AO EDITOR:Um homem branco de 34 anos, não fumante, foi internado no hospital com histórico de tosse e produção de escarro. O paciente era portador de doença de Crohn (DC) intestinal grave, que havia sido diagnosticada por meio de biópsia do cólon. Ele apresentava sintomas gastrintestinais como diarreia, sangue nas fezes e dor abdominal refratária à terapia com ácido 5-aminossalicílico, e vinha recebendo tratamento com infliximabe desde 2015. Seus sintomas respiratórios (isto é, tosse e produção de escarro) começaram 2 anos depois e foram tratados com amoxicilina/clavulanato durante 10 dias, sem melhoria. Duas semanas depois, o paciente apresentou dor torácica, febre e dispneia, sem evidências gastrintestinais de exacerbação da DC. Naquela época, sua frequência cardíaca era de 120 bpm, sua SpO2 era de 96%, e seus níveis de proteína C reativa estavam elevados (190 mg/dl). Além disso, o paciente apresentava estertores crepitantes no hemitórax esquerdo. Os resultados da hemocultura, da cultura de escarro e da cultura de urina foram negativos. A TC de tórax mostrou consolidação com broncograma aéreo e opacidades perilesionais em vidro fosco no lobo inferior esquerdo (Figura 1A), e a TC de abdome sugeriu a presença de abscesso esplênico. O baço foi submetido a aspiração com agulha fina, e a cultura do líquido extraído do abscesso apresentou resultado positivo para Proteus mirabilis; o paciente passou então a receber tratamento com ceftriaxona e metronidazol. Foi realizada a broncoscopia com LBA, e a reação em cadeia da polimerase para tuberculose, o exame direto do lavado broncoalveolar e a cultura do lavado broncoalveolar apresentaram resultados negativos. Como o acúmulo de líquido esplênico persistiu, foi realizada a drenagem, e foi prescrita a corticoterapia oral (prednisona a 1 mg/kg por dia). Vinte e um dias depois, o paciente havia se recuperado completamente e, portanto, recebeu alta, passando a ser acompanhado em regime ambulatorial. A TC de tórax de controle realizada 1 mês depois mostrou resolução da consolidação no lobo inferior esquerdo. Os sintomas apareceram novamente 3 meses depois, durante a redução do corticosteroide. A TC de tórax revelou abscesso esplênico e consolidação no lobo inferior esquerdo (Figura 1A). A biópsia pulmonar a céu aberto revelou tampões fibroblásticos no interior de bronquíolos, ductos alveolares e espaços alveolares adjacentes. Os septos alveolares estavam espessados em virtude de um infiltrado inflamatório crônico proeminente com hiperplasia de pneumócitos do tipo II. Além das alterações histológicas supracitadas, havia granulomas não necrosantes (embora sem distribuição linfática), constituídos de agregados de histiócitos epitelioides (Figuras 1C e 1D). As colorações especiais para a detecção de micro-organismos apresentaram resultados negativos. O diagnóstico final foi inflamação granulomatosa crônica não necrosante asséptica com pneumonia em organização. A reintrodução da corticoterapia e a imunomodulação com azatioprina e infliximabe resultaram na resolução clínica e radiológica da doença pulmonar (Figura 1B). O acúmulo de líquido esplênico resolveu após 16 semanas de tratamento com ciprofloxacina.
