ABSTRACT
For early-stage lung cancer, the treatment of choice is surgery. In patients who are not surgical candidates or are unwilling to undergo surgery, radiotherapy is the principal treatment option. Here, we review stereotactic body radiotherapy, a technique that has produced quite promising results in such patients and should be the treatment of choice, if available. We also present the major indications, technical aspects, results, and special situations related to the technique.
Keywords:
Radiation oncology; Lung neoplasms/radiotherapy; Lung neoplasms/surgery; Respiratory function tests.
RESUMO
O tratamento de escolha para o câncer de pulmão em estádio inicial é a cirurgia. Para os pacientes sem condições clínicas ou que recusam a cirurgia, a radioterapia é a principal opção terapêutica. Apresentamos uma revisão sobre radioterapia estereotáxica extracraniana, uma técnica que vem apresentando resultados bastante promissores nesse grupo de pacientes e que, se disponível, deve ser o tratamento de escolha. Também são apresentados as principais indicações, os aspectos técnicos, resultados e situações especiais relacionados à técnica.
Palavras-chave:
Radioterapia (especialidade); Neoplasias pulmonares/radioterapia; Neoplasias pulmonares/cirurgia; Testes de função respiratória.
IntroduçãoO câncer de pulmão é o de maior incidência no mundo, considerando ambos os sexos, e é responsável também pelo maior número de mortes por câncer.(1) Esse fato provavelmente se deve ao grande número de casos diagnosticados em estádios avançados. A doença diagnosticada em estádio inicial, passível de ressecção cirúrgica, varia de 20% a 25% dos casos. Entre esses casos, 20-30% dos pacientes não apresentam condições clínicas para serem submetidos à cirurgia ou, ainda, recusam o procedimento cirúrgico.(2) A mediana de sobrevida para tumores T1 e T2 não tratados é de apenas 13 e 8 meses, respectivamente, com taxa de sobrevida câncer específica em 5 anos de 16%.(3) Portanto, a intervenção terapêutica pode ser justificada nesse grupo de pacientes inoperáveis, sendo a radioterapia a alternativa tradicional.
A radioterapia convencional é realizada com fracionamento de 1,8-2,0 Gy/dia até doses totais de 60-70 Gy, correspondendo a mais de seis semanas de tratamento. Podem ser utilizadas técnicas diversas, desde as mais simples, bidimensionais, até as mais sofisticadas, como a tridimensional e intensity-modulated radiation therapy (radioterapia com modulação da intensidade do feixe). Entretanto, os resultados de radioterapia convencional no estádio I são bem inferiores aos de cirurgia, podendo alcançar taxas de recidiva local de até 70%.(4-6)
Na tentativa de melhorar os resultados, os estudos de escalonamento de dose com fracionamento convencional envolveram geralmente doença localmente avançada e apresentaram resultados controversos em relação a seu benefício; porém, esses resultados foram consistentes em relação ao aumento da toxicidade.(7-9) Para o câncer de pulmão em estádios iniciais, outra estratégia, que é o foco da presente revisão, foi unir técnicas de localização estereotáxica com hipofracionamentos de alta dose. Em geral, são utilizadas de 1 a 5 aplicações (frações) em um período menor que duas semanas.
Inicialmente empregada no tratamento de tumores do sistema nervoso central, onde popularmente é conhecida como radiocirurgia, o uso de radioterapia estereotáxica tem se destacado pelos resultados promissores desde a primeira publicação em 1995(10) e, nos últimos anos, tem sido considerada o tratamento preferencial para o carcinoma pulmonar de células não pequenas (CPCNP) nos estádios iniciais e clinicamente inoperáveis.(11)
A denominação desse tratamento apresenta diferenças regionais, mas não de princípio. Na América do Norte, é comumente chamada de stereotactic body radiotherapy (SBRT, radioterapia estereotáxica extracraniana ou corpórea), enquanto, na Europa, é conhecida como stereotactic ablative radiotherapy (radioterapia estereotáxica ablativa). O termo radiocirurgia permanece sendo usado, em especial pela mídia e pelos pacientes.
