ABSTRACT
Objective: To identify the main predictive factors for obtaining a diagnosis of obstructive sleep apnea (OSA) in patients awaiting bariatric surgery. Methods: Retrospective study of consecutive patients undergoing pre-operative evaluation for bariatric surgery and referred for in-laboratory polysomnography. Eight variables were evaluated: sex, age, neck circumference (NC), BMI, Epworth Sleepiness Scale (ESS) score, snoring, observed apnea, and hypertension. We employed ROC curve analysis to determine the best cut-off value for each variable and multiple linear regression to identify independent predictors of OSA severity. Results: We evaluated 1,089 patients, of whom 781 (71.7%) were female. The overall prevalence of OSA-defined as an apnea/hypopnea index (AHI) ≥ 5.0 events/h-was 74.8%. The best cut-off values for NC, BMI, age, and ESS score were 42 cm, 42 kg/m2, 37 years, and 10 points, respectively. All eight variables were found to be independent predictors of a diagnosis of OSA in general, and all but one were found to be independent predictors of a diagnosis of moderate/severe OSA (AHI ≥ 15.0 events/h), the exception being hypertension. We devised a 6-item model, designated the NO-OSAS model (NC, Obesity, Observed apnea, Snoring, Age, and Sex), with a cut-off value of ≥ 3 for identifying high-risk patients. For a diagnosis of moderate/severe OSA, the model showed 70.8% accuracy, 82.8% sensitivity, and 57.9% specificity. Conclusions: In our sample of patients awaiting bariatric surgery, there was a high prevalence of OSA. At a cut-off value of ≥ 3, the proposed 6-item model showed good accuracy for a diagnosis of moderate/severe OSA.
Keywords:
Polysomnography; Sleep apnea, obstructive; Bariatric surgery.
RESUMO
Objetivo: Identificar os principais fatores preditivos para o diagnóstico de apneia obstrutiva do sono (AOS) em pacientes encaminhados para cirurgia bariátrica. Métodos: Estudo retrospectivo de pacientes consecutivos submetidos a avaliação pré-operatória de cirurgia bariátrica e referenciados para a realização de polissonografia em um laboratório do sono. Oito variáveis foram avaliadas: gênero, idade, circunferência do pescoço (CP), IMC, escore da escala de sonolência de Epworth (ESE), ronco, apneia observada e hipertensão. Utilizamos a análise de curvas ROC para determinar o melhor ponto de corte para cada variável e regressão linear múltipla para identificar preditores independentes de gravidade de AOS. Resultados: Foram avaliados 1.089 pacientes, dos quais 781 (71,7%) eram mulheres. A prevalência geral de AOS - definida como índice de apneia-hipopneia (IAH) ≥ 5,0 eventos/h - foi de 74,8%. Os melhores pontos de corte para CP, IMC, idade e escore da ESE foram 42 cm, 42 kg/m2, 37 anos e 10 pontos, respectivamente. Todas as oito variáveis foram preditoras independentes para o diagnóstico de AOS em geral e de AOS moderada/grave (IAH ≥ 15,0 eventos/h), exceto hipertensão para o diagnóstico de AOS moderada/grave. Elaboramos um modelo de seis itens, denominado NO-OSAS (acrônimo formado pelos seguintes itens em inglês: CP, obesidade, apneia observada, ronco, idade e gênero), com um ponto de corte ≥ 3 para identificar pacientes de alto risco. Para o diagnóstico de AOS moderada/grave, o modelo mostrou acurácia de 70,8%, sensibilidade de 82,8% e especificidade de 57,9%. Conclusões: Nesta amostra de pacientes encaminhados para cirurgia bariátrica, houve uma alta prevalência de AOS. O modelo proposto de seis itens, com um ponto de corte ≥ 3, apresentou boa acurácia para o diagnóstico de AOS moderada/grave.
Palavras-chave:
Polissonografia; Apneia do sono tipo obstrutiva; Cirurgia bariátrica.
