ABSTRACT
Objective: To validate two scores quantifying the ability of patients to use metered dose inhalers (MDIs) or dry powder inhalers (DPIs); to identify the most common errors made during their use; and to identify the patients in need of an educational program for the use of these devices. Methods: This study was conducted in three phases: validation of the reliability of the inhaler technique scores; validation of the contents of the two scores using a convenience sample; and testing for criterion validation and discriminant validation of these instruments in patients who met the inclusion criteria. Results: The convenience sample comprised 16 patients. Interobserver disagreement was found in 19% and 25% of the DPI and MDI scores, respectively. After expert analysis on the subject, the scores were modified and were applied in 72 patients. The most relevant difficulty encountered during the use of both types of devices was the maintenance of total lung capacity after a deep inhalation. The degree of correlation of the scores by observer was 0.97 (p < 0.0001). There was good interobserver agreement in the classification of patients as able/not able to use a DPI (50%/50% and 52%/58%; p < 0.01) and an MDI (49%/51% and 54%/46%; p < 0.05). Conclusions: The validated scores allow the identification and correction of inhaler technique errors during consultations and, as a result, improvement in the management of inhalation devices.
Keywords:
Asthma; Dry powder inhalers; Metered dose inhalers; Validation studies.
RESUMO
Objetivo: Validar dois escores para medir a habilidade de pacientes em utilizar inaladores pressurizados (IPs) ou inaladores de pó (IPos), verificar os erros mais comuns na sua utilização e identificar os pacientes que necessitam de um programa educacional para o uso desses dispositivos. Métodos: Este estudo foi realizado em três etapas: validação da confiabilidade dos escores de uso dos dispositivos inalatórios; validação do conteúdo dos escores utilizando-se uma amostra de conveniência; e realização de testes para a validação de critério e a validação discriminante desses instrumentos em pacientes que preenchiam os critérios de inclusão do estudo. Resultados: A amostra de conveniência foi composta por 16 pacientes, e houve discordância interobservador em 19% e 25% para os escores de IPo e IP, respectivamente. Após a análise de expertos no assunto, os escores sofreram modificações e foram aplicados em 72 pacientes. A dificuldade mais relevante no uso de ambos os dispositivos foi a manutenção da capacidade pulmonar total após inspiração profunda. O grau de correlação dos escores por observador foi de 0,97 (p < 0,0001). Houve boa concordância interobservador na classificação dos pacientes como aptos/não aptos para uso de IPo (50%/50% e 52%/58%; p < 0,01) e de IP (49%/51% e 54%/46%; p < 0,05). Conclusões: Os escores validados permitem identificar e corrigir os erros da técnica inalatória ao longo das consultas e, em consequência, melhorar o manejo dos dispositivos para inalação.
Palavras-chave:
Asma; Inaladores de pó seco; Inaladores dosimetrados, Estudos de validação.
IntroduçãoA asma é uma doença crônica inflamatória que limita o fluxo aéreo e pode impedir que os pacientes exerçam suas atividades diárias adequadamente.(1) O tratamento farmacológico é essencial(2) e tem como objetivo alcançar e manter o controle clínico da doença.(1) A inalação é a via mais utilizada para o tratamento da asma porque permite que os medicamentos alcancem seletivamente os pulmões, com maior concentração do fármaco nas vias aéreas, reduzindo os efeitos adversos sistêmicos.(1,3,4)
Apenas metade dos asmáticos utiliza, de fato e corretamente, a medicação prescrita.(5) Destaca-se que o baixo índice de adesão está relacionado ao desconhecimento e/ou à dificuldade de administração dos medicamentos para inalação.(3) Tais aspectos podem ser melhorados se a educação em asma ocorrer, sendo ela um componente estratégico para o controle da doença.(6)
A utilização incorreta dos inaladores pode acarretar o insucesso terapêutico por diminuir a concentração do fármaco nas vias aéreas(7,8) e contribuir para a não adesão ao tratamento, dificultando o controle clínico da asma.(9)
