ABSTRACT
Objective: To determine the prevalence of spirometric abnormalities in patients screened for coronary artery disease (CAD) and the risk factors for lung function impairment. Methods: Patients referred for cardiac CT underwent spirometry and were subsequently divided into two groups, namely normal lung function and abnormal lung function. The prevalence of spirometric abnormalities was calculated for the following subgroups of patients: smokers, patients with metabolic syndrome, elderly patients, and patients with obstructive coronary lesions. All groups and subgroups were compared in terms of the coronary artery calcium score and the Duke CAD severity index. Results: A total of 205 patients completed the study. Of those, 147 (72%) had normal lung function and 58 (28%) had abnormal lung function. The median coronary artery calcium score was 1 for the patients with normal lung function and 36 for those with abnormal lung function (p = 0.01). The mean Duke CAD severity index was 15 for the former and 27 for the latter (p < 0.01). Being a smoker was associated with the highest OR for abnormal lung function, followed by being over 65 years of age and having obstructive coronary lesions. Conclusions: The prevalence of spirometric abnormalities appears to be high in patients undergoing cardiac CT for CAD screening. Smokers, elderly individuals, and patients with CAD are at an increased risk of lung function abnormalities and therefore should undergo spirometry.
(ClinicalTrials.gov identifier: NCT01734629 [http://www.clinicaltrials.gov/])
Keywords:
Pulmonary disease, chronic obstructive; Spirometry; Coronary disease; Tomography, X-ray computed.
RESUMO
Objetivo: Determinar a prevalência de alterações espirométricas em pacientes submetidos a investigação para detecção de doença arterial coronariana (DAC) e os fatores de risco de comprometimento da função pulmonar. Métodos: Pacientes encaminhados para TC cardíaca foram submetidos a espirometria e, em seguida, divididos em dois grupos: função pulmonar normal e função pulmonar anormal. A prevalência de alterações espirométricas foi calculada em fumantes, pacientes com síndrome metabólica, idosos e portadores de lesões coronárias obstrutivas. Os grupos e subgrupos foram comparados quanto ao escore de cálcio coronariano e ao índice de gravidade de DAC de Duke. Resultados: Completaram o estudo 205 pacientes. Destes, 147 (72%) apresentaram função pulmonar normal e 58 (28%) apresentaram função pulmonar anormal. A mediana do escore de cálcio coronariano foi 1 nos pacientes com função pulmonar normal e 36 naqueles com função pulmonar anormal (p = 0,01). A média do índice de gravidade de DAC de Duke foi = 15 nos pacientes com função pulmonar normal e 27 nos pacientes com função pulmonar anormal (p < 0,01). O tabagismo apresentou a maior OR de função pulmonar anormal, seguido de idade > 65 anos e lesões coronarianas obstrutivas. Conclusões: A prevalência de alterações espirométricas parece ser alta em pacientes submetidos a TC cardíaca para detecção de DAC. O risco de função pulmonar anormal é maior em fumantes, idosos e pacientes com DAC, os quais, portanto, devem ser submetidos a espirometria.
(ClinicalTrials.gov identifier: NCT01734629 [http://www.clinicaltrials.gov/])
Palavras-chave:
Doença pulmonar obstrutiva crônica; Espirometria; Doença das coronárias; Tomografia computadorizada por raios X.
