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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Nem toda obstrução fixa é DPOC

Not every irreversible airflow obstruction is COPD

José Baddini-Martinez

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000000196

AO EDITOR:

A incorporação de conceitos claros e o uso de terminologias precisas são requisitos fundamentais para garantir a boa comunicação entre os profissionais da saúde, assim como o cuidado adequado dos pacientes.

As moléstias das vias aéreas sempre foram campo fértil para o emprego de denominações incorretas e a prolifera-ção de ideias nebulosas. Ainda que fosse de se esperar a redução desses fatos com o passar do tempo, vícios con-ceituais ainda permanecem, em especial entre médicos não afeitos à nossa especialidade.

Há alguns anos fizemos menção ao risco da interpretação de todo quadro de sibilos como sendo devido à asma brônquica.(1) Queremos agora discutir outro fenômeno observado particularmente entre clínicos gerais, residentes de clínica médica e alunos: a crença de que toda obstrução fixa na espirometria implica o diagnóstico de DPOC.

A denominação DPOC foi estabelecida há mais de cinco décadas como uma alteração fisiopatológica associada ao uso crônico do tabaco.(2) Na mesma época, enfisema foi definido como um conceito anatomopatológico que envolvia a destruição dos espaços aéreos distais. Já bronquite crônica foi definida como a alteração clínica que demandava tosse e expectoração por um período de tempo determinado.

Como consequência, a definição atual preconizada pela Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease afirma que: "DPOC é uma doença comum, prevenível e tratável, caracterizada por limitação ao fluxo aéreo persis-tente, que geralmente é progressiva, e associada à resposta inflamatória crônica exacerbada das vias aéreas e pulmões, frente a partículas ou gases nocivos. Exacerbações e comorbidades contribuem para a gravidade geral em pacientes individuais".(3)

Portanto, o diagnóstico de DPOC requer, obrigatoriamente, espirometria mostrando obstrução persistente em vias aéreas. Entende-se como obstrução persistente ou fixa aquela que não desaparece ou normaliza completamente após o uso de broncodilatador inalatório. Nesse contexto, muitos pacientes com DPOC podem certamente exibir resposta a broncodilatadores inalatórios, mas sem normalização completa da relação VEF1/CVF.

O segundo elemento obrigatório para o diagnóstico de DPOC é que o quadro se instale em resposta à inalação pro-longada de partículas ou gases nocivos. Embora o tabagismo ainda seja o elemento tóxico mais importante, ao longo das últimas décadas constatou-se que outras exposições ambientais, em especial a queima da biomassa, também podem causar essa doença. Assim sendo, não é admissível propor um diagnóstico de DPOC para doentes sem histó-ria de exposição ambiental compatível. Vale salientar ainda que a expressão "partículas ou gases nocivos" diz res-peito a exposições ambientais inertes e não a agentes infecciosos. Desse modo, um quadro obstrutivo pulmonar devido à sequela de tuberculose não é DPOC.

Já o diagnóstico de asma é feito pela presença de dispneia, chiado, aperto no peito e tosse.(4) Esses sintomas vari-am em intensidade ao longo do tempo, assim como o grau da obstrução ao fluxo expiratório. À semelhança do que acontece com a DPOC, o que determina os sintomas e a obstrução variável ao fluxo aéreo é a presença de inflama-ção das vias aéreas. Porém, essa inflamação é de caráter distinto, em geral de natureza eosinofílica, em oposição à da DPOC, que costuma ser neutrofílica. Além disso, o que promove asma, pelo menos em seu início, são mecanis-mos atópicos e de hipersensibilidade a agentes inalados. Sendo originalmente reações de cunho imunoalérgico, não guardam grande relação com o tempo de exposição ou com as concentrações do material inalado, ao contrário da DPOC. A asma em geral começa na infância, tem forte influência genética e costuma ser acompanhada por outros sinais de atopia. Além de ser uma doença cujos sintomas aparecem em idade mais avançada, as exposições relacio-nadas com o desenvolvimento da DPOC não envolvem mecanismos de sensibilização e são distintas das associadas ao desenvolvimento da asma: fumaça de fogão a lenha vs. antígenos de baratas, por exemplo.

