"A prevalência de tabagismo em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica e asma é elevada - a importância da anamnese e uso de biomarcadores na prática clinica."
- Ubiratan de Paula Santos.
O tabagismo é o principal fator de risco evitável de óbitos. Estima-se que, em 2010, tenha sido globalmente responsável por 6,3 milhões de óbitos.(1) Estudos sugerem que os fumantes vivem, em média, 10 anos a menos com relação aos não fumantes e que, de cada dois fumantes, um morre em decorrência de doença tabaco-relacionada. (2,3) A razão de tamanho impacto é a presença, na fumaça inalada pela queima do tabaco, de cerca de 5.300 produtos químicos, 250 deles tóxicos, 72 agentes cancerígenos (600 trilhões de moléculas de cancerígenos/cigarro fumado) e 4 × 109 partículas finas/cm3 de fumaça tragada.(4) Entre os principais acometimentos associados ao tabagismo estão as doenças respiratórias das vias aéreas e intersticiais, com destaque para a DPOC e cânceres em mais de 10 sítios, entre eles os de cabeça e pescoço(5) e o câncer de pulmão, que ocupa o primeiro lugar no ranking global de óbitos por cânceres,(6) sendo o tabagismo é responsável por mais de 80% dos casos. Acrescentam-se a essas conhecidas morbidades evidências de novos estudos sugerindo que o tabagismo aumenta o risco de óbitos por insuficiência renal, isquemia intestinal, câncer de mama e câncer de próstata,(7) ampliando assim o espectro e a dimensão de seus efeitos. Em outras doenças como a asma, embora diversos estudos tenham sugerido ser o tabagismo um fator causal, ainda resta controvérsia sobre sua causalidade, mas as evidências confirmam que fumar ou a exposição à fumaça ambiental do tabaco dificulta o controle da asma e causa exacerbações com maior frequência.(8) Com o maior conhecimento dos riscos e as medidas adotadas pelos países, a prevalência de fumantes vem declinando progressivamente, com destaque para o Brasil com redução na prevalência de fumantes, na população com 18 anos ou mais, de 35,4% para 16,8% entre 1989 e 2010.(9)
No presente número, o Jornal Brasileiro de Pneumologia publica um interessante estudo(10) comparando marcadores de tabagismo, envolvendo pacientes com DPOC e asma e controles formados por indivíduos hígidos fumantes e não fumantes, para avaliar a efetividade da autodeclaração da condição de fumante. Os dados são impressionantes: 29% dos pacientes com asma e DPOC que se declararam não fumantes apresentaram valores elevados de cotinina urinária e de CO no ar exalado. Se considerarmos apenas a dosagem isolada da cotinina, cujo valor de corte de 200 ng/ml é empregado para discriminar fumantes de não fumantes é suficientemente elevada para ser explicada apenas pela exposição à fumaça ambiental do tabaco. A prevalência de pacientes declarados não fumantes e com esse marcador elevado atingiu 38% (29% e 47% dos pacientes com asma e DPOC, respectivamente). Como o estudo(10) aponta, os valores observados de falsa informação foram superiores aos observados em outros estudos, o que pode, em parte, ser explicado pelas diferenças de prevalências de fumantes nas populações locais nos períodos dos diversos estudos. Pesquisas realizadas em diversos países evidenciaram que a prevalência de fumantes entre pacientes com DPOC(11,12) e asma(12,13) é semelhante à observada entre os fumantes em geral. No estudo de Stelmach et al.,(10) por ter sido realizado num hospital de atendimento especializado, deve também ser considerada a possibilidade de receio, por parte do paciente, de eventualmente ter seu acompanhamento descontinuado como um dos fatores a influenciar tão elevado número de falsos relatos.
Os dados desse estudo(10) sugerem fortemente que na abordagem dos pacientes com asma ou DPOC se reitere, a cada consulta, a pergunta e se faça a checagem sobre o status tabágico, incluindo o uso de biomarcadores, especialmente nos pacientes com maior frequência de exacerbações, e que seja oferecida ajuda aos que desejem parar de fumar. Embora a cotinina seja um marcador com maior acurácia, a medida de CO exalado, por ser de baixo custo, medição instantânea e não apresentar diferenças relevantes entre fumantes com ou sem DPOC, pode ser utilizada para este fim.(14) Estudo realizado no Reino Unido revelou que apenas 13% dos fumantes recebiam prescrição para parar de fumar, embora os com DPOC fossem mais contemplados.(15) Outro estudo do mesmo grupo(16) revelou também ser elevada (17%) a prevalência de exposição à fumaça ambiental do tabaco em pacientes com asma, reconhecidamente um fator associado a exacerbações.(8) Embora os estudos sugiram que pacientes com doenças crônicas apresentem taxas de cessação, com uso de medicamentos para ajudá-los, semelhantes às daqueles que não as têm,(11) é possível que pacientes com doenças pulmonares crônicas que continuam fumando tenham mais dificuldades para cessar o tabagismo, necessitando de um suporte maior com relação aos fumantes sem essas comorbidades, incluindo maior observância da presença de morbidade psicológicas associadas,(17) que podem influenciar o êxito da cessação.
Referências
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