INTRODUÇÃOA apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma doença importante, que afeta pelo menos 2% das mulheres e 4% dos ho-mens, em todo o mundo.(1) É um distúrbio respiratório relacionado ao sono, caracterizado por obstrução das vias aéreas superiores durante o sono, que resulta em um ciclo de hipoxemia, aumento do trabalho respiratório e microdespertares frequentes, sendo a obesidade o mais comum fator de risco conhecido.(2) Dados recentes mostram que no período 2011-2012, a prevalência de obesidade nos Estados Unidos era de 16,9% em juvenis e de 34,9% em adultos.(3) A obesidade é uma doença crônica que se tornou epidêmica nos Estados Unidos e em todo o mundo; é também um importante fator de risco para diversos distúrbios, inclusive a AOS.(4) Além disso, ao longo das últimas várias décadas, os critérios utilizados para a determinação da prevalência de AOS foram redefinidos,(5) principalmente porque a prevalência de obesidade continua a aumentar,(3) o que, por sua vez, aumenta a de AOS.
Na maioria dos casos, a cirurgia bariátrica resulta em perda de peso dramática e melhora significativa dos índices de distúrbios respiratórios do sono.(4) Além disso, a AOS é subdiagnosticada em uma proporção significativa de pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica. (6-10) A maioria dos programas de cirurgia bariátrica agora emprega a triagem de rotina para AOS em todos os pacientes, independentemente da presença ou não de queixas de sono, pois, anteriormente, a maioria dos casos de AOS não estava sendo diagnosticada antes do procedimento cirúrgico.(11) A cirurgia bariátrica reduz acentuadamente o peso corporal e diminui a gravidade das comorbidades associadas à obesidade, assim como diminui a da AOS.(12,13) Em todo o mundo, os critérios aceitos para cirurgia bariátrica incluem o seguinte(14,15): idade de 18-65 anos, IMC ≥ 40 kg/m2 ou ≥ 35 kg/m2 e presença de qualquer comorbidade relacionada à obesidade (hipertensão resistente, doença cardíaca estabelecida, osteoartrite degenerativa grave ou insuficiência respiratória). Embora a exata fisiopatologia da AOS em pacientes obesos permaneça pouco compreendida, pensa-se que a deposição de tecido adipo-so no pescoço estreita o lúmen das vias aéreas superiores, induzindo assim o seu colapso.(4,15)
A população do Brasil é composta por uma série de diferentes grupos étnicos, raciais e socioeconômicos. Em virtude do considerável grau de miscigenação no país, convém identificar as principais variáveis clínicas avaliadas na realização do diagnóstico de AOS em pacientes pertencentes a esses diversos grupos. Embora diversos estudos tenham mostrado que a AOS é bastante prevalente entre pacientes de cirurgia bariátrica, ainda faltam dados sobre os principais preditores clínicos de AOS nesses pacientes, especialmente para aqueles no Brasil.
MÉTODOSTrata-se de uma análise retrospectiva de um banco de dados mantido prospectivamente. Foram analisados dados rela-tivos a pacientes ambulatoriais consecutivos submetidos a avaliação pré-operatória de cirurgia bariátrica entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, todos os quais foram referenciados ao nosso laboratório do sono para a realização de polisso-nografia, independentemente de terem ou não queixas de distúrbios respiratórios relacionados ao sono. Os pacientes foram referenciados por seus respectivos médicos assistentes. Todos os dados demográficos e polissonográficos foram coletados em nosso laboratório do sono. Os critérios de inclusão foram idade de 18-65 anos, obesidade (IMC ≥ 35,0 kg/m2) e ausência de diagnóstico prévio de AOS. Foram excluídos pacientes com dados clínicos incompletos, aqueles com tempo total de sono (TTS) < 3 h e aqueles em que estudos do sono portáteis tinham sido utilizados para o diagnósti-co de AOS. Não foi obtido consentimento informado adicional para o presente estudo, pois não houve nenhuma interven-ção. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o protocolo nº 666.608/2014.
