Parabenizo os autores pelo artigo de revisão intitulado "Reperfusão no Tromboembolismo Pulmonar Agudo" (TEP) publicado no JBP.(1)
Gostaria de fazer alguns comentários práticos e comparações com o uso do trombolítico no infarto agudo do miocárdio (IAM). Inicialmente, em relação ao grupo de risco alto que se apresenta com instabilidade hemodinâmica - pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mmHg ou uma queda da PAS ≥ 40 mmHg sustentada por 15 minutos na ausência de outros motivos, tais como arritmias de início recente, hipovolemia ou sepse. (2) O uso de trombolítico no grupo de risco alto levou a uma redução relativa de risco de morte de 80%; por outro lado, segundo um estudo, até dois terços desses pacientes não recebem fibrinolíticos.(3) Essa redução relativa de risco de morte é infinitamente superior àquela observada no IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), que varia de 20-30%, de acordo com o estudo analisado.(4) Contudo, nessa última patologia o trombolítico é difundido, e considera-se má prática médica não oferecer o tratamento com fibrinolíticos principalmente na indisponibilidade de angioplastia primária. Considero que a trombólise no TEP de alto risco deva ser encorajada, desde que respeitadas as contraindicações absolutas. Recentemente, em uma portaria publicada no Diário Oficial da União do Brasil,(5) incluiu-se a indicação de alteplase para o tratamento do TEP dentro do Sistema Único de Saúde. Também devemos estar atentos, pois vários pacientes apresentam PAS limítrofe (90-110 mmHg), e, às vezes, é difícil saber os níveis tensionais de base para se considerar uma queda ≥ 40 mmHg. Nessa situação, recomendo utilizar a dosagem de lactato arterial. Níveis de lactato arterial > 2,0 mg/dl sugerem que o nível tensional encontrado não é adequado para a perfusão tissular. Nesses casos, o paciente também preenche os critérios de choque circulatório, visto que o nível de lactato é fundamental para a definição do colapso hemodinâmico. Algumas investigações mostram que o lactato nesse contexto é um preditor independente de mortalidade, com desempenho prognóstico superior a troponina e a N-terminal prohormone of brain natriuretic peptide (NT-proBNP).(6,7) Esse perfil de paciente também preenche critérios para trombólise.
Em relação ao uso do trombolítico no paciente de risco intermediário, considero que a polêmica continua, pois somente um estudo randomizado não define o veredito final. Devemos refletir que os marcadores utilizados apresentam baixo valor preditivo positivo para a identificação do paciente com risco elevado de complicações. Os valores de corte mais adequados de troponina e NT-proBNP não estão bem definidos e podem variar de acordo com o método empregado para a dosagem. Em relação ao ecocardiograma, não há padronização metodológica para a avaliação do ventrículo direito. Portanto, considero um grande desafio estabelecer novos parâmetros com acurácia adequada para a seleção dos pacientes verdadeiramente sob risco e, talvez, esses sim, possam se beneficiar do fibrinolítico.
Um estudo(8) que avaliou a trombólise com tenecteplase em pacientes de risco intermediário apresentou inúmeros infortúnios. Primeiro, em relação ao trombolítico escolhido. Nesse cenário, a maior experiência acumulada é com a alteplase. A tenecteplase apresenta a facilidade posológica de ser administrada em bolus i.v.; porém, o inconveniente é a duração de sua ação (40 min), enquanto a alteplase é infundida por duas horas, o que garante maior tempo de exposição para dissolução dos trombos, principalmente naqueles com elevada carga trombótica. Em uma meta-análise avaliando o uso de trombolítico no TEP, a alteplase não aumentou o risco de sangramento (OR = 1,07; IC95%: 0,43-2,62); contudo, houve um aumento expressivo desse risco com o uso da tenecteplase (OR = 5,02; IC95%: 2,72-9,26).(9) Desse modo, considero que a alteplase deveria ser considerada a primeira opção para a reperfusão no TEP. Segundo, o estudo de Meyer et al.(8) não corrigiu a dose da tenecteplase para os idosos, e o uso da tenecteplase mostrou uma redução do desfecho composto de mortalidade e descompensação hemodinâmica de 5,6% para 2,6% (p = 0,02) mas causou um maior número de sangramentos intracranianos (2,0% vs. 0,2%; p = 0,003). Na análise de subgrupos daquele estudo,(8) o benefício clínico ficou concentrado naqueles com ≤ 75 anos (OR = 0,33; IC95%: 0,13-0,85). Dos 11 pacientes que apresentaram hemorragia intracraniana, 9 (82%) tinham ≥ 75 anos.(8) Armstrong et al.