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Cartas ao Editor

Oxigenação por membrana extracorpórea em paciente acordado como ponte para o transplante pulmonar

Extracorporeal membrane oxygenation in an awake patient as a bridge to lung transplantation

Spencer Marcantonio Camargo1,a, Stephan Adamour Soder1,b, Fabiola Adelia Perin1,c, Douglas Zaione Nascimento1,d, Sadi Marcelo Schio1,e

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562017000000125

AO EDITOR:

O transplante pulmonar (TxP) é uma terapêutica estabelecida para o tratamento das doenças pulmonares avançadas. Embora o número de transplantes esteja aumentando em todo mundo,(1) durante a espera por um transplante pode haver agravamento da doença de base, especialmente nos pacientes com diagnóstico de doenças intersticiais, que eventualmente evoluem para insuficiência ventilatória com necessidade de suporte ventilatório. O suporte por ventilação mecânica invasiva (VMI) é a forma mais comum de manter esses pacientes vivos até o transplante, mas tem como inconveniente o risco aumentado de infecções e a falência muscular relacionada à sua imobilização e ao uso de drogas para a sedação. Nesse sentido, a utilização de algum suporte que mantenha o paciente fora da VMI aumenta as chances de sucesso do transplante futuro.

O uso de extracorporeal membrane of oxygenation (ECMO, oxigenação por membrana extracorpórea) como ponte para TxP é uma realidade em centros transplantadores na América do Norte e Europa, mas ainda é restrito no Brasil. A indicação de ECMO como suporte pulmonar é a deterioração da função respiratória, com hipoxemia ou hipercapnia severa, situação em que o circuito venovenoso é capaz de prover adequadamente as trocas e o equilíbrio ácido-base. Embora a instalação de ECMO ocorra na maioria das vezes em pacientes em VMI, o uso do dispositivo como suporte no paciente fora de ventilação e desperto é uma alternativa interessante e cada vez mais utilizada.(2)

Descrevemos o caso de um paciente masculino de 41 anos, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico e fibrose pulmonar secundária à doença do colágeno. Quando foi encaminhado para avaliação para TxP, o paciente fazia uso de oxigênio contínuo há seis meses. Os exames mostravam VEF1 de 2,01 l (56% do previsto), CVF de 2,07 l (43% do previsto) e DLCO de 31%. Alguns meses após o ingresso em lista de espera, o paciente procurou a emergência, com piora de dispneia e hipoxemia. Foi manejado inicialmente com o aumento da oferta de oxigênio por máscara com reservatório e antibioticoterapia empírica. Os exames mostraram progressão da doença, estando o paciente restrito ao leito e com hipoxemia acentuada. O paciente foi colocado em ventilação mecânica não invasiva (VMNI) com alto fluxo de oxigênio (FiO2 = 100%) e, frente à iminente indicação de suporte ventilatório, optou-se pela instalação de ECMO venovenoso, mantendo-se o paciente acordado. A canulação foi feita nas veias jugular (cânula de retorno) e femoral (cânula de drenagem) à direita, com circuito recoberto de heparina (Maquet, Rastatt, Alemanha), e foi solicitada sua priorização na lista de espera para TxP junto à câmara técnica. A ECMO foi mantida com fluxo em torno de 4 l/min, FiO2 de 100% e fluxo de gases no circuito de 4-5 l, com o paciente recebendo anticoagulação com heparina e controlado por tempo de coagulação ativada, com alvo entre 180-220 s. O paciente permaneceu acordado, alimentando-se por via oral e realizando fisioterapia, mantendo-se em VMNI intermitente inicialmente e, posteriormente, somente com cateter nasal (Figura 1). No quarto dia de internação houve a oferta de um órgão compatível de um doador de 37 anos, com PaO2 de 240 mmHg.
 



Foi realizado um TxP bilateral, mantendo-se a ECMO no período transoperatório, sem reversão da anticoagulação. O paciente foi extubado no primeiro dia após o transplante e permaneceu em ECMO até o terceiro dia pós-operatório. O paciente recebeu alta da UTI no décimo dia pós-operatório e alta hospitalar no vigésimo segundo dia pós-operatório, sem uso de oxigênio e deambulando. A evolução das variáveis gasosas é mostrada na Tabela 1.