A frequência de uso incorreto de inalador pressurizado (IP) varia entre 14% e 90%, com uma média estimada de 50%,(10) acarretando deposição pulmonar do medicamento inferior a 20%. Um estudo com pacientes que faziam uso de corticoterapia inalatória ou oral apontou que mais de 50% dos pacientes que não eram aderentes ao tratamento apresentavam maior uso de broncodilatadores e nebulizações, além do aumento no número de hospitalizações.(11)
A utilização de instrumentos (ou escores) que meçam e pontuem as dificuldades dos pacientes durante o uso dos seus medicamentos para inalação pode ser útil para reduzi-las. Ao utilizar esses instrumentos, o profissional de saúde pode elaborar um programa educacional direcionado para os principais erros cometidos pelo paciente, revertendo assim a baixa adesão ao tratamento. Existem alguns escores que avaliam o uso correto desses inaladores em portadores de moléstias pulmonares.(12) Alguns deles avaliam os erros na utilização desses dispositivos para inalação; porém, não existe um escore considerado padrão-ouro com essa finalidade. Tal instrumento poderia ser um diferencial na avaliação de pacientes que utilizam esses dispositivos.(13)
Leal(13) desenvolveu um escore para avaliação das dificuldades dos pacientes no uso de IPs; tal escore pontua acertos e erros na utilização dos dispositivos, promovendo a valoração dos erros. A partir daquele instrumento, Santos et al.(3) desenvolveram escores para a avaliação de inaladores de pó (IPo) e IP. Esses instrumentos ainda não estão validados e são utilizados em nosso hospital para a mensuração da qualidade da técnica de uso dos dispositivos para inalação por pacientes asmáticos(3) e portadores de DPOC.
A validação de um instrumento permite verificar a congruência entre o escore que é utilizado para realizar uma mensuração e a realidade que é medida, aumentando a confiabilidade do mesmo.(14) Ao se utilizar instrumentos validados para medir a técnica de inalação de pacientes asmáticos, serão obtidos resultados mais fidedignos e com maior garantia da qualidade dos dados.
Os objetivos do presente estudo foram validar os escores para a avaliação da técnica de uso de IPs e IPos em português do Brasil, verificar quais erros são mais comuns durante a utilização desses dispositivos e identificar quais pacientes necessitam de sessões de treinamento para essa utilização.
MétodosTrata-se de um estudo aberto e prospectivo desenvolvido em um hospital universitário de referência. O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição. Os pacientes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: apresentar diagnóstico de asma de acordo com os critérios da Global Initiative for Asthma,(15) estar em seguimento ambulatorial por pelo menos dois anos, ter idade entre 15 e 65 anos, ter cursado no mínimo quatro anos do ensino fundamental, ter sua capacidade auditiva preservada e concordar em participar do estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido. Pacientes que já haviam participado de programas educacionais sobre a utilização de medicamentos para asma foram excluídos.
O estudo foi realizado em três etapas. Inicialmente, foi realizada a validação da confiabilidade dos escores de uso dos inaladores (etapa 1) e a de seu conteúdo (etapa 2). Na etapa 3 foram realizados os testes para a validação de critério e a validação discriminante desses novos instrumentos.
Na etapa 1, dois farmacêuticos convidados (cegos em relação à metodologia do estudo) avaliaram simultaneamente a técnica de uso dos inaladores. Aplicaram os escores para IPo e IP, elaborados por Santos et al.,(3) para elencar os erros apresentados. Esses escores detalham o passo a passo da técnica para cada tipo de inalador. O paciente recebe um ponto a cada etapa executada de modo correto, e, quando a técnica é feita de modo incorreto, o paciente não recebe pontos. Se o paciente comete erros graves, esses são subtraídos. A pontuação determina se o paciente está apto ou não para utilizar o dispositivo para inalação. Os farmacêuticos foram treinados quanto à correta utilização dos escores acima referidos, seguindo as diretrizes do III Consenso Brasileiro de Manejo da Asma.(16) Para essa avaliação foram utilizados os seguintes medicamentos: a) IP: dipropionato de beclometasona 250 µg e salbutamol 100 µg; b) IPo: budesonida 200 µg e formoterol + budesonida (6/200 ou 12/400 µg; cápsulas inalatórias); e xinafoato de salmeterol 50 µg (Diskus®). Os farmacêuticos propuseram alterações para facilitar e agilizar o preenchimento dos instrumentos utilizados.
