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Artigo Original

Validação do Pulmonary Embolism Severity Index para a estratificação de risco após tromboembolia pulmonar aguda em uma coorte no Brasil

Validation of the Pulmonary Embolism Severity Index for risk stratification after acute pulmonary embolism in a cohort of patients in Brazil

Leonardo de Araujo Soriano1,a, Talita Tavares Castro1,b, Kelvin Vilalva1,c, Marcos de Carvalho Borges1,d, Antonio Pazin-Filho1,e, Carlos Henrique Miranda1,f

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20170251

ABSTRACT

Objective: To validate the Pulmonary Embolism Severity Index (PESI), which was developed for risk stratification after acute pulmonary embolism (PE), for use in Brazil. Methods: This was a single-center retrospective study involving patients admitted to the emergency department with acute PE. The original and simplified versions of the PESI were calculated using hospital admission data from medical records. The outcome measure was the overall 30-day mortality rate. Results: We included 123 patients. The mean age was 57 ± 17 years, and there was a predominance of females, who accounted for 60% of the cohort. There were 28 deaths, translating to an overall 30-day mortality rate of 23%. In the cluster analysis by risk class, overall 30-day mortality was 2.40% for classes I-II, compared with 20.00% for classes III-IV-V (relative risk [RR] = 5.9; 95% CI: 1.88-18.51; p = 0.0002). When we calculated overall 30-day mortality using the simplified version (0 points vs. ≥ 1 point), we found it to be 3.25% for 0 points and 19.51% for ≥ 1 point (RR = 2.38; 95% CI: 0.89-6.38; p = 0.06). Using the original version, a survival analysis showed that risk classes I and II presented similar Kaplan-Meier curves (p = 0.59), as did risk classes III, IV, and V (p = 0.25). However, the curve of the clusters based on the original version, showed significantly higher mortality in the III-IV-V classes than in the I-II classes (RR = 7.63; 95% CI: 2.29-25.21; p = 0.0001). The cluster analysis based on the original version showed a greater area under the ROC curve than did the analysis based on the simplified version (0.70; 95% CI: 0.62-0.77 vs. 0.60; 95% CI: 0.51-0.67; p = 0.05). Conclusions: The PESI adequately predicted the prognosis after acute PE in this sample of the population of Brazil. The cluster analysis based on the original version is the most appropriate analysis in this setting.

Keywords: Pulmonary embolism; Severity of illness index; Risk assessment.

RESUMO

Objetivo: Pulmonary Embolism Severity Index (PESI) foi desenvolvido para a estratificação de risco após tromboembolia pulmonar (TEP) aguda. Nosso objetivo foi validá-lo para uso no Brasil. Métodos: Estudo retrospectivo unicêntrico incluindo pacientes com TEP admitidos numa unidade de emergência. O PESI (versão original e simplificada) foi calculado utilizando-se dados dos prontuários na admissão hospitalar. O desfecho analisado foi mortalidade geral em 30 dias (MG30). Resultados: Foram incluídos 123 pacientes, com média de idade de 57 ± 17 anos, predomínio do sexo feminino (60%) e MG30 de 28 óbitos (23%). Na análise agrupada, a MG30 (classes I-II vs. III-IV-V) foi de 2,40% vs. 20,00% (risco relativo [RR] = 5,9; IC95%: 1,88-18,51; p = 0,0002). A MG30 na versão simplificada (0 vs. ≥ 1 ponto) foi de 3,25% vs. 19,51% (RR = 2,38; IC95%: 0,89-6,38; p = 0,06). A análise da sobrevida mostrou que as curvas de Kaplan-Meier foram semelhantes nas classes I e II (p = 0,59) e entre as classes III, IV e V (p = 0,25). A curva da versão original agrupada mostrou que a MG30 foi significativamente maior no grupo III-IV-V que no grupo I-II (RR = 7,63; IC95%: 2,29-25,21; p = 0,0001). A análise agrupada da versão original mostrou área sob a curva ROC maior que a da versão simplificada (0,70; IC95%: 0,62-0,77 vs. 0,60; IC95%: 0,51-0,67; p = 0,05). Conclusões: O PESI mensurou adequadamente o prognóstico de MG30 após TEP aguda nesta amostra da população brasileira. A utilização da versão original agrupada foi a mais adequada nesse cenário.