Coleta de dadosTodos os estudos foram realizados no Laboratório do Sono do Centro Médico BarraShopping, localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), um laboratório do sono relativamente grande com 18 leitos, técnicos do sono e dois médicos do sono certificados. As variáveis avaliadas incluíram gênero, idade, IMC, circunferência do pescoço (CP), ronco, apneia observa-da, hipertensão e grau de sonolência diurna, determinado pela Escala de Sonolência de Epworth (ESE).(16,17) Na noite da polissonografia, todas as variáveis demográficas foram coletadas por técnicos de laboratório do sono capacitados e quali-ficados. O IMC foi calculado como peso em quilogramas dividido pela altura em metros quadrados, e as medições da CP foram realizadas ao nível da membrana cricoide com os pacientes em decúbito dorsal. A população estudada foi estratifi-cada em quatro categorias, de acordo com o IMC: 35,0-39,9 kg/m2; 40,0-49,9 kg/m2; 50,0-59,9 kg/m2; e ≥ 60,0 kg/m2. Indivíduos com pressão arterial ≥ 140/90 mmHg foram classificados como portadores de hipertensão arterial sistêmica, assim como aqueles em uso de medicação anti-hipertensiva. Ronco e apneia observada autorreferidos foram avaliados como variáveis dicotômicas (sim/não).
Todos os pacientes foram submetidos a polissonografia de noite inteira em laboratório, realizada com um sistema digi-tal (EMBLA® S7000; Embla Systems, Inc., Broomfield, CO, EUA), constituída por gravação poligráfica contínua a partir de eletrodos de superfície (para a eletroencefalografia, eletro-oculografia, eletromiografia submentoniana e de membros inferiores e eletrocardiografia), termistores (para o fluxo aéreo nasal/bucal), cintas torácica e abdominal (para o trabalho respiratório) e sensores de posição (para a posição durante o sono), juntamente com oximetria de pulso (para a SpO2) e gravação de áudio através de um microfone traqueal (para o ronco). O escore dos registros polissonográficos foi realiza-do manualmente, e os mesmos foram interpretados por um médico do sono experiente, conforme diretrizes estabeleci-das.(18-20) Os dados interpretados incluíram TTS, eficiência do sono, estágios do sono, latência ao rapid eye movement (REM), latência ao sono, microdespertares, índice de apneia-hipopneia (IAH) e SpO2.
O escore dos estágios do sono foi realizado com base em critérios estabelecidos.(18) Microdespertares foram definidos como episódios com duração ≥ 3 s em que houve um retorno da atividade alfa associado a um aumento da atividade eletromiográfica. Um evento de apneia foi definido como cessação do fluxo de ar oronasal ≥ 10 s. Um evento de hipop-neia foi definido como redução do sinal de pressão nasal ≥ 30% acompanhada de dessaturação ≥ 4% com duração > 10 s.(18) O IAH foi definido como a soma dos eventos de apneia e hipopneia por hora de sono. O diagnóstico de AOS foi baseado em um IAH ≥ 5,0 eventos/h, e a gravidade da AOS foi categorizada com base no IAH(18): leve (5,0-14,9 even-tos/h); moderada (15,0-29,9 eventos/h); ou grave (≥ 30,0 eventos/h).