Na etapa 2, os escores oriundos da etapa anterior foram avaliados por expertos com o objetivo de mensurar o conteúdo desses instrumentos. O grupo de expertos foi constituído por três pneumologistas, dois pneumopediatras e dois alergistas, todos com sólida experiência no uso de inaladores.
As modificações propostas foram julgadas quanto à pertinência dos itens medidos pelos escores preliminares, avaliando-se a necessidade de inclusões, exclusões ou alterações para melhorar a acurácia dos escores modificados. Depois que as alterações foram sistematizadas por consenso, procedeu-se à elaboração de novos escores para IPs e IPos.
Na etapa 3, novos pacientes utilizando IPo, IP ou ambos foram convidados a participar do estudo, de forma aleatória, para uma avaliação individual, obedecidos os mesmos critérios de elegibilidade das etapas anteriores. Foi-lhes solicitado, sem nenhuma orientação prévia, que utilizassem inaladores contendo placebo e que realizassem a mesma técnica da sua rotina de tratamento. Cada paciente foi avaliado simultaneamente por outros dois farmacêuticos, cegos em relação às modificações realizadas, utilizando os escores derivados das etapas 1 e 2, sendo vetado qualquer tipo de contato entre os avaliadores sobre os valores emitidos. Após as avaliações, todos os pacientes foram orientados sobre o modo correto do uso dos inaladores.
A mediana e o intervalo interquartil dos escores obtidos nessa fase permitiram a determinação dos valores de corte e a divisão dos pacientes em dois grupos: pacientes aptos e pacientes não aptos a utilizar os dispositivos para inalação. Os pacientes não aptos foram então encaminhados ao programa de atenção farmacêutica existente em nossa instituição.
Para as etapas 1 e 2 foi utilizada uma amostra de conveniência baseada em estudos de validação anteriores.(14,17-19) Para a etapa 3 calculamos a amostra baseados na hipótese de que a associação entre os escores pontuados pelos farmacêuticos seria de pelo menos 60%. Considerando um poder de 0,95 e um erro tipo I de 0,05, a amostra indicada foi de 31 avaliações para cada tipo de inalador. Os resultados obtidos nas etapas 1 e 2 foram descritos de forma qualitativa. Na etapa 3, os valores médios dos escores foram comparados entre os observadores, avaliando-se as concordâncias e divergências individualmente. Os principais erros observados pelos avaliadores foram descritos de acordo com sua frequência.
Na etapa 3, a análise descritiva dos valores absolutos dos escores para cada dispositivo, por observador, foi realizada usando o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 18 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os graus de correlação entre os escores e por observador foram avaliados utilizando-se o coeficiente alfa de Cronbach. Após a avaliação de normalidade, a comparação entre os escores por observador foi realizada através do teste de Mann-Whitney (rank sum) e sua correlação pelo teste de Spearman, utilizando o programa SigmaStat, versão 3 (Systat Software Inc., San Jose, CA, EUA). O teste do qui-quadrado foi utilizado para avaliar a concordância dos grupos de pacientes (aptos ou não aptos para utilização dos inaladores) entre os avaliadores. Consideraram-se como significativos valores de p < 0,05.
ResultadosParticiparam das etapas 1 e 2 do estudo 16 pacientes. Farmacêuticos em conjunto identificaram a necessidade de alterações em determinados campos dos escores e propuseram duas modificações preliminares: a retirada da pontuação geral dada ao paciente e a retirada do campo de sugestões para diminuir o número de folhas do escore. Foi criado um escore com uma única tabela para a avaliação da técnica do uso dos inaladores, com os acertos/erros que os pacientes poderiam cometer. A discordância entre os avaliadores na etapa 1 ocorreu em 19% e 25% em relação aos escores para IPo e IP, respectivamente, indicando não somente erros dos pacientes mas também erros de interpretação dos farmacêuticos avaliadores. Essas discordâncias foram consideradas aceitáveis na aplicação dos escores e proporcionalmente pouco significativas, sendo esclarecidas e dirimidas na etapa seguinte.
