ABSTRACT
Insomnia and excessive sleepiness are common in the investigation of sleep-disordered breathing. Circadian rhythm sleep disorders are
perhaps the most often overlooked conditions in the differential diagnosis of these symptoms. Circadian rhythm sleep disorders manifest as
misalignment between the sleep period and the physical/social 24-h environmental cycle. The two most prevalent circadian rhythm sleep
disorders are delayed sleep phase (common in adolescents) and advanced sleep phase (common in the elderly), situations in which the sleep
period is displaced to a later or earlier time, respectively. It is important to keep these two disorders in mind, since they can be confused with
insomnia and excessive sleepiness. However, there are nine possible diagnoses, and all nine are of clinical interest. Since light is the principal
cue used in synchronizing the biological clock, blind individuals and night-shift/swing-shift workers are more prone to develop circadian
rhythm sleep disorders. In this article, the new international classification of circadian rhythm sleep disorders is reviewed.
Keywords:
Circadian rhythm; Sleep disorders; Sleep initiation and maintenance disorders; Sleep stages; Sleep apnea syndromes.
RESUMO
Queixas de insônia e sonolência excessiva são comuns na investigação dos distúrbios respiratórios do sono; os transtornos do sono relacionados
ao ritmo circadiano talvez sejam as causas mais freqüentemente esquecidas no diagnóstico diferencial destes sintomas. Estes
transtornos se manifestam por desalinhamento entre o período do sono e o ambiente físico e social de 24 h. Os dois transtornos do sono
relacionados ao ritmo circadiano mais prevalentes são o de fase atrasada (comum em adolescentes) e avançada do sono (comum em idosos),
situações nas quais o período de sono se desloca para mais tarde e mais cedo, respectivamente. As possíveis confusões com insônia e
sonolência excessiva tornam importante ter sempre em mente estes transtornos. Entretanto, há nove possíveis diagnósticos, e todos são de
interesse clínico. Como a luz é o principal sinal para sincronizar os relógios biológicos, pessoas cegas e trabalhadores em turnos e noturno
são os mais propensos a desenvolver transtornos do sono relacionados ao ritmo circadiano. Neste artigo, revisa-se a nova classificação internacional
dos transtornos do sono relacionados ao ritmo circadiano.
Palavras-chave:
Ritmo circadiano; Transtornos do sono; Distúrbios do início e da manutenção do sono; Fases do sono; Síndromes da apnéia do sono.
IntroduçãoInsônia e sonolência são sintomas complexos e difíceis de se quantificar devido às diversas dimensões que cada um apresenta. Insônia, por exemplo, pode causar sofrimento importante, com prejuízo funcional, mas, se quantificada em termos de número de horas de sono perdidas, pode ser trivial. Da mesma forma, a sonolência pode passar despercebida ou ser negada pelo paciente, enquanto causa enorme preocupação aos familiares que observam cochilos em situações inapropriadas, inclusive ao volante.
A causa mais comum de sonolência entre indivíduos que consultam o médico por transtorno do sono é a síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS). Apnéias e hipopnéias são distúrbios respiratórios relacionados ao sono, com duração de mais de 10 segundos, que causam hipoxemia e terminam com o despertar. O diagnóstico de SAHOS exige a ocorrência de sintomas de sono perturbado, como sonolência ou insônia, associados a cinco ou mais apnéias ou hipopnéias por hora de sono.(1,2) A SAHOS, geralmente, causa sonolência, gerando elevado risco de acidentes, principalmente no trânsito. Se envolve motoristas profissionais,(3) a SAHOS pode ter seu perigo amplificado, levando à morte de passageiros e circunstantes.(4) A importância clínica da SAHOS cresceu a ponto de o conhecimento sobre os distúrbios respiratórios do sono ter passado a ser parte obrigatória da residência em pneumologia. A relevância epidemiológica da SAHOS faz com que, atualmente, existam mais pneumologistas do que neurologistas e psiquiatras com especialização em sono. O tratamento da SAHOS traz benefícios tanto à qualidade de vida como à redução da mortalidade. Para que se institua o tratamento, deve-se levantar a hipótese e conduzir a investigação, incluindo a etapa de diagnóstico diferencial.
