AO EDITOR:Uma mulher de 63 anos, não fumante e com neurofibromatose tipo 1 (NF1), foi encaminhada a nosso hospital. A paciente apresentava tosse havia 2 meses e uma opacidade no pulmão direito na radiografia de tórax (Figura 1A). O exame físico revelou múltiplos neurofibromas cutâneos e manchas do tipo café com leite principalmente no tronco. A TC de tórax mostrou um nódulo espiculado no lobo superior direito (Figura 1B), linfonodomegalia mediastinal e hilar direita, alterações enfisematosas e císticas no parênquima pulmonar e nódulos cutâneos (neurofibromas) na parede torácica (Figuras 1B, 1C e 1D). Lesões nodulares hipodensas (metástases) foram observadas no fígado. Os níveis de alfa-1 antitripsina estavam normais. Realizou-se uma biópsia pulmonar transbrônquica, com achados histopatológicos de adenocarcinoma. Fez-se o diagnóstico de adenocarcinoma pulmonar com doença pulmonar difusa relacionada com neurofibromatose, e a paciente foi submetida à quimioterapia. O quadro piorou, e a paciente morreu 5 meses depois.
As manifestações pulmonares mais comuns da NF1 são doença pulmonar intersticial difusa e alterações enfisematosas, císticas e bolhosas no pulmão, com taxa de prevalência de 10-20%. Além disso, a NF1 pode aumentar a sensibilidade do pulmão à fumaça do cigarro e resultar em alterações semelhantes às do enfisema inicial. Portanto, além de ser um fator de risco de câncer de pulmão, o tabagismo pode ser um fator de risco de doença pulmonar intersticial em pacientes com NF1.(1,2) Embora a NF1 seja a mais comum síndrome hereditária predisponente para neoplasia, particularmente tumores derivados da crista neural, não são comuns os relatos de associação entre NF1 e câncer de pulmão.(3)
Foram aventadas duas principais hipóteses para explicar a associação entre NF1 e câncer de pulmão.(1) Uma delas está relacionada com o surgimento de tumores a partir de tecido cicatricial formado anteriormente ou bolhas causadas por fibrose intersticial.(1) A outra está relacionada com deleções do cromossomo 17p, cuja prevalência é maior em certos pacientes com NF1.(1,4) É importante mencionar que o gene supressor de tumor p53 localiza-se no braço curto do cromossomo 17.(1,4) A inativação de p53 foi implicada no surgimento de carcinoma de pulmão de células pequenas em pacientes com NF1, e mutações de p53 foram encontradas em aproximadamente 50% dos pacientes com câncer pulmonar de células não pequenas.(1,4) Esse risco aumentado de câncer de pulmão em pacientes com NF1 que nunca fumaram (como nossa paciente) pode aumentar ainda mais com o uso de tabaco; já se demonstrou que a frequência de mutações de p53 é maior em fumantes que em indivíduos que nunca fumaram.(1) Como nossa paciente jamais fumara, o caso aqui relatado ressalta o papel da NF1 como fator de risco de câncer de pulmão e a necessidade de avaliar o comprometimento pulmonar em pacientes com NF1, principalmente aqueles com doença pulmonar intersticial conhecida, por meio de TC de tórax com baixa dose de radiação realizada em intervalos longos para que o câncer de pulmão seja detectado precocemente.
REFERÊNCIAS1. Hsu A, Han S. Synchronous neuroendocrine tumor and non-small-cell lung cancer in neurofibromatosis type 1. Clin Case Rep. 2015;3(12):990-6. https://doi.org/10.1002/ccr3.416
2. Zamora AC, Collard HR, Wolters PJ, Webb WR, King TE. Neurofibromatosis-associated lung disease: a case series and literature review. Eur Respir J. 2007;29(1):210-4. https://doi.org/10.1183/09031936.06.00044006
3. Oikonomou A, Mikroulis D, Mintzopoulou P, Lukman L, Prassopoulos P. Lung cancer associated with neurofibromatosis type I. Case Rep Radiol. 2013;2013:869793. https://doi.org/10.1155/2013/869793
4. Shimizu E, Shinohara T, Mori N, Yokota J, Tani K, Izumi K, et al. Loss of heterozygosity on chromosome arm 17p in small cell lung carcinomas, but not in neurofibromas, in a patient with von Recklinghausen neurofibromatosis. Cancer. 1993;71(3):725-8. https://doi.org/10.1002/1097-0142(19930201)71:3<725::AID-CNCR2820710312>3.0.CO;2-F