A doença inflamatória intestinal (DII) apresenta diversas manifestações extraintestinais.(1-3) Desde o relato original de Kraft et al.,(4) que foi publicado em 1976 e descrevia seis pacientes com DII e escarro purulento crônico inexplicável, o comprometimento pulmonar na DII, embora raro, tem sido cada vez mais relatado. Dentre as complicações pulmonares estão a doença das vias aéreas, doenças pulmonares intersticiais - particularmente bronquiolite obliterante com pneumonia em organização, pneumonia intersticial não específica e sarcoidose - vasculite pulmonar, nódulos pulmonares necróticos e serosite.(1,3,5-10) Outras manifestações pulmonares são a toxicidade induzida por azatioprina, sulfassalazina, mesalazina e agentes anti-TNF, bem como infecções (bacterianas, micobacterianas e fúngicas).(3) No que tange às manifestações pulmonares não infecciosas da DII, a pneumonia em organização é a mais comum e está geralmente relacionada com inflamação granulomatosa crônica não necrosante asséptica.(1-3,5,8-10) Por outro lado, há relatos de que a tuberculose e a infecção por micobactérias não tuberculosas estão relacionadas com bronquiolite granulomatosa.(5)
No caso aqui relatado, o diagnóstico final foi pneumonia em organização com inflamação granulomatosa.(11-14) A pneumonia em organização é um padrão histológico caracterizado por tecido de granulação no interior de ductos alveolares e alvéolos, com inflamação crônica do parênquima pulmonar adjacente. Lesões semelhantes são observadas nos bronquíolos respiratórios. É importante distinguir a pneumonia em organização criptogênica da pneumonia em organização secundária porque o tratamento desta última inclui o tratamento da pneumonia em organização em si e o tratamento da doença de base ou do agente causador da pneumonia em organização. Dentre as causas comuns de pneumonia em organização secundária estão a lesão por inalação, infecções, hipersensibilidade a drogas e doenças autoimunes.(11-14) No caso aqui relatado, o paciente apresentou pneumonia em organização e granuloma. A presença de granuloma epitelioide, detectada durante o exame microscópico de um espécime obtido por meio de biópsia, constitui um marcador confiável de DC.(14) Granulomas pulmonares necrosantes (ou caseosos) e não necrosantes (ou não caseosos) são comuns e podem ocorrer isoladamente ou conjuntamente. Os termos necrosante e caseoso são às vezes considerados diferentes um do outro. Este se refere ao aspecto queijoso observado durante o exame macroscópico, ao passo que aquele é usado para descrever alterações microscópicas. As infecções geralmente causam granulomas necrosantes ou uma combinação de granulomas necrosantes e não necrosantes, embora alguns organismos, tais como Cryptococcus spp. e o complexo Mycobacterium avium, possam induzir granulomas predominantemente não necrosantes. Por outro lado, é mais provável que um processo granulomatoso puramente não necrosante não seja infeccioso (por exemplo, sarcoidose, beriliose, granulomatose por talco, granulomatose com poliangiite, síndrome de Churg-Strauss, granulomatose sarcoide necrosante, granulomatose broncocêntrica, pneumonia aspirativa e nódulos reumatoides). Como os granulomas na DC se assemelham aos da sarcoidose, o diagnóstico diferencial entre as duas doenças é particularmente importante. No caso aqui relatado, a infecção por micobactérias foi excluída por causa da ausência de necrose caseosa e porque micobactérias não foram detectadas por exame microbiológico, análise molecular, cultura do lavado broncoalveolar ou biópsia pulmonar. O diagnóstico de sarcoidose foi considerado, porém excluído porque o paciente apresentava lesão pulmonar solitária, sem linfadenopatia, linfocitose, aumento da relação CD4/CD8 no lavado broncoalveolar e hipercalemia sistêmica.(5)
Em suma, a doença pulmonar é uma complicação rara da DII, particularmente da DC. O prognóstico da doença pulmonar em pacientes com DC é geralmente favorável, com alta taxa de resposta à terapia. Os corticosteroides são o tratamento mais comum e resultam em rápida melhoria dos sintomas em até 90% dos pacientes. No entanto, a recidiva ocorre em 12-30% dos pacientes após a redução ou suspensão do corticosteroide, sendo necessário o aumento da dose ou a readministração do medicamento.(3) No caso aqui relatado, um paciente com DC apresentou pneumonia em organização com inflamação granulomatosa, controlada com sucesso com corticoterapia e imunomodulação com azatioprina e infliximabe.
