ABSTRACT
Objective: To draw up an up-to-date scenario of compliance with the law prohibiting the sale of cigarettes to minors. Methods: We used data about youth access to cigarette purchase that were obtained through a nationwide survey conducted in 2015 among students aged 13-17 years. We estimated simple proportions of attempts to buy cigarettes, success of attempts, purchase of cigarettes on a regular basis, and purchase of cigarettes on a regular basis in a store or bar. All estimates were stratified by gender, age group, and Brazilian macro-region. Crude absolute difference and adjusted absolute difference in the proportion of smokers in each category by variable of interest were analyzed by a generalized linear model with binomial distribution and identity link function. Results: Approximately 7 in every 10 adolescent smokers attempted to buy cigarettes at least once in the 30 days prior to the survey. Of those, approximately 9 in every 10 were successful, and individuals aged 16-17 years (vs. those aged 13-15 years) were less often prevented from buying cigarettes (adjusted absolute difference, 8.1%; p ≤ 0.05). Approximately 45% of all smokers aged 13-17 years in Brazil reported buying their own cigarettes on a regular basis without being prevented from doing so, and, of those, 80% reported buying them in a store or bar (vs. from a street vendor). Conclusions: Our findings raise an important public health concern and may contribute to supporting educational and surveillance measures to enforce compliance with existing anti-tobacco laws in Brazil, which have been disregarded.
Keywords:
Smoking/epidemiology; Smoking/legislation & jurisprudence; Adolescent behavior; Public health.
RESUMO
Objetivo: Fornecer um cenário atualizado do cumprimento da lei que proíbe a venda de cigarros para menores de 18 anos de idade. Métodos: Foram utilizados dados de acesso à compra de cigarros obtidos por meio de uma pesquisa de âmbito nacional, realizada em 2015, entre jovens escolares de 13 a 17 anos. Foram estimadas as proporções simples de tentativa de comprar cigarros; sucesso dessa tentativa; compra regular de cigarros; e compra regular de cigarros em lojas ou botequins. Todas as estimativas foram estratificadas por sexo, faixa etária e macrorregiões brasileiras. Para avaliar as diferenças absolutas, brutas e ajustadas, das proporções das categorias consideradas em relação às variáveis analisadas, foi utilizado um modelo linear generalizado com distribuição binomial e função de ligação identidade. Resultados: Aproximadamente 7 em cada 10 fumantes adolescentes tentaram comprar cigarros pelo menos em uma ocasião nos 30 dias anteriores à pesquisa. Desses, aproximadamente 9 em cada 10 obtiveram sucesso, sendo que jovens entre 16-17 anos (vs. 13-15 anos) foram menos impedidos de comprar cigarros (diferença absoluta ajustada = 8,1%; p ≤ 0,05). Aproximadamente 45% de todos os fumantes brasileiros entre 13 e 17 anos de idade referiram ter comprado regularmente os seus próprios cigarros sem serem impedidos, e, desses, 80% relataram tê-los comprado em lojas/botequins (vs. vendedores ambulantes). Conclusões: Nossos achados trazem um importante alerta de saúde pública e podem contribuir para apoiar ações educativas e de fiscalização no sentido de reforçar o cumprimento das leis antitabaco já existentes no Brasil, que vêm sendo desrespeitadas.
Palavras-chave:
Fumar/epidemiologia; Fumar/legislação & jurisprudência; Comportamento do adolescente; Saúde pública.