Na avaliação dos escores pelos expertos, foram sugeridas e acatadas duas modificações no escore para IPo: acrescentar um campo sobre a posição da cabeça do paciente (ângulo maior ou menor que 90°), sendo atribuído um ponto para "ângulo menor que 90°" e zero para "ângulo maior que 90°"; e o significado da sigla CPT, adicionado ao final do escore.
Em relação ao escore para IP, os especialistas fizeram oito sugestões de modificações que foram acatadas: o item "agitação do dispositivo" foi alterado de "3 vezes" para "2 vezes ou mais"; o campo "modo" foi alterado para "modo de uso"; a pontuação do item "dentro da boca com espaçador" foi alterada para um ponto por ser tão correto quanto à forma de utilização do inalador no item "fora da boca sem espaçador"; no campo "momento", foi adicionado o item "inspiração rápida"; os itens "junto ao acionamento" e "logo depois do acionamento" possuem o mesmo peso e foram unificados; o item "só jogar na boca ou não inspirar" foi alterado para "acionamento direto na boca e não inspirar"; no campo "profundidade" o item "não completamente" foi modificado para "insuficiente", enquanto o item "adequadamente" foi alterado para "suficiente"; e o campo "intervalo" foi alterado para "intervalo entre os acionamentos". Os escores resultantes foram considerados mais práticos por avaliadores e expertos (Quadro 1).
O novo escore para IP manteve a pontuação total máxima (nove pontos), mas houve um aumento na pontuação do escore novo para IPo (seis pontos). De acordo com a literatura,(3,20) para se considerar que um paciente conhece e domina a utilização correta do tipo de inalador, o escore obtido por ele pode apresentar uma variação aceitável de 20%. Isso significa uma pontuação mínima de 7,2 e de 4,8 para os escores para IP e IPo, respectivamente; entretanto, não está definido se essa variação (desvio-padrão) leva em consideração se o paciente foi treinado anteriormente para o uso do inalador.
Participaram da etapa 3 do estudo 72 pacientes, com média de idade de 41 anos, sendo 82% do sexo feminino. Esses pacientes geraram 89 avaliações, sendo 39 pacientes avaliados com o escore para a técnica de uso de IP e 50 pacientes com o escore para a de IPo. Essas avaliações permitiram elencar as principais dificuldades/erros dos pacientes no uso de dispositivos para inalação.
O erro mais relevante entre os pacientes avaliados quanto ao uso de ambos os tipos de inaladores foi a falta de manutenção da CPT após a inspiração profunda. Observou-se um maior número de erros entre os pacientes com o uso do IP (Tabela 1). O intervalo entre as doses < 60 s, a manutenção da CPT < 10 s após a inalação, a velocidade da inspiração inadequada, o uso inadequado do IP sem espaçador e a ausência de realização de expiração antes da inalação foram erros cometidos em mais de 50% dos testes realizados.
Entre os pacientes que utilizaram IPo, os erros mais comuns foram a manutenção da CPT < 10 s, a ausência de expiração antes da inalação e a velocidade inadequada da inspiração (em 75%, 62% e 57%, respectivamente), conforme demonstrado na Tabela 2.
De uma amostra de 72 pacientes, 60 pacientes não realizaram a pausa inspiratória de maneira correta; 58 pacientes realizaram a inspiração muito rápida; e 6 pacientes não sincronizaram o início da inspiração com o acionamento do dispositivo.
Nas mensurações para o escore para IP realizadas na etapa 3, os valores encontrados por avaliador, em mediana, foram 4 e 5 pontos para os observadores 1 e 2, respectivamente, conforme mostrado na Tabela 3. Para o escore para IPo, as medianas foram de 4,5 e 5,0 pontos para os dois avaliadores, respectivamente.
O grau de correlação entre os escores avaliados por observador, utilizando-se o coeficiente alfa de Cronbach, foi de 0,97. Essa correlação foi estatisticamente significativa usando-se a correlação de Spearman (p < 0,0001), como se observa na Figura 1. O teste de Mann-Whitney confirmou que os valores atribuídos aos escores pelos dois avaliadores não foram estatisticamente diferentes. Houve grande semelhança entre os avaliadores, indicando a validade de critério.
