ABSTRACT
Objective: To determine the frequency of active smoking among patients with asthma and individuals without asthma by self-report and urinary cotinine measurement. Methods: This was a cross-sectional study conducted in the city of Salvador, Brazil, and involving 1,341 individuals: 498 patients with severe asthma, 417 patients with mild-to-moderate asthma, and 426 individuals without asthma. Smoking status was determined by self-report (with the use of standardized questionnaires) and urinary cotinine measurement. The study variables were compared with the chi-square test and the Kruskal-Wallis test. Results: Of the sample as a whole, 55 (4.1%) reported being current smokers. Of those, 5 had severe asthma, 17 had mild-to-moderate asthma, and 33 had no asthma diagnosis. Of the 55 smokers, 32 (58.2%) were daily smokers and 23 (41.8%) were occasional smokers. Urinary cotinine levels were found to be high in self-reported nonsmokers and former smokers, especially among severe asthma patients, a finding that suggests patient nondisclosure of smoking status. Among smokers, a longer smoking history was found in patients with severe asthma when compared with those with mild-to-moderate asthma. In addition, the proportion of former smokers was higher among patients with severe asthma than among those with mild-to-moderate asthma. Conclusions: Former smoking is associated with severe asthma. Current smoking is observed in patients with severe asthma, and patient nondisclosure of smoking status occurs in some cases. Patients with severe asthma should be thoroughly screened for smoking, and findings should be complemented by objective testing.
Keywords:
Asthma; Smoking; Cotinine.
RESUMO
Objetivo: Descrever a frequência de tabagismo ativo entre pacientes com asma e indivíduos sem asma, usando questionários padronizados e dosagem da cotinina urinária. Métodos: Estudo transversal realizado em Salvador (BA), com 1.341 indivíduos, sendo 498 com asma grave, 417 com asma leve/moderada e 426 sem asma. O tabagismo foi identificado por meio de autorrelato utilizando questionários e por mensuração da cotinina urinária. Para a comparação das variáveis estudadas, utilizaram-se os testes do qui-quadrado e de Kruskal-Wallis. Resultados: Dos 55 participantes (4,1%) que se declararam tabagistas atuais, 5, 17 e 33 eram dos grupos asma grave, asma leve/moderada e sem asma, respectivamente. Desses 55, 32 (58,2%) eram tabagistas diários e 23 (41,8%) eram tabagistas ocasionais. Observaram-se níveis elevados de cotinina urinária entre não fumantes autodeclarados e tabagistas pregressos, especialmente no grupo asma grave, o que sugere omissão do hábito atual de fumar. A carga tabágica entre os fumantes e a proporção de ex-tabagistas foram maiores no grupo asma grave do que no grupo asma leve/moderada. Conclusões: O tabagismo pregresso esteve associado à asma grave. Tabagismo atual também foi observado em alguns pacientes com asma grave e detectou-se omissão em alguns casos. A investigação de tabagismo deve ser meticulosa em pacientes com asma grave e a entrevista desses deve ser complementada por uma avaliação objetiva.
Palavras-chave:
Asma; Fumar; Cotinina.
