ABSTRACT
Objective: To determine the occurrence of hepatopulmonary syndrome (HPS) in patients with cirrhosis who are candidates for liver transplantation; to compare demographic, clinical, laboratory, and spirometric characteristics, as well as echocardiography results, arterial blood gas analysis, and severity of liver disease between the groups of patients with and without HPS; and to describe the occurrence of HPS in the subgroup of patients with cirrhosis and schistosomiasis mansoni (mixed liver disease). Methods: Between January and November of 2007, we evaluated 44 patients under treatment at the Liver Transplant Outpatient Clinic of the Federal University of Pernambuco Hospital das Clínicas, in the city of Recife, Brazil. The diagnostic criteria for HPS were intrapulmonary vascular dilatation, identified by transthoracic echocardiography, and an alveolar-arterial oxygen tension difference ≥ 15 mmHg or a PaO2 < 80 mmHg. Results: The mean age of the patients was 52 years, and 31 patients (70%) were males. The most common cause of cirrhosis was alcohol use. Schistosomiasis was present in 28 patients (64%). Of the 44 patients, 20 (45.5%) were diagnosed with HPS. No significant differences were found between those patients and the patients without HPS in terms of any of the characteristics studied. Of the 28 patients with cirrhosis and schistosomiasis, 10 (35.7%) were diagnosed with HPS. Conclusions: In the population studied, HPS was highly prevalent and did not correlate with any of the variables analyzed.
Keywords:
Hepatopulmonary syndrome; Liver transplantation; Liver cirrhosis; Hypertension, portal; Schistosomiasis mansoni; Echocardiography.
RESUMO
Objetivo: Verificar a ocorrência da síndrome hepatopulmonar (SHP) em pacientes cirróticos candidatos a transplante de fígado; comparar as características demográficas, clínicas, laboratoriais e espirométricas, resultados de ecocardiografia, análise de gases arteriais e da gravidade da doença hepática nos pacientes com e sem SHP; e descrever a ocorrência de SHP no subgrupo de pacientes com cirrose associada à esquistossomose mansônica (doença hepática mista). Métodos: Entre janeiro e novembro de 2007, foram avaliados 44 pacientes inscritos no Ambulatório de Transplante Hepático do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife (PE). Os critérios diagnósticos para SHP foram a presença de dilatações vasculares intrapulmonares, identificadas por ecocardiografia transtorácica, assim como diferença alveoloarterial de oxigênio ≥ 15 mmHg ou PaO2 < 80 mmHg. Resultados: A idade média foi 52 anos, e 31 pacientes (70%) eram do sexo masculino. A causa mais frequente de cirrose foi uso de etanol. A esquistossomose esteve presente em 28 pacientes (64%). Dos 44 pacientes, 20 (45,5%) foram diagnosticados com SHP. Não foram observadas diferenças significativas em relação às características estudadas. No subgrupo de pacientes com cirrose associada à esquistossomose, 10/28 (35,7%) receberam o diagnóstico de SHP. Conclusões: A SHP apresentou elevada prevalência nesta população estudada, não sendo observadas associações entre a sua ocorrência e as variáveis analisadas.
Palavras-chave:
Síndrome hepatopulmonar; Transplante de fígado; Cirrose hepática; Hipertensão portal; Esquistossomose mansoni; Ecocardiografia.