Palavras-chave: Embolia pulmonar; Índice de gravidade de doença; Medição de risco.

INTRODUÇÃO

A tromboembolia pulmonar (TEP) aguda é uma doença prevalente com amplo espectro de apresentação clínica, variando desde pacientes assintomáticos ou como um achado incidental de TC até pacientes com quadros graves com instabilidade hemodinâmica e morte súbita.(1) Dentro desse cenário diversificado, algumas ferramentas foram propostas para auxiliar na estratificação do risco da ocorrência de desfechos desfavoráveis durante a evolução clínica da TEP.

O Pulmonary Embolism Severity Index (PESI) é uma dessas ferramentas e foi desenvolvido a partir de uma coorte retrospectiva de um grande banco de dados dos EUA, a qual incluiu inicialmente 10.354 pacientes que receberam alta hospitalar com diagnóstico de TEP e sequencial validação interna com outros 5.177 pacientes. (2) O objetivo do PESI foi estratificar o risco de morte após a identificação da TEP baseado em parâmetros clínicos objetivos com o intuito de auxiliar o direcionamento do tratamento desses pacientes. Através de um modelo de regressão logística, 11 variáveis clínicas foram identificadas como preditoras independentes de mortalidade em 30 dias. Através de um modelo de β coeficientes foi atribuído um peso diferente para cada uma dessas variáveis. Após a somatória total dos pontos obtidos, cada paciente foi classificado em cinco diferentes categorias (classe I ou risco muito baixo; classe II ou risco baixo; classe III ou risco intermediário; classe IV ou risco alto; e classe V ou risco muito alto; Tabela 1).(2)
 



O PESI foi validado em amostras populacionais de diferentes países.(3-5) Em 2014, a diretriz europeia para o diagnóstico e tratamento da TEP incluiu essa ferramenta dentro do fluxograma de orientação para o tratamento dessa patologia.(1) Contudo, pelo nosso conhecimento, nenhum estudo validou o PESI para a população brasileira. O objetivo do presente estudo foi validar o PESI em uma coorte retrospectiva de pacientes com diagnóstico de TEP aguda no Brasil.

MÉTODOS

Estudo unicêntrico, de coorte, retrospectivo, que incluiu pacientes com diagnóstico principal de TEP aguda admitidos na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, localizado na cidade de Ribeirão Preto (SP). Esse é um hospital exclusivo para o atendimento de emergências, sendo referência terciária para 26 municípios da Divisão Regional de Saúde XIII do Estado de São Paulo e apresentando uma média anual de atendimento de aproximadamente 20.000 pacientes. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa de nossa instituição sob o parecer número 919/2016 e seguiu as orientações da Declaração de Helsinki.

Coleta de dados

Foram revisados os prontuários dos pacientes admitidos no serviço no período entre janeiro de 2009 e dezembro de 2015 com o diagnóstico principal de TEP, registrado na folha de alta hospitalar eletrônica através dos códigos I26.0 (embolia pulmonar com menção de cor pulmonale agudo) e I26.9 (embolia pulmonar sem menção de cor pulmonale agudo) segundo a classificação internacional de doenças, versão 10 (CID-10). O diagnóstico definitivo de TEP aguda foi definido como a presença de quadro clínico compatível associado a pelo menos um critério confirmatório, que poderia ser: angiotomografia computadorizada de artérias pulmonares demonstrando defeitos de enchimento; cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão indicando defeitos perfusionais em áreas ventiladas (alta probabilidade); angiografia pulmonar convencional demonstrando defeito de enchimento intraluminal; ultrassonografia de membros inferiores compatível com trombose venosa profunda; ou necropsia identificando tromboembolia lobar ou central sem evidência de outros diagnósticos alternativos.