INTRODUÇÃOO tabagismo é reconhecido mundialmente como uma doença crônica resultante da dependência da nicotina e um fator de risco para o desenvolvimento e agravamento das doenças respiratórias crônicas, como asma e DPOC.(1) Considerado uma das principais causas de mortes evitáveis, o hábito tabágico associa-se a maiores custos para a saúde, morbidade e mortalidade, sendo responsável por mais de 6 milhões de mortes anuais.(2)
A asma é uma doença crônica com alta prevalência, variando de 1% a 16% na população mundial.(3,4) Na cidade de Salvador (BA), 13,4% dos adolescentes e 5,1% dos adultos apresentam a doença.(5,6) O tabagismo relaciona-se diretamente com a falta de controle e maior gravidade da asma, aumentando o risco de exacerbações, declínio da função pulmonar, dispneia persistente(7) e limitação na resposta ao tratamento com corticosteroides.(8) Apesar disso, pacientes asmáticos ainda fumam. Um estudo realizado na cidade de São Paulo (SP) encontrou uma frequência de 3% e 33% de asmáticos fumantes atuais e pregressos autodeclarados, respectivamente.(9)
A exposição ao tabagismo pode ser avaliada através do autorrelato dos pacientes e da mensuração de marcadores biológicos, como monóxido de carbono no ar exalado, carboxi-hemoglobina sanguínea, tiocianato, nicotina e cotinina, que podem ser mensurados em saliva, plasma e urina.(10) Frequentemente utiliza-se o autorrelato pela facilidade e baixo custo, mas é um método de avaliação mais vulnerável à omissão de dados.(11)
Entre esses biomarcadores, a cotinina, produto específico da metabolização da nicotina, é considerada o mais recomendado por não sofrer influência de outras exposições.(12) A técnica para sua mensuração é confiável(12-16) e permite identificar uma exposição ocorrida em 19-40 h antes da coleta da amostra de urina(17-19) devido a sua baixa excreção renal, facilitando sua detecção através de análises laboratoriais e preenchendo os pré-requisitos de
especificidade.(20)
Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a frequência de tabagismo ativo entre pacientes com diferentes níveis de gravidade da asma e em indivíduos sem asma na cidade de Salvador (BA) por meio de questionários padronizados e da medida objetiva de exposição à fumaça do cigarro através da dosagem da cotinina urinária.
MÉTODOSDelineamento do estudoEste é um estudo transversal envolvendo pacientes com diagnóstico de asma, conduzido entre 2013 e 2015 no Núcleo de Excelência em Asma da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, um centro de pesquisa vinculado ao Programa para o Controle da Asma na Bahia (ProAR).
O presente estudo está vinculado ao projeto principal intitulado "Fatores de risco, biomarcadores e endofenótipos da asma grave", um estudo de caso-controle que avaliou pacientes com asma grave, tendo dois grupos controle: participantes com asma leve/moderada e participantes sem asma.
Seleção e amostragemForam estudados 1.341 indivíduos, dos quais 915 eram asmáticos, sendo 417 diagnosticados com asma leve/moderada e 498 diagnosticados com asma grave (acompanhados no ProAR), assim como 426 indivíduos sem asma.
Os participantes com asma grave foram classificados previamente, no momento de admissão no ProAR, quando ainda não estavam em tratamento regular e seguiram em acompanhamento desde então. Os pacientes com asma leve/moderada e indivíduos sem asma foram recrutados por intermédio de anúncios em meios de comunicação, áreas/transportes públicos e indicações de outros participantes. Todos os pacientes com asma foram classificados quanto ao nível de gravidade segundo os critérios da Global Initiative for Asthma de 2012.(21)
Foram incluídos participantes de ambos os sexos, com idade maior ou igual a 18 anos, residentes em Salvador ou em sua região metropolitana e que eram usuários do Sistema Único de Saúde. Os participantes com asma grave estavam em tratamento regular há pelo menos seis meses. Não foram incluídos pacientes com diagnóstico de comorbidades que dificultassem a avaliação do controle da asma (insuficiência cardíaca congestiva, acidente vascular cerebral, miopatias, neoplasia avançada, doenças psiquiátricas ou outras doenças pulmonares) ou com história de tabagismo maior que 10 anos-maço, pela dificuldade de diagnóstico diferencial com DPOC. Ao final do estudo, foram excluídos alguns participantes por diferentes razões, como problemas com a amostra de urina, abandono do tratamento, exacerbação de comorbidades que dificultaram a avaliação do paciente, entre outras (Figura 1).
Participantes com asma graveO diagnóstico de asma grave foi validado segundo critérios da Global Initiative for Asthma(21) em auditoria realizada em prontuários dos pacientes por dois especialistas durante a fase de seleção. Em caso de divergências quanto ao diagnóstico e à classificação, um terceiro especialista era consultado. Ao final dessa etapa, 949 pacientes que preencheram os critérios de inclusão foram contatados via telefone e convidados a comparecer ao Núcleo de Excelência em Asma. Desses, apenas 553 compareceram e foram submetidos à avaliação clínica e espirométrica. Depois disso, 55 indivíduos foram excluídos, totalizando uma amostra de 498 participantes nesse grupo (Figura 1).