INTRODUÇÃOOs testes de função pulmonar constituem uma ferramenta importante para avaliar doença pulmonar e dispneia. As doenças respiratórias crônicas permanecem subdiagnosticadas. Em um estudo realizado no Canadá, apenas 32% dos pacientes com DPOC haviam anteriormente recebido diagnóstico da doença. Em um grande estudo epidemiológico realizado nos Estados Unidos, 15% dos adultos com mais de 45 anos de idade apresentaram obstrução não diagnosticada ao fluxo aéreo.(1-3)
Na prática clínica, os pacientes com suspeita de doença arterial coronariana (DAC) são comumente submetidos a testes extensivos e caros. Embora a coexistência de DAC e doença respiratória seja comum, os testes de função pulmonar não são comumente realizados em cardiopatas. A espirometria é realizada em menos de 30% dos pacientes examinados por um cardiologista para investigar a presença de dispneia.(4)
O uso da espirometria na atenção primária duplica o diagnóstico de doenças respiratórias; a espirometria é segura e precisa para estabelecer um diagnóstico precoce.(5,6) Embora a espirometria seja simples, barata e altamente precisa para detectar doenças pulmonares, a possibilidade de resultados positivos falsos levou uma força-tarefa dos EUA a desaconselhar o uso da espirometria para investigar a presença de DPOC em adultos.(7) No entanto, há evidências recentes de que o uso da espirometria para investigar pacientes de alto risco reduz os resultados positivos falsos; além disso, novas opções de tratamento para pacientes com DPOC têm se mostrado eficazes em alterar a história natural da doença, reforçando a importância do diagnóstico precoce.(8-10)
A espirometria pode auxiliar na avaliação do risco cardiovascular. A redução do VEF1 em porcentagem do previsto é um fator de risco de mortalidade cardiovascular independente dos fatores de risco tradicionais, tais como hipertensão, dislipidemia e tabagismo. Estudos populacionais e uma revisão sistemática com mais de 80.000 pacientes mostraram que a redução do VEF1 é um preditor de mortalidade.(11-14)
O risco de doença pulmonar é maior em pacientes com fatores de risco de doença cardiovascular, tais como tabagismo e sedentarismo, e esses pacientes podem se beneficiar da espirometria. Muitos desses pacientes são submetidos à TC cardíaca para a detecção de DAC.
A TC cardíaca é um método preciso para diagnosticar DAC. Além de propiciar uma avaliação anatômica, a TC cardíaca tem implicações prognósticas inclusive em indivíduos assintomáticos, ajudando a prever eventos cardiovasculares. O escore de cálcio coronariano (ECC) quantifica objetivamente o cálcio coronariano e é um método para estimar o risco de eventos cardiovasculares.(15,16)
Em virtude da relação frequente entre DPOC e DAC,(14) do aumento do risco de mortalidade cardiovascular relacionado com a redução do VEF1 e do fato de que a doença pulmonar é subdiagnosticada, é provável que muitos dos pacientes nos quais se investiga a presença de DAC tenham função pulmonar reduzida.
Embora sejam comumente encontrados na prática clínica, pacientes com suspeita de DAC sem diagnóstico estabelecido da doença têm sido foco de poucos estudos epidemiológicos. Portanto, o objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência de comprometimento da função pulmonar nessa população. O objetivo secundário foi determinar as características que comumente se relacionam com alterações espirométricas, a fim de definir um grupo de pacientes que mais se beneficiariam da espirometria.
MÉTODOSTrata-se de um estudo transversal realizado em um hospital cardiológico terciário. Foram avaliados para inclusão no estudo pacientes com mais de 40 anos de idade encaminhados para TC cardíaca. Foram excluídos aqueles com diagnóstico prévio de DAC, infarto prévio do miocárdio, histórico de revascularização, angina pectoris classe III ou IV,(17) comprometimento cognitivo que impedisse a realização da espirometria ou insuficiência cardíaca descompensada.(18) O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Protocolo n. 0503/11), na cidade de São Paulo (SP), e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Todos os pacientes avaliados responderam a um questionário que avaliava dados demográficos, sintomas, tabagismo, comorbidades, histórico de doença pulmonar e uso de medicamentos. A dispneia foi quantificada por meio da escala modificada do Medical Research Council.(19) A circunferência da cintura, a circunferência do quadril e a relação cintura/quadril foram medidas. A síndrome metabólica foi determinada com base em critérios estabelecidos.(20)
