O teste da caminhada de seis minutos (TC6) é um método simples de investigar a capacidade de exercício em pacientes com doença pulmonar avançada.(1,2) Quando comparado com um teste de exercício cardiopulmonar tradicional, constata-se que, via de regra, pacientes que realizam o TC6 não atingem níveis de ventilação ou de frequência cardíacas máximas previstas, sendo considerado, portanto, um exame submáximo. As vantagens do emprego desse teste englobam o fato de os pacientes estarem familiarizados com a tarefa de andar e de demandar, além de um profissional da saúde treinado, apenas elementos de baixo custo: um corredor plano com comprimento de aproximadamente 30 metros, um esfigmomanômetro e um oxímetro de pulso.
Ainda que o TC6 não permita a identificação dos mecanismos envolvidos com a limitação do exercício, ele pode ser considerado uma medida global da integração entre os sistemas respiratório, cardiovascular e locomotor. Acumulam-se evidências que baixas distâncias percorridas nesse teste estejam fortemente associadas com riscos maiores de hospitalização e mortalidade em pacientes com pneumopatias avançadas.(1,2)
Admite-se que o TC6 possua boa confiabilidade teste-reteste, mas é bem reconhecido que existe um efeito de aprendizado com a realização de testes repetidos. Por isso, recomenda-se a realização de pelo menos dois testes na mesma ocasião, separados por um intervalo para repouso de pelo menos 30 minutos, sendo selecionado para a análise dos resultados o exame com a maior distância percorrida.(2,3)
Embora a principal medida fisiológica extraída do TC6 seja a distância percorrida (DTC6), outros parâmetros obtidos no teste também podem fornecer informações relevantes, tais como o nadir da SaO2, o grau de recuperação da frequência cardíaca no minuto que segue o final do teste e mesmo o produto da DTC6 pela menor SpO2 observada.(4)
Apesar de sua simplicidade, o TC6 não deve ser realizado em pacientes com dispneia incapacitante, na presença de anormalidades ortopédicas significativas ou de certas condições cardiovasculares, como, por exemplo, infarto do miocárdio recente, estenose aórtica grave e insuficiência cardíaca descompensada.(2,3) Em pacientes exibindo SpO2 em ar ambiente abaixo de 88%, recomenda-se realizar o teste com suplementação de oxigênio, devendo-se interromper a caminhada sempre que esse índice cair abaixo de 80% por pelo menos seis segundos, a qual pode ser retomada quando o valor da SpO2 for maior ou igual a 85%.(2,3)
Nos últimos anos, tem-se observado um aumento no interesse do emprego do TC6 em pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI), não apenas na prática médica cotidiana, como também em ensaios clínicos controlados. (4,5) Admite-se que um teste inicial, realizado próximo da primeira consulta, forneça informações sobre a capacidade física dos doentes, a possível necessidade de oxigênio durante atividades físicas, bem como dados de interesse prognóstico. De fato, há anos é bem reconhecido que a detecção de SpO2 ≤ 88% num TC6 em pacientes com FPI, realizado sem suplementação de oxigênio, é um indicador seguro de pior sobrevida.(6)
Apesar do expressivo número de artigos envolvendo TC6 e FPI, os dados atualmente considerados como os mais confiáveis foram fornecidos pela análise dos resultados obtidos a partir de um número substancial de pacientes incluídos em dois grandes ensaios clínicos envolvendo novas drogas para o tratamento da doença. (7-9) Tais estudos mostraram correlações significantes entre a DTC6 com medidas de qualidade de vida e dispneia, bem como algumas variáveis funcionais respiratórias.
Uma análise feita em 748 voluntários incluídos em um dos estudos(7) mostrou que DTC6 inferiores a 250 m no teste inicial estiveram associadas ao dobro do risco de mortalidade após aproximadamente um ano de seguimento. Além disso, quedas maiores do que 50 m nas DTC6, detectadas em exames realizados 24 semanas após o primeiro teste, resultaram em um risco três vezes maior de óbito nas 24 semanas seguintes. Os valores das diferenças mínimas de importância clínica calculados a partir daqueles estudos(8,9) foram de 24-45 m e 21,7-37,0 m. O conjunto de resultados obtidos a partir das análises dos exames realizados naqueles dois ensaios clínicos(7-9) indica, de maneira clara, que o TC6 é um instrumento válido e útil para ser empregado no cuidado de pacientes com FPI.
No presente número do JBP, Mancuso et al.(10) mostram resultados de DTC6 para 70 pacientes com FPI, selecionados de maneira retrospectiva a partir de dois centros de referência em doenças intersticiais pulmonares no Brasil. O principal achado do estudo foi que um valor de DTC6 < 330 m ou < 70% do previsto esteve associado a uma sobrevida substancialmente menor, devendo ser considerado um indicador de mau prognóstico em pacientes com FPI no Brasil.