Participantes com asma leve/moderada e sem asmaUm total de 2.526 pacientes com asma leve/moderada e indivíduos sem asma foram contatados para uma pré-triagem. Desses, 484 indivíduos com asma leve/moderada foram incluídos no estudo, mas ao final, apenas 417 completaram todas as avaliações. Com o propósito de comparação foram incluídos 464 indivíduos sem asma, mas apenas 426 completaram todas as avaliações estabelecidas (Figura 1).
Procedimentos de pesquisa e coleta de dadosDurante o agendamento da consulta, o participante era orientado a coletar a primeira urina do dia, realizando procedimentos básicos de segurança e higiene. As amostras eram entregues, identificadas e armazenadas em um freezer a −70°C. Em seguida, os pacientes eram encaminhados para uma avaliação clínica para a validação do diagnóstico e classificação da gravidade da asma. Naquele momento também eram questionados quanto à exposição ao tabagismo e ao uso de medicamentos. Nenhum dos participantes fazia terapia à base de nicotina.
Autorrelato do tabagismoFoi considerado tabagista atual aquele que se autodeclarou consumidor de cigarros diariamente ou ocasionalmente. Os participantes que relataram história prévia de tabagismo com cessação autorreferida há pelo menos seis meses foram considerados ex-tabagistas.
As informações de exposição ao tabagismo eram coletadas pela aplicação de dois questionários adaptados: questões referentes à história de tabagismo do questionário Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis(22); e questões relacionadas a exposição à fumaça secundária do cigarro no domicílio, ambiente escolar e/ou laboral e exposições em transportes e ambientes públicos do questionário utilizado no Censo 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.(23)
Mensuração da cotinina urináriaA cotinina urinária foi mensurada segundo o procedimento descrito por Cattaneo et al.(24) Utilizou-se um cromatógrafo líquido de alta eficiência (1290 Infinity; Agilent®, Santa Clara, CA, EUA) equipado com uma coluna Zorbax Eclipse XDB-C8 (4,6 mm × 150 mm × 5 µm) e detector UV-Vis (λ = 260 nm), do mesmo fabricante, com volume de injeção de 20 µl e um fluxo de fase móvel isocrática de 0,4 ml/min. A metodologia foi validada utilizando os parâmetros descritos na resolução n° 899 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.(25) O método de cromatografia líquida de alta eficiência é indicado para a mensuração desse metabólito da nicotina devido a sua sensibilidade e especificidade, permitindo a determinação de baixas concentrações de cotinina, bem como devido ao baixo custo das análises quando comparado ao de outros métodos.(26) Os limites de detecção e quantificação foram de 6,46 µg/l e 19,59 µg/l, respectivamente.
Os níveis da cotinina urinária relacionam-se diretamente a alguns fatores biológicos, tais como a função renal, o fluxo e o pH da urina. Para garantir maior precisão nos resultados, a correção dos valores foi realizada por meio da relação cotinina/creatinina urinária em µg/g.(27)
A creatinina urinária foi mensurada utilizando um ensaio de quantificação de creatinina, com leituras a 510 ηm, no tempo de 30 e 90 segundos em um espectofotômetro com cubeta termostatizada a 37°C. Utilizou-se o equipamento automatizado BT 3000 PLUS (Wiener Lab Group, Rosário, Argentina).
Análise estatísticaForam incluídos no estudo todos os pacientes com asma grave acompanhados no ProAR até o momento do início do estudo. Assim, não houve cálculo de tamanho amostral. Com relação aos grupos com asma leve/moderada e sem asma, o número de participantes foi estabelecido para garantir a comparabilidade dos grupos.
