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Colonização por Pseudomonas aeruginosa nas vias aéreas superiores e inferiores de uma criança com fibrose cística: abordagem meticulosa do pai para a erradicação bem-sucedida

Pseudomonas aeruginosa colonization in the upper and lower airways of a child with cystic fibrosis: a father's meticulous approach to successful eradication

Jochen Georg Mainz1,2,a, Michael Baier3,b, Anke Jaudszus1,2,c, Harold Tabori2,d, José Dirceu Ribeiro4,e, Michael Lorenz1,f

DOI: 10.1590/1806-3713/e20190191



Na fibrose cística (FC), uma doença herdada, a destruição progressiva dos pulmões, desencadeada por infecção pulmonar crônica por patógenos oportunistas, tais como Pseudomonas aeruginosa, é a principal causa de morte prematura. Consequentemente, há um forte estímulo para a detecção precoce e erradicação da infecção por P. aeruginosa. O monitoramento da colonização das vias aéreas inferiores (VAI) e uso de terapia-alvo é o padrão internacional atual, considerado capaz de proporcionar melhores chances de erradicação do patógeno antes que ele mude para um fenótipo mucóide e forme biofilmes, o que torna a erradicação quase impossível. No entanto, a erradicação de uma nova colonização por P. aeruginosa é um desafio, e as taxas de sucesso variam bastante (60-90%)(1-3) em protocolos divergentes, que consistem no uso isolado de antibióticos inalatórios, tais como tobramicina ou colimicina, por períodos de aproximadamente um a seis meses, ou no uso combinado de ciprofloxacina oral com antibióticos intravenosos.

Nos últimos anos, tem sido reconhecida a importância das vias aéreas superiores (VAS) e dos seios paranasais para o sucesso da erradicação, pois são locais para aquisição de patógenos, persistência de patógenos, contaminação das VAI e infecção cruzada.(4-7) Nesse contexto, implementamos o monitoramento rotineiro das VAS por meio de lavagem nasal a cada três meses como procedimento padrão no Centro de FC da Universidade de Jena, localizada em Jena, Alemanha. Assim, identificamos previamente pacientes com FC com colonização nasossinusal primária isolada por P. aeruginosa e constamos que cepas idênticas de P. aeruginosa persistiram nas VAS de pacientes com FC após transplante pulmonar, pois os pulmões transplantados inicialmente livres de pseudomonas foram colonizados por essas mesmas cepas.(8) Além disso, provamos que 96% das cepas de P. aeruginosa detectadas eram geneticamente idênticas tanto nas VAS quanto nas VAI de pacientes com FC cronicamente colonizados por esse patógeno, o que reforça o conceito de "vias aéreas unidas".(8)

Aqui, demonstramos que o monitoramento periódico e rigoroso da colonização das VAI e VAS e o uso de um regime de tratamento agressivo resultaram na erradicação bem-sucedida e duradoura da P. aeruginosa em um paciente de 13 anos com FC (genótipo homozigoto F508del). Em novembro de 2011, quando o paciente tinha 6 anos de idade, sua primeira colonização por P. aeruginosa foi identificada por meio de um swab de rotina do fundo da garganta. Posteriormente, de acordo com nosso protocolo padrão para colonização intermitente, o paciente foi monitorado mensalmente para colonização das VAS (lavagem nasal com 10 ml de solução salina isotônica por narina) e colonização das VAI (swab do fundo da garganta ou coleta de escarro).(8) Após a detecção da primeira colonização por P. aeruginosa, o pai do paciente documentou meticulosamente todos os resultados de cultura e os tratamentos e exigiu abordagens terapêuticas mais eficientes a cada novo isolamento do patógeno. Conhecendo os padrões comuns de terapia, decidimos adaptar gradualmente nossa abordagem no sentido de um regime de erradicação agressivo com antibióticos orais ou intravenosos juntamente com antibioticoterapia inalatória. O procedimento padrão com ciprofloxacina oral e colistina inalatória não conseguiu erradicar a P. aeruginosa das VAI (Figura 1), e, cinco meses depois, o patógeno foi detectado nas VAS e VAI. Portanto, estendemos a terapia incluindo ciclos de ceftazidima e tobramicina i.v. a cada três meses e tratamento permanente com azitromicina oral. O paciente também recebeu nebulização nasal de colistina via um nebulizador com aerossol de pulso (PARI SINUST; PARI GmbH, Starnberg, Alemanha).(9) Foi comprovado que essa abordagem fornece aerossóis aos seios paranasais por meio de uma vibração sobreposta de 43 Hz, aplicada durante períodos de apneia voluntária. Por outro lado, foi demonstrado que a nebulização convencional pelo nariz não fornece quantidades relevantes de drogas nebulizadas aos seios. (10) Com a continuidade da detecção intermitente de P. aeruginosa nos dois compartimentos das vias aéreas, foi implementado um regime off-label de erradicação, consistindo em aztreonam inalatório simultaneamente para as VAS e VAI, alternado com tobramicina inalatória mensalmente. Posteriormente, após nove culturas positivas para P. aeruginosa em amostras de VAI e três de VAS, P. aeruginosa foi erradicada em janeiro de 2013, conforme confirmado por culturas negativas de amostras de VAS e VAI coletadas todos os meses a partir de então. Além disso, os títulos de anticorpos IgG anti-P. aeruginosa (protease alcalina, elastase e exotoxina A) permaneceram negativos, da mesma forma que antes e durante a detecção de P. aeruginosa nas VAS e VAI, em amostras de controle coletadas rotineiramente todos os anos. Até o momento, o paciente permanece livre da colonização há mais de 72 meses, o que permitiu a redução da carga terapêutica ao mínimo.