Entre as causas não-respiratórias de insônia e sonolência, talvez as mais negligenciadas sejam aquelas relacionadas aos circadian rhythm sleep disorders (CRSDs, transtornos do sono relacionados ao ritmo circadiano). Estes transtornos se manifestam por desalinhamento entre o período do sono e o ambiente físico e social de 24 h, relacionado a alterações dos sistemas de temporização internos. Existem dois padrões freqüentes destes transtornos, vistos principalmente no adolescente e no idoso. A queixa do adolescente pode simular quadro de insônia quando deita no horário normal e demora horas para adormecer, mas também simula sonolência quando ele não consegue levantar pela manhã. O quadro do idoso pode aparentar sonolência quando ele adormece às 20 h, assistindo televisão, mas também aparenta insônia ao acordar de madrugada, sendo incapaz de voltar a dormir (Figura 1). Estes casos de falsa insônia ou sonolência são, na verdade, os modelos mais comuns de CRSD, com sérias conseqüências para a qualidade de vida do indivíduo. Por isso, devem estar sempre em mente no diagnóstico diferencial de SAHOS.
Sono e sistemas de temporizaçãoPraticamente todas as formas de vida contam com sistemas de temporização, ou osciladores, que melhoram suas chances de sobrevivência em um planeta marcado por ciclos de dia e noite e por estações do ano. Para os vegetais, a presença ou ausência de sol representa fornecimento de energia ou necessidade de poupar energia. Para os animais, além de seu 'nicho espacial', é necessário um 'nicho temporal', um horário em que se exponham menos a predadores e tenham mais chance de obter alimento. Esses nichos temporais identificam, por exemplo, espécies diurnas ou noturnas, como é o caso do sabiá e da coruja, respectivamente. Além dos ciclos diurnos, existem adaptações às estações do ano, que são essenciais à sobrevivência. Os comportamentos sazonais também são controlados por calendários internos.(5)
O homo sapiens é uma espécie diurna, adaptada para exercer suas atividades na fase clara do ciclo claro/escuro e repousar na fase escura. O desenvolvimento de nosso sistema visual e nossa dependência da informação luminosa nos caracterizam como espécie diurna.(6) O período principal de sono na nossa espécie situa-se, portanto, na fase escura, mas podem ocorrer outros momentos de repouso ao longo do dia. O sistema que controla os comportamentos relacionados ao sono é complexo(7) e conta com diversos elementos,(8) sendo comparado a uma orquestra.(9) O centro que rege o concerto da cronobiologia dos mamíferos é o núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo.(10) Localizada junto ao nervo óptico, essa área do hipotálamo recebe conexões da retina que informam o sistema sobre a existência de luz. A melatonina(11) é secretada pela glândula pineal, obedecendo a estímulo do NSQ na ausência de luz, traduzindo a informação fótica em estímulo químico a todas as células. A exposição à luz interage com o NSQ e pode alterar os ciclos do relógio. Luz intensa no final da tarde atrasa o relógio. Luz intensa no início da manhã adianta o relógio.(12)
A repetição regular dos episódios de sono noturno caracteriza o que chamamos de ciclo sono-vigília. Além do sono, todas as funções do sistema nervoso apresentam oscilações. Consideram-se, erradamente, os diversos componentes do desempenho humano como fenômenos estáveis. Evidências derivadas de estudos de laboratório, em condições controladas e por manipulações do ciclo sono-vigília, demonstram ser o desempenho fortemente afetado por fenômenos cíclicos.(13) Os organismos vivos não são máquinas que, uma vez ligadas, funcionam ininterruptamente, com oscilações desprezíveis.(14) As oscilações físicas e mentais no ser humano são de magnitude relevante e de alto risco.(15) Acidentes com mortes representam a face mais sombria da queda de desempenho associada aos ritmos circadianos. Os ciclos envolvendo o sono e os processos que o controlam sofrem perturbações de interesse clínico,(16,17) as quais revisaremos neste artigo.
