Há mais de 50 anos, uma epidemia de hipertensão pulmonar na Áustria, Alemanha e Suíça causou a mobilização da comunidade médica em busca de respostas. Após a avaliação dos dados disponíveis, foi estabelecida a relação entre o uso de um anorexígeno (aminorex) e o desenvolvimento de um quadro de hipertensão arterial pulmonar explicada por uma arteriopatia pré-capilar com presença de lesões plexiformes.(1)
A Organização Mundial da Saúde organizou em Genebra, Suíça, em 1973, o primeiro Simpósio Mundial em Hipertensão Pulmonar. O objetivo da reunião era agregar e, mais importante, compartilhar o conhecimento existente até aquele momento sobre hipertensão pulmonar, reunindo especialistas de diversas áreas - entre eles, clínicos, patologistas e epidemiologistas. O reconhecimento oficial da enfermidade foi fundamental para que diversos grupos de pesquisa se organizassem e buscassem novas informações para que o fardo dessa condição pudesse ser mais bem compreendido e enfrentado.
A partir desse primeiro simpósio mundial surgiu a recomendação de um registro internacional em hipertensão pulmonar. Dados colhidos de forma sistemática e prospectiva poderiam oferecer informações fundamentais para a compreensão da história natural dessa condição e permitiria que a comunidade internacional buscasse ou propusesse intervenções para que houvesse melhora da sobrevida desse grupo de pacientes, a esse ponto, já sabidamente de curta sobrevida. O primeiro registro internacional foi publicado somente no começo da década de 1990 e trouxe informações de grande valor; entre elas, a primeira equação de sobrevida.(2) Dados hemodinâmicos, tais como índice cardíaco, pressão de átrio direito e pressão média de artéria pulmonar, se mostraram relevantes em termos de sobrevida. Entretanto, desde o primeiro simpósio mundial em 1973 e a publicação da coorte norte-americana em 1991,(2) poucos avanços foram incorporados para a compreensão e o tratamento dos pacientes com hipertensão arterial pulmonar. Podemos citar como os mais relevantes nesse período estudos sobre anticoagulação e uso de bloqueadores de canal de cálcio, assim como o surgimento e estabelecimento do transplante pulmonar. Entretanto, nenhuma dessas intervenções representou uma mudança de paradigma no tratamento de pacientes com sobrevida tão limitada.
No ano de 1996, foi publicado um estudo sobre o uso de epoprostenol endovenoso em pacientes com hipertensão arterial pulmonar.(3) Os resultados foram extremamente animadores e, pela primeira vez, obteve-se um resultado que implicava a redução da mortalidade nessa população de pacientes. Nessa época, grupos de pesquisa de diversas regiões do mundo haviam recolhido e analisado dados não só de pacientes com hipertensão arterial pulmonar mas também com outras formas de acometimento da circulação pulmonar. Entre eles, destaca-se o grupo dedicado ao estudo e tratamento da hipertensão pulmonar tromboembólica crônica, que estabeleceu e sistematizou a cirurgia de tromboendarterectomia das artérias pulmonares.
Em 1998, acontece então o segundo Simpósio Mundial em Hipertensão Pulmonar na cidade de Evian, França. Com o surgimento de um fármaco que mudou o paradigma de tratamento, assim como com a análise crítica dos dados epidemiológicos e a incorporação de procedimentos cirúrgicos, entre outros fatores, a grande contribuição desse segundo simpósio mundial foi propor uma tabela de classificação da hipertensão pulmonar para que pesquisadores e médicos das mais diversas regiões do mundo pudessem utilizá-la para organizar suas pesquisas e atender adequadamente seus pacientes. A tabela de classificação levou em conta fatores comuns que pudessem ser agrupados: apresentação clínica, fisiopatologia, achados de anatomia patológica e resposta aos tratamentos. Surgiu assim o sistema de classificação em cinco grupos, então assim divididos: hipertensão arterial pulmonar; hipertensão pulmonar venosa; hipertensão pulmonar associada a enfermidades do sistema respiratório ou hipóxia; hipertensão pulmonar causada por doença trombótica ou embólica; e hipertensão pulmonar causada por doenças que afetam diretamente os vasos pulmonares.(4) Dentro de cada grupo há subgrupos definidos por situações ou apresentações clínicas bem específicas.