IntroduçãoA síndrome hepatopulmonar (SHP) é definida como uma tríade, representada por dilatações vasculares intrapulmonares (DVIP), associadas à diferença alveoloarterial de oxigênio (DA-aO2) ≥ 15 mmHg ou PaO2 < 80 mmHg, na presença de doença hepática.(1) Considerada uma complicação frequente de cirrose hepática,(1-4) a SHP também já foi relatada em não cirróticos com hipertensão portal (HP).(5-7)
Na região Nordeste do Brasil, a esquistossomose mansônica na sua forma hepatoesplênica - esquistossomose hepatoesplênica (EHE) - é considerada uma causa relevante de HP.(8) Essa promove HP do tipo pré-sinusoidal, tanto pelo hiperfluxo proveniente da veia esplênica, como pelo aumento da resistência pela fibrose hepática, sem haver significativa destruição de hepatócitos, preservando, portanto, a arquitetura e a função do fígado.(9) A fibrose hepática da EHE não é difusa, localizando-se na região periportal, também conhecida como fibrose de Symmers.(10,11)
Já foi descrita em nosso meio a ocorrência de SHP em 5 de 49 pacientes (10,2%) com EHE, sem cirrose associada.(5)
Em virtude da HP e da formação de circulação colateral, é comum a ocorrência de sangramentos digestivos nos pacientes com EHE, necessitando de transfusões sanguíneas. As transfusões realizadas há algumas décadas resultaram na contaminação pelos vírus da hepatite B ou C, e, atualmente, muitos pacientes apresentam doença hepática mista (DHM), ou seja, EHE associada à hepatite viral.(12,13) Ainda não se encontram estudos avaliando a ocorrência de SHP nesse grupo de pacientes.
O objetivo desta pesquisa foi verificar a ocorrência da SHP em pacientes em lista para transplante de fígado e comparar as características demográficas, clínicas, laboratoriais, resultados de espirometria, de ecocardiografia, análise de gases arteriais e gravidade da doença hepática (Child-Pugh e Model for End-Stage Liver Disease [MELD]) nos pacientes com e sem SHP, além de descrever a ocorrência de SHP no subgrupo com DHM.
MétodosTrata-se de um estudo descritivo com comparação interna entre grupos, no qual se considerou avaliar todos os 61 pacientes do Ambulatório de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) em lista de espera pelo enxerto, inscritos até o início do estudo. Os dados foram obtidos entre janeiro e novembro de 2007, utilizando-se os seguintes critérios de exclusão: pacientes submetidos ao transplante antes da conclusão de sua avaliação, pacientes que não retornaram para o seguimento até a fase final da coleta de dados e pacientes que recusaram participar de quaisquer etapas do estudo.
Os pacientes foram avaliados consecutivamente, de acordo com a demanda do ambulatório. Após leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, os pacientes foram submetidos à entrevista pelo mesmo médico para a aquisição de informações a respeito de idade, sexo, data de inscrição na lista de transplante (tempo de espera), etiologia da cirrose hepática, antecedentes de EHE, de doenças pulmonares e de tabagismo, platipneia e dispneia. Essa última foi mensurada pelo índice de dispneia Medical Research Council (MRC) modificado.(14) Também foi realizado exame físico para avaliar a presença de ascite, encefalopatia, icterícia, aranhas vasculares e hipocratismo digital.
Buscaram-se, nos prontuários, os dados sobre o comprometimento do fígado pela EHE, estabelecido através de ultrassonografia abdominal que indicasse fibrose periportal (fibrose de Symmers) associada à epidemiologia positiva para esquistossomose, considerada aqui como "banho de rio em zona endêmica".(10,11,15)
Na ocasião, foram obtidos 10 mL de sangue de veia periférica para a dosagem de albumina, aminotransferases, bilirrubina total, creatinina e international normalized ratio (INR, taxa normatizada internacional) do tempo de protrombina, para classificação MELD e Child-Pugh. Foram também obtidos 2 mL de sangue da artéria radial, utilizando técnicas de punção e de manipulação da amostra recomendadas pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, para a análise de pH, PaCO2, PaO2, e DA-aO2, utilizando-se um aparelho de gasometria modelo GEM 3000 (Instrumentation Laboratory, Bedford, MA, EUA).(16) O valor de DA-aO2 foi também calculado segundo uma equação normatizada,(1) considerando o paciente na posição sentada, respirando ar ambiente e ao nível do mar. Todos os exames foram realizados no Laboratório Central do HC-UFPE e se utilizaram os métodos da rotina.
