A fibrose pulmonar idiopática (FPI) se caracteriza como uma doença pulmonar fibrosante progressiva, de evolução variável, restrita aos pulmões, e que está classificada dentro das pneumopatias intersticiais idiopáticas.(1,2) Apesar da realização de grandes avanços nos últimos anos, que permitiram um maior entendimento da fisiopatologia da doença, além do estabelecimento de critérios diagnósticos mais restritos e da aprovação de duas medicações antifibrosantes (pirfenidona e nintedanibe) para seu tratamento, existem diversos aspectos relacionados que precisam ser otimizados, especialmente no Brasil.(1-5)
No estudo de Algranti et al., publicado no presente número do JBP, observou-se um aumento da mortalidade por FPI no Brasil no período entre 1979 e 2014.(6) Apesar de os resultados apresentados refletirem a tendência global e serem bastante interessantes, com um amplo período de avaliação, existem alguns pontos que merecem ser destacados. Conforme discutido pelos autores, alguns fatores podem explicar os resultados encontrados, como o aumento da expectativa de vida da população e a ampliação da disponibilidade da TCAR, determinando o aumento do número de pacientes e a maior especificidade do diagnóstico da doença nos últimos anos. Adicionalmente, os critérios mais restritos para o diagnóstico de FPI foram definidos em 2000 e reajustados em 2011.(1,7) Nesse contexto, nas avaliações dos dados no período inicial do estudo, muitos pacientes devem ter sido incluídos equivocadamente como portadores de FPI, porém apresentavam na realidade outras doenças pulmonares fibrosantes, que seguramente possuem um prognóstico melhor que a FPI, contribuindo para subestimar a mortalidade nas fases mais precoces. Isso é reforçado pelo fato de cerca de 10% dos óbitos apresentados terem ocorrido em indivíduos com menos de 50 anos, faixa etária em que o diagnóstico de FPI é menos provável. Portanto, houve de fato um aumento da mortalidade da doença nos últimos anos, mas possivelmente o nível observado está superestimado.(6)
Conforme descrito em um artigo recentemente publicado, ainda não há dados robustos de incidência, prevalência e mortalidade da FPI no Brasil, o que, além da importância epidemiológica, é fundamental do ponto de vista econômico para que sejam previstos os custos com sua abordagem, uma vez que existem drogas aprovadas para tratar a doença.(8) Assim, é fundamental que futuros estudos sejam realizados para que se determine de maneira mais confiável os dados epidemiológicos da FPI em nosso país, principalmente a partir do momento em que os critérios para o diagnóstico estão mais bem estabelecidos. Nesse contexto, é urgente a criação de um registro nacional da doença.
Existe ainda no Brasil um limitado número de centros de referência capacitados para a abordagem das doenças pulmonares intersticiais. Nos centros em questão, a realização de discussões multidisciplinares, envolvendo pneumologistas, cirurgiões, radiologistas e patologistas, é imprescindível para se otimizar a abordagem diagnóstica, tendo em vista que diversas doenças pulmonares fibrosantes entram no diferencial da FPI, com a pneumonite de hipersensibilidade (PH) crônica, aquelas secundárias a doenças do tecido conjuntivo, entre outras.(1,9-12)
Em um estudo publicado muito recentemente por Lynch et al.,(13) foi apresentada uma nova classificação tomográfica para a FPI. Nessa descrição, o padrão de pneumonia intersticial usual provável foi caracterizado pela presença de opacidades reticulares e bronquiolectasias de tração, de predomínio basal e periférico, sem faveolamento e sem outras características sugerindo um diagnóstico alternativo. Segundo os autores, esse padrão tomográfico tem um alto valor preditivo para FPI em indivíduos com mais de 60 anos, tabagistas ou ex-tabagistas, sem sugestão para a presença de outras potenciais causas de doença pulmonar intersticial fibrosante, como PH crônica ou doença do tecido conjuntivo, e sem necessidade de confirmação do diagnóstico por biópsia pulmonar.(13) A tendência com essa classificação, em que foi ampliada a possibilidade da confirmação de FPI sem biópsia pulmonar, é de que ocorra um aumento do número de diagnósticos da doença, porém trazendo-se maiores riscos de que pacientes com outras doenças pulmonares fibrosantes, como, por exemplo, PH crônica e pneumonia intersticial não específica fibrótica, sejam equivocadamente definidos como portadores de FPI. Esse aspecto é extremamente relevante no Brasil, tendo em vista a alta prevalência de PH crônica, inclusive com padrão tomográfico de pneumonia intersticial usual provável, e da frequência indeterminada de FPI em nosso meio, de modo que se deve ter cuidado na aplicação do critério tomográfico em questão para nossa população com doença pulmonar fibrosante.(9,14)
Recentemente, duas drogas antifibrosantes, pirfenidona e nintedanibe, foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para o tratamento da FPI no Brasil, uma vez que determinam redução do declínio funcional associado à doença.(2-5) Entretanto, há a necessidade de se estabelecerem o acesso e a maior disponibilização dessas medicações em nosso meio, com financiamento governamental. Outro aspecto preocupante no Brasil é o limitado número de centros capacitados para a realização de transplante de pulmão, que é uma alternativa terapêutica para os pacientes com FPI, que pode ser unilateral ou bilateral, determinando o aumento da sobrevida, assim como a melhora funcional e da qualidade de vida.(1,2,15,16) Somam-se ainda como fatores críticos o encaminhamento tardio dos pacientes para sua avaliação nos centros de referência em transplantes e a escassez de doadores de pulmão, abaixo do número necessário para os indivíduos em lista de espera.(15)
Em resumo, apesar da evolução no conhecimento da fisiopatologia da FPI e em sua abordagem diagnóstica e terapêutica, existem diversos aspectos que necessitam ser aprimorados notadamente no Brasil, incluindo: 1) ampliar a divulgação da doença; 2) criar um registro nacional para tentar definir dados mais robustos sobre sua incidência, prevalência e mortalidade; o registro em questão está próximo de ser iniciado e será necessário conscientizar os profissionais para a inclusão dos dados; 3) ampliar a disponibilização e a experiência com o uso das drogas antifibrosantes; e 4) ampliar o número de centros de referência para a abordagem multidisciplinar das doenças pulmonares fibrosantes e de centros de transplante de pulmão. A partir desses aperfeiçoamentos, será possível caracterizar com maior exatidão os dados epidemiológicos nacionais relacionados à doença, incluindo a perspectiva de se determinar o impacto das drogas antifibrosantes sobre a mortalidade.
Referências
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