Aspectos biológicos da alta doseUma das principais características da radioterapia estereotáxica é o uso de doses consideradas ablativas em poucas frações e reconhecidas por biological equivalent dose (BED) > 100 Gy. A BED é um formalismo matemático que considera a dose por fração de radioterapia, o número de frações, o tempo total de tratamento e a radiossensibilidade dos tecidos. Por meio da BED, calculam-se as doses biologicamente equivalentes entre os diferentes esquemas de fracionamento da radioterapia, uma vez que a dose total nominal não traduz completamente o efeito biológico no tumor.
O uso de doses ablativas em lesões neoplásicas, além de proporcionar danos celulares diretos e indiretos, impede a repopulação tumoral. Somam-se a isso efeitos como o dano à vasculatura, que gera apoptose endotelial e desarranjo da microvasculatura, e uma provável indução de resposta imune contra o tumor pelo uso de altas doses por fração.(12)
Na SBRT de lesões pulmonares as taxas de controle local estão relacionadas à BED empregada. Em uma análise secundária de alguns estudos retrospectivos sobre a implicação clínica do uso de SBRT, melhores taxas de controle local ou de sobrevida estavam relacionadas a tratamentos com BED alta (BED ≥ 100 Gy10) quando comparada com BED < 100 Gy10.(13,14)
Aspectos técnicos da SBRTDe acordo com Timmerman et al.,(15) a toxicidade de doses ablativas está relacionada às doses num raio de 0 a 3 cm ao redor das margens do volume alvo. Pode-se imaginar, assim, uma espécie de "casca" em volta do tumor que constitui o volume de tecido normal lesado, o que resultará eventualmente em toxicidade. Portanto, baixos níveis de toxicidade com o uso da SBRT dependem, essencialmente, da redução do volume dessa casca - o que pode ser alcançado com alta conformação da alta dose em volta do alvo e uma rápida queda nos níveis de dose ao redor dele (definido como alto gradiente de dose).
A prática da SBRT requer um alto nível de confiança na acurácia ao longo de todas as etapas do processo do tratamento. Tal acurácia é alcançada a partir da integração de tecnologias modernas de imagem, simulação, planejamento e entrega de dose, continuando, inclusive, durante a aplicação do tratamento (Figura 1).
O processo é iniciado com a confecção de um dispositivo de imobilização cujo objetivo é minimizar a movimentação do paciente durante o tratamento (movimentação intrafração). Além disso, a imobilização facilita reproduzir o posicionamento ao longo dos dias de tratamento (movimentação interfração).
O próximo passo é a aquisição de imagem de TC com o paciente na posição de tratamento. A partir dessa imagem, é criado um modelo tridimensional que será a base para o planejamento da radioterapia. Nessa fase do processo deve ser avaliada e levada em conta a movimentação interna do tumor devido à respiração, de forma a individualizar a margem de tratamento.
O estudo da movimentação do tumor pode ser feito por meio de TC em quatro dimensões, atual padrão ouro. Porém, o uso de TCs seriadas é também aceitável.
Dependendo de quão grande é a amplitude de movimentação do alvo, englobar toda essa região como volume de tratamento pode ser demasiadamente tóxico. Assim, pode-se optar pelo gerenciamento da movimentação respiratória. Dentre as técnicas disponíveis estão compressão abdominal, sincronização da emissão da radiação com a fase do ciclo respiratório (gating) ou movimentação do feixe de radiação de forma a perseguir a trajetória de movimento do tumor em tempo real (tracking).
Na etapa do planejamento, após a definição dos alvos, múltiplos campos de tratamento e alta conformação da dose em torno do volume alvo são obtidos, e um conjunto de objetivos específicos é determinado por protocolos; por exemplo, Radiation Therapy Oncology Group (RTOG) 0236(16) e RTOG 0813,(17) com os quais esses objetivos são avaliados levando em conta a tolerância dos órgãos vizinhos.
Para a execução do tratamento, é mandatório que o paciente seja posicionado por meio de coordenadas 3D da posição do tumor alvo (conceito de estereotaxia). Isso é alcançado com o uso de técnicas de radioterapia guiada por imagem que possibilitem a visualização do tumor ou de marcadores implantados no momento do tratamento. Essa tecnologia permite reduzir de forma significativa erros geométricos inerentes à radioterapia convencional, relacionados ao posicionamento de pacientes.
