AO EDITOR:Um homem de 58 anos de idade procurou nosso ambulatório com um histórico de perda ponderal há cinco meses (18 kg perdidos no total). Nós últimos dois meses, também apresentou tosse progressiva e dispneia, acompanhadas de dor no peito à direita ao respirar. A tomografia computadorizada (TC) de tórax, realizada para investigação diagnóstica, mostrou uma massa na base pulmonar direita. O paciente foi submetido à biópsia guiada por TC para obtenção de uma amostra de tecido da massa. No dia do procedimento, o paciente apresentava piora dos sintomas de dor torácica, tosse e dispneia, que se associou ao aparecimento de febre 2 dias depois.
A TC (Figura 1) mostrou hidropneumotórax à direita. O paciente foi submetido à toracocentese diagnóstica para obtenção de líquido pleural para análise (Tabela 1), e, posteriormente, à drenagem torácica.
O paciente foi internado e recebeu ceftriaxona e claritromicina. No segundo dia de internação, houve piora clínica, com taquicardia e rebaixamento do nível de consciência. Por conseguinte, o tratamento antibiótico foi modificado para piperacilina/tazobactam. O paciente então desenvolveu síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e foi transferido para a UTI. Na admissão à UTI, o índice Sequential Organ Failure Assessment era 6 (indicativo de disfunção pulmonar, renal e hepática), e o Simplified Acute Physiology Score III era 83. Considerando o estágio avançado da doença e a piora clínica do paciente, optou-se por cuidados paliativos. O paciente morreu confortavelmente no sexto dia de internação. O exame da biópsia da massa pulmonar confirmou o diagnóstico de câncer de pulmão de células não pequenas com baixo grau de diferenciação e extensas áreas de necrose. A cultura do líquido pleural mostrou crescimento de Clostridium septicum.
O C. septicum é um microrganismo anaeróbio gram-positivo altamente patogênico por causa da ação da toxina alfa e de outras enzimas como a hialuronidase, a fibrinolisina, a desoxirribonuclease e as hemolisinas.(1,2) Relatos indicam que esse microrganismo pode causar necrose tecidual, hemólise, trombose intravascular e coagulação intravascular disseminada.(3) Acredita-se que o C. septicum esteja presente na flora intestinal normal,(4) embora não tenha sido identificado em estudos de cultura de fezes humanas.(5)
Sabe-se que a infecção por C. septicum está associada a câncer gastrointestinal, de laringe, de mama e de próstata, bem como a malignidades hematológicas. Até onde sabemos, esta é a primeira descrição de um caso de empiema causado por C. septicum em um paciente com câncer de pulmão de células não pequenas.
O C. septicum apresenta tropismo para tecidos necróticos, talvez porque a glicólise anaeróbia possa produzir um ambiente ácido que favorece a germinação de esporos de Clostridium. Esse ambiente ácido é encontrado em tumores malignos e é provavelmente a porta de entrada para a infecção por C. septicum,(1,4) que se sabe estar associada a neoplasias, bem como a algumas formas de imunossupressão.(2) Duas revisões da literatura sobre infecção por C. septicum mostraram que o câncer é encontrado em 80%(1) e 85%(4) dos casos, respectivamente, sendo o câncer colorretal e as malignidades hematológicas as principais neoplasias. Outras neoplasias relatadas anteriormente, embora menos comuns, foram o câncer de laringe, de mama e de próstata.(4,6) Não há relatos de câncer de pulmão associado à infecção por C. septicum.
As neoplasias colorretais geralmente apresentam aspecto necrótico, e a leucemia parece predispor o indivíduo a colite pseudomembranosa, lesões agranulocíticas (úlceras ou abscessos) e colite isquêmica, o que pode fazer que áreas do intestino se tornem necróticas ou inflamadas,(7) proporcionando portas de entrada para a infecção por C. septicum.
