Em 1605, Sir Francis Bacon já dizia que se começarmos com certezas, terminaremos com dúvidas; mas se começarmos com dúvidas e tivermos paciência com elas, terminaremos com certezas. Existiriam motivos para tantas dúvidas em relação à reabilitação pulmonar se, desde os anos 60,(1) essa forma de tratamento se estabeleceu como uma grande ferramenta de melhora da dispneia e da qualidade de vida? Se por um lado a DPOC foi a doença que consolidou a reabilitação pulmonar como forma de tratamento, com o passar dos anos, novas evidências apontam para sua implementação em outras situações,(2) inclusive reduzindo a mortalidade após transplante pulmonar unilateral em pacientes com fibrose pulmonar.(3)
Na presente edição do JBP, três artigos demonstram a importância da reabilitação pulmonar como parte do tratamento de doenças pulmonares crônicas, especialmente da DPOC. Além disso, discutem estratégias do exercício físico como um componente primordial no tratamento, suas formas de implementação e como avaliar os resultados após a intervenção. Embora haja uma ampla base de evidências de que a reabilitação pulmonar reduz a dispneia e as exacerbações e melhora a qualidade de vida e o desempenho no exercício,(4) a melhor estratégia de treinamento físico ainda é alvo de controvérsias. Além disso, a maneira mais tradicional e mais utilizada para avaliar esse componente tem sido o teste de caminhada de seis minutos, que é um teste submáximo e que não fornece informações mais detalhadas como as obtidas na ergoespirometria. Buscando esclarecer esse aspecto, uma revisão sistemática e meta-análise de estudos randomizados publicada no presente número do JBP por Adolfo et al.(5) buscou avaliar os efeitos do treinamento intervalado de alta intensidade, comparados aos do exercício contínuo, na capacidade funcional e variáveis cardiovasculares em pacientes com DPOC. Dos 78 artigos identificados, apenas 6 foram incluídos na meta-análise, e, mesmo assim, todos os estudos tinham um alto risco de viés metodológico. Mesmo que os autores tenham demonstrado que o treinamento intervalado de alta intensidade, em comparação com o exercício contínuo ou outra intervenção, atua de maneira semelhante em relação ao consumo de oxigênio (VO2) máximo relativo, VO2 máximo absoluto e variáveis cardiovasculares em pacientes com DPOC, a heterogeneidade dos achados exige uma análise cautelosa desses resultados. Se os estudos clínicos incluídos são metodologicamente comprometidos, teremos meta-análises que elucidam o conhecimento atual sobre o problema, mas que são incapazes de embasar a adoção de determinada intervenção. Logo, a dúvida continua. Nessa mesma linha, Perrota et al.(6) avaliaram o efeito da reabilitação de alta intensidade, realizada três semanas antes da realização de lobectomia, na eficiência ventilatória, isto é, na relação ventilação minuto/produção de dióxido de carbono (VE/VCO2) em 25 pacientes portadores de DPOC e câncer de pulmão não pequenas células em estágio I-IIIa. Os pacientes apresentavam VO2 de pico entre 10-20 mL/kg por min ou VEF1 < 50% do previsto. Na análise após a reabilitação, o VO2 de pico e a relação VE/VCO2 tiveram melhora significativa, mostrando que, mesmo em pacientes com função pulmonar gravemente alterada, a reabilitação pode melhorar a eficiência ventilatória e a capacidade aeróbia, assim como diminuir o risco pós-operatório. Os autores observaram também benefícios na diminuição da hiperinsuflação dinâmica e na frequência respiratória no exercício.(6) Quando se avalia a performance de pacientes com doença pulmonar, já se sabe que o VO2 de pico no teste de exercício cardiopulmonar é o melhor preditor independente de complicações após ressecções cirúrgicas; porém, no teste, vem sendo demonstrada cada vez mais a importância da eficiência ventilatória (VE/VCO2), que é também um preditor independente de complicações e mortalidade (em pacientes com VE/VCO2 > 35), como demonstrado em 2 estudos.(7,8) Neder et al.(9) abordaram a importância da eficiência ventilatória em pacientes com DPOC, mesmo naqueles com função pulmonar preservada, a qual pode, muitas vezes, explicar a desproporcionalidade da dispneia em relação à função pulmonar (VEF1) e predizer a morbidade e mortalidade pós-cirúrgica. Além disso, salientam que um aumento de VE/VCO2 pode ocorrer na presença de hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca. Dessa forma, a implementação da ergoespirometria antes e depois da reabilitação pulmonar expande a nossa compreensão a respeito dos desfechos a ser avaliados. A verdade é que muitos enfoques aprofundam os múltiplos questionamentos. Se a reabilitação pulmonar é uma estratégia multiprofissional que aborda vários aspectos da doença e confirma a importância de se reverter o descondicionamento físico, entender questões que envolvem a musculatura esquelética passa a ser de fundamental importância. Nesse sentido, o estudo de Mansour et al.(10) buscou estabelecer pontos de corte para variáveis clínicas e funcionais na determinação de sarcopenia e dinapenia em 20 pacientes com DPOC de moderada a muito grave e disfunção da musculatura esquelética encaminhados para reabilitação pulmonar. Os autores diagnosticaram a sarcopenia pelo índice de massa muscular esquelética (kg/m2), obtido por bioimpedância elétrica, e a dinapenia pelo valor da força do aperto de mão, utilizando um dinamômetro hidráulico. Os achados principais do estudo(10) revelaram que a sarcopenia e a dinapenia podem ser previstas pelo teste de função pulmonar, pela força muscular respiratória e pelo desempenho físico por meio do teste de caminhada com carga progressiva. Apesar do progresso no conhecimento da disfunção muscular esquelética, a literatura ainda carece de critérios e ferramentas claras para a definição de sarcopenia e dinapenia. A última revisão do consenso europeu de sarcopenia(11) destaca que alguns pontos de corte para a condição são arbitrários e que sua validação dependerá de dados normativos e de seu valor preditivo para desfechos duros. Além disso, para mensurações da sarcopenia dependentes da estatura (velocidade de marcha e força muscular) são necessários estudos para estabelecer se limiares específicos para gênero e região melhoram a predição dos desfechos. Da mesma forma, Manini e Clark,(12) propositores do termo dinapenia, reconhecem a insuficiência de dados para determinar pontos de corte para a condição.
