AO EDITOR: Após mais de uma década do uso universal do omalizumabe no tratamento da asma, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias mostrou-se contrária à sua incorporação no âmbito do Sistema Único de Saúde.(1) Esta decisão contesta a opinião dos especialistas que o fármaco deveria ser disponibilizado para um grupo específico de pacientes com asma grave não controlada, seguindo critérios de elegibilidade bem definidos em protocolos clínicos.
Reportamos os resultados da administração de omalizumabe em 12 pacientes com asma grave, de acordo com os critérios estritos apresentados no Quadro 1. Os critérios de inclusão desses pacientes foram a falta de controle com tratamento adequado, em 9, e a necessidade de doses permanentes de corticoide oral para manter o controle da asma, em 3. Dos pacientes avaliados, 8 (70%) eram mulheres, com média de idade de 45,36 ± 15,19 anos no início do tratamento. O valor inicial do VEF1 foi de 1,72 ± 0,53 l (56,5 ± 12,6 em % do previsto), sem alteração após o uso de omalizumabe. Ao entrar no estudo, a dose média de corticosteroides inalatórios utilizados pelos pacientes era de 2.318,18 ± 844,7 µg/dia, e 7 pacientes (63%) usavam corticosteroide oral cronicamente, entre 2,5 a 40 mg/dia. A dose média mensal utilizada de omalizumabe foi de 504,54 ± 316,58 mg.
Durante o período de estudo, o omalizumabe foi suspenso em 1 paciente, por lipotimia e erupção cutânea, provavelmente associada ao uso da medicação. Os escores de controle da asma dos 11 pacientes que completaram o período previsto de 16 semanas de tratamento estão apresentados na Figura 1. Desses, 6 pacientes tiveram uma resposta excelente, com evidente melhora dos escores. Um paciente que apresentava taquicardia ventricular como efeito colateral do uso de β2-agonistas, dependente do uso de corticoide, manteve o controle ao final do período de 16 semanas de seguimento, sem necessidade do uso de β2-agonistas. Além desse, outros 3 dos 6 pacientes que se beneficiaram nitidamente com o tratamento eram usuários crônicos de corticoide. O corticoide foi suspenso em 1 paciente, reduzido em 1 e mantido em 1.
Dois pacientes não tiveram qualquer melhora após 16 semanas de tratamento, quando o omalizumabe foi suspenso. Em 3, a resposta foi considerada parcial; em 2, a medicação foi suspensa após 32 semanas, tendo em vista a ocorrência de exacerbações. Optou-se pela manutenção do fármaco em 1 paciente. Em resumo, mantivemos a administração do omalizumabe em 58% dos pacientes selecionados. Utilizando o questionário de controle de asma, considerando-se uma variação de meio ponto no escore como clinicamente significante, 64% dos pacientes tiveram boa resposta, enquanto, utilizando o teste de controle de asma, considerando-se uma variação de 3 pontos como significante, 73% também apresentaram respostas positivas. Na amostra, 8 pacientes apresentaram boa reposta ao medicamento em ambos os métodos.
A decisão de realizar esta análise piloto foi tomada pela Câmara de Fármacos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em 2010. Na época, havia apenas um estudo publicado com abrangência nacional demonstrando que o bloqueio da IgE era seguro em pacientes com asma e rinite alérgica infestados por helmintos.(2) Em um estudo multicêntrico brasileiro publicado em 2012, Rubin et al.(3) avaliaram pacientes com asma alérgica moderada não controlada com a associação de broncodilatadores de longa duração e corticoides inalatórios (fluticasona ≥ 500 µg/dia ou equivalente) e relataram melhora no controle da asma e na percepção global de eficácia. Iniciamos a seleção dos pacientes em 2012, quando a verba foi disponibilizada no orçamento anual da instituição. Tínhamos a estimativa de concluir a análise de 12 pacientes em 1 ano. Entretanto, obedecendo estritamente aos critérios pré-estabelecidos, foram necessários praticamente 3 anos para concluirmos a avaliação de 12 pacientes. Nossa experiência foi semelhante à reportada, recentemente, pelo subcomitê de utilização de fármacos do Ministério da Saúde australiano.(4) Contra a estimativa inicial da inclusão de aproximadamente 1.000 pacientes por ano nos primeiros 5 anos do programa, foram atendidos somente 148 no primeiro ano e 156 novos pacientes no segundo ano.(4)
Embora não fosse um critério obrigatório de inclusão, praticamente todos os nossos pacientes eram usuários, de forma constante ou contínua, de corticoides orais, além de altas doses de corticoides inalatórios. Tais características correspondem às aprovadas tanto no Departamento de Saúde da Austrália(4) quanto em no National Institute for Health and Care Excellence (NICE) no Reino Unido,(5) organismos que se pautam pela avaliação farmacoeconômica para disponibilizar recursos para novos medicamentos.
A melhora substancial observada em alguns de nossos pacientes demonstra que a medicação é capaz de modificar radicalmente a qualidade de vida e a capacidade laborativa de uma parcela selecionada de asmáticos graves. Resultados semelhantes foram levados em consideração no Reino Unido em 2007,(3) quando da aprovação provisória do omalizumabe, apesar da relação custo-efetividade inaceitável - > £ 30.000/quality-adjusted life-year (QALY) ganho. Há pouco tempo, o NICE concluiu que o medicamento se tornou economicamente viável (£ 23.200/QALY ganho) e limitou sua indicação a pacientes com asma grave e não controlada, usuários de corticoide sistêmico, apesar de medicados e seguidos de acordo com a diretriz do NICE(5); uma política semelhante foi adotada pelo Departamento de Saúde da Austrália.(4) A eficiência dessas diretrizes foi recentemente confirmada em estudos de vida real.(6,7)
Manter o tratamento (além dos pacientes respondedores) também em pacientes com respostas parciais baseou-se na avaliação global de eficácia pela equipe médica. A conduta tem respaldo na literatura, que demonstra, como melhor parâmetro de resposta ao medicamento, a impressão médica na 16ª semana (essa informação é obrigatória na decisão sobre a continuação ou não do tratamento na bula europeia).