Como qualquer sistema biológico, os osciladores responsáveis pela regularidade do ciclo sono-vigília são sujeitos a mutações,(18) como no caso da síndrome familiar de fase avançada do sono, uma condição autossômica dominante, com horários de sono precoces e despertar durante a madrugada. Além dos aspectos genéticos, ocorrem transtornos cronobiológicos secundários a diversos fatores, como: envelhecimento;(19) estresse;(20) cronotipo (matutino ou vespertino);(21) e doenças orgânicas.(22)
Apesar da relativa flexibilidade dos horários de dormir e acordar, o ser humano tende a manter os períodos de sono-vigília com durações em torno de 24 h por ciclo. Desvios dessa regularidade ocorrem, usualmente, nos finais de semana, férias e mudanças de fuso horário. No entanto, há alterações desse ciclo que ultrapassam os limites da normalidade, presentes, sobretudo, em condições crônicas como aquela evidenciada em trabalhadores em turnos alternantes ou noturnos. Essas alterações são identificadas como transtornos dos ritmos circadianos do sono secundários e merecem tratamento específico, após o correto diagnóstico.
O diagnóstico de transtornos do sono é abordado em várias classificações, mas o esforço internacional mais consistente é o das sociedades de medicina do sono. A segunda versão da International Classification of Sleep Disorders (ICSD, Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono)(23) inclui dois novos CRSDs que são de interesse clínico, totalizando nove possíveis diagnósticos (Quadro 1).
Para diagnosticar CRSD são necessárias algumas condições. Em primeiro lugar, o transtorno deve estar acompanhado por queixas de insônia, sonolência excessiva, ou ambas, com prejuízo social, ocupacional ou em outras áreas. Em segundo lugar, o padrão do transtorno deve ser persistente ou recorrente e, por último, a causa deve ser ou alteração no sistema do controle do tempo ou a falta de sincronização entre o ritmo circadiano endógeno e os fatores exógenos que afetam a hora ou a duração do sono. Essas considerações são importantes na medida em que, normalmente, o ciclo sono-vigília apresenta alguma variabilidade, o que, aliás, permite adaptações a mudanças de hábitos nos finais de semana, por exemplo.
Preenchidos estes critérios gerais, procuram-se diagnósticos específicos como os que se revisam a seguir.
Transtornos do sono relacionados ao ritmo circadianoTipo síndrome da fase atrasada do sonoEste transtorno se caracteriza por dormir e acordar tardios, na maioria das noites, geralmente com atraso de mais de 2 h além dos horários convencionais ou socialmente aceitáveis. O paciente tem dificuldade para iniciar o sono e prefere acordar mais tarde. Quando lhe é permitido seguir seus horários preferenciais, o seu ritmo circadiano é atrasado, de forma crônica e persistente, provocando transtorno à vida social do paciente. Com exceção do horário atrasado, o sono é normal.
História familiar pode estar presente em até 40% dos indivíduos com fase atrasada. A prevalência na população geral é em torno de 7 a 16%. É mais comum entre adolescentes e adultos jovens, com pico em torno dos 20 anos de idade.(24,25) Dos pacientes com insônia crônica, que buscam ajuda em clínicas do sono, estima-se que em torno de 10% dos casos sofram de fase atrasada.
O mecanismo exato para o desenvolvimento da síndrome da fase atrasada é desconhecido. Fatores genéticos, tais como polimorfismo no sistema de temporização, principalmente do gene hPer3, estão associados a essa síndrome. Fatores ambientais, incluindo o decréscimo na exposição à luz da manhã, excesso de exposição à luz ao entardecer e horários tardios para televisão e vídeo-games podem exacerbar o atraso de fase. Mudanças de turno no trabalho e viagens com mudança de fuso horário podem precipitar esse transtorno.