Os dados coletados foram processados pelo Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e estão apresentados na forma de gráficos e tabelas. Foram aplicados os testes de Shapiro-Wilk e de Kolmogorov-Smirnov para determinar a natureza da distribuição das variáveis. As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio-padrão se a distribuição era gaussiana ou mediana e intervalo interquartil (II) se a distribuição não era gaussiana; as variáveis categóricas foram expressas através da frequência absoluta e proporção válida. Utilizaram-se o teste do qui-quadrado para comparar proporções e o teste de Kruskal-Wallis para comparar variáveis contínuas, posto que a maioria dos dados analisados não teve distribuição normal.
Considerações éticasO estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira da Universidade Federal da Bahia (parecer nº 099/2009; aditivo nº 032/2014), bem como pelo Conselho Nacional de Saúde (parecer nº 450/10). Todos os procedimentos do presente estudo foram realizados após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes do estudo.
RESULTADOSForam avaliados 1.341 pacientes. Desses, 55 (4,1%) informaram tabagismo atual, 273 (20,4%) eram ex-tabagistas, e 1.013 (75,5%) eram não tabagistas. As características dos participantes estão descritas na Tabela 1. Os participantes foram classificados de acordo com o diagnóstico e gravidade da asma em três grupos: asma grave (n = 498), asma leve/moderada (n = 417) e sem asma (n = 426).
Observou-se que, dos 55 participantes que declararam tabagismo ativo, 32 (58,2%) e 23 (41,8%) informaram consumo diário e ocasional de cigarros, respectivamente (Tabela 1). A Tabela 2 traz informações detalhadas sobre o consumo de cigarros de cada grupo de estudo. Entre os tabagistas atuais, os asmáticos graves e os participantes sem asma fumaram por um maior período que aqueles com asma leve/moderada.
Foi identificado que o início do consumo de cigarros ocorreu em idade precoce da vida (adolescência). Considerando-se os tabagistas atuais e pregressos, observou-se que o grupo com asma grave teve uma média de idade de início do tabagismo (15,9 ± 5,3 anos) significativamente menor que os grupos com asma leve/moderada e sem asma (18,8 ± 5,7 anos e 16,8 ± 4,2 anos, respectivamente; p = 0,02).
Entre os fumantes atuais, observou-se uma carga tabágica maior no grupo asma grave (25,5 anos-maço) quando comparado aos grupos asma leve/moderada e sem asma (1,3 e 7,7 anos-maço, respectivamente). Entre os ex-tabagistas, a carga tabágica foi de, respectivamente, 4,4 anos-maço, 1,2 anos-maço e 8,0 anos-maço nos grupos asma grave, asma leve/moderada e sem asma.
Entre os fumantes com hábito diário, todos apresentaram resultados de cotinina urinária positiva. Dos tabagistas ocasionais, 8 indivíduos tiveram resultados abaixo do limite de detecção. Os pacientes que faziam uso diário de cigarros apresentaram uma mediana de cotinina urinária mais elevada (758,2 µg/g; II: 433,2-2.066,8) que a daqueles com consumo ocasional (97,1 µg/g; II: 30,7-1.036,9; Tabela 3). Chama a atenção que, entre os tabagistas diários e ocasionais, os resultados mais elevados de cotinina urinária foram encontrados no grupo asma grave quando comparados aos demais grupos.
Daqueles indivíduos que negaram tabagismo atual (n = 1.286), 273 (21,3%) eram tabagistas pregressos. Percebeu-se uma mediana mais elevada de cotinina urinária entre os ex-tabagistas (44,9 µg/g; II: 17,4-147,9) que a dos que declararam nunca haver fumado (24,2 µg/g; II: 10,9-58,5). Entre os ex-tabagistas do grupo asma grave, observou-se uma mediana mais elevada quando comparada à dos demais grupos de estudo (Tabela 3). A Figura 2 mostra a representação gráfica das medianas de cotinina urinária.
Entre os ex-tabagistas, os asmáticos graves foram os que apresentaram as medianas mais elevadas dos níveis de cotinina urinária. Entre os que informaram ter fumado somente no passado, a mediana dos níveis de cotinina no grupo asma grave (62,5 µg/g; II: 19,2-409,5) tendeu a ser mais elevada que a nos grupos asma leve/moderada e sem asma (30,3 µg/g; II: 13,0-110,3 e 40,9 µg/g; II: 9,9-129,1, respectivamente; p > 0,05).