Análise estatísticaA análise estatística foi realizada por meio do Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os dados contínuos são apresentados em média desvio-padrão, enquanto os dados categóricos são apresentados em porcentagem da população total. As comparações entre os grupos foram realizadas por meio do teste do qui-quadrado para as variáveis dicotômicas, do teste t de Student para as variáveis contínuas com distribuição normal e do teste U de Mann-Whitney para as variáveis contínuas sem distribuição normal. As correlações entre as variáveis contínuas foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearman (rs). Para cada variável contí-nua, utilizamos uma curva ROC, calculando a area under the curve (AUC, área sob a curva) para obtenção do valor de corte para utilização nas análises univariada e multivariada. Testes univariados e multivariados foram utilizados para o cálculo de odds ratio e respectivos intervalos de confiança de 95%. Utilizando tabelas de contingência 2 × 2, calculamos os seguintes parâmetros para todas as variáveis: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo e acurácia. Elaboramos modelos preditivos utilizando as principais variáveis independentes obtidas para um IAH ≥ 15,0 eventos/h, com o objetivo de otimizar a triagem para AOS moderada/grave em pacientes de cirurgia bariátri-ca. O melhor modelo preditivo foi selecionado de acordo com as curvas ROC. Todos os testes foram bilaterais (two-sided), e valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
RESULTADOSEm um período de 58 meses, 1.480 pacientes consecutivos foram referenciados para a realização de polissonografia. Desses 1.480 pacientes, 391 foram posteriormente excluídos: 308 por dados incompletos; 30 por terem sido submetidos a estudos domiciliares do sono; 28 por terem TTS < 3 h; e 25 por terem sido diagnosticados anteriormente com AOS. Portanto, 1.089 pacientes, dos quais 781 (71,7%) eram mulheres e 308 (28,3%) eram homens, foram considerados elegí-veis para análise posterior. As características demográficas e polissonográficos desses 1.089 indivíduos estão listadas na Tabela 1. A prevalência geral de AOS foi de 74,8%, e a prevalência de AOS moderada/grave foi de 52,0%. Em compara-ção com as mulheres, os homens eram mais jovens (p = 0,080), apresentaram maior IMC (p < 0,001) e apresentaram maior CP (p < 0,001). Em termos da prevalência de sonolência diurna excessiva (escore da ESE ≥ 10), a diferença entre homens e mulheres não atingiu significância estatística (p = 0,122). A gravidade da AOS foi maior nos homens do que nas mulheres, assim como a prevalência de AOS moderada/grave (84,7% vs. 39,1%) e de AOS grave (68,5% vs. 18,6%), sendo que as duas últimas diferenças foram estatisticamente significativas (p < 0,001 para ambas). As variáveis contínuas (CP, IMC, idade e escore da ESE) foram correlacionadas com o IAH (rs = 0,500, rs = 0,308, rs = 0,247 e rs = 0,156, respectivamente; p < 0,001 para todas).
A Tabela 2 mostra as diferenças entre as várias categorias de IMC, em relação a variáveis demográficas, clínicas e po-lissonográficas. Com o aumento do IMC, houve aumentos estatisticamente significativos na proporção de homens, assim como nas proporções de indivíduos com hipertensão, ronco e apneia observada. Além disso, a CP e o escore da ESE aumentaram paralelamente aos aumentos do IMC, embora tal associação não tenha sido observada entre idade e catego-ria de IMC (p = 0,607). Os microdespertares e o IAH também aumentaram progressivamente em paralelo aos aumentos do IMC, assim como os números de eventos de apneia e hipopneia por hora quando calculados separadamente (p < 0,001 para todos). De modo semelhante, os valores de SpO2 pioraram em paralelo aos aumentos do IMC (p < 0,001 para SpO2 basal, média e mínima). Como esperado, houve aumentos lineares na prevalência de AOS, especialmente na da forma grave da doença, correspondentes a aumentos do IMC: 253 (66,4%) dos 381 pacientes com IMC de 35,0-39,9 kg/m2 foram diagnosticados com AOS, sendo que 81 (21,3%) foram diagnosticados com AOS grave; 460 (77,0%) dos 597 pacientes com IMC de 40,0-49,9 kg/m2 foram diagnosticados com AOS, sendo que 200 (33,5%) foram diagnosticados com AOS grave; 88 (89,8%) dos 98 pacientes com IMC de 50,0-59,9 kg/m2 foram diagnosticados com AOS, sendo que 65 (66,3%) foram diagnosticados com AOS grave; todos os 13 pacientes com IMC ≥ 60,0 kg/m2 foram diagnosticados com AOS, sendo que 10 (76,9%) foram diagnosticados com AOS grave.