Apesar de ser considerado um tratamento com ampla base de evidência científica que justifica sua implementação, assim como uma estratégia que traz benefícios independentemente do seu nível de complexidade, a reabilitação pulmonar continua como um desafio para a prática assistencial. Muitos questionamentos permanecem, e muitos componentes precisam de protocolos mais bem definidos e de mensurações mais claras que sejam, acima de tudo, relevantes e viáveis. Enquanto isso, permanecemos conforme a sugestão de Sir Francis Bacon: questionando tudo com muita paciência e vivendo com nossas incertezas.
REFERÊNCIAS
1. Hodgkin JE. Historical Perspective of Pulmonary Rehabilitation. In: Hodgkin JE, Celli BR, Connors GA. Pulmonary Rehabilitation: Guidelines to Success. 4th ed. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2009, p. 1-7.
2. Dowman L, Hill CJ, Holland AE. Pulmonary rehabilitation for interstitial lung disease. Cochrane Database Syst Rev. 2014;(10):CD006322. https://doi.org/10.1002/14651858.CD006322.pub3
3. Florian J, Watte G, Teixeira PJZ, Altmayer S, Schio SM, Sanchez LB, et al. Pulmonary rehabilitation improves survival in patients with idiopathic pulmonary fibrosis undergoing lung transplantation. Sci Rep. 2019;9(1):9347. https://doi.org/10.1038/s41598-019-45828-2
4. Rodrigues FM, Loeckx M, Trossters T and Janssens W. The role of pulmonary rehabilitation in the prevention of exacerbations of chronic lung diseases. In: Burgel PR, Contoli M, López-Campos JL, editors. Acute Exacerbations of Pulmonary Diseases (ERS Monograph). Sheffield: European Respiratory Society; 2017. p. 224-246. https://doi.org/10.1183/2312508X.10016916
5. Adolfo JR, Dhein W, Sbruzzi G. Intensity of physical exercise and its effect on functional capacity in COPD: systematic review and meta-analysis. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180011. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180011
6. Perrotta F, Cennamo A, Cerqua FS, Stefanelli F, Bianco A, Musella S, et al. Effects of a high-intensity pulmonary rehabilitation program on the minute ventilation/carbon dioxide output slope during exercise in a cohort of patients with COPD undergoing lung resection for non-small cell lung cancer. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180132. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180132
7. Brunelli A. Ventilatory efficiency slope: an additional prognosticator after lung cancer surgery. Eur J Cardiothoracic Surg. 2016;50(4):780-781. https://doi.org/10.1093/ejcts/ezw127
8. Torchio R, Guglielmo M, Giardino R, Ardissone F, Ciacco C, Gulotta C, et al. Exercise ventilatory inefficiency and mortality in patients with chronic obstructive pulmonary disease undergoing surgery for non-small-cell lung cancer. Eur J Cardiothorac Surg. 2010;38(1):14-9. https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2010.01.032
9. Neder JA, Berton DC, Arbex FF, Alencar MC, Rocha A, Sperandio PA, et al. Physiological and clinical relevance of exercise ventilatory efficiency in COPD. Eur Respir J. 2017;49(3). pii: 1602036. https://doi.org/10.1183/13993003.02036-2016
10. Mansour KMK, Goulart CL, Carvalho-Junior LCS, Trimer R, Borghi-Silva A, Silva ALG, et al. Pulmonary function and functional capacity cut-off point to establish sarcopenia and dynapenia in patients with COPD. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180252.
11. Cruz-Jentoft AJ, Bahat G, Bauer J, Boirie Y, Bruyère O, Cederholm T, et al. Sarcopenia: revised European consensus on definition and diagnosis. Age Ageing. 2019;48(1):16-31. https://doi.org/10.1093/ageing/afy169
12. Manini TM, Clark BC. Dynapenia and aging: an update. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2012; 67(1):28-40. https://doi.org/10.1093/gerona/glr010