Nosso estudo teve limitações. Não determinamos exatamente quantos pacientes foram avaliados e a quantos foi oferecido o tratamento, mas a restrição não interfere na principal conclusão: de um universo estimado em aproximadamente 2.500 pacientes com asma de difícil controle, atendidos em 3 anos (entre pacientes novos e em seguimento), demonstramos que a utilização de omalizumabe resultou em uma melhora clínica substancial em uma pequena parcela desses. A ausência de um grupo controle foi outra limitação. Gibson et al.(8) analisaram 12 pacientes com características semelhantes às dos nossos, em um delineamento tipo n = 1 (avalia eficácia e segurança em paciente individual utilizando um estudo aleatorizado duplo-cego cruzado, controlado por placebo, com múltiplos períodos de tratamento); no estudo, o omalizumabe foi suspenso após 12 semanas de tratamento, permitindo a comparação entre os períodos com e sem a droga. Os resultados foram semelhantes aos que obtivemos; 50% dos pacientes avaliados tiveram resposta positiva total ou parcial.
Em conclusão, pacientes com asma grave não controlada, apesar de receber tratamento adequado segundo as diretrizes disponíveis, constituem uma pequena parcela dos portadores da doença e, por estar em piores condições de saúde, consomem a maior fatia dos recursos.(9) Em centros de referência, procura-se identificar nesses pacientes os fatores que, devidamente dimensionados e tratados, interfiram positivamente em sua evolução.(10,11) Os resultados obtidos em nossa série, acrescidos aos descritos por outros centros, demonstram que o bloqueio da IgE é eficaz para alguns pacientes. A aplicação de um protocolo rígido em centros de atenção a asmáticos permitiria identificar potenciais beneficiados, contrapondo-se à prescrição por demandas judiciais.(12) Exercer a medicina personalizada e de precisão é o que aponta o futuro,(13) permitindo a equidade do sistema, mas sem impedir o progresso científico.
REFERÊNCIAS1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos estratégicos [homepage on the internet]. Brasília: o Ministério [updated 2016 Jul, cited 2017 Jan 2] Omalizumabe para o tratamento da asma grave. [Adobe Acrobat document, 110p.]. Available from: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2016/Relatorio_Omalizumabe_AsmaGrave_final.pdf
2. Cruz AA, Lima F, Sarinho E, Ayre G, Martin C, Fox H, et al. Safety of anti-immunoglobulin E therapy with omalizumab in allergic patients at risk of geohelminth infection. Clin Exp Allergy. 2007;37(2):197-207. https://doi.org/10.1111/j.1365-2222.2007.02650.x
3. Rubin AS, Souza-Machado A, Andrade-Lima M, Ferreira F, Honda A, Matozo TM, et al. Effect of omalizumab as add-on therapy on asthma-related quality of life in severe allergic asthma: a Brazilian study (QUALITX). J Asthma. 2012;49(3):288-93. https://doi.org/10.3109/02770903.2012.660297
4. The Pharmaceutical Benefits Scheme (PBS) [homepage on the Internet]. Canberra: PBS [updated 2014 Jun, cited 2017 Jan 2]. Omalizumab: 24-month predicted versus actual analysis. Drug utilisation sub-committee (DUSC) [about 2 screens]. Available from: http://www.pbs.gov.au/info/industry/listing/participants/public-release-docs/omalizumab
5. National Institute for Health and Care Excellence (NICE) [homepage on the Internet]. London: NICE [updated 2013 Apr 24, cited 2017 Jan 2]. Omalizumab for treating severe persistent allergic asthma [about 3 screens]. Available from: http://www.nice.org.uk/guidance/ta278
6. Niven RM, Saralaya D, Chaudhuri R, Masoli M, Clifton I, Mansur AH, et al. Impact of omalizumab on treatment of severe allergic asthma in UK clinical practice: a UK multicentre observational study (the APEX II study). BMJ Open. 2016;6(8):e011857.
7. Gibson PG, Reddel H, McDonald VM, Marks G, Jenkins C, Gillman A et al. Effectiveness and response predictors of omalizumab in a severe allergic asthma population with a high prevalence of comorbidities: the Australian Xolair Registry. Intern Med J. 2016;46(9):1054-62. https://doi.org/10.1111/imj.13166
8. Gibson PG, Taramarcaz P, McDonald V. Use of omalizumab in a severe asthma clinic. Respirology. 2007;12 Suppl 3:S35-44; discussion S45-7.
9. de Carvalho-Pinto R, Cukier A, Angelini L, Antonangelo L, Mauad T, Dolhnikoff M, et al. Clinical characteristics and possible phenotypes of an adult severe asthma population. Respir Med. 2012;106(1):47-56. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2011.08.013
10. Dias-Júnior SA, Reis M, de Carvalho-Pinto RM, Stelmach R, Halpern A, Cukier A. Effects of weight loss on asthma control in obese patients with severe asthma. Eur Respir J. 2014;43(5):1368-77. https://doi.org/10.1183/09031936.00053413
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12. Stelmach R, Cerci Neto A, Fonseca AC, Ponte EV, Alves G, Araujo-Costa IN, et al. A workshop on asthma management programs and centers in Brazil: reviewing and explaining concepts. J Bras Pneumol. 2015;41(1):3-15. https://doi.org/10.1590/S1806-37132015000100002
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