A SBRT pode ser realizada com aceleradores lineares, com recursos que permitam a monitoração da movimentação do alvo ou, ainda, com equipamentos especialmente desenhados para o procedimento, como o CyberKnife® (Accuray Inc., Sunnyvale, CA, EUA), por exemplo. Os resultados do tratamento são semelhantes, independente do equipamento utilizado.
Indicações atuais da SBRT e resultadosPacientes com CPCNP nos estádios I e II, que não apresentam comprometimento linfonodal e que são clinicamente inoperáveis são a população alvo para essa técnica de tratamento. São descritos tratamentos de tumores com até 10 cm de diâmetro; porém, os tumores apresentam, em média, 3 cm de diâmetro, sendo consensual o tratamento de lesões ≤ 5 cm. Além desses, casos de recidiva tumoral e lesões metastáticas também podem ser tratados com SBRT.(13)
Inicialmente, os principais estudos que avaliaram a utilização da SBRT em lesões pulmonares (CPCNP em estádio inicial) englobavam o tratamento de lesões centrais e periféricas. No entanto, os perfis de eventos adversos mostravam-se diferentes, e os dados obtidos favoreciam o grupo de lesões periféricas.(18-20)
Lesões periféricasDiversas séries retrospectivas mostraram controle local superior a 80% e baixo perfil de toxicidade em tumores pequenos (T1 e T2) e periféricos (Tabela 1).(18,21-26)
O estudo multicêntrico de fase II do RTOG 0236 recrutou 52 pacientes com CPCNP inoperáveis, estadiados como T1-3 (< 5 cm) e tratados com 60 Gy em 3 frações. Os resultados em longo prazo mostraram uma sobrevida livre de doença de 26% e uma sobrevida global de 40% após um seguimento mediano de 4 anos. Além disso, apenas 7% dos pacientes apresentaram recorrência no local do tumor primariamente irradiado; porém, houve recorrência locorregional de 13% em 3 anos. Toxicidades de graus 3 e 4 foram encontradas em 15 e 2 pacientes, respectivamente, sem relatos de toxicidade de grau 5.(27)
Em um segundo estudo (RTOG 0618), 33 pacientes operáveis em estádios T1-3N0 foram tratados com a mesma dose e fracionamento do estudo anterior. Apresentaram falha local de 8% em 2 anos.(28)
Um interessante estudo observacional na Holanda sugere que o advento da SBRT em idosos trouxe uma maior sobrevida nos pacientes inoperáveis em estádio I quando comparados a grupos históricos nos quais os pacientes eram preferencialmente apenas observados.(29)Nas lesões consideradas periféricas, existe um maior risco de toxicidade em parede torácica, manifestando-se como dor ou fratura de costela.(30) Quando a lesão é apical, existe um risco aumentado de plexopatia braquial.(31) Recentemente, o melhor conhecimento da tolerância e dos limites de dose nessas estruturas tem diminuído o risco dessas complicações.(32)
Lesões centraisO uso de SBRT em lesões centrais de pulmão (Figura 2) passou a ser questionado após a publicação inicial dos resultados da Universidade de Indiana, que mostrou taxas de toxicidade grave em 3 anos de 17% e 46% para lesões periféricas e centrais, respectivamente, com 6 óbitos relacionados ao tratamento de lesões centrais.(33,34).