INTRODUÇÃOO Brasil obteve enormes avanços no combate à epidemia do tabaco nos últimos anos em função da implementação de uma série de ações legislativas e educativas baseadas na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde.(1-4)
A redução da proporção de fumantes no país reflete não somente o aumento da cessação de fumar, mas também uma provável redução da iniciação do tabagismo entre os adolescentes e jovens adultos.(4) De fato, dados nacionais de pesquisas domiciliares recentes indicaram que a proporção de fumantes com idade de 18 a 24 anos caiu de 13,6% a 10,6% de 2008 a 2013, assim como a proporção de uso de cigarros entre adolescentes de 14 a 17 anos também caiu; de 6,2% para 3,4% de 2006 a 2012.(4,5)
Considerando-se que a idade média de iniciação ao consumo regular de cigarros no Brasil está por volta de 16 anos,(6) é de fundamental importância avaliar periodicamente o cumprimento da lei que proíbe a venda de cigarros para menores de 18 anos de idade. (7,8) Observou-se, por exemplo, que, mesmo com a redução da proporção de adolescentes fumantes ocorrida no Brasil entre 2006 e 2012,(5) pesquisas realizadas entre escolares de 13 a 15 anos de idade em diversas cidades brasileiras entre 2002 e 2009 apontaram que o cumprimento da lei de proibição da venda de cigarros para crianças e adolescentes estava muito longe de ser o ideal.(9) De fato, entre os adolescentes fumantes que tinham tentado comprar cigarros nos 30 dias anteriores às pesquisas, a proporção daqueles que afirmaram não terem sido impedidos de comprá-los variou de 51,0% a 91,6%, sugerindo que o Brasil poderia ter obtido proporções de adolescentes fumantes ainda menores do que as verificadas. Em 2012 e 2015, dados nacionais comparativos da proporção de consumo de cigarros entre escolares de 13 a 15 anos sinalizaram, ainda, para uma provável reversão da queda da iniciação ao tabagismo entre os jovens (5,1% vs. 5,6%).(10,11)
O presente estudo teve como objetivo, portanto, fornecer um cenário atualizado do cumprimento/descumprimento da lei que proíbe a venda de cigarros para menores de 18 anos de idade. Para tanto, foram utilizados os dados de acesso à compra de cigarros obtidos por meio de uma pesquisa de âmbito nacional, realizada em 2015, entre jovens escolares de 13 a 17 anos.(11) Tal levantamento pode contribuir não somente para o entendimento da evolução da epidemia do tabagismo no Brasil, mas também pode fornecer elementos para agir, se for o caso, na implementação efetiva dessa lei.
MÉTODOSUtilizaram-se os dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2015, para avaliar o cumprimento da lei que proíbe a venda de cigarros para menores de idade no Brasil.(11)
A PeNSE é uma pesquisa entre escolares iniciada em 2009 e que ocorre a cada 3 anos no Brasil. Importantes inovações foram introduzidas na edição da PeNSE realizada em 2015. Uma das mais significativas foi a disponibilização de dados oriundos de um novo plano amostral que contemplou escolares frequentando as etapas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e da 1ª ao 3ª ano do ensino médio em escolas públicas e privadas de todo o território nacional. Detalhes do procedimento amostral de conglomerados podem ser obtidos em outra publicação.(11) Os indicadores apresentados no presente estudo abrangem o grupo etário de 13 a 17 anos, perfazendo 10.926 questionários.
Ainda que os temas investigados sobre o consumo de cigarros em 2015 sejam os mesmos das edições anteriores da pesquisa, naquele ano foram também incluídas duas novas perguntas referentes ao acesso dos adolescentes ao cigarro: "Nos últimos 30 dias, alguém se recusou a lhe vender cigarros (em alguma ocasião) em função de sua idade?" - as opções de resposta eram as seguintes: "não tentei comprar cigarros nos últimos 30 dias" OU "sim, alguém se recusou a me vender cigarros em função da minha idade" OU "não, a minha idade não me impediu de comprar cigarros"; e "Nos últimos 30 dias, em geral, como você conseguiu os seus próprios cigarros?" - as opções de resposta eram as seguintes: "comprei em loja ou botequim" OU "comprei com um vendedor ambulante" OU "dei dinheiro para alguém comprar" OU" pedi a alguém" OU "peguei escondido" OU "uma pessoa mais velha me deu" OU "consegui de outro modo".
Análise de dadosA análise das variáveis de acesso aos cigarros foi restrita aos adolescentes que afirmaram ter fumado cigarros nos últimos 30 dias (n = 688). Os adolescentes fumantes foram separados em duas faixas etárias (de 13 a 15 anos vs. de 16 a 17 anos) com o objetivo de se avaliar o impacto do aspecto físico do indivíduo, relacionado ao seu crescimento e amadurecimento hormonal, na tentativa de comprar cigarros e, subsequentemente, no sucesso (ou não) dessa tentativa.
Foram estimadas proporções simples das seguintes variáveis: "tentativa de comprar"; "sucesso dessa tentativa"; "compra regular"; e "compra regular em lojas ou botequins". Todas as estimativas foram estratificadas por sexo, faixa etária e macrorregiões brasileiras. Para tanto, criou-se uma variável dicotômica denominada "tentativa de comprar", classificada da seguinte forma: (1) junção dos indivíduos que foram impedidos de comprar cigarros em alguma ocasião nos 30 dias anteriores ao preenchimento do questionário e daqueles que não foram impedidos de fazê-lo; e (0) indivíduos que não tentaram comprar cigarros durante aquele período.
Criou-se também outra variável dicotômica denominada "sucesso dessa tentativa" que foi classificada, tal como descrita a seguir: (1) indivíduos que não foram impedidos de comprar cigarros durante aquele período; e (0) indivíduos que foram impedidos de comprar cigarros durante aquele período.
