes e jovens sobre os malefícios do tabagismo. Um estudo etnográfico(8) descreveu que a preocupação com a saúde é o principal fator motivador para a cessação do tabagismo. A maioria dos ex-tabagistas (72%) do presente estudo referiu ter parado de fumar por decisão própria, independentemente dos problemas de saúde, o que sugere uma melhor investigação sobre o tema.
De acordo com a Tabela 1, observa-se que a amostra foi homogênea quanto ao sexo e idade, sem significância estatística. Optamos por agrupar tabagistas e ex-tabagistas para a análise estatística, já que os ex-tabagistas permanecem com um risco aumentado para neoplasias por vários anos após a interrupção do tabagismo. Nos grupos com e sem neoplasias, respectivamente, havia 7 e 8 tabagistas. A maioria dos indivíduos apresentou dependência moderada de acordo com o Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina(4) (70,6% dos tabagistas), e nenhum indivíduo apresentou alta dependência. Quanto à ansiedade e depressão, não houve uma diferença significativa entre os dois grupos analisados. Esperávamos que, nos pacientes com neoplasia, o grau de ansiedade e depressão fosse maior(9); porém, muitos estavam em estágio terminal da doença e, provavelmente, encontravam-se na fase de aceitação. Todos os pacientes com neoplasia sabiam de seu diagnóstico. Com relação à ansiedade, verificada pela escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar,(6) os não fumantes demonstraram possível ansiedade em 83% dos casos; já entre os fumantes e ex-fumantes, resultados de improvável ansiedade foram obtidos em 65,6%. A associação estatística foi significativa, indicando que o grupo de não tabagistas possivelmente estava mais ansioso. A ansiedade e a depressão são sabidamente maiores em pacientes tabagistas.(2,10) O que pode explicar nossos resultados é o possível uso de medicações antidepressivas e ansiolíticas pela população de tabagistas e ex-tabagistas. A escala também verifica questões referentes à depressão. Na nossa amostra, a maioria teve resultados de improvável depressão, em 72% dos não tabagistas e em 94% dos tabagistas.
De acordo com a Tabela 2, entre os tabagistas, 86,6% estavam no estágio pré-contemplativo, enquanto 13,4%, no estágio contemplativo. Entre os pacientes com neoplasia, 6 e 1, respectivamente, estavam nos estágios pré-contemplativo e contemplativo. Entre os indivíduos sem neoplasia, todos estavam no estágio pré-contemplativo. Esse dado é muito interessante, já que esses pacientes, muitos com doenças graves, não pensavam em parar de fumar (estágio pré-contemplativo). Isso mostra a importância da abordagem do médico durante a internação, esclarecendo os riscos do tabagismo e oferecendo tratamento específico. Aponta também a necessidade de intervenções de saúde pública, especificamente voltadas para essa população.
Igor Bastos Polonio
Professor, Disciplina de Pneumologia, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e da Disciplina de Práticas Médicas, Universidade Anhembi Morumbi; Chefe, Clínica de Pneumologia, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil
Meiryelle Landim Franco
Acadêmica, Faculdade de Medicina, Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo (SP) Brasil
Marina Angélica Mendes Tegon
Acadêmica, Faculdade de Medicina, Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo (SP) Brasil
Célia Beatriz Gianotti Antoneli
Professora Titular, Disciplina de Oncologia, Faculdade de Medicina, Universidade Anhembi Morumbi e Faculdade de Medicina, Universidade de Santo Amaro, São Paulo (SP) BrasilReferências1. Almeida AA, Bandeira CM, Gonçalves AJ, Araújo AJ. Nicotine dependence and smoking habits in patients with head and neck cancer. J Bras Pneumol. 2014;40(3):286-93. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000300012
2. Fiore MC, Bailey WC, Cohen SJ, Dorfman SF, Goldstein MG, Gritz ER, et al. Treating tobacco use and dependence. Clinical practice guideline. Rockville, MD: U.S. Department of Health and Human Services, Public Health Service; 2000.
3. Toll BA, Brandon TH, Gritz ER, Warren GW, Herbst RS; AACR Subcommittee on Tobacco and Cancer. Assessing tobacco use by cancer patients and facilitating cessation: an American Association for Cancer Research policy statement. Clin Cancer Res. 2013;19(8):1941-8. http://dx.doi.org/10.1158/1078-0432.CCR-13-0666
4. Fagerström KO, Schneider NG. Measuring nicotine dependence: a review of the Fagerström Tolerance Questionnaire. J Behav Med. 1989;12(2):159-82. http://dx.doi.org/10.1007/BF00846549
5. DiClemente CC, Prochaska JO. Self-change and therapy change of smoking behavior: a comparison of processes of change in cessation and maintenance. Addict Behav.1982;7(2):133-42. http://dx.doi.org/10.1016/0306-4603(82)90038-7
6. Castro MM, Quarantini L, Batista-Neves S, Kraychete D, Daltro C, Miranda-Scippa A. Validity of the hospital anxiety and depression scale in patients with chronic pain [article in Portuguese]. Rev Bras Anestesiol. 2006;56(5):470-7.
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9. Jadoon NA, Munir W, Shahzad MA, Choudhry ZS. Assessment of depression and anxiety in adult cancer outpatients: a cross-sectional study. BMC Cancer. 2010;10:594. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2407-10-594
10. Goodwin RD, Wall MM, Choo T, Galea S, Horowitz J, Nomura Y, et al. Changes in the prevalence of mood and anxiety disorders among male and female current smokers in the United States: 1990-2001. Ann Epidemiol. 2014;24(7):493-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.annepidem.2014.01.014