Foram encaminhados ao programa de educação pacientes com valor de escore < 4 pontos tanto para os escores para IP quanto para IPo. Esse foi o menor valor inteiro da mediana de avaliação concordante entre os dois observadores. Para a validação discriminante, encontrou-se uma concordância entre os grupos de pacientes aptos e de não aptos (necessitando de um programa de educação) indicados pelo observador 1 e pelo observador 2, tanto para o escore para IPo (50%/50% e 52%/58%; p < 0,01) quanto para o escore para IP (49%/51% e 54%/46%; p < 0,05).
DiscussãoO presente estudo possibilitou a validação de conteúdo, de critério e de discriminante dos escores para IPo e IP, permitindo também elencar as maiores dificuldades encontradas pelos pacientes no uso dos dispositivos para inalação no tratamento da asma, além de determinar uma nota de corte, classificando os pacientes como aptos a utilizar seus inaladores ou identificar aqueles que necessitavam ser encaminhados para um programa educacional.
No melhor do nosso conhecimento atual, encontramos na literatura pesquisada um estudo que validou escores para IP para pacientes asmáticos(12) e, no caso de escores para IPo, somente um estudo com pacientes com DPOC.(21) Além disso, segundo Basheti et al.(22) apesar de o uso de check-lists para um inalador especifico ser o método mais viável de avaliação, existem poucas evidências para avaliar a importância relativa dos diferentes critérios. As divergências dos sistemas de pontuação para o mesmo dispositivo para inalação em diferentes estudos dificultam a comparação direta dos resultados. Considerando que o nosso estudo validou escores tanto para IP quanto para IPo para pacientes asmáticos, os resultados obtidos nos permitiram pontuar erros em ambos e tratá-los de forma personalizada, de modo que todos os pacientes puderam ser orientados sobre o modo correto de utilização desses dispositivos com base em seus erros de execução da técnica.
Nossos achados corroboram outros estudos já publicados na literatura.(9,23,24) A capacidade de prender a respiração por mais de 10 s após a inalação foi a dificuldade mais importante entre os pacientes do nosso estudo, tanto para IP como para IPo (83% e 75%, respectivamente). Manzella et al.(12) avaliaram a técnica inalatória e relataram que 69% dos pacientes avaliados não prendiam a respiração por no mínimo 10 s. Uma revisão que compilou resultados de 12 estudos (955 pacientes incluídos) classificou os erros mais cometidos pelos pacientes, sendo que a dificuldade de prender a respiração por 10 s após a inalação ocorria em 26% da população. Esse tempo determinado de prender a respiração é importante para que ocorra uma maior sedimentação das partículas do medicamento nos pulmões.(25)
O autor da revisão também relatou que 50% dos pacientes faziam a pausa de tempo necessária entre as doses. No nosso estudo, esse foi o erro mais frequentemente (89%) encontrado em relação ao escore para IP. Esse passo da técnica é importante para garantir que uma maior quantidade do medicamento alcance as vias aéreas.(12)
A velocidade de inalação inadequada, terceira dificuldade mais comumente encontrada em nosso estudo para IP, foi igualmente relatada por McFadden como a terceira dificuldade mais frequentemente observada em 12 estudos, sendo que, no total, 19% dos pacientes realizavam a inalação de forma muito rápida. Esse erro é grave, pois quanto mais devagar é a taxa de medicamento inalado, maior será a deposição pulmonar desse medicamento com o uso de IP.(25)
Em relação ao IPo, a ausência de expiração antes da inalação foi verificada em 62% dos casos, sendo a segunda dificuldade mais frequente para esse tipo de inalador. O volume pulmonar existente no início da inspiração interfere na deposição da droga e é por isso que se recomenda a realização da expiração antes do início da inalação.(26)
A velocidade de inspiração inadequada foi o terceiro erro mais comumente encontrado (57%) no uso de IPo. No caso desses dispositivos para inalação, a saída do medicamento é decorrente do fluxo inspiratório que o paciente realiza. Se o fluxo (volume/tempo) for menor que o necessário, as doses inaladas serão reduzidas, e esse é um fator importante para o insucesso terapêutico.(8,27)
Sandrini et al.(28) analisaram o uso de IP em uma amostra de pacientes, classificando a técnica de inalação em correta, pouco errada, com erro intermediário e muito errada. Os autores classificaram a técnica de 48% dos pacientes como não correta. Os erros mais encontrados foram colocação do inalador dentro da boca (68,0%); inspiração antes de acionar o jato (15,5%); inspiração rápida (11,0%); e inspiração pelo nariz (9,0%). Esses erros também foram encontrados em nossos pacientes, mesmo com o modo de avaliação diferente do utilizado naquele estudo.