Nos pacientes com diagnóstico definitivo de TEP aguda foi realizado o cálculo do PESI (versão original e versão simplificada). Foram utilizados os dados clínicos encontrados nos prontuários médicos no momento da admissão hospitalar. Caso faltasse algum parâmetro constituinte do PESI no registro do prontuário, o índice era calculado da mesma maneira sem a inclusão desse item inexistente. De acordo com o valor obtido, os pacientes foram classificados dentro de uma das cinco classes possíveis na versão original e dentro de duas classes distintas na versão simplificada, conforme descrito na literatura (Tabela 1). Outros dados demográficos e clínicos não constituintes do PESI também foram obtidos através da revisão dos prontuários médicos.

O desfecho avaliado na presente investigação foi mortalidade geral em 30 dias (MG30), desfecho esse idêntico ao do estudo original.(2) Para aqueles pacientes que receberam alta hospitalar antes de completar 30 dias de seguimento, foi realizado contato telefônico por um funcionário da unidade de pesquisa clínica de nossa instituição devidamente treinado para a avaliação da sobrevida e, quando verificada a ocorrência de óbito, solicitava-se a especificação da data do evento.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram expressas em frequência e proporção. As variáveis contínuas com distribuição normal foram expressas em média e desvio-padrão, e as demais, em mediana e intervalo interquartil. Para a comparação da taxa de MG30 entre as diferentes classes foi calculado o risco relativo (RR) e o seu respectivo IC95%, seguido do teste do qui-quadrado. Para a análise de sobrevida foram construídas diferentes curvas de Kaplan-Meier, que foram comparadas utilizando-se o teste log-rank. Para a comparação da acurácia prognóstica entre a versão original e a versão simplificada utilizou-se a comparação entre diferentes áreas sob a curva (ASC) ROC. No desenho do estudo, nenhuma estimativa de tamanho amostral foi realizada. Considerou-se como significativo um p bicaudal ≤ 0,05. Para a análise estatística e a construção dos gráficos utilizou-se o software Stata, versão 13.1 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA).

RESULTADOS

Foram admitidos na unidade de emergência 231 pacientes com diagnóstico principal de TEP aguda no período do estudo. Após uma revisão detalhada dos prontuários médicos, 123 pacientes preencheram os critérios de diagnóstico definitivo de TEP aguda de acordo com os parâmetros estabelecidos no presente estudo.

Dos 11 parâmetros utilizados para o cálculo do PESI, 6 estavam disponíveis nos prontuários médicos dos 123 pacientes incluídos no estudo. A proporção de disponibilidade de informação dos outros 5 parâmetros nos prontuários médicos da amostra final foi a seguinte: estado mental alterado, em 99% da amostra; pressão arterial sistólica < 100 mmHg, em 97%; FR > 30 ciclos/min, em 93%; temperatura < 36°C, em 89%; e SpO2 < 90%, em 89%.

As características demográficas, clínicas e laboratoriais desses pacientes com diagnóstico definitivo de TEP são mostradas na Tabela 2. A média de idade dos pacientes foi de 57 ± 18 anos, com predomínio do sexo feminino (60%). O achado clínico mais frequente foi dispneia (81%), seguido por qualquer dor torácica (33%), dor em membros inferiores (33%), tosse (32%), sinais de trombose venosa profunda (30%) e dor torácica pleurítica (29%). Os demais sinais e sintomas foram menos prevalentes. A duração do início da apresentação clínica apresentou uma mediana de 3 dias (variação: 1-18 dias). A presença de choque circulatório e de parada cardiorrespiratória foi observada em 13 pacientes (11%) e em 9 pacientes (7%), respectivamente. Em relação aos fatores predisponentes, os mais frequentes foram obesidade (38%), imobilização por mais de 3 dias (31%), trombose venosa profunda prévia (23%) e cirurgia recente (15%). A presença de neoplasia ativa foi documentada em 8 pacientes (7%).
 



A angiotomografia computadorizada foi o exame de imagem mais frequentemente realizado para o diagnóstico (80%); a cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão e a ultrassonografia de membros inferiores foram utilizadas em menor proporção. A angiografia pulmonar convencional não foi utilizada como instrumento diagnóstico em nenhum dos casos analisados. O diagnóstico definitivo somente foi confirmado por necropsia em 5 pacientes, sendo que todos esses casos foram admitidos em parada cardiorrespiratória e evoluíram rapidamente a óbito antes da realização de qualquer exame de imagem confirmatório.