O ponto fundamental que desejamos aqui levantar é o seguinte: do mesmo modo que a confirmação do diagnóstico de DPOC exige a realização de espirometria demonstrando obstrução fixa, levantar a hipótese dessa doença requer a identificação na história de exposição ambiental sugestiva, por exemplo, de tabagismo ou exposição à fumaça gerada por queima de biomassa, com a finalidade de aquecimento ou preparação de alimentos. A única exceção a tal regra seria o enfisema por deficiência de alfa-1 antitripsina. Todavia, essa é condição rara, na qual frequente-mente também ocorre exposição à fumaça ambiental. Por isso, em todo paciente com idade inferior a 45 anos sus-peito para DPOC, deve-se efetuar a dosagem dos níveis séricos da referida enzima.

Naturalmente que, diante de qualquer doença pulmonar, a anamnese ganha importância para caracterizar não apenas os sintomas atuais e seus agentes desencadeantes, como também a ocorrência de quadros respiratórios anteriores, história ocupacional, antecedentes familiares, etc. Essas informações fornecem o alicerce para o diagnós-tico diferencial das diferentes moléstias pulmonares, somadas ao exame físico e às radiografias simples de tórax em projeções anteroposterior e perfil.

O Quadro 1 ilustra uma série de condições clínicas que podem cursar com obstrução persistente na espirometria simples, mas que não se enquadram no diagnóstico de DPOC devido à falta de exposição ambiental apropriada como fator associado ao seu desenvolvimento. É importante salientar que todas as condições listadas podem produ-zir, em maior ou menor frequência, padrões espirométricos classificados como obstrução isolada. Ou seja, não estão sendo discutidas aqui questões mais complexas envolvendo padrões espirométricos com CVF reduzida ou muito reduzida, que possam ser classificados como padrões inespecíficos ou mistos. Certamente que nessas duas últimas condições a realização de estudos de função pulmonar completos, envolvendo medidas de CPT e VR, é o ideal para a adequada caracterização do diagnóstico funcional e, por conseguinte, da própria doença pulmonar de base. De fato, a ocorrência de padrões mistos e inespecíficos em pacientes com forte suspeita de DPOC geralmente significa a ocorrência de alguma outra condição mórbida superposta.(5)
 



Em resumo, apesar de a DPOC ser uma condição muito comum, sempre que pacientes exibam padrões espiromé-tricos com obstrução persistente, mas sem história de exposição ambiental compatível, testes adicionais deverão ser realizados, em particular curvas de fluxo-volume e provas de função pulmonar (incluindo medidas de CPT e DLCO), bem como TCARs de tórax. Então, em poucas palavras: nem toda obstrução fixa é DPOC!

REFERÊNCIAS

1. Martinez JA. Not all that wheezes is asthma! J Bras Pneumol. 2013;39(4):518-20. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132013000400017
2. Terminology, definitions and classifications of chronic pulmonary emphysema and related conditions: a report of the conclusions of a Ciba Guest Symposium. Thorax. 1959;14(4):286-99. http://dx.doi.org/10.1136/thx.14.4.286
3. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease - GOLD [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease [cited 2016 Jun 24]. Global Strategy for the Diagnosis, Management, and Prevention of COPD 2016. Available from: http://goldcopd.org/global-strategy-diagnosis-management-prevention-copd-2016/
4. Reddel HK, Bateman ED, Becker A, Boulet LP, Cruz AA, Drazen JM, et al. A summary of the new GINA strategy: a roadmap to asthma control. Eur Respir J. 2015;46(3):622-39. http://dx.doi.org/10.1183/13993003.00853-2015
5. Wan ES, Hokanson JE, Murphy JR, Regan EA, Make BJ, Lynch DA, et al. Clinical and ra-diographic predictors of GOLD-unclassified smokers in the COPDGene study. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184(1):57-63. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201101-0021OC

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