Com isso, sugeriu-se que, para lesões centrais, o uso de um maior número de frações (5 ou mais) com menor dose por fração seria mais adequado e seguro. Recomendou-se uma avaliação rigorosa dos limites de dose em órgãos e estruturas normais adjacentes, assim como o uso de métodos mais consistentes de imagem para se avaliar o tumor e sua movimentação durante o ciclo respiratório.(35)
Em estudos mais recentes, lesões centrais foram avaliadas separadamente, sendo reportada baixa incidência de toxicidade, com ótimos resultados de desfechos clínicos (Tabela 2).(36-42)
Haasbeek et al., na Holanda, reportaram os dados de 63 pacientes tratados com 8 frações de 7,5 Gy em 37 lesões hilares e em 26 próximas ao pericárdio ou mediastino, comparando seus resultados aos de pacientes tratados por lesões periféricas. Em um seguimento de 35 meses, não foi observada toxidade de graus 4/5, e toxicidade tardia de grau 3 foi observada em apenas 4 pacientes (dor torácica em 2 e piora da dispneia em 2). A sobrevida global e as taxas de controle local em 3 anos favoreceram os pacientes do grupo de lesões centrais em relação às lesões periféricas: 64,3% e 51,1% (p = 0,09) e 92,6% e 90,2% (p = 0,9), respectivamente.(36)
Devido ao fato de a toxicidade ser sempre uma preocupação em lesões centrais, um grupo de pesquisadores publicou uma revisão sistemática na qual avaliaram 20 estudos e 563 lesões pulmonares centrais tratadas com SBRT. Foram relatadas toxicidade de graus 3/4 em 8,6% dos casos e mortalidade relacionada ao tratamento de 2,7%; ainda que baixas, essas foram maiores que as observadas no tratamento de lesões periféricas. Aquela revisão também reportou controle local de 60-100% e sobrevida global de 50-75% entre 2 e 3 anos.(43)
Na Tabela 3(36-42) estão resumidos os dados sobre toxicidade da SBRT em lesão centrais, e a Tabela 4(43-49) apresenta os esquemas de tratamento utilizados em estudos que não apresentaram nenhuma toxicidade de grau 3/4.(36)
Dessa forma, a SBRT parece ser segura e efetiva para pacientes com CPCNP em estádio inicial, sendo a melhor opção de tratamento para pacientes inoperáveis, tanto com lesões periféricas quanto centrais.
SBRT em pacientes com CPCNP estádio clínico I e sem comprovação histológica de câncerÉ prática comum que pacientes com nódulo pulmonar solitário sejam encaminhados para toracotomia terapêutica sem confirmação histológica prévia. Em um estudo prospectivo que avaliou a adição de positron emission tomography (PET, tomografia por emissão de pósitrons) aos exames convencionais de estadiamento, a taxa de toracotomias "fúteis" por achado benigno foi menor que 10%.(50)
É possível estimar a probabilidade de malignidade de um nódulo pulmonar isolado através da idade, diâmetro do nódulo, história de tabagismo, característica espiculada, lobo de localização e valor padronizado de captação por PET.(51) Segundo diretrizes do American College of Chest Physicians, recomenda-se a cirurgia sem diagnóstico histológico em pacientes com probabilidade de malignidade maior que 60%.(52)
Além disso, as dificuldades técnicas e as complicações relacionadas à biópsia, embora baixas, podem ser determinantes numa população de pacientes sem condições clínicas para a cirurgia e encaminhados para SBRT.
Um dos temas mais controversos em SBRT para o tratamento de CPCNP em estádio I é o fato de que algumas séries europeias incluíram uma proporção considerável de pacientes sem confirmação histológica. No caso de uma numerosa série na Holanda (n = 676), na qual todos os pacientes foram estadiados com PET, 65% não tiveram diagnóstico histológico.(24) Em uma comparação desses pacientes entre duas coortes (com e sem comprovação histológica), não houve diferenças entre essas quanto a controle local e sobrevida, sugerindo que a eventual inclusão de lesões benignas não superestimou viciosamente os resultados.(53)
Nos últimos anos, o vertiginoso aumento do emprego da SBRT em pacientes no estádio I nos EUA vem acompanhado de um crescente número de pacientes tratados com diagnóstico apenas clínico, embora ainda restrito a menos de 10% dos casos, indicando uma possível mudança de paradigma em um futuro próximo.(54)
Um modelo foi proposto por grupos americanos e europeus para o uso apropriado da SBRT em pacientes com nódulo pulmonar solitário e comorbidades que pesam sobre as complicações da biópsia, recomendando seu uso sem confirmação patológica quando a probabilidade de câncer for maior que 85%.(55)
SBRT em pacientes com múltiplos tumores, com segundo tumor primário ou com tratamentos préviosEssas situações, embora distintas, preocupam pelo potencial aumento do risco de complicações, especialmente pela sobreposição de dose de diferentes tratamentos ou de uma menor "reserva" pulmonar em pacientes operados.