Concomitante à gasometria arterial, foi realizada oximetria de pulso para obtenção da SpO2, utilizando-se um oxímetro digital portátil modelo Medical Onix II 9550 (Nonin, Plymouth, MN, EUA). Em seguida, foi realizada a espirometria, com um equipamento modelo Microlab 3300 (Micro Medical Ltd., Kent, Inglaterra) para se obter medidas de VEF1, CVF e VEF1/CVF, com valores previstos para essas manobras corrigidos para população brasileira.(17)
Radiografias de tórax foram realizadas para a exclusão de outras enfermidades pulmonares.
A ecocardiografia com contraste (solução salina a 0,9%) foi realizada através de técnica transtorácica (Eco-TT), utilizando-se um aparelho modelo HDI 1500 (Philips Medical Systems, Bothell, WA, EUA) segundo as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia.(18)
Uma veia periférica de membro superior foi puncionada, à qual foi conectado um registro de três vias, adaptando, às outras vias, duas seringas de 10 mL com 9,5 mL da solução. As microbolhas foram produzidas manualmente através da agitação da solução entre as duas seringas, por 10 vezes, sendo injetada a seguir. Este procedimento foi repetido três vezes em cada paciente, com o cuidado de esperar que as câmaras cardíacas estivessem totalmente sem o contraste antes da nova injeção. As imagens foram obtidas simultaneamente à introdução do contraste, utilizando-se um transdutor de quatro câmaras em posição apical, com o paciente em decúbito lateral esquerdo. Dois especialistas, que sabiam apenas que se tratavam de pacientes cirróticos candidatos a transplante de fígado, analisaram simultaneamente as imagens, que também foram gravadas, sendo revistas em caso de dúvidas. O exame foi considerado indicativo de DVIP quando o átrio esquerdo foi contrastado entre o quarto e o sexto ciclo, após contraste do átrio direito, em qualquer das injeções, na ausência de comunicação intracardíaca. Essa foi considerada presente ao se observar o contraste no átrio esquerdo até o terceiro ciclo, contados após a opacificação do átrio direito.(19)
Para o diagnóstico da SHP, utilizou-se o atual critério recomendado por diretrizes publicadas em 2004, que consiste na identificação de DVIP através de Eco-TT associada a alterações de gases arteriais, definidas como DA-aO2 ≥ 15 mmHg ou PaO2 < 80 mmHg (ambos corrigidos para a idade).(1) A classificação de sua gravidade é dada pelo grau de hipoxemia, como leve (PaO2 ≥ 80 mmHg), moderada (60 mmHg ≤ PaO2 < 80 mmHg), grave (50 mmHg ≤ PaO2 < 60 mmHg) e muito grave (PaO2 < 50 mmHg).(1)
Todos os dados foram submetidos à análise estatística através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 12.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Utilizou-se, para as variáveis quantitativas, média e desvio-padrão mínimo e máximo, para indicar a variabilidade dos dados, e foi empregado o teste t de Student para a comparação de médias entre os grupos com e sem SHP. Para as variáveis qualitativas, utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, calculando-se OR e IC95%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da UFPE.
ResultadosEntre os 61 cirróticos inscritos na lista de espera do HC-UFPE para transplante de fígado, 17 foram excluídos: 6 por óbito antes da realização da ecocardiografia, 5 por recusa em participar da pesquisa, 3 por não comparecerem ao ambulatório até a fase final da coleta de dados e 3 por terem sido transferidos para outros serviços. Restaram 44 pacientes, sendo 31 (70%) do sexo masculino (Tabela 1). A idade média foi de 52 anos, variando de 29-67 anos, e o tempo médio de espera na lista de transplante foi de 27 meses, com variação de 10-63 meses (Tabela 2).
As frequências da etiologia de cirrose e da associação com EHE (DHM) estão demonstradas na Tabela 3.