Dalcin et al.(24) e Souza et al.(29) utilizaram listas ou fichas de controle para verificar a utilização adequada dos inaladores pelos pacientes em seus trabalhos. Souza et al.(29) encontraram que 54,5% dos pacientes avaliados que faziam uso de IPo não realizavam a expiração antes da inalação de forma adequada. Esse achado corrobora o nosso, pois esse foi o segundo erro mais comumente encontrado na avaliação de nossos pacientes. Já Dalcin et al.(24) encontraram um maior número de erros nos pacientes que utilizavam IP quando comparados aos que usavam outros inaladores, sendo esse achado também igual ao nosso.
É fato que, nos trabalhos acima citados,(12,23,25,28,29) os instrumentos utilizados permitiram aos autores quantificar e classificar os erros cometidos pelos pacientes. Comparando as técnicas de inalação para o uso de IP e IPo publicadas no III Consenso de Asma(16) e nas Diretrizes para o Manejo de Asma de 2012,(1) verifica-se que as orientações não diferem tecnicamente das utilizadas em nossa instituição. Entretanto, verificamos que os escores utilizados no presente estudo, além de especificarem o passo a passo da técnica de inalação, são uma ferramenta para que o profissional de saúde possa mensurar, de forma objetiva e matemática, os erros cometidos pelos pacientes. Além disso, eles possibilitam verificar se o paciente está apto ou não a utilizar seu inalador através da especificação de uma nota de corte. Isso também permite que o profissional de saúde acompanhe objetivamente a evolução do paciente quanto a sua técnica de inalação.
Nossos resultados demonstram que a proporção de erros no escore para IP foi maior do que no para IPo. Essa diferença na proporção de erro entre os dispositivos pode estar associada à maior facilidade na compreensão da técnica de uso de IPo em detrimento àquela de IP por parte dos pacientes. Destacamos que Lavorini et al.(21) realizaram uma revisão da literatura com 47 artigos que analisavam a técnica do uso do IPo. Os resultados demonstram que o uso incorreto de inaladores influencia a eficácia da droga, e os autores destacam que a avaliação do uso correto dos inaladores ainda é considerada irrelevante por muitos profissionais de saúde.(21)
Em um estudo realizado em 2011 na Bahia, foram avaliados os erros que os pacientes cometiam ao utilizar os seus inaladores; encontrou-se baixa proporção de erros na técnica inalatória. Tais resultados foram associados ao acompanhamento em um centro de referência em asma que os pacientes daquele estudo recebiam; eles participavam de periódicas orientações e revisões acerca da técnica inalatória, realizadas por uma equipe multiprofissional.(5)
Como limitação do estudo, pode-se indicar a falta de seguimento dos pacientes avaliados após o mesmo. Tal acompanhamento poderia permitir que se determinasse a evolução da técnica do uso dos inaladores pelos pacientes. Um viés do presente estudo ocorreu porque os pacientes apresentaram um alto índice de erros ao utilizarem IP (mediana de 4 e 5 pontos para os avaliadores 1 e 2, respectivamente), distantes dos valores teóricos de 7,2 pontos sugeridos pela literatura.(3,20) Como os resultados obtidos pelos dois avaliadores foram altamente concordantes usando uma nota de corte menor que 4 pontos, sugerindo boa acurácia do escore, pode-se inferir que os observadores classificaram muitos pacientes como aptos para o uso do IP apesar de não terem atingido a pontuação mínima prevista em teoria (20% de 9 pontos máximos). Isso reforça a necessidade de reavaliação do uso do inalador a cada consulta e a utilização sequencial desse escore em uma grande amostra populacional.
