AO EDITOR,A exposição ocupacional a poeira, mesmo em doses baixas, é um risco à saúde dos trabalhadores porque se relaciona significativamente com sintomas respiratórios. Sabe-se que o tempo de exposição a substâncias no ar (poeira, gases, vapores ou produtos químicos) relaciona-se diretamente com a probabilidade de problemas respiratórios, asma, câncer de pulmão, pneumonite de hipersensibilidade e outras doenças pulmonares intersticiais.(1,2)
Embora na maioria das indústrias a qualidade do ar seja avaliada regularmente e os limites de exposição legais sejam respeitados, os trabalhadores às vezes apresentam problemas de saúde que podem ser atribuídos à exposição ocupacional à poeira.(3,4) Portanto, decidimos aplicar um questionário para avaliar o impacto que a exposição ocupacional à poeira tem no surgimento de sintomas respiratórios em trabalhadores em uma fábrica de autopeças no norte de Portugal. No momento, a fábrica é propriedade de um grupo multinacional dedicado à pesquisa, desenvolvimento e produção de equipamentos para a indústria automobilística, com aproximadamente 1.000 funcionários fixos e 200 temporários. A maioria (85%) dos funcionários trabalha na área de produção, onde há formação de poeira e vaporização e aerossolização de resíduos de óleo. O ciclo de produção se inicia com o enrolamento do fio metálico em espiral, que é então revestido com um composto plástico sob alta pressão com fricção intensa, produzindo uma grande quantidade de poeira. Os cabos são então cortados e, por meio de injeção, aplica-se plástico ou zamak (uma liga de zinco, alumínio, magnésio e cobre). Esse processo gera material particulado: poeira total (0-25 µm), poeira respirável (0-10 µm) e compostos orgânicos voláteis (que têm uma fase particulada). De acordo com a legislação de Portugal, é necessária uma avaliação periódica das concentrações de material particulado na atmosfera do local de trabalho.(4,5) Especificamente na fábrica em questão, há exaustores instalados na área de produção e nas estações de trabalho onde o risco de exposição é maior. Além disso, a poeira total, a poeira respirável e as concentrações de compostos orgânicos voláteis são medidas anualmente por um laboratório externo licenciado, com análise gravimétrica de amostras de ar colhidas em um dia de trabalho nas estações de trabalho com o maior risco de exposição (isto é, as estações nas áreas de produção, extrusão, corte e injeção de espirais). Os resultados são então comparados com os limites de exposição estabelecidos pela legislação de Portugal.(4)
Durante 1 mês, o departamento de saúde e segurança ocupacional da empresa forneceu a cada trabalhador um questionário autoaplicável, de preenchimento voluntário e não anônimo, sobre a presença de sintomas oculares, nasais e respiratórios (ataques de tosse, aperto no peito, falta de ar e dispneia) e sua relação com o período de trabalho (perguntas cujas respostas deveriam ser apenas sim ou não). O questionário de sintomas foi escolhido porque se trata de uma maneira simples e barata de obter informações sobre o estado de saúde dos trabalhadores, além de ser facilmente reprodutível para o rastreamento de doenças ocupacionais. Como em Portugal não há um questionário validado para a avaliação de sintomas respiratórios no local de trabalho, o questionário usado foi elaborado a partir da versão de 1976 da escala do Medical Research Council britânico e da versão portuguesa do Control of Allergic Rhinitis and Asthma Test (Teste de Controlo da Asma e Rinite Alérgica), já validada para uso em adultos em Portugal.(6)
Os prontuários clínicos dos participantes foram analisados para que se obtivessem, além de dados demográficos e dos resultados mais recentes de testes de função pulmonar, informações sobre o tipo de estação de trabalho, tempo de exposição à poeira, história de doenças respiratórias e tabagismo. A relação entre a presença de pelo menos um sintoma respiratório e o tempo de exposição à poeira foi avaliada por meio de regressão logística.
Duzentos e sete trabalhadores preencheram o questionário. Destes, 58,5% eram mulheres, com média de idade de 38,7 anos. Além disso, 161 (77,8%) trabalhavam na área de produção, 38 (18,4%) trabalhavam no departamento de logística e 8 (3,8%) trabalhavam no escritório. Dos 207 trabalhadores, 110 (53,1%) relataram pelo menos um sintoma: sintomas oculares, em 48 (23,2%); sintomas nasais, em 67 (32,4%); ataques de tosse, em 48 (23,2%); aperto no peito, em 40 (19,3%); falta de ar, em 41 (19,8%); dispneia, em 32 (15,5%). Além disso, 31 (15,0%) relataram apenas um sintoma, ao passo que 37 (17,8%) relataram dois sintomas e 42 (20,3%) relataram três ou mais sintomas. Dos 110 trabalhadores que relataram pelo menos um sintoma, 81 (73,6%) relataram sintomas nos dias de trabalho e apenas 6 (5,5%) relataram sintomas nos dias de folga. A análise dos prontuários clínicos revelou uma mediana de tempo de exposição à poeira de 9 anos (7 anos em homens e 10 anos em mulheres); 97 (47%) dos participantes trabalhavam na empresa há mais de 10 anos, o que representa um tempo significativo de exposição à poeira, especialmente para os trabalhadores da área de produção. Dos 207 participantes, 132 (63,7%) eram não fumantes, 67 (32,4%) eram fumantes e 8 (3,7%) eram ex-fumantes. O tempo de exposição à poeira correlacionou-se significativamente com aperto no peito, falta de ar e dispneia (p = 0,012, p = 0,05 e p < 0,001, respectivamente). Na análise multivariada (regressão logística e teste de Wald), após ajustes de possíveis fatores de confusão, tais como história de doenças respiratórias e tabagismo, apenas a dispneia manteve correlação estatisticamente significativa com o tempo de exposição à poeira (p = 0,02; Tabela 1). Embora 31 (14,9%) dos participantes apresentassem função pulmonar prejudicada, o prejuízo não se relacionou com o tempo de exposição à poeira (p = 0,263 no teste de Mann-Whitney). Obstrução leve ou obstrução das pequenas vias aéreas foi o padrão mais comum nesses trabalhadores, possivelmente relacionado com asma (n = 5) e tabagismo (n = 21). Não foi possível determinar a relação entre o padrão de obstrução e a exposição à poeira, em virtude do pequeno número de casos. O tipo de estação de trabalho não teve efeito estatisticamente significativo na probabilidade de apresentar sintomas respiratórios. No entanto, a maioria (77,8%) dos participantes trabalhava na área de produção; 18,4% trabalhavam no departamento de logística e apenas 3,8% trabalhavam no escritório.
