AO EDITOR,Complicações de vias aéreas ocorrem em 2-18% dos casos de transplante pulmonar, sendo a estenose brônquica particularmente prevalente. O manejo inicial dessa complicação é a dilatação broncoscópica, podendo ser associada à colocação de stent.(1) Dentre os tipos de stent mais amplamente utilizados para tal propósito, destacam-se os modelos de silicone e os metálicos, que podem ser rígidos ou autoexpansíveis. Contudo, complicações incluindo fístulas e/ou reações inflamatórias podem ocorrer. Nesse contexto, os stents biodegradáveis surgem como alternativa, uma vez que oferecem benefícios em relação à manutenção da patência da via aérea em longo prazo, ao mesmo tempo em que minimizam as complicações relacionadas a formação fistulosa e reações inflamatórias, mais associadas aos modelos não reabsorvíveis.
Ainda que stents biodegradáveis tenham sido utilizados em diversas condições gastrointestinais e vasculares, seu uso no tratamento da estenose de vias aéreas é recente e tem sido objeto de pesquisas.(2) O caso a seguir ilustra o sucesso do manejo clínico da estenose de via aérea central através da inserção de um stent biodegradável. Este é o primeiro relato de uso de stent biodegradável em via aérea no Brasil.
Paciente masculino, 23 anos, com história de bronquiolite obliterante, foi submetido a transplante pulmonar bilateral. Após 1 mês do procedimento, realizou a primeira dilatação com balão devido à estenose na anastomose do brônquio principal esquerdo (Figura 1A). O paciente evoluiu com necessidade de cinco novas intervenções de dilatação endoscópica pela mesma razão citada anteriormente, sendo que, em uma das tentativas, houve uma pequena laceração da parede brônquica posterior. Logo, foi realizada uma tentativa de colocação de stent de silicone, a qual não foi exitosa devido à proximidade da estenose à carena secundária, dificultando a permanência do stent na posição correta. Dessa forma, um stent biodegradável (ELLA-CS, Hradec Králové, República Checa) foi fabricado baseado em parâmetros personalizados e implantado com sucesso (Figura 1B). Uma nova dilatação endoscópica ainda foi necessária 2 meses após o implante. Após 14 meses de acompanhamento desde o último procedimento (16 meses de acompanhamento ao todo), a estenose permaneceu controlada (Figura 1C), sem recidivas, e o paciente permanece estável do ponto de vista clínico até o momento da escrita.
A incidência de complicações relacionadas à estenose de via aérea central após transplante pulmonar tem diminuído. Contudo, essas complicações permanecem desafiadoras, podendo causar prejuízos tanto na qualidade de vida quanto na sobrevida de pacientes submetidos ao transplante de pulmão. Não há ensaios randomizados analisando o manejo dessa complicação.(1) Diversas modalidades terapêuticas estão disponíveis, incluindo dilatação endoscópica, tratamento cirúrgico, técnicas de ablação e uso de diversos tipos de stents. Não há consenso, contudo, quanto à definição do melhor método e momento para a aplicação do tratamento.(3) Nesse contexto, os stents não reabsorvíveis exercem um papel crucial no manejo das estenoses traqueobrônquicas benignas. Entretanto, têm sido associados com diversas complicações, como formação de tecido de granulação hiperplásico, erosão e sangramento. Por isso, stents reabsorvíveis - especificamente, stents biodegradáveis - têm surgido como uma alternativa importante. Essa modalidade tem seu uso difundido para estenoses esofágicas, intestinais, biliares ou vasculares. São formados por polidioxanona (PDO), um material que já mostrou padrão de tolerância adequado pela mucosa traqueal, prevenindo rejeições por reações imunomediadas. Entretanto, stents de PDO devem ter seu tamanho e forma adaptados conforme as características anatômicas de cada paciente.(4)
No paciente relatado acima, diversas tentativas de manejo da estenose por dilatação endoscópica foram executadas sem sucesso, havendo, inclusive, laceração da parede brônquica; a colocação do stent de silicone não foi exitosa devido à sua incompatibilidade com a anatomia brônquica do paciente. Por fim, um stent biodegradável de PDO, personalizado para as características anatômicas e necessidades do paciente, foi implantado, tendo o paciente cursado sem complicações em 16 meses de acompanhamento. O presente relato sugere que os stents biodegradáveis são uma alternativa para o manejo da estenose traqueobrônquica, com um perfil de segurança favorável comparado ao perfil dos stents tradicionais.(5) Mais estudos são necessários para esclarecer as indicações precisas dos stents biodegradáveis nas estenoses benignas de via aérea, em especial nos pacientes submetidos a transplante de pulmão.
AGRADECIMENTOSAgradecemos à empresa ELLA-CS o fornecimento gratuito do stent biodegradável.
REFERÊNCIAS1. Crespo MM, McCarthy DP, Hopkins PM, Clark SC, Budev M, Bermudez CA, et al. ISHLT Consensus Statement on adult and pediatric airway complications after lung transplantation: Definitions, grading system, and therapeutics. J Heart Lung Transplant. 2018;37(5):548-563. https://doi.org/10.1016/j.healun.2018.01.1309
2. Lischke R, Pozniak J, Vondrys D, Elliott MJ. Novel biodegradable stents in the treatment of bronchial stenosis after lung transplantation. Eur J Cardiothorac Surg. 2011;40(3):619-24. https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2010.12.047
3. Puchalski J. Tracheal and bronchial stenosis: etiologies, bronchoscopic interventions and outcomes. Pak J Chest Med. 2015;18(1):38-46.
4. Stehlik L, Hytych V, Letackova J, Kubena P, Vasakova M. Biodegradable polydioxanone stents in the treatment of adult patients with tracheal narrowing. BMC Pulm Med. 2015;15:164. https://doi.org/10.1186/s12890-015-0160-6
5. Anton-Pacheco JL, Luna C, Garcia E, Lopez M, Morante R, Tordable C, et al. Initial experience with a new biodegradable airway stent in children: Is this the stent we were waiting for? Pediatr Pulmonol. 2016;51(6):607-12. https://doi.org/10.1002/ppul.23340