A TC cardíaca foi realizada por meio de um tomógrafo com 64 fileiras de detectores (Aquilion 64; Toshiba Medical Systems Corporation, Otawara, Japão). As imagens foram analisadas por radiologistas da instituição, que não estavam cientes dos resultados da espirometria. O cálcio coronariano foi quantificado por um radiologista, pelo método de Agatston. O índice de gravidade de DAC de Duke foi então calculado com base no grau de estenose e em sua localização. Embora o índice de gravidade de DAC de Duke tenha sido originalmente criado para a angiografia coronariana, demonstrou-se que se correlaciona bem com a angiotomografia coronariana.(21,22)
Todos os testes espirométricos foram realizados com um espirômetro KoKo® PFT (nSpire Health, Inc., Longmont, CO, EUA). A espirometria foi realizada em conformidade com os critérios da American Thoracic Society/European Respiratory Society.(23) Todas as variáveis espirométricas foram expressas em forma de valores absolutos e de porcentagem dos valores previstos para a população brasileira.(24) Os participantes foram divididos em dois grupos com base nos resultados da espirometria pós-broncodilatador: função pulmonar normal, composto por pacientes com CVF, VEF1 e VEF1/CVF pós-broncodilatador acima do limite inferior da normalidade, e função pulmonar anormal, composto por pacientes com CVF, VEF1 ou VEF1/CVF pós-broncodilatador abaixo do limite inferior da normalidade. Os pacientes que apresentaram função pulmonar anormal foram subdivididos em dois grupos com base em seu comprometimento funcional: distúrbio ventilatório obstrutivo persistente, composto por pacientes com relação VEF1/CVF pós-broncodilatador abaixo do limite inferior da normalidade, e preserved ratio impaired spirometry (PRISm, espirometria alterada com relação VEF1/CVF preservada), composto por pacientes com CVF pós-broncodilatador abaixo do limite inferior da normalidade e relação VEF1/CVF normal.(25)
O grau de comprometimento da função pulmonar foi determinado com base nas diretrizes de testes de função pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(26) Embora a definição de obstrução das vias aéreas nas diretrizes da Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease seja VEF1/CVF < 0,70, decidimos usar a relação VEF1/CVF abaixo do limite inferior da normalidade no presente estudo a fim de evitar excesso de diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva nos idosos.(27)
A análise estatística foi realizada por meio do programa PASW Statistics for Windows, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A probabilidade de erro tipo I foi de 0,05.
A prevalência de alterações espirométricas foi calculada por meio da divisão do número de indivíduos nos grupos função pulmonar anormal, distúrbio ventilatório obstrutivo persistente e PRISm pela população total do estudo. A prevalência de alterações espirométricas também foi calculada nos seguintes subgrupos de pacientes: fumantes (atuais e ex-fumantes), pacientes com síndrome metabólica, pacientes idosos e pacientes com lesões coronarianas obstrutivas.
O grupo com função pulmonar normal foi comparado com o grupo com função pulmonar anormal no tocante a características antropométricas, tabagismo, doença pulmonar, sintomas pulmonares, circunferência da cintura, circunferência do quadril, relação cintura/quadril, variáveis espirométricas, ECC e índice de gravidade de DAC de Duke. As variáveis categóricas foram comparadas por meio do teste do qui-quadrado. As variáveis paramétricas foram comparadas por meio do teste t de Student. As variáveis não paramétricas foram comparadas por meio do teste de Mann-Whitney.
O grupo com função pulmonar normal foi também comparado com os subgrupos de pacientes com distúrbio ventilatório obstrutivo persistente e PRISm por meio de ANOVA. Para os casos em que houve diferenças significativas entre os grupos, o teste de Bonferroni ou o teste de Dunnett foram usados para comparações múltiplas, a fim de determinar quais grupos diferiam uns dos outros.
Para determinar os preditores de comprometimento da função pulmonar, as OR de apresentar função pulmonar anormal (incluindo distúrbio ventilatório obstrutivo persistente e PRISm) foram calculadas nos seguintes subgrupos de pacientes: fumantes e não fumantes; pacientes com e sem síndrome metabólica; pacientes obesos e não obesos; pacientes com menos e mais de 65 anos de idade; pacientes com e sem hipertensão; pacientes com e sem diabetes e pacientes com e sem lesões coronarianas obstrutivas. Para determinar os fatores responsáveis pela presença de função pulmonar anormal, realizamos uma análise de regressão logística do tipo forward stepwise; todas as variáveis que apresentaram p < 0,20 na comparação entre pacientes com função pulmonar normal e função pulmonar anormal foram incluídas no modelo inicial. Calculou-se que, para detectar uma diferença de 25% entre os grupos de pacientes com função pulmonar normal e anormal no tocante à prevalência de lesões coronarianas obstrutivas, com poder de 80% e erro tipo I de 0,05, seria necessária uma amostra composta por 50 pacientes por grupo.