Os estudos, todos retrospectivos, não separam claramente essas situações. Porém, tanto múltiplos tumores primários de pulmão ou segundo tumor primário (sejam sincrônicos, sejam metacrônicos), quanto recidivas exclusivamente locais, após tratamento com radioterapia convencional ou cirurgia, são potencialmente curáveis, como demonstram algumas séries.(56-58)
Pesquisadores do MD Anderson Cancer Center (EUA) publicaram duas séries a esse respeito.(59,60) A primeira avaliou 101 pacientes com múltiplos tumores primários, sincrônicos ou metacrônicos, tratados inicialmente com cirurgia, SBRT ou radioterapia convencional e que obrigatoriamente receberam SBRT no tratamento do segundo tumor. Os achados mostraram resultados promissores de controle local, sobrevida e toxicidade. Pacientes que receberam radioterapia convencional prévia tiveram uma incidência de pneumonite seis vezes maior do que aqueles que não a receberam. Pacientes com tumores metacrônicos tiveram uma sobrevida maior.(59) A segunda série confirmou maior toxicidade da SBRT no tratamento de recidiva intratorácica em 36 pacientes que receberam radioterapia torácica previamente, para doença localizada ou avançada (dose média de 61 Gy); 30% dos pacientes apresentaram complicações de grau 3.(60)
Um grupo de autores publicou os resultados do uso da SBRT em 15 pacientes com segundo tumor primário (novo estádio I) que foram submetidos a pneumectomia para o tumor inicial, metade deles com DPOC grave. Apenas 2 pacientes desenvolveram complicações de grau 3, enquanto a sobrevida em 1 ano foi de 90%, mostrando que a SBRT é uma opção segura de tratamento.(61)
Diante desses achados, a SBRT emerge como uma arma terapêutica promissora em pacientes com múltiplas lesões pulmonares, sincrônicas ou metacrônicas, e sem evidência de disseminação regional ou à distância. Entretanto, a SBRT deve ser usada com reservas em pacientes que receberam radioterapia externa previamente, com fracionamento convencional e doses radicais.
SBRT em pacientes operáveisPacientes com câncer de pulmão em estádio I são candidatos a tratamento curativo e podem ser divididos em três grandes grupos: 1) baixo risco cirúrgico, que são normalmente tratados por lobectomia; 2) alto risco cirúrgico, tratados com ressecção sublobar (segmentar ou em cunha) ou SBRT; e 3) clinicamente inoperáveis, tratados com radioterapia externa ou SBRT.
Não existem estudos randomizados comparando o tratamento por cirurgia ao uso de SBRT para pacientes operáveis (grupos 1 ou 2); portanto, apenas dados comparando estudos prospectivos ou séries de pacientes estão disponíveis.
Considerando os casos de operabilidade limítrofe e que seriam submetidos a uma cirurgia mais conservadora (grupo 2), uma análise de 19 estudos que relatam resultados de SBRT ou de ressecção sublobar foi publicada em 2013.(62) A SBRT promove altos índices de controle local (90%), semelhantes aos obtidos com a lobectomia, que, por sua vez, é superior à ressecção sublobar. Quando comparada com a ressecção sublobar, a SBRT apresenta menores índices de recidiva local que a ressecção sublobar (4% vs. 20%; p = 0,07) e menor toxicidade.
Da mesma forma, para pacientes de baixo risco cirúrgico, considerados operáveis, os dados disponíveis são apenas comparativos entre estudos, além de outros que avaliaram exclusivamente pacientes que se enquadrariam no grupo 1, mas que recusaram cirurgia e foram submetidos à SBRT. Existem pelo menos três relatos sobre esse tema, compilando um total de 264 pacientes, com mediana de idade de 76 anos. O controle local foi de 93% para tumores T1 e de 73% para os T2. A sobrevida em 3 anos foi semelhante àquela observada com o tratamento cirúrgico e a sobrevida em 5 anos foi de 72% e 62%, respectivamente, para tumores T1 e T2. A recidiva regional e à distância foi de 20%.(14,63,64)
Uma meta-análise que selecionou estudos publicados entre 2000 e 2012 comparou diretamente os resultados do tratamento com SBRT ou com cirurgia em pacientes com CPCNP operáveis (estádio I). Foram selecionados 40 estudos (30 retrospectivos), somando 4.850 pacientes tratados com SBRT e 23 estudos (todos retrospectivos), totalizando 7.051 pacientes tratados com cirurgia. O grupo de tratados com SBRT apresentou mediana de idade de 74 anos, enquanto, para o grupo de tratados com cirurgia, essa foi de 66 anos. Nos grupos SBRT e cirurgia, a mediana de tempo de seguimento foi de 28 e 37 meses, respectivamente. As sobrevidas em 1, 3 e 5 anos, respectivamente, foram menores para o grupo SBRT (83,4%, 56,6% e 41,2%), comparadas ao grupo tratado com lobectomia (92,5%, 77,9% e 66,1%) e ao grupo tratado com ressecções limitadas (93,2%, 80,7% e 71,7%). Ajustando para a proporção de pacientes operáveis e idade, ambos os métodos terapêuticos apresentaram sobrevida global e sobrevida livre de doença semelhantes. Portanto, é evidente que existe uma seleção de pacientes submetidos a um ou a outro tratamento, sendo os mais idosos submetidos à SBRT e os mais jovens e em melhores condições clínicas, à cirurgia.(65)
Em vista dos ótimos resultados obtidos com a SBRT para o câncer de pulmão em estádio inicial, a ideia de substituir o tratamento cirúrgico, que é o padrão, por essa técnica não invasiva deu origem a alguns estudos randomizados para comparar a SBRT com a cirurgia.(66-68) Apesar dos esforços dos investigadores, todos esses estudos foram fechados precocemente devido ao baixo recrutamento. Não se sabe se esse fato fora relacionado à falta de encaminhamento dos pacientes para os respectivos estudos ou pela recusa dos mesmos em participar da randomização.