Criou-se, ainda, para os adolescentes fumantes que afirmaram ter conseguido comprar cigarros em alguma ocasião nos 30 dias anteriores à pesquisa, a variável dicotômica denominada "compra regular", tal como descrita a seguir: (1) indivíduos que afirmaram ter comprado cigarros, em geral, em lojas, botequins ou com um vendedor ambulante durante aquele período; e (0) indivíduos que relataram ter conseguido cigarros por meio de outras opções que não envolviam o ato de compra durante aquele período.
Finalmente, para os adolescentes fumantes que não foram impedidos de comprar cigarros nos 30 dias anteriores à pesquisa, criou-se a variável dicotômica "compra regular em lojas ou botequins", da seguinte forma: (1) indivíduos que compraram cigarros em lojas ou botequins durante aquele período; e (0) indivíduos que compraram cigarros regularmente com um vendedor ambulante durante aquele período.
Para avaliar as diferenças absolutas, brutas e ajustadas, em relação às proporções das categorias consideradas pelas variáveis sexo, faixa etária e macrorregiões do Brasil, foi utilizado um modelo linear generalizado com distribuição binomial e função de ligação identidade.(12) Nesse modelo, usou-se como variável dependente "tentativa de comprar" (OU "sucesso dessa tentativa" OU "compra regular" OU "compra em lojas ou botequins") e como variáveis independentes sexo, faixa etária e macrorregiões do Brasil. Para o cálculo dos intervalos de confiança das diferenças absolutas ajustadas obtidas pelo modelo de regressão, considerou-se um erro tipo I de 5%. A interação aditiva entre as variáveis independentes foi também avaliada por meio da inclusão dos respectivos termos de interação. A escolha do uso do modelo aditivo, inclusive para a avaliação de interação, se deveu à importância dos resultados do ponto de vista da prevenção do acesso dos adolescentes aos cigarros.(13)
O processamento das variáveis e a análise de dados foram realizados utilizando-se o programa STATA 12.0 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA).(14) Na análise, utilizou-se o comando svy do aplicativo para se lidar adequadamente com a estrutura amostral de conglomeração e permitir a incorporação das frações de expansão nas análises.
A PeNSE 2015(11) foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (CONEP nº. 1.006.467 de 30/3/2015).
RESULTADOSEntre os cerca de 810 mil adolescentes fumantes que relataram ter fumado cigarros nos últimos 30 dias anteriores à pesquisa, houve maiores proporções de indivíduos com idade de 13 a 15 anos (vs. 16-17 anos), do sexo masculino e de escolares na região Sudeste (Tabela 1). Em 2015, a proporção de fumantes entre adolescentes escolares de 13 a 17 anos no Brasil foi estimada em 6,6% (13-15 anos, em 5,4%; e 16-17 anos, em 8,4%).
Aproximadamente 7 em cada 10 fumantes entre 13 e 17 anos tentaram comprar cigarros pelo menos uma vez nos 30 dias anteriores à pesquisa; essa proporção foi significativamente menor entre as meninas (diferença absoluta ajustada = −9,5%; p ≤ 0,05; Tabela 2).
Dos fumantes que tentaram comprar cigarros em alguma ocasião nos 30 dias precedentes, aproximadamente 9 em cada 10 adolescentes obtiveram sucesso (Tabela 3). Observou-se, ainda, que os adolescentes de 16-17 anos foram impedidos de comprar cigarros menos frequentemente do que aqueles mais jovens (diferença absoluta ajustada = 8,1%; p ≤ 0,05). Além disso, os adolescentes fumantes que frequentavam escolas na região Nordeste, quando comparados aos fumantes escolares nas regiões Sudeste, Sul ou Centro-Oeste, relataram uma maior proporção de sucesso de compra.
Dos fumantes que afirmaram ter conseguido comprar cigarros pelo menos em uma ocasião nos 30 dias anteriores à pesquisa, aproximadamente 7 em cada 10 adolescentes responderam que o fizeram com regularidade, isto é, que conseguiram, em geral, seus próprios cigarros por meio de compra direta em lojas, botequins ou com vendedores ambulantes. Observou-se uma proporção consideravelmente maior desse comportamento entre os fumantes de 16 a 17 anos, quando comparados aos fumantes de 13 a 15 anos (diferença absoluta ajustada = 24,5%; p ≤ 0,05). Além disso, aparentemente, os fumantes escolares da região Nordeste foram aqueles que apresentaram as menores proporções de "compra regular" de cigarros (Tabela 4).