RESULTADOSEntre abril de 2011 e dezembro de 2013, 381 pacientes foram convidados a participar do estudo. Destes, 66 não quiseram participar, 86 haviam sido submetidos à revascularização, 11 não foram capazes de realizar espirometria e 13 foram excluídos por causa de histórico de infarto do miocárdio, angina ou insuficiência cardíaca descompensada.
Completaram o estudo 205 pacientes. Destes, 168 foram submetidos à angiotomografia coronariana em virtude de sintomas de cardiopatia, tais como dor torácica e dispneia. Dos 205 pacientes que completaram o estudo, 147 (72%) apresentaram função pulmonar normal e 58 (28%) apresentaram função pulmonar anormal. Destes, 23 apresentaram distúrbio ventilatório obstrutivo persistente e 35 apresentaram PRISm. A Figura 1 mostra um fluxograma do processo de seleção da amostra. O ECC foi calculado para todos os 205 participantes do estudo. Foram submetidos à angiotomografia coronariana e ECC um total de 188 pacientes.
Dos 35 pacientes com PRISm, 30 apresentaram alterações espirométricas leves, 2 apresentaram alterações espirométricas moderadas e 3 apresentaram alterações espirométricas graves. Dos 23 pacientes com distúrbio ventilatório obstrutivo persistente, 19 apresentaram alterações espirométricas leves, 2 apresentaram alterações espirométricas moderadas e 2 apresentaram alterações espirométricas graves.(26)
A Figura 2 mostra a proporção de pacientes com função pulmonar normal e anormal (dentre estes últimos, pacientes com distúrbio ventilatório obstrutivo persistente e pacientes com PRISm) na amostra estudada. Houve diferenças significativas entre os pacientes com função pulmonar normal e anormal no tocante à proporção de fumantes e não fumantes e de idosos e não idosos (p < 0,01). No entanto, não houve diferenças significativas entre os dois grupos no tocante à proporção de pacientes com e sem síndrome metabólica (p = 0,17).
Dos 188 pacientes submetidos à angiotomografia coronariana, 142 não apresentaram obstrução coronariana e 46 apresentaram algum grau de DAC. Houve diferenças significativas entre os subgrupos de pacientes com e sem obstrução coronariana no tocante aos padrões espirométricos (p = 0,04; Figura 2).
Todos os grupos foram comparados quanto às suas principais características (Tabela 1). Foram todos semelhantes no tocante ao sexo, peso, estatura, índice de massa corporal (IMC), síndrome metabólica e circunferência do quadril.
Os pacientes com função pulmonar anormal eram mais velhos que os com função pulmonar normal (p < 0,01). Além disso, a proporção de fumantes e ex-fumantes foi maior nos pacientes com função pulmonar anormal que naqueles com função pulmonar normal, assim como o foi a proporção de pacientes com histórico de doença pulmonar e maior relação cintura/quadril (p < 0,01 para todas). A circunferência da cintura foi significativamente maior no grupo com função pulmonar anormal e no subgrupo com PRISm que no grupo com função pulmonar normal (p = 0,03), embora não no subgrupo com distúrbio ventilatório obstrutivo persistente.
Do total da amostra, 94 (45,8%) apresentaram ECC = 0. Além disso, 9,8% apresentaram cálcio coronariano leve, ao passo que 44,4% apresentaram cálcio coronariano moderado ou grave. A mediana do ECC no grupo com função pulmonar normal foi = 1; foi significativamente menor que a mediana do ECC nos grupos com função pulmonar anormal e PRISm (36 e 55, respectivamente; p < 0,05; Figura 3). Essa diferença permaneceu significativa mesmo após o ajuste feito para levar em conta a idade, IMC, tabagismo e síndrome metabólica (p = 0,04).