A conduta frente ao paciente em lista de espera para transplante que evolui com disfunção ventilatória é um desafio. A colocação do paciente em VMI possibilita a sobrevida, mas seus efeitos secundários limitam a chance do transplante e pioram os resultados dos pacientes transplantados nessa situação. A alternativa com o uso de ECMO e manutenção do paciente em ventilação espontânea até o transplante representa uma terapia moderna e eficiente, permitindo que o paciente permaneça em fisioterapia ativa e alimente-se normalmente enquanto aguarda um pulmão compatível.

A ECMO foi utilizada como ponte para o TxP pela primeira vez em 1975; porém, até meados dos anos 2000, os resultados não eram muito consistentes. As mudanças promovidas pela modernização da membrana e do circuito melhoraram muito a eficiência do sistema, promovendo melhor troca gasosa e reduzindo a necessidade de anticoagulação.

Toyoda et al.(3) relataram a experiência da Universidade de Pittsburgh com uso de ECMO pré-transplante, comparando o grupo que usou ECMO como ponte para o transplante (24 pacientes) com o grupo que não necessitou utilizar ECMO antes do transplante (691 pacientes). O grupo ECMO teve um índice maior de disfunção primária do enxerto e um tempo de internação maior do que o grupo que não necessitou de ECMO; entretanto, a taxa de sobrevida em 1 e 2 anos foram equiparáveis nos grupos ECMO e não ECMO (74% vs. 83% no primeiro ano e 74% vs. 74% no segundo).

Fuehner et al.(4) estudaram 60 pacientes transplantados entre 2006 e 2011 que necessitaram de ponte para TxP, sendo 26 e 34 submetidos a tratamento com ECMO e com VMI, respectivamente. A sobrevida em seis meses foi de 80% e 50% nos grupos ECMO e VMI, respectivamente, e os pacientes do grupo ECMO apresentaram menor tempo de hospitalização pós-operatória. Supõe-se que essas diferenças existam pela ocorrência de pneumonia e de lesão diafragmática induzida pela VMI. Essa constatação é sustentada por estudos que mostram que o repouso da musculatura do diafragma induzida pela VMI, mesmo por períodos breves, acarreta disfunção diafragmática por graus variados de atrofia muscular, prejudicando o desmame da VMI.(5)


No caso relatado, a manutenção do paciente em ECMO possibilitou fisioterapia ativa e alimentação oral enquanto aguardava-se o órgão. A ECMO permitiu a extubação precoce (no primeiro dia pós-operatório), com a retirada do circuito no terceiro dia pós-operatório, resultando em um tempo curto de permanência em UTI, com impacto no custo global do transplante. Quando este texto foi redigido, o paciente estava no terceiro ano de transplante, apresentando função pulmonar preservada.

Este foi o primeiro caso utilizando ECMO como ponte para TxP realizado por nossa equipe, e o excelente resultado corrobora resultados encontrados na literatura.

REFERÊNCIAS

1. Yusen RD, Edwards LB, Dipchand AI, Goldfarb SB, Kucheryavaya AY, Levvey BJ, et al. The Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirty-third Adult Lung and Heart-Lung Transplant Report 2016; Focus Theme: Primary Diagnostic Indications for Transplant. J Heart Lung Transplant. 2016;35(10):1170-84. https://doi.org/10.1016/j.healun.2016.09.001
2. Schechter MA, Ganapathi AM, Englum BR, Speicher PJ, Daneshmand MA, Davis RD, et al. Spontaneously Breathing Extracorporeal Membrane Oxygenation Support Provides the Optimal Bridge to Lung Transplantation. Transplantation. 2016;100(12):2699-2704. https://doi.org/10.1097/TP.0000000000001047
3. Toyoda Y, Bhama JK, Shigemura N, Zaldonis D, Pilewski J, Crespo M, et al. Efficacy of extracorporeal membrane oxygenation as a bridge to lung transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;145(4):1065-70; discussion 1070-1. https://doi.org/10.1016/j.jtcvs.2012.12.067
4. Fuehner T, Kuehn C, Hadem J, Wiesner O, Gottlieb J, Tudorache I, et al. Extracorporeal membrane oxygenation in awake patients as bridge to lung transplantation. Am J Respir Crit Care Med. 2012;185(7):763-8. https://doi.org/10.1164/rccm.201109-1599OC
5. Jaber S, Jung B, Matecki S, Petrof BJ. Clinical review: ventilator-induced diaphragmatic dysfunction--human studies confirm animal model findings! Crit Care. 2011;15(2):206. https://doi.org/10.1186/cc10023

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