Enfim, os investigadores dos dois primeiros estudos(66,67) uniram os dados levantados até então, e os resultados foram publicados por ocasião da presente revisão.(69) Foram analisados 58 pacientes operáveis (31 tratados com SBRT e 27 com cirurgia), portadores de CPCNP estádio T1-2aN0M0, com tumor < 4 cm. A mediana de seguimento foi de 40,2 meses para o grupo SBRT e de 35,4 meses para o grupo cirurgia. Apenas 1 paciente do grupo SBRT faleceu contra 6 do grupo cirurgia. A sobrevida global estimada para 3 anos foi de 95% e 79% nos grupos SBRT e cirurgia, respectivamente (hazard ratio = 0,14; IC95%: 0,017-1,190; p = 0,037). A sobrevida livre de recorrência em 3 anos foi de 86% e 80%, respectivamente, nos grupos SBRT e cirurgia (hazard ratio = 0,69; IC95%: 0,21-2,29; p = 0,54). Eventos adversos de grau 3 relacionados ao tratamento foram observados em 3 pacientes (10%) do grupo SBRT, sem nenhum evento grau 4. No grupo cirurgia, 1 paciente (4%) foi a óbito por complicações cirúrgicas, e 12 (44%) apresentaram eventos adversos graus 3/4 relacionados ao tratamento. Os autores concluíram que o tratamento com SBRT é, no mínimo, equivalente ao com cirurgia em relação a sobrevida e controle local, apresentando menor toxicidade. No entanto, os autores reiteraram que estudos com maior casuística devem ser realizados para corroborarem esses resultados.
SBRT em pacientes com função pulmonar ruim ou DPOC graveOs candidatos à SBRT por câncer de pulmão são, na sua maioria, pacientes que não apresentam condições clínicas para cirurgia; portanto, a avaliação do impacto que essa técnica possa trazer na toxicidade pulmonar desse grupo de indivíduos deve ser considerada.
São diversos os estudos que avaliaram as alterações da função pulmonar em pacientes submetidos à SBRT. De maneira geral, o que se observa é uma diminuição do VEF1 e da DLCO, que podem se intensificar com o tempo,(65,69,70) porém sem impacto na qualidade de vida ou sobrevida dos pacientes.(70-76) Em apenas um desses estudos,(72) pacientes com baixo índice de massa corpórea, alto volume pulmonar recebendo SBRT de 20 Gy e CVF pré-tratamento elevada foram preditores para uma queda da CVF > 10%. Nos demais, nenhum fator de risco para toxicidade pulmonar, tanto clínico quanto técnico, foi identificado.