As análises das curvas ROC das variáveis contínuas relevantes produziram as seguintes AUC: 0,711 (IC95%: 0,679-0,744) para CP; 0,657 (IC95%: 0,620-0,694) para idade; 0,625 (IC95%: 0,588-0,662) para IMC; e 0,557 (IC95%: 0,519-0,595) para escore da ESE. Além disso, as curvas ROC mostraram que os melhores pontos de corte para CP, IMC, idade e escore da ESE (como marcadores diagnósticos de AOS) foram 42 cm, 42 kg/m2, 37 anos e 10 pontos, respectivamente.
A Tabela 3 mostra as análises univariada e multivariada das oito variáveis avaliadas em relação a três diferentes pon-tos de corte de IAH (5,0 eventos/h, 15,0 eventos/h e 30,0 eventos/h). Todas essas variáveis foram preditoras indepen-dentes para o diagnóstico de AOS em geral (IAH ≥ 5,0 eventos/h). Todas, exceto hipertensão (p = 0,421), foram predito-ras independentes para o diagnóstico de AOS moderada/grave (IAH ≥ 15,0 eventos/h). Todas, exceto hipertensão (p = 0,963) e ronco (p = 0,153), foram preditoras independentes para o diagnóstico de AOS grave (IAH ≥ 30,0 eventos/h). O principal preditor para o diagnóstico de AOS em geral foi o gênero masculino, com OR ajustada de 10,20 (IC95%: 5,07-20,83), seguido por ronco, idade ≥ 37 anos, apneia observada, IMC ≥ 42 kg/m2, escore da ESE ≥ 10, hipertensão e CP ≥ 42 cm. O principal preditor para o diagnóstico de AOS moderada/grave também foi o gênero masculino, com OR ajustada de 5,91 (IC95%: 3,92-8,92), seguido por ronco, IMC ≥ 42 kg/m2, idade ≥ 37 anos, apneia observada, CP ≥ 42 cm, escore da ESE ≥ 10 e hipertensão. O principal preditor para o diagnóstico de AOS grave foi novamente o gênero masculino, com OR ajustada de 6,80 (IC95%: 4,62-10,00), seguido por IMC ≥ 42 kg/m2, idade ≥ 37 anos, apneia observada, ronco, CP ≥ 42 cm, escore da ESE ≥ 10 e hipertensão.
Como se pode ver na Tabela 3, houve sete variáveis independentes associadas ao diagnóstico de AOS modera-da/grave: gênero, ronco, IMC, idade, apneia observada, CP e escore da ESE. Entre essas variáveis, o escore da ESE foi o sétimo (isto é, último) em importância. Isso, juntamente com o fato de que a ESE é composta por oito questões, nos levou a excluir os escores da ESE, simplificando assim os modelos. Portanto, testamos quatro modelos (Tabela 4): um modelo de três itens incluindo gênero masculino, ronco e IMC ≥ 42 kg/m2; um modelo de quatro itens englobando o modelo de três itens mais idade ≥ 37 anos; um modelo de cinco itens englobando o modelo de quatro itens mais apneia observada; e um modelo de seis itens englobando o modelo de cinco itens mais CP ≥ 42 cm. Dos quatro modelos preditivos avalia-dos, o que se mostrou melhor em predizer AOS em geral, AOS moderada/grave e AOS grave foi o modelo de seis itens, que apresentou AUC de 0,777 (IC95%: 0,747-0,807), 0,784 (IC95%: 0,757-0,811) e 0,796 (IC95%: 0,769-0,824), respec-tivamente.