Em relação ao tratamento, 32 pacientes (26%) receberam trombolíticos; desses, 22 pacientes apresentavam instabilidade hemodinâmica e 10 apresentavam-se estáveis hemodinamicamente. O uso de trombolíticos nesse último grupo não é consensual na literatura, e tais casos foram selecionados para esse tipo de tratamento pela equipe médica devido a importante comprometimento funcional, necessidade de taxas de oxigênio suplementar elevadas, carga trombótica elevada, hipertensão pulmonar acentuada e disfunção do ventrículo direito associada. A maioria dos pacientes recebeu heparinização plena com heparina de baixo peso molecular (73%) ou heparina não fracionada (20%). Nove pacientes não receberam nenhum tipo de heparinização devido à rápida evolução a óbito por já terem sido admitidos em parada cardiorrespiratória (em 5) ou pela presença de alguma contraindicação, como coagulopatia, plaquetopenia ou sangramento (em 4). Entre esses 4 pacientes, 1 foi submetido à embolectomia cirúrgica, e 3 receberam filtro de veia cava inferior.

Em relação à MG30, foram observados 28 óbitos (23%), que se distribuíram de acordo com a classe do PESI na seguinte proporção: classe I, em 0,80%; II, em 1,70%; III, em 4,90%; IV, em 3,25%; e V, em 12,20% (p < 0,0001). A análise da versão original agrupada mostrou uma taxa de MG30 mais elevada no grupo III-IV-V (20,0%) quando comparado com o grupo I-II (2,4%) - RR = 5,9; IC95%: 1,88-18,51; p = 0,0002; com valor preditivo negativo de 94% e valor preditivo positivo de 35%. Utilizando-se o PESI simplificado, observou a seguinte taxa de mortalidade: 0 ponto (3,2%) vs. ≥ 1 pontos (19,5%): RR = 2,38; IC95%: 0,89-6,38; p = 0,06), com valor preditivo negativo de 88% e valor preditivo positivo de 35% (Tabela 3).
 



A análise de sobrevida utilizando-se as curvas de Kaplan-Meier mostrou que as classes I e II apresentaram curvas semelhantes entre si (p = 0,59), assim como as das classes III, IV e V (p = 0,25). Por outro lado, quando foram comparadas as curvas de Kaplan-Meier da versão original agrupada observou-se uma taxa de MG30 significativamente maior no grupo III-IV-V quando comparada com a do grupo I-II (RR = 7,63; IC95%: 2,29-25,21; p = 0,0001; Figura 1). A análise das curvas de Kaplan-Meier para a versão simplificada mostrou uma taxa de MG30 maior no grupo ≥ 1 ponto em comparação ao grupo 0 ponto (RR = 2,95; IC95%: 1,02-8,51; p = 0,03).
 



Avaliando a acurácia prognóstica para a determinação da MG30 através da comparação entre diferentes curvas ROC, observou-se que a análise original agrupada mostrou maior acurácia em relação à versão simplificada, com ASC de 0,70 (IC95%: 0,62-0,77) vs. 0,60 (IC95%: 0,51-0,67; p = 0,05; Figura 2).
 



DISCUSSÃO

A presente investigação mostrou que o PESI mensurou adequadamente o prognóstico após episódio de TEP aguda na presente amostra da população brasileira e que a versão original agrupada foi a forma mais apropriada para a utilização dessa ferramenta.

Outro fato importante a ser destacado é a elevada taxa de MG30 (23%) encontrada em nossa investigação, assim como uma elevada prevalência de choque circulatório (11%) na apresentação clínica inicial. Um estudo realizado nos EUA(6) através de registros de mundo real com pacientes com diagnóstico de TEP em departamentos de emergência mostrou uma taxa de MG30 de 5,4% e uma prevalência de choque circulatório de 3,0% em uma amostra populacional com características demográficas muito parecidas com aquelas observadas em nossa investigação, tanto em relação à idade (56 ± 18 anos vs. 57 ± 18 anos; p = 0,766) como em relação ao predomínio do gênero feminino (53% vs. 60%; p = 0,11).(6) Especula-se que vários fatores poderiam ser responsáveis por esses achados em nosso estudo, como, por exemplo, o diagnóstico tardio da TEP e o retardo no início da heparinização dos pacientes no contexto de um hospital público brasileiro.