Os resultados da função pulmonar de 55 pacientes incluídos no protocolo RTOG 0236(73) e que receberam SBRT para tumores periféricos mostraram um decréscimo de 5,8% no VEF1 e de 6,3% na DLCO após 2 anos de seguimento. Não houve alterações importantes na saturação de oxigênio e gasometria arterial. Da mesma forma que nos outros estudos, a prova de função pulmonar anterior ao tratamento não foi preditiva de nenhum efeito pulmonar tardio, nem os parâmetros dosimétricos analisados. Outrossim, os pacientes com contraindicação cirúrgica devido a função pulmonar ruim apresentaram maior sobrevida quando comparados àqueles com função pulmonar basal adequada, mas sem condições para cirurgia por comorbidade cardíaca. Esse achado já havia sido descrito por Stephans et al.,(74) que fizeram uma avaliação funcional de 92 pacientes clinicamente inoperáveis submetidos à SBRT. É interessante notar que, em pacientes com DPOC grave, a diminuição do VEF1 e da DLCO podem não ser significativas, ao contrário de pacientes com função normal ou DPOC leve ou moderada, nos quais o decréscimo é mais evidente.(72) Outro achado interessante descrito na avaliação funcional de 30 pacientes submetidos à SBRT foi que os pacientes sem DPOC (n = 23) apresentaram maior regressão tumoral e melhora da DLCO em comparação àqueles com DPOC (n = 7).(73)
Uma revisão específica sobre o tema avaliou estudos nos quais pacientes com DPOC grave (VEF1/CVF < 70% e VEF1 ≤ 50%) foram submetidos a SBRT ou cirurgia.(76) Mesmo com a seleção desfavorável de pacientes para SBRT em relação a cirurgia, os resultados foram comparáveis entre as duas modalidades: controle local ou locorregional de ≥ 89% e taxas de sobrevida em 1 e 3 anos, respectivamente, de 79-95% e 43-70% para SBRT e de 45-86% e 31-66% para cirurgia. Além disso, a SBRT não requer hospitalização e, ao contrário da cirurgia, que apresentou 10% de mortalidade em 30 dias, não foram descritos óbitos em 30 dias após o uso da SBRT nessa população.
Dessa forma, existe um consenso de que a função pulmonar ruim por si só não é uma contraindicação para o procedimento. Na verdade, é nesse grupo de pacientes que a SBRT está especialmente indicada. Cumpre ressaltar, no entanto, que características individuais devem ser consideradas nessa indicação, como, por exemplo, tamanho e localização da lesão, presença de outras comorbidades e estado de desempenho do paciente.
Estudos em andamentoRTOG-0813(77): estudo de fase II, avaliando o escalonamento de dose em tumores localizados centralmente, menores que 5 cm (T1-2N0M0), para determinar a dose máxima e o perfil de toxicidade para o tratamento em 5 frações com SBRT. O protocolo também pretende definir taxas de controle local, sobrevida global e sobrevida livre de progressão em um contexto de avaliação multi-institucional. A fase de recrutamento já foi completada, mas ainda sem resultados publicados.
RTOG-0915(78): estudo de fase II, em pacientes com CPCNP estádio I, considerados clinicamente inoperáveis. Os pacientes são randomizados para receber 34 Gy em uma aplicação ou 48 Gy em quatro aplicações.
Considerações finais1. A SBRT é uma opção terapêutica eficiente para CPCNP em estádios iniciais (Estádio T1/T2N0) e lesões menores que 5 cm.
2. Pacientes sem condições clínicas para cirurgia representam a principal população estudada. Entretanto, para pacientes que recusam cirurgia, essa opção de tratamento deve ser oferecida.
3. Tumores periféricos e centrais podem receber SBRT, com diferença apenas no fracionamento da dose.
4. Pacientes com lesões múltiplas ou irradiação prévia devem ser avaliados para SBRT.
5. Função pulmonar limitada e idade avançada não representam contraindicações para o procedimento.
6. O tratamento sem diagnóstico histopatológico de neoplasia pode ser indicado em situações especiais, a critério clínico, quando não for possível a biópsia.
7. O risco de toxicidade deve ser balanceado individualmente de acordo com a localização da lesão e o prognóstico do paciente.
8. O fechamento precoce de estudos randomizados comparando SBRT a cirurgia para pacientes operáveis demonstra a dificuldade de se realizar estudos de fase III sobre o tema. No entanto, as evidências originadas da união de dois desses estudos demonstram que a SBRT para pacientes operáveis pode ser, no mínimo, equivalente à cirurgia, tanto em relação a controle local quanto sobrevida, apresentando ainda menor toxicidade.
9. A avaliação multidisciplinar é fundamental na decisão terapêutica, no tratamento e no seguimento desses pacientes.
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