Entre os não tabagistas, 440 (34,3%) informaram algum tipo de exposição à fumaça secundária de cigarros no ambiente domiciliar, laboral e/ou em locais ou transportes públicos nas 24 h anteriores. A proporção desses nos grupos asma grave, asma leve/moderada e sem asma foi de 36,7%, 34,6% e 30,8%, respectivamente.
DISCUSSÃONo presente estudo, encontramos que 4,1% dos indivíduos se autodeclararam tabagistas ativos, uma proporção menor do que a média brasileira, mas semelhante à encontrada entre adultos na cidade de Salvador, segundo dados de 2017.(5)
Entre os tabagistas que faziam consumo diário de cigarros, identificaram-se níveis mais elevados de cotinina urinária quando comparados aos de tabagistas ocasionais, ex-tabagistas e não tabagistas, tal como era previsto. Os tabagistas pregressos também apresentaram valores mais elevados de cotinina urinária quando comparados aos não tabagistas, indicando que alguns deles podem ter omitido o fato de que continuavam fumando. Os pacientes com asma grave que relataram tabagismo pregresso tinham maiores níveis de cotinina urinária que os tabagistas pregressos dos demais grupos, sugerindo que o problema da omissão pode ser ainda maior nesse grupo. A proporção de asmáticos graves com passado de tabagismo foi superior à dos outros grupos, enquanto a proporção de pacientes com asma leve/moderada com passado de tabagismo foi menor.
Observamos uma maior frequência de tabagismo atual entre os indivíduos sem asma quando comparados àqueles com asma. Os asmáticos graves declararam fumar atualmente numa frequência menor que os asmáticos leve/moderados. As baixas frequências de tabagismo atual autorrelatadas entre os asmáticos assemelham-se a de dados já descritos na literatura(9) e podem decorrer do impacto negativo do consumo do tabaco devido às condições clínicas e de qualidade de vida nesses indivíduos, que os induz a evitar o cigarro. O paciente com asma possivelmente teria uma menor tendência a manter o hábito tabagista devido a sua enfermidade. O acompanhamento em serviços de saúde que educam sobre os malefícios do tabagismo também pode ser um importante fator para a redução do tabagismo entre os asmáticos. Entretanto, a possibilidade de omissão do hábito tabágico entre eles deve ser considerada.(9,11)
O tabagismo pregresso mais frequentemente observado nos pacientes com asma grave sugere que o tabagismo pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da asma grave entre asmáticos que fumam a despeito do desconforto e dos alertas para os malefícios do tabagismo. Nos casos em que o asmático apresenta uma carga tabágica prévia elevada, cabe considerar a superposição entre asma e DPOC como uma explicação para os indicadores de maior gravidade da asma.
Observou-se também que, entre os indivíduos fumantes ou ex-fumantes, o hábito tabágico teve início na adolescência, assim como descrito em estudos realizados por Malcon et al.(28) e Abreu et al.(29) No presente estudo, a idade do início do tabagismo foi mais baixa no grupo asma grave (15,9 anos vs. 18,8 anos no grupo asma leve/moderada), reforçando a possibilidade de que a exposição ao tabaco seja um fator de risco para o desenvolvimento de asma grave.(30)
Indivíduos com asma leve/moderada, fumantes atuais ou pregressos, apresentaram uma mediana de anos de tabagismo menor que a daqueles com asma grave. Isso pode ser uma evidência de que o tabagismo pode estar associado com a gravidade da asma. Os asmáticos leves/moderados também fumaram menos que os asmáticos graves e os indivíduos sem asma. Acreditamos que o desconforto associado à inalação da fumaça de cigarro não lhes tenha permitido prosseguir com o hábito, enquanto aqueles que persistiram fumando evoluíram para um quadro agravado.