Entre os adolescentes cuja modalidade de aquisição de cigarros mais frequente nos 30 dias anteriores à pesquisa foi a compra direta, cerca de 8 em cada 10 afirmaram ter adquirido os cigarros em lojas ou botequins (vs. com um vendedor ambulante). Os fumantes com idade entre 16 e 17 anos, em comparação com aqueles com idade entre 13 e 15 anos, e os adolescentes fumantes que frequentavam as escolas das regiões Sudeste, Sul ou Centro-Oeste do Brasil (em comparação com aqueles frequentando escolas na região Nordeste) relataram comprar cigarros regularmente com mais frequência em lojas ou botequins do que com um vendedor ambulante (Tabela 5).
DISCUSSÃOOs resultados apresentados refletem uma avaliação dramática da efetividade da implantação da lei que proíbe a venda de produtos de tabaco para menores de 18 anos no Brasil. Aproximadamente 7 em cada 10 adolescentes fumantes se sentiram motivados a tentar, pelo menos em uma única ocasião, desrespeitar essa lei. Pior ainda, a grande maioria daqueles que optaram por se aventurar nesse comportamento ilegal foi recompensada ao não encontrar maiores resistências por parte dos varejistas e/ou dos vendedores ambulantes para adquirir cigarros; para piorar a situação ainda mais, uma parte expressiva desses mesmos adolescentes relatou realizar essa compra de cigarros de forma regular. Como era de se esperar, quanto mais próximo da vida adulta estava o adolescente (16-17 anos), maior era a probabilidade de esse não ser impedido de comprar cigarros em função da sua idade e, consequentemente, de fazê-lo também com mais regularidade e em estabelecimentos legalizados, tais como lojas ou botequins. Quando aplicamos as proporções específicas de cada uma desses fatores listados anteriormente, chegamos ao resultado de que aproximadamente 45% de todos os adolescentes fumantes brasileiros entre 13 e 17 anos relataram ter comprado regularmente os seus próprios cigarros sem serem impedidos de fazê-lo.
Dados comparativos recentes de um estudo realizado entre 2013 e 2014 com escolares brasileiros de 12 a 17 anos(15) e da PeNSE realizada em 2015(11) sugerem uma tendência de aumento na proporção de adolescentes fumantes (5,7% e 6,6%, respectivamente). Vale a pena assinalar que a proporção de adolescentes fumantes expressa o somatório das efetividades de uma série de políticas de controle do tabagismo em vigor no país voltadas para reduzir a iniciação ao fumo. Por exemplo, é provável que a nova estrutura de taxação sobre os produtos de tabaco implementada em 2012 tenha contribuído enormemente para desmotivar o adolescente a começar a fumar.(16,17) Além disso, a regulação da lei que proibiu fumar em recintos coletivos fechados a partir do final de 2014(18) pode ter colaborado para reduzir ainda mais a aceitação social do comportamento de fumar em bares e casas noturnas, locais esses onde muitos jovens se iniciam no tabagismo. No entanto, percebe-se que o baixo cumprimento da lei que proíbe o acesso do jovem aos produtos de tabaco pode estar minando os efeitos das medidas da política nacional de controle do tabaco na prevenção da iniciação de adolescentes ao tabagismo.
Apesar de as embalagens de cigarros conterem um alerta sobre a legislação que proíbe a venda de cigarros a menores, os dados da PeNSE(11) apontam para uma boa dose de irresponsabilidade por parte dos varejistas e uma baixa fiscalização do cumprimento da lei pelos órgãos responsáveis. Essa situação é agravada pela capilaridade dos pontos de vendas,(19) pelas estratégias de propaganda das indústrias de tabaco para posicionar as embalagens de cigarros nos pontos de venda sempre ao lado de doces e pela suspensão da resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, em 2012, proibiu o uso de aditivos que dão sabores adocicados aos cigarros.(20) Soma-se a isso o crescimento exponencial de produtos de tabaco contrabandeados, vendidos a um preço muito baixo em lojas, botequins e, principalmente, junto aos vendedores ambulantes.(21)
É interessante notar que as perguntas incluídas na PeNSE(11) relacionadas ao acesso dos jovens ao cigarro podem contemplar também outra prática de violação das leis vigentes, que seria a proibição da venda de cigarros avulsos. De fato, a lei 7212/2010 estabelece que a comercialização de cigarros no país, bem como a sua exposição à venda, deva ser feita exclusivamente em maços de 20 unidades.(22) A compra de um cigarro avulso, mesmo que por um preço unitário maior, mas ainda assim por um preço menor do que seria comprar um maço inteiro, e sem estar acompanhado das advertências sanitárias,(23) favorece a iniciação ao tabagismo e o uso regular de cigarros. Pesquisas entre escolares do 9º ano do ensino fundamental (de 13 a 15 anos) realizadas em diversas cidades brasileiras entre 2002 e 2009 apontaram que, de fato, a compra de cigarros avulsos seria uma prática indiscriminada no Brasil, atingindo patamares superiores a 90% em algumas cidades.(9)