Essa proposta de classificação abandonou a classificação simplista até então vigente entre hipertensão pulmonar primaria ou secundária, definida pela ausência ou presença de causas ou fatores de risco conhecidos. Esse foi um avanço significativo, pois demonstrou, ainda que com limitações, a complexidade do cenário da hipertensão pulmonar. Não há duvidas de que o segundo simpósio mundial representou a capacidade de organização da comunidade internacional em chamar a atenção para um tema muito relevante em saúde, especialmente se apreciado sob o ponto de vista de morbidade e sobrevida.
Em 2002 é publicado o primeiro estudo sobre a utilização de um antagonista de receptor de endotelina em pacientes com hipertensão arterial pulmonar(5); essa foi primeira medicação de administração oral que se mostrou eficaz em melhorar significativamente a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (desfecho primário), além de ter um impacto positivo em outros marcadores da doença. Nessa época, já se havia identificado que as principais vias fisiopatológicas da hipertensão pulmonar eram as que se relacionavam às prostaciclinas, ao metabolismo do oxido nítrico e à endotelina.
Com mais uma via fisiopatológica como alvo de tratamento e o crescente número de publicações na área, foi realizado o terceiro Simpósio Mundial em Hipertensão Pulmonar em 2003. Foram novamente realizados alguns ajustes na classificação; entretanto, manteve-se a estrutura em cinco grupos, atendendo os mesmos preceitos. Além disso, as opções terapêuticas foram atualizadas e foi apresentado um algoritmo de tratamento. Foram também organizados de maneira mais clara grupos de trabalho com focos específicos, destacando-se entre eles patologia, genética e ensaios clínicos.
Nos anos seguintes, a cada cinco anos um novo simpósio mundial foi realizado. Em 2008, em Dana Point, EUA, novos ajustes foram feitos na classificação clínica da hipertensão pulmonar, e o algoritmo de tratamento também foi atualizado, incorporando fármacos e designando níveis de evidência e graus de recomendação para cada intervenção farmacológica. O uso de bloqueadores de canais de cálcio, além de fármacos ditos específicos, ficou estabelecido, assim como as implicações dos critérios de resposta(6,7) foram incorporados. Mais dados epidemiológicos vinham sendo coletados e uma das contribuições mais importantes do quarto simpósio foi o estabelecimento da necessidade de ensaios clínicos que tivessem como desfecho primário o período de tempo até a piora clínica e não mais marcadores substitutos de gravidade em estudos realizados por um tempo relativamente curto. Esse dado foi particularmente importante para testar novas estratégias de intervenção farmacológica num cenário no qual muitos pacientes já estavam medicados quando da inclusão num novo estudo.
Em 2013, foi realizado o quinto simpósio mundial em Nice, França; além da atualização da tabela de classificação, pudemos ver a incorporação de novas estratégias e fármacos no algoritmo de tratamento. Do ponto de vista da fisiopatologia, o ventrículo direito assume um papel de destaque, além do grupo de trabalho em patologia. Desde o começo da década de 2000, o papel da hemodinâmica e da avaliação do ventrículo direito por métodos de imagem trouxeram informações importantes sobre sua utilidade no momento do diagnóstico e no acompanhamento dos pacientes com hipertensão pulmonar.(8,9) Houve também a discussão de dados de novos registros de diversas partes do mundo, que produziram informações epidemiológicas relevantes em termos de idade de diagnóstico, sobrevida e estratificação de risco.(10) Nos anos seguintes, estudos clínicos baseados nos preceitos estabelecidos pelos grupos de trabalho do simpósio mundial puderam explorar os efeitos de estratégias de tratamento em aspectos de morbidade, mortalidade, hospitalização e qualidade de vida.(11,12)
Finalmente, há poucos meses, tivemos o sexto simpósio mundial, novamente em Nice, França. Não podemos ainda afirmar quais foram as alterações e sugestões dos grupos de trabalho, pois ainda não os temos em forma de publicação final. Podemos dizer, no entanto, que a hipertensão pulmonar ganhou relevância global,(13,14) além da questão de sua apresentação mais rara e fatal. Entretanto, sem dúvida, os dados refletirão os avanços da comunidade internacional do ultimo período de cinco anos.