Estes novos escores permitirão a execução de programas educacionais, propostos em diretrizes e estratégias para o tratamento da asma.(15,30,31) Segundo esses documentos, os pacientes precisam receber treinamento contínuo sobre a técnica de inalação para que se possa garantir a utilização correta do inalador. O farmacêutico, por meio da atenção farmacêutica, pode orientar o paciente quanto ao manejo dos dispositivos para inalação e, ao utilizar nossos escores, pode quantificar os acertos/erros e mensurar se o paciente alcança e mantém o ideal de 80% de correção na técnica ao longo do programa de educação. Os escores no presente estudo demonstraram ser capazes de especificar em qual passo os pacientes estão errando, permitindo direcionar o programa educativo durante o acompanhamento sem repetir o que paciente já sabe.
A inalação é a via mais utilizada para o tratamento da asma, e a realização de uma técnica correta na utilização dos dispositivos está diretamente relacionada à eficácia terapêutica do medicamento. Sendo assim, a execução correta da técnica de inalação é essencial para que o tratamento farmacológico seja eficaz.(3) Acreditamos que o presente estudo, ao validar escores objetivos para o uso de IP e de IPo que especificam as maiores dificuldades encontradas pelos pacientes no uso dos dispositivos e uma nota de corte, assim como classifica os pacientes como aptos a utilizar seus inaladores ou não, pode ser de relevância clínica. O profissional de saúde será capaz, por meio desses escores validados, de identificar e corrigir os erros do paciente ao longo das consultas e, consequentemente, melhorar o manejo dos inaladores.
AgradecimentosAgradecemos a Tamara Ferreti, Edilma Reis e o setor de Farmácia Clínica da Divisão de Farmácia do Instituto Central da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo a colaboração na realização do presente estudo.
Referências1. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma 2012. J Bras Pneumol. 2012;38(Suppl 1):S1-S46.
2. Sarinho E, Queiroz GR, Dias ML, Queiroz e Silva AJ. Asthma-related hospitalizations and lack of outpatient follow-up treatment. J Bras Pneumol. 2007;33(4):365-71. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132007000400004
3. Santos Dde O, Martins MC, Cipriano SL, Pinto RM, Cukier A, Stelmach R. Pharmaceutical care for patients with persistent asthma: assessment of treatment compliance and use of inhaled medications. J Bras Pneumol. 2010;36(1):14-22.
4. Newman SP. Aerosol deposition considerations in inhalation therapy. Chest. 1985;88(2 Suppl):152S-160S. http://dx.doi.org/10.1378/chest.88.2.152S
5. Coelho AC, Souza-Machado A, Leite M, Almeida P, Castro L, Cruz CS, et al. Use of inhaler devices and asthma control in severe asthma patients at a referral center in the city of Salvador, Brazil. J Bras Pneumol. 2011;37(6):720-8.
6. Prabhakaran L, Lim G, Abisheganaden J, Chee CB, Choo YM. Impact of an asthma education programme on patients' knowledge, inhaler technique and compliance to treatment. Singapore Med J. 2006;47(3):225-31.
7. Inhaler Error Steering Committee, Price D, Bosnic-Anticevich S, Briggs A, Chrystyn H, Rand C, et al. Inhaler competence in asthma: common errors, barriers to use and recommended solutions. Respir Med. 2012;107(1):37-46.
8. Virchow JC, Crompton GK, Dal Negro R, Pedersen S, Magnan A, Seidenberg J, et al. Importance of inhaler devices in the management of airway disease. Respir Med. 2008;102(1):10-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2007.07.031
9. Oliveira PD, Menezes AM, Bertoldi AD, Wehrmeister FC, Macedo SE. Assessment of inhaler techniques employed by patients with respiratory diseases in southern Brazil: a population-based study. J Bras Pneumol. 2014;40(5):513-20. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000500007
10. Giraud V, Roche N. Misuse of corticosteroid metered-dose inhaler is associated with decreased asthma stability. Eur Respir J. 2002;19(2):246-51. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.02.00218402
11. Heaney LG, Horne R. Non-adherence in difficult asthma: time to take seriously. Thorax. 2012;67(3):268-70. http://dx.doi.org/10.1136/thoraxjnl-2011-200257
12. Manzella BA, Brooks CM, Richards JM Jr, Windsor RA, Soong S, Bailey WC. Assessing the use of metered dose of inhalers by adults with asthma. J Asthma. 1989;26(4):223-30. http://dx.doi.org/10.3109/02770908909073253
13. Leal OM. Análise de fatores potencialmente agravantes da asma brônquica em pacientes tratados com corticoesteróides sistêmicos (thesis). São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1998.