(10) abordaram a trombólise com tenecteplase seguida de angiografia para o tratamento do IAMCSST, inicialmente demonstrando um aumento nas taxas de sangramento intracraniano nos pacientes com ≥ 75 anos que receberam tenecteplase (1,0% vs. 0,2%; p = 0,04); após um ajuste do protocolo do estudo, com redução para metade da dose do trombolítico nos pacientes com ≥ 75 anos, a taxa de sangramento passou a ser equivalente entre os grupos (0,5% vs. 0,3%; p = 0,45). Terceiro, a dose de heparina não fracionada preconizada junto ao trombolítico no TEP é 80 UI/kg em bolus i.v., seguida da infusão contínua de 18 UI/kg/h com ajuste do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), buscando-se uma razão de 2,0-2,5. Um estudo sobre o uso de fibrinolítico no IAMCSST mostrou redução de sangramento com a utilização de dose de heparina mais comedida (60 UI/kg em bolus (máximo, 4.000 UI) seguida de infusão contínua de 12 UI/kg/h (máximo, 1.000 UI/h) com TTPa alvo entre 1,5 e 2,5.(11) Não é incomum após trombólise no TEP iniciar-se a heparinização e os primeiros TTPa mostrarem o sangue incoagulável, justamente nessa fase quando o risco de sangramento é mais crítico. No estudo de Meyer et al.,(8) 30% dos pacientes estavam com nível da heparinização acima do preconizado. Por que não começar com a infusão mais cautelosamente e ir ajustando gradualmente para cima se for necessário? E, por último, aquele estudo apresentou baixa mortalidade (2,4% no grupo tenecteplase vs. 3,2% no grupo controle), talvez pelo diagnóstico e tratamento precoces nos centros europeus, de onde os pacientes foram recrutados.(8) Contudo, uma casuística nacional mostrou taxas de mortalidade mais elevadas, em torno de 20%, talvez pelo diagnóstico mais tardio devido às dificuldades do Sistema Único de Saúde.(12) Dentro desse contexto, o papel do fibrinolítico pode ser mais expressivo.
O TEP é um problema de saúde negligenciado, principalmente quando comparado ao IAMCSST. Em relação ao tratamento de pacientes de risco baixo, a heparinização é suficiente. Para o grupo de pacientes de risco alto, precisamos estimular a trombólise. E, no tocante ao grupo de risco intermediário, precisamos ainda melhorar nossa fundamentação científica antes de assumirmos condutas definitivas.
REFERÊNCIAS
1. Fernandes CJCDS, Jardim CVP, Alves JL Jr, Oleas FAG, Morinaga LTK, Souza R. Reperfusion in acute pulmonary thromboembolism. J Bras Pneumol. 2018;44(3):237-243. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000204
2. Konstantinides SV, Torbicki A, Agnelli G, Danchin N, Fitzmaurice D, Galie N, et al. 2014 ESC guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism. Eur Heart J. 2014;35(43):3033-69, 3069a-3069k.
3. Stein PD, Matta F. Thrombolytic therapy in unstable patients with acute pulmonary embolism: saves lives but underused. Am J Med. 2012;125(5):465-70. https://doi.org/10.1016/j.amjmed.2011.10.015
4. Verstraete M. Thrombolytic treatment in acute myocardial infarction. Circulation. 1990;82(3 Suppl):II96-109.
5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Portaria No. 37 (2018 Sep 11); Diário Oficial da União. 176(1):203.
6. Vanni S, Socci F, Pepe G, Nazerian P, Viviani G, Baioni M, et al. High plasma lactate levels are associated with increased risk of in-hospital mortality in patients with pulmonary embolism. Acad Emerg Med. 2011;18(8):830-5. https://doi.org/10.1111/j.1553-2712.2011.01128.x
7. Vanni S, Viviani G, Baioni M, Pepe G, Nazerian P, Socci F, et al. Prognostic value of plasma lactate levels among patients with acute pulmonary embolism: the thrombo-embolism lactate outcome study. Ann Emerg Med. 2013;61(3):330-8. https://doi.org/10.1016/j.annemergmed.2012.10.022
8. Meyer G, Vicaut E, Danays T, Agnelli G, Becattini C, Beyer-Westendorf J, et al. Fibrinolysis for patients with intermediate-risk pulmonary embolism. N Engl J Med. 2014;370(15):1402-11. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1302097
9. Marti C, John G, Konstantinides S, Combescure C, Sanchez O, Lankeit M, et al. Systemic thrombolytic therapy for acute pulmonary embolism: a systematic review and meta-analysis. Eur Heart J. 2015;36(10):605-14. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehu218
10. Armstrong PW, Gershlick AH, Goldstein P, Wilcox R, Danays T, Lambert Y, et al. Fibrinolysis or primary PCI in ST-segment elevation myocardial infarction. N Engl J Med. 2013;368(15):1379-87. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1301092
11. Giugliano RP, McCabe CH, Antman EM, Cannon CP, Van de Werf F, Wilcox RG, et al. Lower-dose heparin with fibrinolysis is associated with lower rates of intracranial hemorrhage. Am Heart J. 2001;141(5):742-50. https://doi.org/10.1067/mhj.2001.114975
12. Volschan A, Albuquerque DC, Tura BR, Knibel Mde F, Souza PC, Toscano ML. Pulmo-nary embolism: multicenter registry in tertiary hospitals. Rev Bras Ter Intensiva. 2009;21(3):237-46.