Dos 44 pacientes avaliados, 20 (45,5%) preencheram os critérios para o diagnóstico de SHP, com Eco-TT positivo para DVIP e DA-aO2 ≥ 15 mmHg ou PaO2 < 80 mmHg. Todos os 7 pacientes com PaO2 < 80mmHg e DVIP apresentaram DA-aO2 ≥ 15 mmHg (Tabela 4). A classificação da síndrome de acordo com o grau de hipoxemia demonstrou que 13 pacientes (65%) tinham a forma leve (PaO2 ≥ 80 mmHg) e 7 (35%) tinham a forma moderada (60 mmHg ≤ PaO2 < 80 mmHg). Não foram encontrados pacientes com a forma grave ou muito grave da síndrome.
Para efeito de comparação com outros estudos, utilizaram-se também outros pontos de corte de DA-aO2 para o diagnóstico da síndrome, que podem ser vistos na Tabela 5.
No que diz respeito aos antecedentes e ao exame físico, não foram encontradas diferenças entre os grupos com e sem SHP (Tabela 1).
Também não se observaram diferenças quanto às médias da idade, do tempo de espera pelo enxerto e da classificação da doença hepática ao se comparar os grupos com e sem SHP (Tabela 2).
Em relação ao grupo com DHM, a SHP foi observada em 10/28 (35,7%) utilizando-se o critério de DA-aO2 ≥ 15 mmHg e Eco-TT positivo para DVIP (Tabela 4), sendo 7 com a forma leve (PaO2 ≥ 80 mmHg) e 3 moderada (60 mmHg ≤ PaO2 < 80 mmHg). Ao se modificar o ponto de corte da DA-aO2 para > 20 mmHg, a frequência encontrada de SHP foi de 25%; com DA-aO2 > 15 mmHg, essa foi de 28,6%.
DiscussãoAté recentemente, não havia padronização nos critérios diagnósticos da SHP, o que propiciou uma larga variação da descrição de sua prevalência e dificuldades de comparação entre os estudos.(20) Utilizando padrões gasométricos estabelecidos em 2004 para o diagnóstico da SHP,(1) sua frequência, nesta série, foi de 45,5%.
Em um estudo realizado em candidatos ao transplante de fígado e que utilizou como ponto de corte DA-aO2 > 20 mmHg, a ocorrência da SHP foi de 16% (9/56), mas quando se reduziu o ponto de corte para DA-aO2 > 15 mmHg, a SHP passou a ser diagnosticada em 27% (15/56).(4) Em outro estudo também com candidatos ao transplante de fígado, descreveu-se a prevalência da síndrome em 15% (19/125), ao utilizar como ponto de corte DA-aO2 > 15 mmHg.(21)
Em nossa série, a ocorrência da síndrome foi de 45,5% (20/44), 38,6% (17/44) e 29,5% (13/44) ao se considerar como pontos de corte DA-aO2 ≥ 15 mmHg, > 15 mmHg e > 20 mmHg, respectivamente. Em todos os diferentes parâmetros de DA-aO2 analisados, os resultados foram superiores aos encontrados em outros estudos (Tabela 5).(4,21) Um dos fatores que difere na série em questão é a ocorrência de DHM em 64% dos pacientes (Tabela 1), o que não foi relatado em outros estudos sobre a prevalência da SHP em candidatos ao transplante de fígado, embora o pequeno número de pacientes não tenha sido suficiente para demonstrar uma associação dessa variável em relação à ocorrência de SHP.
Nesta série, o diagnóstico de EHE associada à cirrose foi realizado através de ultrassonografia de abdômen que indicasse fibrose periportal (fibrose de Symmers) associada à epidemiologia positiva para esquistossomose.(15) Ultimamente, o exame do fígado por ultrassonografia vem sendo muito utilizado no diagnóstico da EHE, na medida em que não é invasivo e avalia praticamente todo o órgão.(10,11)
Já a biópsia hepática por agulha, por permitir a análise de um pequeno fragmento do fígado, está sujeita a erros de amostragem. A quantificação da fibrose de Symmers, entretanto, não pôde ser realizada nesse subgrupo de pacientes em virtude da associação com cirrose, a qual leva à redução do volume e à distorção da arquitetura hepática.(15) Sendo assim, uma vez que os critérios diagnósticos clínico-epidemiológico e ultrassonográfico adotados neste estudo sugerem, mas não podem afirmar a presença de EHE, a sua confirmação somente poderá ser feita após a realização do transplante, com a avaliação anatomopatológica do fígado.