A carga tabágica (anos-maço) dos asmáticos graves revelou que esses fumaram/fumam mais que os asmáticos leves/moderados, sugerindo, mais uma vez, uma associação entre tabagismo e maior gravidade da asma.
No presente estudo, observaram-se variações nos níveis de cotinina urinária entre os grupos quando se considerou o autorrelato de tabagismo. Entre aqueles fumantes que informaram o consumo diário de cigarros, a mediana foi mais elevada que a daqueles com seu consumo esporádico, exceto no grupo asma grave, sugerindo novamente uma possível omissão do consumo diário de cigarros. Indivíduos que não fumam diariamente tendem a apresentar valores de cotinina menores, e fumantes que consomem diariamente um maior número de cigarros apresentam níveis elevados desse metabólito no organismo,(31) o que pode ser constatado mesmo com uma única mensuração da cotinina.(32)
Outros estudos também demonstraram discrepâncias entre o autorrelato e a análise de biomarcadores específicos para a exposição ao cigarro, como a cotinina,(33,34) indicando a possível omissão do hábito tabágico por parte dos pacientes. Em um estudo realizado em São Paulo, observaram-se níveis elevados de cotinina urinária entre asmáticos graves que relataram apenas tabagismo pregresso, alertando-nos quanto à possibilidade de informações imprecisas.(11)
Sabe-se que o tabagismo está associado ao mau prognóstico da asma, diminuindo a resposta aos corticosteroides inalatórios e aumentando os sintomas e a necessidade de visitas à emergência, de internações e de gastos com o tratamento, além de afetar negativamente a qualidade de vida desses pacientes. A cessação do consumo e exposição ao cigarro pode melhorar as condições clínicas dos indivíduos asmáticos.(8,35)
Apesar de o presente estudo envolver uma grande amostra, há limitações que devem ser levadas em consideração. Os resultados da cotinina podem ter sido influenciados pela exposição passiva ao tabaco, etnia e utilização de alimentos contendo nicotina, tais como tomates, batatas e chá preto.(36,37) Entretanto, não foram observadas mudanças nos valores da cotinina considerando a exposição à fumaça secundária em horas entre os não fumantes e em relação à cor da pele autorreferida. Com relação à dieta, a influência do hábito alimentar nos valores de cotinina urinária encontrados não foi investigada. A baixa frequência de tabagistas atuais em nossa amostra reduziu o poder das análises de subgrupos. No recrutamento de pacientes com asma, foram excluídos aqueles que referiram uma carga tabágica maior ou igual a 10 anos-maço, objetivando evitar confusão com casos de DPOC e manter os grupos asma grave e asma leve/moderada semelhantes quanto aos critérios de inclusão, o que pode ter gerado um viés na comparação com o grupo sem asma. No entanto, esse viés favoreceria uma carga tabágica menor nos grupos com asma, o que não foi observado no grupo asma grave, reforçando a validade interna dos nossos resultados. A proporção de ex-tabagistas no grupo asma grave (27%) foi consideravelmente maior que nos outros grupos.
Por fim, podemos concluir que os pacientes asmáticos com diferentes níveis de gravidade apresentaram uma baixa frequência de tabagismo atual autorrelatado, especialmente aqueles com asma grave. Todavia, encontramos uma maior proporção de tabagismo pregresso autorrelatado também na asma grave, assim como maior carga tabágica e níveis atuais mais elevados de cotinina urinária, sugerindo a possibilidade de omissão do hábito tabágico e indicando que a exposição ao tabagismo ativo pode estar associada à asma grave. A investigação de tabagismo deve ser meticulosa em pacientes com asma grave, e a entrevista desses deve ser complementada por uma avaliação objetiva.
REFERÊNCIAS1. World Health Organization. WHO strategy for prevention and control of chronic respiratory diseases. Geneva: WHO; 2002.
2. World Health Organization. WHO global report on trends in prevalence of tobacco smoking. Geneva: WHO; 2015.
3. World Health Organization. WHO Report on the Global Tobacco Epidemic 2015: raising taxes on tobacco. Geneva: WHO; 2015.