TratamentoEm todos os CRSDs, é fundamental a supervisão da adequada aplicação das medidas de higiene do sono (Quadro 2). Apesar de essas medidas parecerem óbvias, muitos pacientes as ignoram totalmente e inviabilizam o tratamento, em virtude de comportamentos arraigados, como, por exemplo, ingerir altas doses de cafeína à noite. Uma forma simples de tratar a fase do sono atrasada é atrasar ainda mais o horário de sono, numa taxa de 2 a 3 h a cada 2 dias, até alcançar o horário desejado do período de sono, idealmente das 23 h 30 min às 7 h. Este método pode ser bem aceito porque é mais fácil prolongar a vigília do que antecipar o sono, mas, na prática, a necessidade de aderência rigorosa ao esquema e os inconvenientes dos horários intermediários tornam o tratamento pouco eficiente. Luz intensa aplicada no horário desejado de levantar, por 1 ou 2 h, reajusta o relógio biológico em poucos dias, mas também sofre limitações práticas. Melatonina na dose de 0,3 a 3 mg ao entardecer contribui para avançar a fase do sono.
Tipo síndrome da fase avançada do sonoA característica deste transtorno é o horário de dormir e acordar precoce, na maioria das noites, geralmente com avanço de várias horas em relação aos horários convencionais ou socialmente aceitáveis.
Os pacientes queixam-se de sonolência (ataques de sono) no final da tarde ou início da noite, bem como despertar espontâneo e precoce pela manhã. Quando é permitido ao paciente manter sua escala de horários, seu sono é normal para a idade, evidenciando apenas a fase avançada.
O mecanismo exato para o desenvolvimento do avanço de fase é desconhecido, e fatores genéticos e ambientais estão envolvidos. Vários membros da mesma família são acometidos pelo avanço de fase. A mutação do gene hPer2 foi localizada em indivíduos da mesma família acometidos por essa síndrome.
A prevalência na população geral é desconhecida e aumenta com a idade. Estima-se acometer 1% dos adultos de meia idade e idosos. A incidência é semelhante em ambos os sexos. Uma das complicações relatadas é o uso de álcool, sedativos, hipnóticos ou estimulantes para tratar sintomas da insônia e sonolência, o que pode levar ao abuso destas substâncias.
TratamentoO tratamento mais simples seria atrasar o horário de sono, numa taxa de 1 a 3 h a cada 2 dias, até alcançar o horário desejado do período de sono. Este método é mais bem aceito na fase avançada do que na fase atrasada, porque os horários intermediários não atravessam o período de vigília desejada. O problema com os idosos é a falta de atividades físicas, mentais ou sociais capazes de mantê-los despertos até o horário desejado de sono. Fototerapia com exposição à luz intensa, aplicada ao entardecer, por 1 ou 2 h, reajusta o relógio biológico em poucos dias. As variações sazonais da duração do ciclo de claro-escuro, nas localidades afastadas do equador, podem exigir exposição à luz artificial nos meses de inverno.
Tipo padrão irregularO individuo acometido por este transtorno apresenta um padrão indefinido do ritmo circadiano do ciclo sono-vigília. Dependendo do horário do dia, pode apresentar tanto insônia como sonolência excessiva crônicas. Cochilos são comuns, a qualquer hora do dia ou da noite, nessa síndrome.
Entre os fatores predisponentes, encontram-se a higiene do sono inadequada e a falta de exposição aos agentes externos sincronizadores, tais como, luz solar, atividades físicas e atividades sociais, particularmente em idosos institucionalizados, que podem predispor ao padrão irregular do ciclo sono-vigília.
A fisiopatologia envolve anormalidades anatômicas ou funcionais do sistema de temporização circadiana que podem resultar no padrão anárquico de vigília e sono. Este padrão também pode ser observado em associação a doenças neurológicas, tais como demência, e em crianças com retardo mental.
Polissonografia, diários do sono e actimetria registram, como esperado, a falta de padrão regular do ciclo sono-vigília. A monitorização de outros ritmos circadianos, tais como temperatura corporal, também demonstra a falta de ritmicidade. Diários do sono ou actimetria devem ser registrados por pelo menos sete dias para demonstrar o padrão irregular do ciclo sono-vigília.