Nesse contexto, ao se separar dos 44 pacientes o subgrupo com DHM, a ocorrência da síndrome foi de 35,7% (10/28), 28,6% (8/28) e 25% (7/28) ao se considerar como pontos de corte DA-aO2 ≥ 15 mmHg, > 15 mmHg e > 20 mmHg, respectivamente. Não foram publicados, até o momento, estudos de SHP com pacientes que apresentassem associações de diferentes mecanismos de HP para a comparação com esta série. No entanto, ao se analisar estudos que avaliaram pacientes com HP sem cirrose, se observa que a ocorrência da síndrome é inferior à descrita em pacientes com cirrose. De fato, em uma série na qual pacientes com fibrose portal não cirrótica foram avaliados, a frequência de SHP foi de 8% (2/25), ao se utilizar como ponto de corte DA-aO2 > 20 mmHg.(7) Em outra série, na qual se avaliaram pacientes com EHE, a ocorrência da síndrome foi de 10,2% (5/49), utilizando-se DA-aO2 ≥ 15 mmHg como ponto de corte.(5)
Admitindo-se que a fisiopatologia da HP difere na EHE daquela observada na cirrose, tendo como fatores relevantes o hiperfluxo na primeira e o aumento de resistência na segunda, a associação das duas enfermidades poderia desencadear níveis pressóricos mais elevados no território portal e propiciar uma maior ocorrência de SHP. Neste estudo, a HP desencadeada pela EHE poderia ter sido um fator adicional para o desenvolvimento da síndrome, embora não tenha sido possível demonstrar diferenças na ocorrência desta helmintíase entre os grupos com e sem SHP (Tabela 1). Reforçando o papel da HP por esquistossomose, sem cirrose associada, na etiologia da SHP, essa síndrome já foi diagnosticada apenas nos pacientes com a forma hepatoesplênica e em nenhum daqueles com a forma hepatointestinal.(5)
Assim como referem outros autores,(2,4,22) também, nesta série, não se observaram diferenças nas características demográficas e clínicas entre os grupos com e sem SHP (Tabela 1). Por outro lado, em casuísticas maiores, a presença de hipocratismo digital, aranhas vasculares e ascite estiveram associadas à SHP.(23,24) É possível que o número de pacientes envolvidos neste estudo tenha sido insuficiente para demonstrar diferenças mais expressivas.