Como o efeito do uso de tabaco é cumulativo, nossos achados trazem um importante alerta de saúde pública, sendo o tabagismo um fator de risco de grande impacto na carga de doenças crônicas não transmissíveis.(24) De fato, um estudo recente apontou que, em 2015, aproximadamente 156 mil pessoas morreram por doenças diretamente associadas ao tabagismo no Brasil. (25) Outro estudo de âmbito nacional encontrou, para o ano de 2013, aproximadamente 280 mil "mortes por todas as causas" atribuídas direta ou indiretamente ao tabagismo(26); além disso, aquele estudo também mostrou que o risco cumulativo de mortalidade por DPOC ou câncer de pulmão em fumantes no Brasil, quando comparado a esse risco em não fumantes, é mais de 20 vezes maior tanto para homens quanto para mulheres.(26)
Como limitações do presente estudo, devemos considerar que a PeNSE(11), sendo um estudo transversal, não permite estabelecer nenhuma relação de temporalidade ou de causalidade sobre os achados. No entanto, mesmo que a experimentação de cigarros não tenha sido estimulada pela violação da lei de proibição de venda de cigarros para menores de idade, os dados sugerem que o descumprimento dessa lei é importante para a manutenção desse comportamento nocivo à saúde em quase metade dos adolescentes fumantes brasileiros. Além disso, o estudo está sujeito ao viés de informação dos entrevistados pelo fato de que todas as informações foram autorreferidas. No entanto, considerando que houve o autopreenchimento e a garantia do anonimato,(11) pelo menos a influência de pais e/ou do entrevistador sobre as respostas pode ter sido minimizada.
As duas perguntas principais analisadas no nosso estudo se relacionavam apenas à venda de cigarros para menores de idade. Sabe-se, contudo, que existem outros produtos de tabaco muito consumidos entre os adolescentes, tal como o narguilé,(27) os quais deveriam estar sujeitos às mesmas restrições do cigarro.(7,8) Pelos dados da PeNSE,(11) as proporções de jovens entre 13 a 17 anos que se declararam fumantes com o uso concomitante ou exclusivo de outros produtos do tabaco foram de, respectivamente, 3% e 4%. Sobre esses jovens, infelizmente, não temos informações nem sobre tentativas de compra desses outros produtos de tabaco, nem sobre o sucesso e formas de sua aquisição.
No que diz respeito à generalização dos achados para todos os adolescentes brasileiros, cabe destacar que a PeNSE(11) foi realizada com indivíduos que frequentavam a escola e deve-se considerar que o ensino fundamental é bastante difundido no país, reduzindo assim eventuais perdas.(28) Não se pode excluir, contudo, o fato de que os adolescentes fumantes têm provavelmente um nível de absenteísmo escolar mais alto do que os não fumantes.(29)
Os nossos achados podem contribuir para apoiar o cumprimento das leis já existentes no Brasil, voltadas para a redução da iniciação do tabagismo e, consequentemente, no futuro, podem contribuir também para a redução da morbidade e da mortalidade associadas ao uso do cigarro. O cenário encontrado no presente estudo aponta para a necessidade de estimular os poderes federais, estaduais e municipais a tomar ações educativas e de fiscalização, inclusive por meio de ações conjuntas com os órgãos do comércio varejista e com os sindicatos que representam o setor jornaleiro e outros estabelecimentos comerciais. Nesse sentido, seria importante também motivar órgãos como o Ministério Público a promover um termo de ajustes de conduta junto às companhias de tabaco que abastecem a ampla rede de varejistas em todo o território nacional(19) para que essas assumam parte da responsabilidade de fazer cumprir a lei que proíbe a venda desses produtos a menores.(7,8) Paralelamente a isso, seria também importante mobilizar parlamentares a proporem e aprovarem uma lei federal que restrinja os locais de venda de produtos de tabaco às tabacarias.
As informações apresentadas no presente estudo podem ajudar também a alavancar a implementação de outras ações de combate ao tabagismo, tais como a proibição de cigarros com aditivos(20) e a aprovação do protocolo de combate ao mercado de cigarros ilegais,(30) ações essas que impediriam que esses cigarros estivessem acessíveis aos adolescentes nos estabelecimentos comerciais e no comércio ambulante.
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