4. Global Initiative for Asthma (GINA). Global Strategy for Asthma Management and Prevention: online appendix. Bethesda: GINA; 2016.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2016: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2016. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
6. Barreto ML, Ribeiro-Silva RC, Malta DC, Oliveira-Campos M, Andreazzi MA, Cruz AA. Prevalence of asthma symptoms among adolescents in Brazil: National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17 Suppl 1:106-15. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400050009
7. Global Initiative for Asthma (GINA). Global Strategy for Asthma Management and Prevention. Bethesda: GINA; 2016.
8. Polosa R, Thomson NC. Smoking and asthma: dangerous liaisons. Eur Respir J. 2013;41(3):716-26. https://doi.org/10.1183/09031936.00073312
9. Dias-Júnior AS, Pinto RC, Angelini L, Fernandes FL, Cukier A, Stelmach R. Prevalence of active and passive smoking in a population of patients with asthma. J Bras Pneumol. 2009;35(3):261-5. https://doi.org/10.1590/S1806-37132009000300011
10. Haufroid V, Lison D. Urinary cotinine as a tobacco-smoke exposure index: a minireview. Int Arch Occup Environ Health. 1998;71(3):162-8. https://doi.org/10.1007/s004200050266
11. Stelmach R, Fernandes FL, Carvalho-Pinto RM, Athanazio RA, Rached SZ, Prado GF, et al. Comparison between objective measures of smoking and self-reported smoking status in patients with asthma or COPD: are our patients telling us the truth? J Bras Pneumol. 2015;41(2):124-32. https://doi.org/10.1590/S1806-37132015000004526
12. Kim H, Lim Y, Lee S, Park S, Kim C, Hong C, et al. Relationship between environmental tobacco smoke and urinary cotinine levels in passive smokers at their residence. J Expo Anal Environ Epidemiol. 2004;14 Suppl 1:S65-70. https://doi.org/10.1038/sj.jea.7500360
13. Benowitz NL. Cotinine as a biomarker of environmental tobacco smoke exposure. Epidemiol Rev. 1996;18(2):188-204. https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.epirev.a017925
14. Florescu A, Ferrence R, Einarson T, Selby P, Soldin O, Koren G. Methods for quantification of exposure to cigarette smoking and environmental tobacco smoke: focus on developmental toxicology. Ther Drug Monit. 2009;31(1):14-30. https://doi.org/10.1097/FTD.0b013e3181957a3b
15. Matsumoto M, Inaba Y, Yamaguchi I, Endo O, Hammond D, Uchiyama S, et al. Smoking topography and biomarkers of exposure among Japanese smokers: associations with cigarette emissions obtained using machine smoking protocols. Environ Health Prev Med. 2013;18(2):95-103. https://doi.org/10.1007/s12199-012-0293-7
16. Machado Jde B, Plínio Filho VM, Petersen GO, Chatkin JM. Quantitative effects of tobacco smoking exposure on the maternal-fetal circulation. BMC Pregnancy and Childbirth. 2011;11:24. https://doi.org/10.1186/1471-2393-11-24
17. Benowitz NL, Kuyt F, Jacob P 3rd, Jones RT, Osman AL. Cotinine disposition and effects. Clin Pharmacol Ther. 1983;34(5):604-11. https://doi.org/10.1038/clpt.1983.222
18. Etzel RA, Greenberg RA, Haley NJ, Loda FA. Urine cotinine excretion in neonates exposed to tobacco smoke products in utero. J Pediatr. 1985;107(1):146-8. https://doi.org/10.1016/S0022-3476(85)80637-5
19. Jacob P 3rd, Benowitz NL, Shulgin AT. Recent studies of nicotine metabolism in humans. Pharmacol Biochem Behav. 1988;30(1):249-53. https://doi.org/10.1016/0091-3057(88)90453-4
20. Malafatti L, Martins I. Analytical aspects of the continine's determination in biological matrices [Article in Portuguese]. Rev Bras Toxicol. 2009;22(1-2):9-20.