REFERÊNCIAS1. Mota ES, Kiss DR, Teixeira MG, Almeida MG, Sanfront FA, Habr-Gama A, et al. Extra-intestinal manifestations Crohn disease and ulcerative rectocolitis: prevalence and correlation with diagnosis, extension, activity, disease evolution time. Rev Bras Colo-proctol. 2007;27(4):349-63. https://doi.org/10.1590/S0101-98802007000400001
2. Schleiermacher D, Hoffmann JC. Pulmonary abnormalities in inflammatory bowel disease. J Crohns Colitis. 2007;1(2):61-9. https://doi.org/10.1016/j.crohns.2007.08.009
3. Lu DG, Ji XQ, Liu X, Li HJ, Zhang CQ. Pulmonary manifestations of Crohn's disease. World J Gastroenterol. 2014;20(1):133-41. https://doi.org/10.3748/wjg.v20.i1.133
4. Kraft SC, Earle RH, Roesler M, Esterly JR. Unexplained bronchopulmonary disease with inflammatory bowel disease. Arch Intern Med. 1976;136(4):454-9. https://doi.org/10.1001/archinte.1976.03630040056012
5. Vandenplas O, Casel S, Delos M, Trigaux JP, Melange M, Marchand E. Granulomatous bronchiolitis associated with Crohn's disease. Crit Care Med. 1998;158(5 Pt 1):1676-9. https://doi.org/10.1164/ajrccm.158.5.9801070
6. Pedersen N, Duricova D, Munkholm P. Pulmonary Crohn's disease: A rare extra-intestinal manifestation treated with infliximab. J Crohns Colitis. 2009;3(3):207-11. https://doi.org/10.1016/j.crohns.2009.03.007
7. Warwick G, Leecy T, Silverstone E, Rainer S, Feller R, Yates DH. Pulmonary necrobiotic nodules: a rare extraintestinal manifestation of Crohn's disease. Eur Respir Rev. 2009;18(111):47-50. https://doi.org/10.1183/09059180.00011114
8. El-Kersh K, Fraig M, Cavallazzi R, Saad M, Perez RL. Pulmonary necrobiotic nodules in Crohn's Disease: a rare extra-intestinal manifestation. Respir Care. 2014;59(12):e190-2. https://doi.org/10.4187/respcare.03176
9. Faria IM, Zanetti G, Barreto MM, Rodrigues RS, Araujo-Neto CA, Silva JL, et al. Organizing pneumonia: chest HRCT findings. J Bras Pneumol. 2015;41(3):231-7. https://doi.org/10.1590/S1806-37132015000004544
10. Moeser A, Pletz MW, Kroegel C, Stallmach A. Lung disease and ulcerative colitis--mesalazine-induced bronchiolitis obliterans with organizing pneumonia or pulmonary manifestation of inflammatory bowel disease? Z Gastroenterol. 2015;53(9):1091-8. https://doi.org/10.1055/s-0041-103377
11. Petitpierre N, Beigelman C, Letovanec I, Lazor R. Cryptogenic organizing pneumonia [Article in French]. Rev Mal Respir. 2016;33(8):703-717. https://doi.org/10.1016/j.rmr.2015.08.004
12. Zare Mehrjardi M, Kahkouee S, Pourabdollah M. Radio-pathological correlation of organizing pneumonia (OP): a pictorial review. Br J Radiol. 2017;90(1071):20160723. https://doi.org/10.1259/bjr.20160723
13. Freeman HJ. Granuloma-positive Crohn's disease. Can J Gastroenterol. 2007;21(9):583-7. https://doi.org/10.1155/2007/917649
14. El-Zammar OA, Katzenstein ALA. Pathological diagnosis of granulomatous lung disease: a review. Histopathology. 2007;50(3):289-310. https://doi.org/10.1111/j.1365-2559.2006.02546.x