São encontrados resultados diversos na ocorrência de DVIP nos estudos que utilizaram Eco-TT com solução salina como contraste e imagens obtidas com frequência em segunda harmônica. Isso pode ser explicado tanto por diferenças nas doenças subjacentes que estão sendo investigadas, quanto por variações na ecogenicidade ou na interpretação dos exames.(19) Nesta avaliação, o Eco-TT foi sugestivo de DVIP em 52% dos pacientes, estando dentro do observado em outros estudos, com variação de 30-56%.(4,25-27)
Um dado que chamou a atenção nesta série foi o prolongado tempo de espera pelo transplante (média de 27 meses), semelhante ao encontrado em outros centros de transplante de fígado antes da utilização de MELD como critério para determinar a posição na lista de espera.(28) Ressalta-se que, no Brasil, a introdução do sistema MELD ocorreu em meados de 2006 e, até então, a lista de espera seguia o critério cronológico. Um maior tempo de espera significava vantagem em potencial para a recepção do enxerto, fazendo com que fossem listados pacientes com doença hepática pouco avançada.(29)
Esta foi a primeira avaliação pulmonar desses pacientes após a introdução de MELD, e a amostra foi composta originalmente por aqueles que suportaram a espera na lista cronológica (Tabela 2). Acredita-se que um maior tempo de espera teria naturalmente selecionado os pacientes com função hepática menos comprometida, embora associada ao agravamento da HP, e isso poderia ter proporcionado maior ocorrência de shunt no sistema portal, desenvolvimento de DVIP e, consequentemente, SHP. Por outro lado, a ocorrência de shunt teria como posterior consequência a redução da HP, e isso levaria a uma menor ocorrência de complicações da cirrose, tais como ascite e hemorragia digestiva, que, em geral, estão associadas ao óbito. Destaca-se que um recente levantamento revelou uma associação entre SHP e doença hepática mais grave (MELD), mas não com maior mortalidade em curto prazo, sugerindo, indiretamente, que a síndrome não levaria ao óbito.(21)
Quanto ao comprometimento da função hepática, quer por Child-Pugh, quer por MELD, também não se encontraram, neste estudo, diferenças entre os grupos com e sem SHP, como referido em outro relato.(4) De fato, já foi publicado um estudo no qual a SHP foi mais frequente nos pacientes com disfunção hepática mais leve (Child-Pugh A).(30)
Contrariamente, também há referências à maior ocorrência de SHP naqueles com alterações hepáticas mais graves (Child-Pugh B e C).(3,21)
Em suma, a SHP apresentou elevada frequência nesta série de candidatos a transplante de fígado, mesmo utilizando-se diferentes pontos de corte para DA-aO2, e não se observou associações entre sua ocorrência e as variáveis analisadas. Estudos envolvendo um maior número de pacientes com cirrose, EHE (sem cirrose) e DHM estão em andamento na tentativa de confirmar esses achados.
AgradecimentosOs autores agradecem ao Dr. Roberto Rodríguez-Roisin as sugestões ao manuscrito; aos colegas do HC-UFPE, Dra. Izolda Moura e Dr. Luiz Loureiro Júnior (Laboratório Central), a colaboração na realização dos exames laboratoriais; à enfermeira Helena Lins (Ambulatório de Transplante de Fígado) o auxílio no atendimento aos pacientes; e aos estatísticos Carlos Luna (Fundação Oswaldo Cruz, Recife - PE) e Ulisses Ramos Montarroyos (Departamento de Medicina Tropical, UFPE) a colaboração na análise estatística.
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* Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - no Ambulatório de Transplante de Fígado e no Serviço de Cardiologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
Endereço para correspondência: Liana Gonçalves de Macedo. Hospital Otávio de Freitas, Comissão de Residência Médica (COREME), Avenida Aprígio Guimarães, s/n, Tejipió, CEP 50920-640, Recife, PE, Brasil.
Tel 55 81 3182-8529. E-mail: liana.macedo@ig.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 23/9/2009. Aprovado, após revisão, em 4/3/2010.
Sobre os autoresLiana Gonçalves Macêdo
Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - e Médica Pneumologista. Hospital Otávio de Freitas, Secretaria Estadual de Saúde do Estado de
Pernambuco, Recife (PE) Brasil.
Edmundo Pessoa de Almeida Lopes
Professor Adjunto. Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
Maria de Fátima Pessoa Militão de Albuquerque
Pesquisadora Titular. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, e Professora Associada I. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
Brivaldo Markman-Filho
Professor Adjunto. Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.
Flávio Henrique Amaral Pires Véras
Cardiologista. Hospital Universitário, Universidade do Rio Grande do Norte, Natal (RN) Brasil.
Ana Carolina Chiappetta Correia de Araújo
Médica Radiologista. Hospital Esperança, Recife (PE) Brasil.
Álvaro Antônio Bandeira Ferraz
Professor Adjunto. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - e Chefe da Unidade de Transplantes. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - Recife (PE) Brasil.