A Tabela 5 mostra os parâmetros preditivos do modelo de seis itens, que foi categorizado em seis possíveis pontos de corte (para a distinção entre alto e baixo risco de AOS), nas três diferentes situações: diagnóstico de AOS em geral, diagnóstico de AOS moderada/grave e diagnóstico de AOS grave. Como o principal objetivo do modelo foi identificar pacientes com alto risco para AOS moderada/grave (IAH ≥ 15,0 eventos/h), procuramos determinar o ponto de corte que (dentro dessa categoria) obteve o melhor equilíbrio entre sensibilidade e especificidade. Para a AOS moderada/grave, o melhor desempenho diagnóstico foi obtido com o ponto de corte ≥ 3, que apresentou acurácia de 70,8%, sensibilidade de 82,8% e especificidade de 57,9%. A utilização do ponto de corte ≥ 3 no modelo de seis itens apresentou acurácia, sensi-bilidade e especificidade, respectivamente, de 73,0%, 74,3% e 69,4% para o diagnóstico de AOS em geral; de 70,8%, 82,8% e 57,9% para o diagnóstico de AOS moderada/grave; e de 62,9%, 90,1% e 49,7% para o diagnóstico de AOS grave. Após a escolha do modelo de seis itens como o melhor modelo, criamos um dispositivo mnemônico para o mesmo, que foi denominado modelo NO-OSAS, acrônimo para NC ≥ 42 cm, Obesity (BMI ≥ 42 kg/m2), Observed apnea, Snoring, Age ≥ 37 years, and male Sex. Portanto, este modelo consiste em seis questões com respostas sim/não (escore total máximo possível, 6 pontos).
DISCUSSÃONo presente estudo, que envolveu uma grande amostra de pacientes consecutivos e encaminhados para cirurgia bariá-trica, mostramos que todas as variáveis avaliadas (gênero, CP, IMC, idade, escore da ESE, ronco, apneia observada e hipertensão) foram preditoras independentes do IAH, independentemente do ponto de corte utilizado, sendo as únicas exceções a hipertensão em dois dos pontos de corte de IAH (≥ 15,0 eventos/h e ≥ 30,0 eventos/h) e o ronco no ponto de corte de IAH ≥ 30,0 eventos/h. Em três diferentes pontos de corte (IAH ≥ 5,0 eventos/h, ≥ 15,0 eventos/h e ≥ 30,0 even-tos/h), o principal preditor para o diagnóstico de AOS foi o gênero masculino. A prevalência de AOS moderada/grave e grave foi maior entre os homens do que entre as mulheres (p < 0,001). O modelo de seis itens NO-OSAS, com um ponto de corte ≥ 3, apresentou bom desempenho diagnóstico para a distinção entre pacientes de alto risco e pacientes de baixo risco, em relação ao diagnóstico de AOS, independentemente do grau de gravidade.
Em nossa amostra de pacientes à espera de cirurgia bariátrica, com ou sem características clínicas de suspeita de AOS, a prevalência geral de AOS foi alta (74,8%), assim como a prevalência de AOS grave (32,7%). Nossos resultados são consistentes com os de estudos anteriores envolvendo pacientes de cirurgia bariátrica, todos os quais relataram alta (69,9-93,6%) prevalência de AOS(10,11,15,21-27) e uma elevada proporção de indivíduos classificados como portadores da forma grave da doença.(9-11,15,21-25) Nossos resultados indicam que essa população difere da população geral de pacien-tes com AOS.(1,5) Constatamos que, em comparação com a população geral de pacientes com AOS, a de pacientes de cirurgia bariátrica apresentou maior proporção de mulheres e era composta por pacientes mais jovens. Além disso, a prevalência de AOS foi muito maior em nossa amostra de pacientes de cirurgia bariátrica do que na população em geral.
Em linha com os resultados de estudos anteriores,(11,24) observamos aumentos lineares na prevalência e gravidade da AOS em paralelo a aumentos do IMC. Em um estudo anterior,(28) os autores identificaram 10 variáveis que foram prediti-vas de AOS em pacientes de cirurgia bariátrica: CP, pressão arterial sistólica, razão cintura/quadril, cintura, ronco alto, ronco frequente, peso, IMC, hipertensão e gênero masculino. Utilizando-se cinco ou mais dessas variáveis, foi possível obter um modelo com sensibilidade de 77% e especificidade de 77% em predizer IAH ≥ 15,0 eventos/h.(28)
Utilizando a análise de curvas ROC, constatamos que os principais pontos de corte para as variáveis contínuas em nos-sa amostra foram idade ≥ 37 anos, IMC ≥ 42 kg/m2, CP ≥ 42 cm e escore da ESE ≥ 10. Dixon et al. mostraram que idade avançada, gênero masculino, apneia observada e obesidade grave (especialmente obesidade central) aumentam o risco de maior IAH.(29) Esses autores também utilizaram a análise de curvas ROC para a determinação dos pontos de corte apropriados para as variáveis contínuas, que constataram ser CP ≥ 43 cm, idade ≥ 38 anos e IMC ≥ 45 kg/m2, bastante semelhantes aos pontos de corte identificados em nosso estudo. Porém, esses autores incluíram apenas pacientes com suspeita clínica de AOS, enquanto nossa amostra incluiu todos os pacientes à espera de cirurgia bariátrica, com ou sem sintomas de AOS.