 



Nossa experiência mostrou que a amostragem adicional de rotina das VAS pode revelar colonização nasossinusal precoce, a qual, se não reconhecida, muito provavelmente teria impedido a erradicação bem-sucedida do patógeno. A amostragem mensal detectou colonização intermitente e posteriormente confirmou a eliminação completa da P. aeruginosa. Nenhum dos dois teria sido possível se tivéssemos seguido os padrões internacionais para o tratamento da FC, que recomendam apenas amostragem das VAI 2-4 vezes/ano. O uso isolado de antibióticos inalatórios tem grande chance de insucesso no tratamento das VAS. Isso corrobora os achados de um grupo de autores(5) que mostraram que se a P. aeruginosa não for erradicada de todo o sistema das vias aéreas, ela pode passar por processos de evolução e diversificação para se adaptar ao sistema imunológico do hospedeiro nos seios paranasais. Se os seios paranasais não forem considerados um possível reservatório para P. aeruginosa, após a interrupção de uma terapia inalatória isolada, o patógeno pode descer para os pulmões e causar uma nova colonização pulmonar que pode ser ainda mais virulenta.
Não foram relatados efeitos colaterais durante o regime off-label de erradicação. No entanto, a carga diária de tratamento excedeu em muito o número de inalações em pacientes com FC. Não obstante, nosso paciente está livre de colonização há 6 anos, durante os quais a carga terapêutica pôde ser reduzida ao mínimo. Mostramos aqui que a erradicação de P. aeruginosa persistente é possível com um regime terapêutico consistente que, neste caso, foi fortemente promovido pela insistência da família. Isso pode ter contribuído para a melhora relevante do prognóstico da função pulmonar e, assim, da expectativa de vida do paciente. Com base em nossa experiência, recomendamos avaliação microbiológica repetida tanto das VAS quanto das VAI, especialmente em pacientes com colonização intermitente por P. aeruginosa.(6) Portanto, essa abordagem também deve ser incluída em estudos futuros sobre a erradicação de P. aeruginosa em pacientes com FC.

AGRADECIMENTOS

Todo o processo foi administrado e monitorado de perto pelo pai do paciente. Queremos agradecer-lhe e a toda a sua família o comprometimento. Sr. Mainz recebeu honorários por palestras da PARI GmbH e Vertex GmbH.

REFERÊNCIAS

1. Blanchard AC, Horton E, Stanojevic S, Taylor L, Waters V, Ratjen F. Effectiveness of a stepwise Pseudomonas aeruginosa eradication protocol in children with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2017;16(3):395-400. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2017.01.007
2. Ratjen F, Munck A, Kho P, Angyalosi G. Treatment of early Pseudomonas aeruginosa infection in patients with cystic fibrosis: the ELITE trial. Thorax. 2010;65(4):286-91. https://doi.org/10.1136/thx.2009.121657
3. Proesmans M, Vermeulen F, Boulanger L, Verhaegen J, De Boeck K. Comparison of two treatment regimens for eradication of Pseudomonas aeruginosa infection in children with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2013;12(1):29-34. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2012.06.001
4. Mainz JG, Hentschel J, Schien C, Cramer N, Pfister W, Beck JF, et al. Sinonasal persistence of Pseudomonas aeruginosa after lung transplantation. J Cyst Fibros. 2012;11(2):158-61. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2011.10.009
5. Hansen SK, Rau MH, Johansen HK, Ciofu O, Jelsbak L, Yang L, et al. Evolution and diversification of Pseudomonas aeruginosa in the paranasal sinuses of cystic fibrosis children have implications for chronic lung infection. ISME J. 2012;6(1):31-45. https://doi.org/10.1038/ismej.2011.83
6. Aanæs K. Bacterial sinusitis can be a focus for initial lung colonisation and chronic lung infection in patients with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2013;12 Suppl 2:S1-20. https://doi.org/10.1016/S1569-1993(13)00150-1
7. Folkesson A, Jelsbak L, Yang L, Johansen HK, Ciofu O, Høiby N, et al. Adaptation of Pseudomonas aeruginosa to the cystic fibrosis airway: an evolutionary perspective. Nat Rev Microbiol. 2012;10(12):841-51. https://doi.org/10.1038/nrmicro2907
8. Mainz JG, Naehrlich L, Schien M, Kading M, Schiller I, Mayr S, et al. Concordant genotype of upper and lower airways P aeruginosa and S aureus isolates in cystic fibrosis. Thorax. 2009;64(6):535-40. https://doi.org/10.1136/thx.2008.104711
9. Mainz JG, Schädlich K, Schien C, Michl R, Schelhorn-Neise P, Koitschev A, et al. Sinonasal inhalation of tobramycin vibrating aerosol in cystic fibrosis patients with upper airway Pseudomonas aeruginosa colonization: results of a randomized, double-blind, placebo-controlled pilot study. Drug Des Devel Ther. 2014;8:209-17. https://doi.org/10.2147/DDDT.S54064
10. Moller W, Saba GK, Haussinger K, Becker S, Keller M, Schuschnig U. Nasally inhaled pulsating aerosols: lung, sinus and nose deposition. Rhinology. 2011;49(3):286-91. https://doi.org/10.1164/ajrccm-conference.2011.183.1_MeetingAbstracts.A4432

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