A soma do tempo total de sono nas 24 h é essencialmente normal para a idade. Para fechar o diagnóstico, o transtorno não seria melhor explicado por outro transtorno do sono ou problema clínico, neurológico, ou uso de medicamentos ou drogas.
TratamentoAderência rigorosa ao horário desejado do período de sono, com preenchimento do horário de vigília por atividades físicas e sociais, podem corrigir o transtorno. Luz intensa aplicada no horário desejado de levantar, por 1 ou 2 h, oferece um sincronizador para os relógios biológicos. Melatonina na dose de 3 mg ao entardecer foi útil para crianças com déficit psicomotor grave, mas não teve utilidade em idosos com Alzheimer.
Tipo ciclo sono-vigília diferente de 24 hEste transtorno também é chamado de síndrome de sono-vigília sem padrão de 24 h, ou hypernyctohemeral syndrome (síndrome hipernictemérica). Caracteriza-se por sintomas do sono que ocorrem em função da maior duração do ciclo do sistema de temporização circadiana, que apresenta período em torno de 25 h. Pode ocorrer tanto queixa de insônia como de sonolência excessiva relacionadas à sincronização anormal entre o ciclo claro/escuro das 24 h e o ritmo circadiano endógeno de sono/vigília.
Os indivíduos cegos são os mais predispostos. Cerca de 70% desses indivíduos com perda total da visão queixam-se de transtorno do sono, e 40% destes apresentam transtorno cíclico e crônico do sono. Casos raros são descritos em pessoas de visão normal, e o transtorno pode ser induzido por certas condições ambientais, como o isolamento. O início pode ocorrer a qualquer idade e é congênito nas crianças cegas. Se não tratado, o curso é crônico.
A tentativa de regular o ciclo sono/vigília pode levar ao uso abusivo de álcool, hipnóticos, sedativos e estimulantes, o que pode exacerbar o transtorno. Sintomas depressivos e transtornos do humor são co-morbidades freqüentemente associadas.
A falta de input luminoso para o marca-passo circadiano é, claramente, a causa do ritmo circadiano diferente de 24 h. Diários do sono ou actimetria, por pelo menos sete dias, demonstram um padrão de sono/vigília que tipicamente atrasa a cada dia, com período em torno de 25 h. O transtorno não é melhor explicado por outro transtorno do sono ou problema clínico, neurológico ou uso de medicamentos ou drogas.
TratamentoMelatonina administrada em horários apropriados, na dose de 0,5 mg, ao entardecer, regulariza a fase do sono.(26)
Secundário à mudança rápida do fuso horárioÉ um transtorno temporário, também chamado de síndrome de jet lag, causado pela dessincronização entre o horário de sono/vigília e o ciclo gerado pelo sistema de temporização circadiana, geralmente, após viagem em que se ultrapassam pelo menos dois fusos horários. A síndrome é uma condição temporária e auto-limitada. Os sintomas iniciam-se, aproximadamente, um a dois dias após viagem e desaparecem em uma semana. As queixas mais comuns são de transtorno do sono, diminuição do alerta, alteração da função cognitiva, mal-estar e sintomas gastrointestinais. A gravidade dos sintomas depende do número de fusos horários viajados e da direção da viagem. Viagens para o leste, que requerem avanço do ritmo circadiano, geralmente, são as de mais difícil adaptação. A exposição à luz em horários inapropriados pode prolongar o tempo de ajuste do ritmo circadiano.
O transtorno afeta todos os grupos etários. Entretanto, pessoas mais idosas podem apresentar sintomas mais pronunciados. A causa é a dessincronização entre os ciclos dia-noite ambientais e os endógenos, sendo agravada por perda de sono. Não está indicada investigação mais elaborada nem há justificativa para a realização de polissonografia. Deve-se recomendar cautela aos viajantes, quando se expuserem a situações de risco que exijam reflexos rápidos nos dias que se seguem à viagem.