No presente estudo, houve diferenças significativas entre homens e mulheres: os homens apresentaram maiores valo-res de IMC e CP, assim como maior prevalência de hipertensão, ronco e apneia observada. Além disso, os homens apre-sentaram maior IAH, menor nadir da SpO2, maior índice de microdespertares, juntamente com maior prevalência de AOS moderada/grave e grave. Essas diferenças entre os gêneros também foram relatadas em alguns outros estudos de paci-entes de cirurgia bariátrica.(9-11,13,15,21-23,25,30)
Pacientes à espera de cirurgia bariátrica devem ser submetidos a triagem para AOS a fim de reduzir a ocorrência de complicações peri e pós-operatórias. A cirurgia bariátrica é a terapia de perda de peso mais eficaz para pacientes com obesidade mórbida; ela melhora a AOS na maioria dos pacientes e apresenta taxa de mortalidade relativamente baixa.(4) Em virtude da alta prevalência de AOS, especialmente das formas graves, estudos anteriores(6,11,23,26) reforçam a neces-sidade de polissonografia em todos os pacientes à espera de cirurgia bariátrica, independentemente da presença ou ausência de sintomas de AOS.
Nosso estudo apresenta algumas limitações. A seleção dos pacientes ocorreu de forma retrospectiva em um laboratório do sono, o que aumentou a possibilidade de viés de seleção. Além disso, trata-se de um estudo unicêntrico, e as implica-ções de nossos resultados para a população em geral podem, portanto, ser limitadas. Ademais, não avaliamos comorbi-dades (a não ser hipertensão) ou outras queixas de sono como noctúria, sintomas nasais, cefaleia matinal e sufocamento ou engasgo noturno. Além do mais, dados sobre obesidade regional (circunferência da cintura, circunferência do quadril, razão pescoço/cintura ou razão cintura/quadril) não estavam disponíveis. Por outro lado, nosso estudo apresenta alguns pontos fortes. Em primeiro lugar, ele envolveu uma grande amostra de pacientes consecutivos, todos os quais foram avaliados com polissonografia completa em um centro do sono, independentemente de apresentarem ou não queixas de sono. Além disso, os prontuários médicos dos pacientes incluídos em nossa amostra final continham informações comple-tas sobre todas as oito variáveis de interesse. Ademais, a possibilidade de confundimento foi reduzida na análise por meio da utilização de um modelo logístico multivariado incluindo todas as variáveis com valor de p < 0,05. Portanto, acreditamos que as limitações do estudo foram superadas por seus pontos fortes e não afetaram a interpretação dos resultados.
Em conclusão, nossos achados sugerem que, entre pacientes à espera de cirurgia bariátrica, há uma alta prevalência de AOS em geral e de AOS moderada/grave. Nossos dados também indicam que as variáveis gênero, idade, CP, IMC, escore da ESE, ronco, apneia observada e hipertensão podem ser utilizadas para confirmação da suspeita de AOS e para avaliação da gravidade da mesma. O modelo de seis itens NO-OSAS, com um ponto de corte ≥ 3 para identificação de pacientes de alto risco, apresentou boa acurácia diagnóstica para AOS em geral, assim como para AOS moderada/grave e grave. São necessários mais estudos, especialmente os prospectivos, para validar a utilização do modelo NO-OSAS como meio de triagem para AOS em pacientes de cirurgia bariátrica.
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