Foi calculado o índice de gravidade de DAC de Duke, que reflete a gravidade da obstrução e o número de vasos afetados.(21) Do total da amostra, 118 apresentaram índice de gravidade de DAC de Duke = 0. A mediana do índice de gravidade de DAC de Duke no grupo com função pulmonar normal foi = 15, significativamente menor que a observada no grupo com função pulmonar anormal (isto é, 27; p < 0,01).
A prevalência de doença respiratória crônica foi maior no grupo com função pulmonar anormal que no grupo com função pulmonar normal (p < 0,001). No grupo de pacientes com função pulmonar anormal, 11 haviam anteriormente recebido diagnóstico de doença pulmonar crônica, e 6 estavam recebendo tratamento para a doença. No grupo de pacientes com função pulmonar normal, 7 apresentaram histórico de doença pulmonar crônica, e apenas 1 tomava medicação regularmente. Não foram observadas diferenças entre os grupos com função pulmonar anormal e normal no tocante à frequência dos sintomas (Figura 4). Além disso, não foram observadas diferenças entre os dois grupos no tocante à gravidade da dispneia, avaliada pela escala modificada do Medical Research Council (p = 0,81). A dispneia não foi significativa como preditor de função pulmonar anormal.
A fim de determinar as variáveis que apresentavam relação com função pulmonar anormal, calculamos as OR de apresentar alterações espirométricas (Tabela 2). O tabagismo relacionou-se com a maior OR de função pulmonar anormal, seguido de idade > 65 anos e lesões coronarianas obstrutivas. A regressão logística com controle de sexo, idade, IMC, tabagismo, lesões coronarianas obstrutivas, síndrome metabólica, hipertensão e diabetes mellitus mostrou que o tabagismo e a idade foram fatores independentemente relacionados com função pulmonar anormal.
DISCUSSÃOO presente estudo incluiu 205 pacientes submetidos à TC cardíaca para rastreamento de DAC. Nenhum dos participantes havia anteriormente recebido diagnóstico de doença cardiovascular. Embora esse perfil seja comum na prática clínica, pacientes assim constituem uma população pouco estudada. Essa população foi escolhida precisamente porque é uma amostra real de pacientes comumente encontrados por internistas, cardiologistas e pneumologistas. O fato de que 28% dos participantes do presente estudo apresentaram alterações espirométricas demonstra que alterações da função pulmonar e doenças respiratórias são frequentemente negligenciadas e subdiagnosticadas em pacientes nos quais se investiga a presença de doenças ou sintomas cardíacos.
A iniciativa de 2011 da American Board of Internal Medicine Foundation, denominada Choosing Wisely, foi criada para alertar os médicos sobre testes excessivos em muitas situações clínicas, inclusive DAC.(28) Os resultados da TC cardíaca foram negativos na maioria dos pacientes de nossa população de estudo, o que indica teste excessivo. Por outro lado, a espirometria é pouco usada, mesmo em pacientes com sintomas respiratórios.(29)
A prevalência de alterações espirométricas no presente estudo foi maior em fumantes (atuais e ex-fumantes), idosos e pacientes com DAC, tendo variado de 38% a 45%. Esse achado é consistente com os de um estudo que avaliou o cálcio coronariano em fumantes com maior risco de câncer de pulmão, mas sem doença cardiovascular prévia.(30)
Em idosos, cardiopatas e fumantes, a avaliação da função pulmonar costuma ser tardia. Os sintomas são subestimados, sendo atribuídos a idade avançada, exposição ao cigarro ou doença cardiovascular.(31) A alta prevalência de alterações espirométricas nesses subgrupos reforça a importância de um teste simples e barato para o tratamento clínico de pacientes com suspeita de DAC.
A prevalência de lesões coronarianas obstrutivas e sua gravidade (determinadas por meio do ECC e do índice de gravidade de DAC de Duke) foram maiores nos pacientes com função pulmonar anormal que naqueles com função pulmonar normal. Esses resultados podem ser atribuídos ao subgrupo de pacientes com PRISm.