Pelo nosso conhecimento, existe somente um único registro multicêntrico brasileiro que incluiu 727 pacientes com diagnóstico de TEP aguda admitidos em unidades de emergência ou UTIs e que também observou uma taxa de mortalidade intra-hospitalar elevada (19,5%) e muito parecida com a relatada em nossa investigação.(7) Utilizando dados daquele mesmo registro, também foi observada uma mortalidade global elevada (14,1%) mesmo no subgrupo de pacientes estáveis hemodinamicamente.(8)

Um grande registro internacional(9) mostrou uma MG30 de 3,3% (IC95%: 2,9-3,8%), também muito parecida com à do estudo de Pollack et al.(6) Já o estudo de Goldhaber et al.(10) mostrou uma mortalidade geral em 14 dias de 11,2% (IC95%: 10,0-12,5%), superior à de outros registros internacionais,(8,9) provavelmente por ter incluído uma população mais idosa. É importante ressaltar que os dados da presente investigação estão relacionados principalmente ao diagnóstico de TEP primária como causa desencadeante da admissão hospitalar e que os mesmos não são representativos da TEP nosocomial.

Na análise da MG30 de acordo com as classes do PESI, foram observadas taxas semelhantes àquelas encontradas na literatura internacional,(1-5) principalmente em relação ao trabalho original de descrição do PESI.(2) A exceção foi a classe IV, a qual mostrou uma taxa de MG30 um pouco inferior em nosso estudo quando comparada àquelas observadas no estudo inaugural de validação (3,25% vs. 4,0-11,0%).(2) Vale a pena ressaltar que a classe IV foi a que apresentou a menor prevalência em nosso estudo (12,20%), assim como no estudo original,(2) cuja prevalência variou entre 11,30% e 16,40%. Outro fator importante é que, no estudo de descrição do PESI,(2) a classe IV apresentou uma MG30 mais elevada na amostra inicial e na de validação interna (10,40% e 11,40%, respectivamente); porém, a taxa de mortalidade foi proporcionalmente menor (4,0%) na amostra de validação externa do PESI. (2) Esse último valor encontrado está muito próximo daquele observado em nossa pesquisa. Além do mais, assim como mostrado na literatura científica,(11) nossa investigação mostrou que parece ser mais apropriado a utilização da versão original agrupada, na qual as classes III-IV-V são analisadas conjuntamente e não isoladamente.

Uma das grandes vantagens relacionadas à utilização do PESI é a seleção de um grupo de pacientes com risco baixo de complicações, caracterizados pelo grupo I-II, o qual poderá receber alta hospitalar precoce e realizar o tratamento domiciliar, impactando na redução de custos hospitalares.(12-14) Nossa investigação também mostrou um bom prognóstico nos pacientes desse grupo (I-II), com reduzida MG30. Apesar disso, vale a pena destacar que a alta hospitalar precoce com a utilização dos novos anticoagulantes não é uma realidade local, principalmente durante o período no qual o estudo foi conduzido.

Assim como outros marcadores prognósticos na avaliação da TEP, a utilização agrupada da versão original do PESI apresenta um valor preditivo negativo elevado (94%) e, por outro lado, um valor preditivo positivo baixo (35%). Desse modo, o PESI é mais útil para selecionar aqueles pacientes com bom prognóstico, e a presença do grupo III-IV-V não necessariamente implica a ocorrência de eventos adversos e a necessidade de tratamento mais agressivo.(15) A diretriz europeia para o manejo da TEP de 2014(1) orienta um nova estratificação nesse grupo (III-IV-V) utilizando biomarcadores como troponina, NT-proBNP e exames de imagem para a avaliação do ventrículo direito.