A questão que logo salta aos olhos é o porquê do valor proposto como índice de mau prognóstico no estudo brasileiro(10) difere substancialmente daqueles previamente encontrados na literatura internacional. (7,11-13) Uma das explicações levantadas pelos autores baseia-se na comparação de resultados prévios de estudos envolvendo padrões de normalidade para DTC6 em voluntários sadios do Brasil com os de outros países. (14) Há evidências de que as DTC6 de moradores da América Latina sejam superiores a de pessoas nos EUA e na Europa.(14) As razões para esse achado passariam por maiores demandas físicas, presentes no cotidiano de moradores em países com piores condições socioeconômicas. Esse tipo de achado também se refletiria nos padrões de pacientes com doença respiratória, como DPOC ou FPI, moradores desses países. Contudo, outros fatores relacionados com o desenho e análises feitas no estudo de Mancuso et al.(10) podem ter igualmente contribuído para a diferença encontrada. Como comparações entre o estudo de Mancuso et al.(10) e as características de todos os outros previamente publicados são inviáveis, vamos nos limitar a tecer considerações em relação apenas à investigação de maior casuística, desenvolvida a partir dos dados do estudo de du Bois et al.(7)
No estudo brasileiro,(10) foram excluídos pacientes com SpO2 < 89%, enquanto, no estudo internacional,(7) 11,5% dos voluntários faziam uso de oxigenoterapia. Desse modo, poderíamos supor que a inclusão de pacientes mais graves no último estudo, provavelmente até com hipertensão pulmonar acentuada, pudesse justificar, pelo menos em parte, a diferença de achados. Embora essa seja uma possibilidade viável, é importante reconhecer que os valores médios da DTC6 encontrados em ambos os estudos foram muito próximos. Na verdade, a média da DTC6 no grupo de pacientes do estudo internacional foi até maior do que a do estudo brasileiro (397 ± 107 m vs. 380 ± 115 m).(7,10)
Outro fator que poderia explicar a diferença entre os achados é o tempo de seguimento dos pacientes. No estudo internacional(7) ele foi de apenas 48 semanas, enquanto no estudo brasileiro(10) o acompanhamento mediano foi de 37,6 meses, variando entre 5 e 129 meses. Desse modo, a limitação imposta por um seguimento circunscrito apenas à duração pré-determinada do ensaio clínico pode ter influenciado os resultados ao impedir uma caracterização mais detalhada do comportamento de alguns pacientes com doença de evolução mais benigna.
É importante considerar ainda o papel de diferenças no emprego de métodos estatísticos, bem como na forma de expressar os resultados. Rigorosamente falando, o estudo internacional(7) mostrou que uma DTC6 < 250 m está associada ao dobro do risco de mortalidade após 48 semanas de acompanhamento. Já o estudo brasileiro(10) indicou que uma DTC6 < 330 m cursa com uma sobrevida de 24 meses, enquanto valores além daquele corte mostram uma mediana de sobrevida de 59 meses.
De qualquer maneira, o estudo de Mancuso et al.(10) deixa claro, mais uma vez, a importância prognóstica que o TC6 exibe na FPI. Entretanto, certamente que se trata de um instrumento a ser avaliado em conjunto com outros dados clínicos e fisiológicos, tais como a intensidade da dispneia e valores de CVF e DLCO.
Os pneumologistas brasileiros devem ficar atentos à possibilidade de seus pacientes com FPI exibir valores absolutos de DTC6 indicativos de mau prognóstico, maiores do que os preconizados pela literatura internacional. Caso a DTC6 seja analisada isoladamente e se empregue um dos valores absolutos preconizados pela literatura internacional, correremos o risco de considerar como graves apenas pacientes que estejam numa fase da doença muitíssimo avançada.
REFERÊNCIAS
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2. Holland AE, Spruit MA, Troosters T, Puhan MA, Pepin V, Saey D, et al. An official European Respiratory Society/American Thoracic Society technical standard: field walking tests in chronic respiratory disease. Eur Respir J. 2014;44(6):1428-46. https://doi.org/10.1183/09031936.00150314
3. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7. https://doi.org/10.1164/ajrccm.166.1.at1102
4. Brown AW, Nathan SD. The Value and Application of the 6-Minute-Walk Test in Idiopathic Pulmonary Fibrosis. Ann Am Thorac Soc. 2018;15(1):3-10. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201703-244FR
5. Fernández Fabrellas E, Peris Sánchez R, Sabater Abad C, Juan Samper G. Prognosis and follow-up of idiopathic pulmonary fibrosis. Med Sci (Basel). 2018;6(2). pii: E51. https://doi.org/10.3390/medsci6020051
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8. du Bois RM, Weycker D, Albera C, Bradford WZ, Costabel U, Kartashov A, et al. Six-minute-walk test in idiopathic pulmonary fibrosis: test validation and minimal clinically important difference. J Respir Crit Care Med. 2011;183(9):1231-7. https://doi.org/10.1164/rccm.201007-1179OC
9. Nathan SD, du Bois RM, Albera C, Bradford WZ, Costabel U, Kartashov A. Validation of test performance characteristics and minimal clinically important difference of the 6-minute walk test in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. Respir Med. 2015;109(7):914-22. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2015.04.008
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13. Lederer DJ, Arcasoy SM, Wilt JS, D'Ovidio F, Sonett JR, Kawut SM. Six-minute-walk distance predicts waiting list survival in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2006;174(6):659-64. https://doi.org/10.1164/rccm.200604-520OC
14. Casanova C, Celli BR, Barria P, Casas A, Cote C, de Torres JP, Jardim J, et al. The 6-min walk distance in healthy subjects: reference standards from seven countries. Eur Respir J. 2011;37(1):150-6. https://doi.org/10.1183/09031936.00194909