Do total da amostra, 17,2% apresentaram PRISm. Estudos epidemiológicos anteriores mostraram que a prevalência de PRISm é de 5,1% na população geral e de 12,3% nos fumantes.(32,33) A média da CVF no subgrupo de pacientes com PRISm no presente estudo foi < 70% do previsto, uma alteração significativa do ponto de vista funcional. A PRISm relaciona-se classicamente com doença pulmonar intersticial, doença neuromuscular, obesidade e síndrome metabólica.(34,35) Já se estabeleceu uma relação entre redução da CVF na espirometria e aumento da mortalidade.(36) No presente estudo, a média do ECC foi maior no subgrupo PRISm, o que indica aumento da aterosclerose.
Estudos epidemiológicos recentes tentaram caracterizar e compreender a PRISm, e foram identificados três grupos diferentes. O primeiro está relacionado com CPT reduzida; o segundo está relacionado com distúrbios metabólicos e o terceiro é bastante semelhante à apresentação clínica da DPOC.(32) Dispneia, pior desempenho no teste de caminhada de seis minutos, enfisema, espessamento brônquico e redução da CPT foram identificados como preditores de PRISm.(25)
A morbidade e a dispneia foram maiores nos pacientes com PRISm que nos pacientes com espirometria normal. Embora a PRISm ainda não tenha sido adequadamente estudada, sabe-se que aumenta a morbidade e piora o prognóstico. Sua relação com doenças respiratórias e metabólicas pode torná-la um importante marcador de risco em um futuro próximo.(37,38)
Dos pacientes com função pulmonar anormal no presente estudo, 23 (11,2%) apresentaram distúrbio ventilatório obstrutivo persistente. Esse achado é consistente com a prevalência de distúrbio ventilatório obstrutivo persistente relatada na população geral da cidade de São Paulo.(33) No presente estudo, a obstrução das vias aéreas foi mais comum em fumantes, idosos e pacientes com síndrome metabólica. Esses pacientes estão em maior risco e, portanto, constituem uma população na qual a busca ativa e o rastreamento de casos de DPOC parecem ser mais eficazes.
No presente estudo, os sintomas não previram alterações espirométricas. Esse achado reforça a ideia de que alterações da função pulmonar precedem os sintomas nas doenças respiratórias.(39) Além disso, o fato de que poucos de nossos pacientes haviam anteriormente recebido diagnóstico de doença pulmonar mostra que as doenças pulmonares são subdiagnosticadas em pacientes com suspeita de doença cardiovascular. A avaliação da saúde respiratória de pacientes assintomáticos submetidos a rastreamento de cardiopatia pode fornecer informações valiosas.
O presente estudo tem algumas limitações. Em virtude de sua natureza transversal, não se pode estabelecer nenhuma causalidade. No entanto, a relação entre doença pulmonar e cardiovascular existe e amplifica os efeitos deletérios que o envelhecimento, o tabagismo e outros fatores de risco têm no sistema respiratório e cardiovascular. Outra limitação é que não se pode estabelecer com precisão o diagnóstico definitivo de PRISm por meio de espirometria apenas; é necessário medir a CPT.
Em suma, o risco de comprometimento da função pulmonar é maior em pacientes nos quais se investiga a presença de DAC, e a probabilidade de comprometimento da função pulmonar é maior quando a presença de DAC é confirmada. O tratamento de pacientes com doença cardiovascular e pulmonar concomitante é complexo. A alta prevalência de alterações da função pulmonar em pacientes submetidos à TC cardíaca para rastreamento de DAC e a relação entre aterosclerose aumentada (avaliada por meio do ECC) e doença respiratória reforçam a importância do rastreamento de doença pulmonar em pacientes com suspeita de cardiopatia. Encoraja-se o uso da espirometria nesses pacientes, e são necessários estudos que avaliem sua eficácia relativa ao custo e seu impacto no tratamento clínico.
AGRADECIMENTOSGostaríamos de agradecer a Rejane Figueiredo seu auxílio na análise estatística; a Karla Sabrina Gomes seu auxílio no recrutamento de pacientes e à equipe do Departamento de Radiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sua assistência. Também gostaríamos de agradecer a Ann Conti Morcos seu auxílio na redação deste manuscrito.
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