Nosso estudo também vai ao encontro com a literatura científica(11): a avaliação agrupada da versão original (grupo I-II vs. grupo III-IV-V) parece ser a forma mais adequada para a utilização desse instrumento, conforme as boas evidências obtidas a partir das curvas de Kaplan-Meier (Figura 1). Empregando essa forma de avaliação, os pacientes são divididos em dois grupos com prognósticos bastante distintos (MG30 de 2,40% vs. 20,00%). Uma recente revisão sistemática e meta-análise(11) que avaliou os modelos prognósticos na TEP aguda mostrou taxas de MG30 nos grupos de risco baixo (PESI I-II) e de risco alto (PESI III-IV-V) de 2,30% e 11,40%, respectivamente. A mortalidade observada no grupo de risco baixo em nossa investigação (2,40%) foi semelhante àquela observada naquele estudo (2,30%).(11)

Como inúmeras variáveis estão envolvidas na versão original, tentou-se desenvolver uma versão simplificada que engloba somente 6 variáveis que apresentam pesos semelhantes na constituição do índice, conhecida como PESI simplificado. Estudos iniciais não mostraram uma diferença na acurácia prognóstica em relação à utilização da versão original comparada à da versão simplificada, com ASC idênticas de 0,75 (IC95%: 0,69-0,80; p = 0,95).(16) Contudo, uma investigação subsequente mostrou uma maior acurácia prognóstica da versão original em relação à simplificada, com ASC de 0,78 (IC95%: 0,77-0,79) vs. 0,72 (IC95%: 0,71-0,74; p < 0,001),(17) semelhante ao achado de nossa investigação, na qual também foi observada uma discreta superioridade da versão original em relação à simplificada, com ASC de 0,70 (IC95%: 0,62-0,77) vs. 0,60 (IC95%: 0,51-0,67; p = 0,05). É importante ressaltar que, em nossa investigação, ambas as versões apresentaram acurácias prognósticas discretamente inferiores àquelas relatadas na literatura internacional.(17)

Destacam-se algumas limitações da presente investigação. Primeiro, como os dados foram coletados retrospectivamente dos prontuários médicos, nem todos aqueles necessários para o cálculo do PESI estavam disponíveis para alguns pacientes. Isso pode ter subestimado o valor final do PESI em uma pequena parcela da amostra. Contudo, a proporção de indivíduos com dados incompletos foi pequena e, portanto, houve pequena interferência no resultado final da presente investigação, Além disso, foi possível avaliar o desfecho de sobrevida em 30 dias em todos os pacientes incluídos na presente análise. Vale a pena enfatizar que o desfecho avaliado foi MG30, que não necessariamente reflete a mortalidade associada à TEP; porém, a maior parte dos estudos que validou o PESI também utilizou esse mesmo desfecho.(2,4) Segundo, este foi um estudo unicêntrico conduzido em um hospital terciário de emergência de referência, o que pode ter levado a uma seleção de pacientes com maior gravidade, potencialmente gerando um viés de seleção, de forma semelhante a outro estudo sobre TEP aguda realizado no Brasil.(7) Terceiro, a busca retrospectiva de prontuários médicos dos pacientes ocorreu através de códigos da CID-10, que foram inseridos eletronicamente nas folhas de alta do hospital. Esse fato pode ter provocado a perda de inclusão de pacientes. Quarto, como o PESI é baseado em parâmetros clínicos quantitativos bastante objetivos, consideraram-se desnecessárias outras etapas do processo de validação, tais como, por exemplo, a retradução e a validação transcultural. Um ponto positivo de nossa investigação foi o fato de que a confirmação diagnóstica através de um exame complementar de imagem era obrigatória, pois muitos dos estudos de validação do PESI publicados na literatura(2,4) utilizaram-se somente de bancos de dados de internação hospitalar com codificação para TEP sem a obrigatoriedade da confirmação da patologia através de algum exame de imagem.

O PESI mediu adequadamente o prognóstico após eventos de TEP aguda em uma amostra da população no Brasil. A utilização da versão original agrupada foi a forma mais apropriada para o emprego dessa ferramenta nesse cenário. Foi observada uma elevada taxa de MG30 após TEP aguda na presente amostra quando comparada à de estudos internacionais(6,9,10) mas que corroboram dados de um estudo sobre essa temática realizado no Brasil.(7) Faz-se necessária a condução de registros multicêntricos e prospectivos em nosso país para uma avaliação mais detalhada sobre a mortalidade associada a essa patologia em nossa população.

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