TratamentoEm vôos para o leste, deve-se acordar cedo e evitar luz brilhante pela manhã, procurando, porém, se expor ao máximo de luz no final da tarde. Em vôos para o oeste, deve-se forçar a vigília durante o dia e de modo algum dormir antes que anoiteça. Existe evidência de que melatonina na dose de 2 a 5 mg, nas primeiras noites após a chegada, ao deitar, é eficaz na prevenção ou redução do jet lag e deveria ser recomendada para quem cruza mais de quatro fusos horários.(27) Medidas não-farmacológicas têm sido sugeridas, como: evitar bebidas alcoólicas; manter hidratação; e fazer cochilos programados.(28)
Secundário ao trabalho em horário irregularÉ caracterizado por queixas de insônia ou sonolência excessiva, que ocorrem em função de as horas de trabalho coincidirem com a fase habitual de sono, causando tempo total de sono encurtado e qualidade do sono insatisfatória. Neste quadro, a insônia ou a sonolência excessiva devem estar temporalmente associadas à escala de trabalho recorrentemente sobreposta ao horário habitual de sono e devem se manifestar no mínimo uma vez por mês. O trabalho em turno pode ter horário fixo ou ser rotativo. O transtorno do sono é mais freqüente quando os turnos são noturnos ou muito cedo nas manhãs. Além do prejuízo ao desempenho no trabalho, a redução do alerta pode aumentar o risco de acidentes. Habitualmente, o transtorno persiste enquanto permanecer o trabalho em horário irregular. Entretanto, em alguns indivíduos, o transtorno mantém-se mesmo após o abandono do trabalho em horário irregular.
Por não existir um tratamento comprovadamente eficaz para este transtorno, os pacientes obrigam-se a conviver com os sintomas ou a abandonar o incremento de renda decorrente do trabalho em turno. Recentemente, o uso de estimulantes para amenizar a sonolência do trabalhador em turno teve sua eficácia comprovada.(29)
A prevalência do transtorno do trabalho em horário irregular depende da prevalência do trabalho em horários irregulares na população. Em países industrializados, é estimado que 20% da força de trabalho seja composta por trabalhadores em horários irregulares e que 2 a 5% destes trabalhadores sofram de algum tipo de transtorno do sono. As conseqüências deste transtorno ainda são pouco conhecidas, mas acredita-se que possa estar envolvido no desenvolvimento de várias doenças, inclusive hipertensão,(30) câncer de mama e de colo.(31)
A monitorização pela actimetria ou por diários do sono por um período mínimo de sete dias, incluindo episódios de trabalho noturno, pode contribuir para a comprovação da associação temporal. A polissonografia pode ser útil quando o transtorno é grave ou a etiologia do transtorno do sono está em questão.
TratamentoLuz intensa no horário de trabalho e uso de óculos escuros pela manhã à saída do trabalho servem para impedir a secreção de melatonina à noite e facilitá-la de dia, sincronizando o período de sono com o período de secreção de melatonina. O uso de hipnótico ou de melatonina ao deitar, por prazo limitado, pode ajudar a combater a insônia. A sonolência pode ser evitada com cochilos antes do início ou durante o intervalo do turno, e pelo uso de cafeína.
Secundário a doençasEste CRSD é causado, primariamente, por processo mórbido clínico ou traumático(32) e suas características dependem da enfermidade associada. O paciente pode apresentar inúmeros sintomas, incluindo insônia ou sonolência excessiva, e padrões alterados do ciclo sono/vigília como fase atrasada, fase adiantada, ou padrão irregular.
Ocorrem insônia ou sonolência excessiva relacionadas a alterações do sistema de temporização circadiana ou, ainda, falta de sincronização entre o ritmo circadiano endógeno e fatores exógenos, que afetam o horário ou duração do sono. O problema médico do paciente pode explicar porque houve a perda de sincronização que levou ao CRSD. A qualidade inadequada do sono pode causar sintomas neurocognitivos e prejudicar o desempenho físico, agravando ou confundindo-se com o quadro subjacente.
A monitorização pela actimetria e/ou por diários do sono, registrando o transtorno circadiano por um período de ao menos sete dias, pode comprovar a associação do CRSD com a doença de base. Devem ser excluídos os CRSDs primários, abordados acima, e o uso de drogas ou medicamentos que alterem o sono ou o ritmo circadiano.