A realização dos simpósios mundiais é causa e consequência dos avanços na ciência da hipertensão pulmonar. O encontro e as discussões, que acontecem também durante todo o período de preparação do evento, permitem ordenar e apontar os caminhos dessa área do conhecimento tão importante, principalmente para os que enfrentam essa enfermidade, ou seja, os pacientes e a comunidade ao entorno.
REFERÊNCIAS
1. Gurtner HP. Aminorex and pulmonary hypertension. A review. Cor Vasa. 1985;27(2-3):160-71.
2. D'Alonzo GE, Barst RJ, Ayres SM, Bergofsky EH, Brundage BH, Detre KM, et al., Survival in patients with primary pulmonary hypertension. Results from a national prospective registry. Ann Intern Med. 1991;115(5):343-9. https://doi.org/10.7326/0003-4819-115-5-343
3. Barst RJ, Rubin LJ, Long WA, McGoon MD, Rich S, Badesch DB, et al., A comparison of continuous intravenous epoprostenol (prostacyclin) with conventional therapy for primary pulmonary hypertension. N Engl J Med. 1996;334(5):296-301. https://doi.org/10.1056/NEJM199602013340504
4. Simonneau G, Galiè N, Rubin LJ, Langleben D, Seeger W, Domenighetti G, et al., Clinical classification of pulmonary hypertension. J Am Coll Cardiol. 2004;43(12 Suppl S):5S-12S. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2004.02.037
5. Rubin LJ, Badesch DB, Barst RJ, Galie N, Black CM, Keogh A, et al., Bosentan therapy for pulmonary arterial hypertension. N Engl J Med. 2002; 346(12):896-903. https://doi.org/10.1056/NEJMoa012212
6. Sitbon O, Humbert M, Jaïs X, Ioos V, Hamid AM, Provencher S, et al., Long-term response to calcium channel blockers in idiopathic pulmonary arterial hypertension. Circulation. 2005;111(23):3105-11. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.104.488486
7. Costa EL, Jardim C, Bogossian HB, Amato MB, Carvalho CR, Souza R. Acute vasodilator test in pulmonary arterial hypertension: evaluation of two response criteria. Vascul Pharmacol. 2005;43(3):143-7. https://doi.org/10.1016/j.vph.2005.05.004
8. Vonk-Noordegraaf A, Souza R. Cardiac magnetic resonance imaging: what can it add to our knowledge of the right ventricle in pulmonary arterial hypertension? Am J Cardiol. 2012;110(6 Suppl):25S-31S. https://doi.org/10.1016/j.amjcard.2012.06.013
9. Vonk-Noordegraaf A, Haddad F, Chin KM, Forfia PR, Kawut SM, Lumens J, et al., Right heart adaptation to pulmonary arterial hypertension: physiology and pathobiology. J Am Coll Cardiol. 2013;62(25 Suppl):D22-33. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.10.027
10. McGoon MD, Benza RL, Escribano-Subias P, Jiang X, Miller DP, Peacock AJ, et al., Pulmonary arterial hypertension: epidemiology and registries. J Am Coll Cardiol. 2013;62(25 Suppl):D51-9. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2013.10.023
11. McLaughlin VV, Hoeper MM, Channick RN, Chin KM, Delcroix M, Gaine S, et al., Pulmonary Arterial Hypertension-Related Morbidity Is Prognostic for Mortality. J Am Coll Cardiol. 2018;71(7):752-763. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2017.12.010
12. Channick RN, Delcroix M, Ghofrani HA, Hunsche E, Jansa P, Le Brun FO, et al., Effect of macitentan on hospitalizations: results from the SERAPHIN trial. JACC Heart Fail. 2015;3(1):1-8. https://doi.org/10.1016/j.jchf.2014.07.013
13. Hoeper MM, Humbert M, Souza R, Idrees M, Kawut SM, Sliwa-Hahnle K, et al., A global view of pulmonary hypertension. Lancet Respir Med. 2016;4(4):306-22. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(15)00543-3
14. Humbert M, Khaltaev N, Bousquet J, Souza R. Pulmonary hypertension: from an or-phan disease to a public health problem. Chest. 2007;132(2):365-7. https://doi.org/10.1378/chest.07-0903