Entre pacientes com infecção por C. septicum, a taxa de mortalidade para os que não recebem antibioticoterapia é de praticamente 100%, enquanto a taxa relatada de mortalidade global varia de 48% a 65%.(1,4) O C. septicum tem capacidade de invasão tecidual agressiva, mesmo na ausência de trauma. (8) Constatou-se que o C. septicum causa infecções metastáticas em regiões como as meninges, a tireoide, os ossos, as articulações e a câmara anterior do olho. (1) As principais formas de apresentação das infecções por C. septicum são a bacteremia; o abdome agudo, causado pela sepse; e a mionecrose nas extremidades e no tronco.(1) O único caso relatado de empiema causado por C. septicum foi em uma mulher imunocompetente com abdome agudo e hérnia interna, junto com encarceramento de íleo e isquemia, o que criou a porta de entrada para o microrganismo.(9)
Casos não traumáticos de infecção pleuropulmonar apenas por microrganismos anaeróbios são incomuns e geralmente estão associados a alguma doença crônica ou a comprometimento do sistema imunológico.(10) As principais espécies isoladas de Clostridium associadas à infecção pleuropulmonar são C. perfringens (a espécie mais comum), C. sordellii, C. sporogenes, C. paraputrificum e C. bifermentans.(10) A maioria das infecções pleuropulmonares primárias por Clostridium resulta de contaminação iatrogênica do espaço pleural. Em um relato de caso e revisão da literatura, foram avaliados 17 casos de infecção pleuropulmonar por Clostridium spp. na ausência de histórico de trauma, e constatou-se que 30% desses casos haviam ocorrido após toracocentese ou biópsia, ambas realizadas com técnicas estéreis.(10) No caso aqui relatado, esse foi a provável porta de entrada da infecção por C. septicum. A taxa de mortalidade da infecção pleuropulmonar por Clostridium spp. é de aproximadamente 30%, e o prognóstico melhora após antibioticoterapia apropriada e drenagem adequada do líquido pleural infectado.(10)
Uma limitação de nosso relato é que, em razão do estado funcional limitado do paciente, optamos por não investigar neoplasias concomitantes em outros órgãos ou tecidos. Mesmo assim, diante da forte associação entre a infecção por C. septicum e o câncer, pacientes infectados por C. septicum devem ser investigados para neoplasia (se não houver outro diagnóstico), principalmente câncer colorretal e malignidades hematológicas, embora outros tipos de câncer não devam ser ignorados.
REFERÊNCIAS1. Kornbluth AA, Danzig JB, Bernstein LH. Clostridium septicum infection and associated malignancy. Report of 2 cases and review of the literature. Medicine (Baltimore). 1989;68(1):30-7. https://doi.org/10.1097/00005792-198901000-00002
2. Johnson S, Driks MR, Tweten RK, Ballard J, Stevens DL, Anderson DJ, et al. Clinical courses of seven survivors of Clostridium septicum infection and their immunologic responses to alpha toxin. Clin Infect Dis. 1994;19(4):761-4. https://doi.org/10.1093/clinids/19.4.761
3. Panikkath R, Konala V, Panikkath D, Umyarova E, Hardwicke F. Fatal Clostridium septicum infection in a patient with a hematological malignancy. Proc (Bayl Univ Med Cent). 2014;27(2):111-2. https://doi.org/10.1080/08998280.2014.11929074
4. Alpern RJ, Dowell VR Jr. Clostridium septicum infections and malignancy. JAMA. 1969;209(3):385-8. https://doi.org/10.1001/jama.1969.03160160021004
5. Kopliku FA, Schubert AM, Mogle J, Schloss PD, Young VB, Aronoff DM. Low prevalence of Clostridium septicum fecal carriage in an adult population. Anaerobe. 2015; 32:34-6. https://doi.org/10.1016/j.anaerobe.2014.12.001
6. Chew SS, Lubowski DZ. Clostridium septicum and malignancy. ANZ J Surg. 2001;71(11):647-9. https://doi.org/10.1046/j.1445-1433.2001.02231.x
7. PROLLA JC, KIRSNER JB. THE GASTROINTESTINAL LESIONS AND COMPLICATIONS OF THE LEUKEMIAS. Ann Intern Med. 1964;61:1084-103. https://doi.org/10.7326/0003-4819-61-6-1084
8. Srivastava I, Aldape MJ, Bryant AE, Stevens DL. Spontaneous C. septicum gas gangrene: a literature review. Anaerobe. 2017; 48:165-171. https://doi.org/10.1016/j.anaerobe.2017.07.008
9. Granok AB, Mahon PA, Biesek GW. Clostridium septicum Empyema in an Immunocompetent Woman. Case Rep Med. 2010;2010:231738. https://doi.org/10.1155/2010/231738
10. Patel SB, Mahler R. Clostridial pleuropulmonary infections: case report and review of the literature. J Infect. 1990;21(1):81-5. https://doi.org/10.1016/0163-4453(90)90738-T