Secundário a uso de drogas ou medicamentosNeste grupo, incluem-se os casos que satisfazem o critério geral de CRSD e nos quais se identifique serem causados por drogas ou medicamentos.
Outros tiposEsta categoria foi criada para acomodar os casos que satisfazem o critério geral de CRSD e que não preenchem critérios para outras classificações.
Consideracões finaisNeste artigo, revisamos todas as categorias diagnósticas listadas na edição mais recente da ICSD, ressaltando os aspectos diagnósticos. Com avanços no entendimento das causas destes transtornos e com o desenvolvimento de novos testes,(33) o diagnóstico deverá evoluir, permitindo maior acurácia.
É importante que o diagnóstico seja correto, para que indivíduos com CRSD não se exponham a riscos de acidentes ou de tratamentos desnecessários, às vezes durante toda a vida,(34) como, por exemplo, o uso de hipnóticos sem indicação precisa. A higiene adequada do sono, a fototerapia, consistindo de exposição à luz intensa em horários programados, de acordo com o transtorno do sono,(35) e o emprego de melatonina(36,37) ou agonistas dos receptores da melatonina(38) são opções terapêuticas.
Referências1. Flemons WW. Clinical practice. Obstructive sleep apnea. N Engl J Med. 2002;347(7):498-504.
2. Martins AB, Tufik S, Moura SM. Physiopathology of obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome. J Bras Pneumol. 2007;33(1):93-100.
3. Viegas CA, de Oliveira HW. Prevalence of risk factors for obstructive sleep apnea syndrome in interstate bus drivers. J Bras Pneumol. 2006;32(2):144-9.
4. Martinez D. Obstructive sleep apnea: a contagious disease? J Bras Pneumol. 2006;32(2):ix-x.
5. Hofman MA. The brain's calendar: neural mechanisms of seasonal timing. Biol Rev Camb Philos Soc. 2004;79(1):61-77.
6. Arendt J. Melatonin and human rhythms. Chronobiol Int. 2006;23(1-2):21-37.
7. Mauk MD, Buonomano DV. The neural basis of temporal processing. Annu Rev Neurosci. 2004;27:307-40.
8. Herzog ED, Schwartz WJ. A neural clockwork for encoding circadian time. J Appl Physiol. 2002;92(1):401-8.
9. Dijk DJ, von Schantz M. Timing and consolidation of human sleep, wakefulness, and performance by a symphony of oscillators. J Biol Rhythms. 2005;20(4):279-90.
10. Hastings MH, Herzog ED. Clock genes, oscillators, and cellular networks in the suprachiasmatic nuclei. J Biol Rhythms. 2004;19(5):400-13.
11. Scheer FA, Czeisler CA. Melatonin, sleep, and circadian rhythms. Sleep Med Rev. 2005;9(1):5-9.
12. Horowitz TS, Cade BE, Wolfe JM, Czeisler CA. Efficacy of bright light and sleep/darkness scheduling in alleviating circadian maladaptation to night work. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2001;281(2):E384-91.
13. Akerstedt T. Altered sleep/wake patterns and mental performance. Physiol Behav. 2007;90(2-3):209-18.
14. Rosekind MR. Underestimating the societal costs of impaired alertness: safety, health and productivity risks. Sleep Med. 2005;6(Suppl 1):S21-5.
15. Folkard S, Lombardi DA, Spencer MB. Estimating the circadian rhythm in the risk of occupational injuries and accidents. Chronobiol Int. 2006;23(6):1181-92.
16. Lu BS, Zee PC. Circadian rhythm sleep disorders. Chest. 2006;130(6):1915-23.
17. Reid KJ, Burgess HJ. Circadian rhythm sleep disorders. Prim Care. 2005;32(2):449-73.
18. Xu Y, Toh KL, Jones CR, Shin JY, Fu YH, Ptácek LJ. Modeling of a human circadian mutation yields insights into clock regulation by PER2. Cell. 2007;128(1):59-70.