14. Pasquali L. Psychometrics. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(spe):992-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342009000500002
15. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention. Bethesda: National Institutes of Health, National Heart, Lung, and Blood Institute; 2014.
16. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. III Consenso Brasileiro de Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2002;28(Suppl 1):S1-S57.
17. Camelier A, Rosa FW, Salmi C, Nascimento OA, Cardoso F, Jardim JR. Using the Saint George's Respiratory Questionnaire to evaluate quality of life in patients with chronic obstructive pulmonary disease: validating a new version for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2006;32(2):114-22. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132006000200006
18. Borges MC, Ferraz E, Pontes SM, Cetlin Ade C, Caldeira RD, Silva CS, et al. Development and validation of an asthma knowledge questionnaire for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2010;36(1):8-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132010000100004
19. Roxo JP, Ponte EV, Ramos DC, Pimentel L, D'Oliveira Júnior A, Cruz AA. Portuguese-language version of the Asthma Control Test. J Bras Pneumol. 2010;36(2):159-66. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132010000200002
20. Delgado AB, Lima ML. Contributo para a validação concorrente de uma medida de adesão aos tratamentos. Psicol Saude Doenças. 2001;2(2):81-100.
21. Tommelein E, Mehuys E, Van Hees T, Adriaens E, Van Bortel L, Christiaens T, et al. Effectiveness of pharmaceutical care for patients with chronic obstructive pulmonary disease (PHARMACOP): a randomized controlled trial. Br J Clin Pharmacol. 2014;77(5):756-66. http://dx.doi.org/10.1111/bcp.12242
22. Basheti IA, Bosnic-Anticevich SZ, Armour CL, Reddel HK. Checklists for powder inhaler technique: a review and recommendations. Respir Care. 2014;59(7):1140-54. http://dx.doi.org/10.4187/respcare.02342
23. Laube BL, Janssens HM, de Jongh FH, Devadason SG, Dhand R, Diot P, et al. What the pulmonary specialist should know about the new inhalation therapies. Eur Respir J. 2011;37(6):1308-31. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00166410
24. Dalcin Pde T, Grutcki DM, Laporte PP, Lima PB, Menegotto SM, Pereira RP. Factors related to the incorrect use of inhalers by asthma patients. J Bras Pneumol. 2014;40(1):13-20. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132014000100003
25. McFadden ER Jr. Improper patient techniques of metered dose inhalers: clinical consequences and solutions to misuse. J Allergy Clin Immunol. 1995;96(2):278-83. http://dx.doi.org/10.1016/S0091-6749(95)70206-7
26. Souza LS. Aerossolterapia na asma da criança. J Pediatr (Rio J). 1998;74(3):189-204. http://dx.doi.org/10.2223/JPED.428
27. Fink JB, Rubin BK. Problems with inhaler use: a call for improved clinician and patient education. Respir Care. 2005;50(10):1360-74; discussion 1374-5.
28. Sandrini A, Jacomossi A, Farensin SM, Fernandes AL, Jardim JR. Aprendizado do uso do inalador dosimetrado após explicação por pneumologista. J Pneumol. 2001;27(1):7-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-35862001000100003
29. Souza ML, Meneghini AC, Ferraz E, Vianna EO, Borges MC. Knowledge of and technique for using inhalation devices among asthma patients and COPD patients. J Bras Pneumol. 2009;35(9):824-31. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132009000900002
30. Lavorini F, Magnan A, Dubus JC, Voshaar T, Corbetta L, Broeders M, et al. Effect of incorrect use of dry powder inhalers on management of patients with asthma and COPD. Respir Med. 2008;(102):593-604. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2007.11.003
31. British Thoracic Society [homepage on the Internet]. London: British Thoracic Society [cited 2014 Mar 12]. British Guideline on the management of asthma. 2012. Available from: www.brit-thoracic.org.uk/