21. Global Initiative for Asthma (GINA). Global Strategy for Asthma Management and Prevention. Bethesda: GINA; 2012.
22. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2010. Vigilância de fatores de risco e proteção de doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no distrito federal em 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
23. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer; Organização Pan-Americana da Saúde. Pesquisa especial de tabagismo (PETab): relatório Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Câncer; 2011.
24. Cattaneo R, Alegretti AP, Sagebin FR, Abreu CM, Petersen GO, Chatkin JM, et al. Validação do método para determinação de cotinina em urina por cromatografia líquida de alta eficiência. Rev Bras Toxicol. 2006;19(1):25-31.
25. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Guia para validação de métodos analíticos e bioanalíticos. Resolução RE nº 899, de 29 de maio de 2003. Brasília: ANVISA; 2003.
26. Petersen GO, Leite CE, Chatkin JM, Thiesen FV. Cotinine as a biomarker of tobacco exposure: development of a HPLC method and comparison of matrices. J Sep Sci. 2010;33(4-5):516-21. https://doi.org/10.1002/jssc.200900575
27. Watts RR, Langone JJ, Knight GJ, Lewtas J. Cotinine analytical workshop report: consideration of analytical methods for determining cotinine in human body fluids as a measure of passive exposure to tobacco smoke. Environ Health Perspect. 1990;84:173-82. https://doi.org/10.1289/ehp.9084173
28. Malcon MC, Menezes AB, Chatkin M. Prevalence and risk factors for smoking among adolescents [Article in Portuguese. Rev Saude Publica. 2003;37(1):1-7. https://doi.org/10.1590/S0034-89102003000100003
29. Abreu MN, Souza CF, Caiaffa WT. Smoking among adolescents and young adults in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil: the influence of family setting and social group [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2011;27(5):935-43. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000500011
30. Annesi-Maesano I, Oryszczyn MP, Raherison C, Kopferschmitt C, Pauli G, Taytard A, et al. Increased prevalence of asthma and allied diseases among active adolescent tobacco smokers after controlling for passive smoking exposure. A cause for concern? Clin Exp Allergy. 2004;34(7):1017-23. https://doi.org/10.1111/j.1365-2222.2004.02002.x
31. Caraballo RS, Giovino GA, Pechacek TF, Mowery PD. Factors associated with discrepancies between self-reports on cigarette smoking and measured serum cotinine levels among persons aged 17 years or older: Third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Am J Epidemiol. 2001;153(8):807-14. https://doi.org/10.1093/aje/153.8.807
32. Lee K, Lim S, Bartell S, Hong YC. Interpersonal and temporal variability of urinary cotinine in elderly subjects. Int J Hyg Environ Health. 2011;215(1):46-50. https://doi.org/10.1016/j.ijheh.2011.07.007
33. Boyd NR, Windsor RA, Perkins LL, Lowe JB. Quality of measurement of smoking status by self-report and saliva cotinine among pregnant women. Matern Child Health J. 1998;2(2):77-83. https://doi.org/10.1023/A:1022936705438
34. Man CN, Fathelrahman AI, Harn GL, Lajis R, Samin AS, Omar M, et al. Correlation between urinary nicotine, cotinine and self-reported smoking status among educated young adults. Environ Toxicol Pharmacol. 2009;28(1):92-6. https://doi.org/10.1016/j.etap.2009.03.003
35. Thomson NC, Chaudhuri R, Livingston E. Asthma and cigarette smoking. Eur Respir J. 2004;24(5):822-33. https://doi.org/10.1183/09031936.04.00039004
36. Bramer SL, Kallungal BA. Clinical considerations in study designs that use cotinine as a biomarker. Biomarkers. 2003;8(3-4):187-203. https://doi.org/10.1080/13547500310012545
37. Siegmund B, Leitner E, Pfannhauser W. Determination of the nicotine content of var-ious edible nightshades (Solanaceae) and their products and estimation of the asso-ciated dietary nicotine intake. J Agric Food Chem. 1999;47(8):3113-20. https://doi.org/10.1021/jf990089w