19. Hofman MA. The human circadian clock and aging. Chronobiol Int. 2000;17(3):245-59.
20. Grandin LD, Alloy LB, Abramson LY. The social zeitgeber theory, circadian rhythms, and mood disorders: review and evaluation. Clin Psychol Rev. 2006;26(6):679-94.
21. Taillard J, Philip P, Chastang JF, Diefenbach K, Bioulac B. Is self-reported morbidity related to the circadian clock? J Biol Rhythms. 2001;16(2):183-90.
22. Copinschi G, Spiegel K, Leproult R, Van Cauter E. Pathophysiology of human circadian rhythms. Novartis Found Symp. 2000;227:143-57; discussion 157-62.
23. American Academy of Sleep Medicine. The international classification of sleep disorders diagnostic & coding manual. Westchester: American Academy of Sleep Medicine; 2005.
24. Duffy JF, Czeisler CA. Age-related change in the relationship between circadian period, circadian phase, and diurnal preference in humans. Neurosci Lett. 2002;318(3):117-20.
25. Garcia J, Rosen G, Mahowald M. Circadian rhythms and circadian rhythm disorders in children and adolescents. Semin Pediatr Neurol. 2001;8(4):229-40.
26. Skene DJ, Arendt J. Circadian rhythm sleep disorders in the blind and their treatment with melatonin. Sleep Med. 2007;8(6):651-5.
27. Herxheimer A, Petrie K. Melatonin for the prevention and treatment of jet lag. Cochrane Database Syst 2002, 2 CD001520.
28. Waterhouse J, Reilly T, Atkinson G, Edwards B. Jet lag: trends and coping strategies. Lancet. 2007;369(9567):1117-29.
29. Czeisler CA, Walsh JK, Roth T, Hughes RJ, Wright KP, Kingsbury L, et al. Modafinil for excessive sleepiness associated with shift-work sleep disorder. N Engl J Med. 2005;353(5):476-86. Erratum in: N Engl J Med. 2005;353(10):1078.
30. Pickering TG. Could hypertension be a consequence of the 24/7 society? The effects of sleep deprivation and shift work. J Clin Hypertens (Greenwich). 2006;8(11):819-22.
31. Haus E, Smolensky M. Biological clocks and shift work: circadian dysregulation and potential long-term effects. Cancer Causes Control. 2006;17(4):489-500.
32. Ayalon L, Borodkin K, Dishon L, Kanety H, Dagan Y. Circadian rhythm sleep disorders following mild traumatic brain injury. Neurology. 2007;68(14):1136-40.
33. Kunz D. Chronobiotic protocol and circadian sleep propensity index: new tools for clinical routine and research on melatonin and sleep. Pharmacopsychiatry. 2004;37(4):139-46.
34. Dagan Y, Abadi J. Sleep-wake schedule disorder disability: a lifelong untreatable pathology of the circadian time structure. Chronobiol Int. 2001;18(6):1019-27.
35. Fahey CD, Zee PC. Circadian rhythm sleep disorders and phototherapy. Psychiatr Clin North Am. 2006;29(4):989‑1007; abstract ix.
36. Van Reeth O, Weibel L, Olivares E, Maccari S, Mocaer E, Turek FW. Melatonin or a melatonin agonist corrects age-related changes in circadian response to environmental stimulus. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2001;280(5):R1582-91.
37. Lewy AJ, Emens J, Jackman A, Yuhas K. Circadian uses of melatonin in humans. Chronobiol Int. 2006;23(1‑2):403-12.
38. Turek FW, Gillette MU. Melatonin, sleep, and circadian rhythms: rationale for development of specific melatonin agonists. Sleep Med. 2004;5(6):523-32.
__________________________________________________________________________________________________________________
Trabalho realizado no Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - e Serviço de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Professor Associado do Departamento de Medicina Interna. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Responsável Técnica. Clínica do Sono, Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Coordenador do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos. Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Denis Martinez. Rua Ramiro Barcelos, 2350, Bairro Rio Branco, CEP 90035-9030, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 2101-8344. E-mail: dm@ufrgs.br
Recebido para publicação em 10/6/2007. Aprovado, após revisão, em 10/9/2007.