Os sintomas avaliados no presente estudo foram semelhantes aos avaliados em outros estudos. Em um estudo com trabalhadores expostos a sílica livre, Castro et al.(7) observaram uma prevalência de sintomas respiratórios semelhante à observada em nosso estudo (tosse em 30,5% e dispneia em 11%), embora a proporção de fumantes ou ex-fumantes tenha sido maior em sua amostra (52%).(7) A exposição ocupacional é responsável por uma proporção substancial (10-20%) de sintomas ou comprometimento funcional consistentes com DPOC.(2)
No presente estudo, os sintomas respiratórios foram mais comuns nos dias de trabalho e o tempo de exposição à poeira foi um fator de risco independente de dispneia. Embora o questionário empregado não tenha sido elaborado para avaliar o comprometimento pulmonar, observamos que o ambiente de trabalho foi responsável pelos sintomas respiratórios relatados pela população estudada. Outros estudos que analisaram a prevalência de sintomas respiratórios e sua relação com a exposição ocupacional também relataram a presença de doença das vias aéreas superiores e inferiores.(8,9)
O presente estudo demonstra que, além das medições periódicas da qualidade do ar, devem ser feitos maiores esforços para melhorar as medidas de proteção coletiva e conscientizar os trabalhadores quanto ao uso correto de equipamentos de proteção individual, a fim de reduzir os riscos da exposição à poeira. Não podemos descartar a possibilidade de que os sintomas relatados em nosso estudo estivessem relacionados com o uso incorreto de equipamentos de proteção individual, porque este não foi o foco de nossa análise.
Em consequência do presente estudo, o departamento de saúde ocupacional da empresa implantou um plano de vigilância respiratória, incluindo palestras coletivas sobre riscos ocupacionais, prevenção de riscos e normas de segurança, em especial o uso correto de equipamentos de proteção individual. Além disso, os trabalhadores passam por avaliação médica periódica para a identificação precoce de sintomas respiratórios.
AGRADECIMENTOSGostaríamos de agradecer a todos os trabalhadores que participaram da pesquisa. Somos também gratos à empresa automobilística Fico Cables.
REFERÊNCIAS1. Algranti E. Epidemiologia das doenças ocupacionais respiratórias no Brasil. In: Silva LCC, editor. Epidemiologia das doenças respiratórias. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.p. 78-124.
2. Balmes J, Becklake M, Blanc P, Henneberger P, Kreiss K, Mapp C, et al. American Thoracic Society Statement: Occupational contribution to the burden of airway disease. Am J Respir Crit Care Med 2003;167(5):787-97. https://doi.org/10.1164/rccm.167.5.787
3. Portugal. Assembleia da República. Decreto-Lei no. 102/2009 de 10 de Setembro de 2009. Diário da República, Primeira Série, no. 176:6167-6192.
4. Instituto Português da Qualidade. Norma Portuguesa 1796 de 2014: Segurança e saúde do trabalho--valores limite e índices biológicos de exposição profissional a agentes químicos. Caparica: IPQ; 2014.
5. Portugal. Assembleia da República. Decreto-Lei n.24/2012 de 6 de fevereiro de 2012. Diário da República, Primeira Série, n. 26:580-589.
6. caratnetwork.org [homepage on the Internet]. CARAT Teste de Controlo da Asma e Rinite Alérgica. Available from: www.caratnetwork.org
7. Castro HA, Vicentin G, Ribeiro PC, Mendonça IC. Perfil respiratório de 457 trabalhadores expostos à poeira de sílica livre no Estado de Rio de Janeiro. Pulmão RJ. 2004;13(2):81-5.
8. Rondon EN, Silva RM, Botelho C. Respiratory symptoms as health status indicators in workers at ceramics manufacturing facilities. J Bras Pneumol. 2011;37(1):36-45. https://doi.org/10.1590/S1806-37132011000100007
9. Faria NM, Facchini LA, Fass AG, Tomasi E. Farm work, dust exposure and respiratory symptoms among farmers [Article in Portuguese). Rev Saude Publica. 2006;40(5):827-36. https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000006