Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
33703
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Toracoscopia no tratamento do empiema pleural em pacientes pediátricos

Thoracoscopy in the treatment of pleural empyema in pediatric patients

Davi Wen Wei Kang, José Ribas Milanez de Campos, Laert de Oliveira Andrade Filho, Fabiano Cataldi Engel, Alexandre Martins Xavier, Maurício Macedo, Karine Meyer

ABSTRACT

Objective: To evaluate the results of thoracoscopy for the treatment of pleural empyema in pediatric patients. Methods: A retrospective study of 117 patients who underwent mediastinoscopy or video-assisted thoracoscopy for pleural empyema treatment. General anesthesia and single-lumen oral intubation were used. Surgery was indicated when there was pleural effusion and no clinical and radiological response to clinical treatment (antibiotics, physiotherapy and thoracocentesis) or severe sepsis, together with loculated pleural effusion (confirmed through ultrasound or computed tomography of the chest). Results: Between February of 1983 and July of 2006, 117 thoracoscopies were performed in patients ranging in age from 5 months to 17 years (mean, 4 years). Mean time for thoracic drainage was 9 days (range, 2-33 days), and mean period of hospitalization was 16.4 days (range, 4 to 49 days). One patient (0.8%) died after surgery, and persistent fistula was observed in 33 patients (28%). In 7 cases (6%), open thoracotomy with pulmonary decortication was performed due to the disposition of the empyema. Conclusions: Management of pleural empyema in this age bracket is still controversial, and surgical indication is often delayed, particularly when there are multiple loculations or severe sepsis. Early thoracoscopy yields a better clinical outcome for pediatric patients with pleural empyema, with apparent decreased morbidity and mortality, earlier chest tube removal, earlier hospital discharge and improved response to antibiotic therapy.

Keywords: Empyema, pleural; Pediatrics/instrumentation; Thoracoscopy; Thoracic surgery, video-assisted.

RESUMO

Objetivo: Apresentar resultados obtidos com a toracoscopia no tratamento do empiema pleural em pacientes pediátricos. Métodos: Foram avaliados 117 empiemas pleurais, utilizando-se o mediastinoscópio ou a videotoracoscopia, com anestesia geral e sonda de intubação simples. As indicações para a intervenção cirúrgica foram: derrame pleural com ausência de resposta clínica e radiológica ao tratamento clínico (antibióticos, fisioterapia e toracocentese) ou sepse grave, e derrame pleural loculado (documentado por ultrassonografia ou tomografia computadorizada do tórax). Resultados: De fevereiro de 1983 a julho de 2006, 117 toracoscopias foram realizadas em pacientes com idade entre 5 meses e 17 anos (média, 4 anos). O tempo médio de permanência do dreno torácico foi de 9 dias (2 a 33), e o tempo de internação hospitalar foi de 16,44 dias (4 a 49). Houve apenas um óbito (0,8%), e 33 pacientes (28%) tiveram como complicação fístula aérea prolongada. Em 7 pacientes (6%), houve necessidade de conversão para toracotomia com decorticação pulmonar em decorrência da organização do empiema. Conclusões: Não existe consenso para o tratamento do empiema pleural nesta faixa etária. A terapêutica cirúrgica é geralmente requisitada tardiamente no curso da doença, particularmente quando já existem múltiplas loculações ou quadro séptico grave. A toracoscopia indicada mais precocemente no tratamento do empiema pleural em pacientes pediátricos proporcionou uma melhor resposta à terapêutica clínica, aparentemente reduzindo o índice de morbi-mortalidade, o tempo de permanência do dreno torácico, o tempo de internação hospitalar e o tempo de antibioticoterapia.

Palavras-chave: Empiema pleural; Pediatria/instrumentação; Toracoscopia; Cirurgia torácica vídeo-assistida.

Introdução

O empiema pleural é definido como um derrame pleural com presença de bactérias que invadiram este fluido na cavidade pleural. O derrame pleural parapneumônico (derrame pleural associado à pneumonia) é uma das causas mais comuns do empiema pleural. O empiema pleural resulta da progressão da inflamação e/ou infecção pulmonar para o espaço pleural. Esta progressão pode ser dividida em três fases: exsudativa, fibrino-purulenta e organizacional.

As principais etapas do tratamento do derrame pleural parapneumônico infectado consistem em esterilizar a cavidade pleural, drenar o derrame, e reexpandir o pulmão.(1,2) Para isso, como o empiema é uma doença evolutiva, os métodos de tratamento diferem em cada fase. O uso de antibióticos de largo espectro, com adequada penetração pleural, é obrigatório para qualquer estágio da doença. Para a drenagem do derrame pleural e reexpansão pulmonar podem ser utilizados, conforme o estágio da doença: toracocentese; drenagem pleural com dreno tubular; terapia fibrinolítica intrapleural; ou tratamento cirúrgico (toracoscopia ou pleuroscopia, mini-toracotomia, ou até mesmo a decorticação pulmonar).(3)

O desenvolvimento do empiema pleural é determinado por três fatores: resistência do hospedeiro; virulência da bactéria; e tempo de apresentação da doença.(4) Temos notado um aumento, relatado na literatura, da incidência de empiema em pacientes pediátricos, independentemente do diagnóstico e tratamento precoces, além do aumento concomitante de microorganismos resistentes à antibioticoterapia.(5,6) Dessa forma, temos também um aumento da necessidade de tratamentos cirúrgicos no manejo do empiema pleural nesta faixa etária, principalmente através da toracoscopia, para a drenagem do líquido pleural, uma vez que há maior número de casos de evolução mais rápida e grave para um empiema complicado.

Ainda hoje, o manejo do empiema de pacientes pediátricos é um tema controverso; não há consenso entre pediatras, cirurgiões torácicos e cirurgiões pediátricos quanto ao momento e à necessidade da indicação do tratamento cirúrgico. Os dados dos estudos controlados em adultos não podem ser extrapolados para a faixa etária pediátrica, uma vez que os microorganismos responsáveis, as patologias pulmonares e as co-morbidades são diferentes entre eles. Este artigo apresenta os resultados do uso da toracoscopia no tratamento do empiema pleural em pacientes pediátricos, utilizando-se a videotoracoscopia ou a toracoscopia com o mediastinoscópio. Os achados cirúrgicos e as particularidades dos dois métodos e desta faixa etária também serão discutidos e comparados à luz dos dados da literatura.

Métodos

De fevereiro de 1983 a julho de 2006, 117 toracoscopias foram realizadas em pacientes com idade entre 5 meses e 17 anos (média, 4 anos) no tratamento do empiema pleural, nos seguintes hospitais: Hospital Infantil Darcy Vargas, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Jaraguá e Hospital Iguatemi. Destes pacientes, 69 (59%) eram do sexo masculino e 48 (41%) eram do sexo feminino. Todos foram operados, utilizando-se o pleuroscópio (ou mediastinoscópio) em 54 pacientes (46%), e videotoracoscopia em 63 pacientes (54%), com anestesia geral e sonda de intubação simples.

Três diferentes comprimentos do pleuroscópio foram empregados (11, 13 e 17 cm) dependendo da idade e tamanho da caixa torácica do paciente. Este instrumento foi introduzido pelo 4º ou 5º espaço intercostal na linha axilar média ou anterior, ou próximo à área de maior interesse. Um segundo trocarter foi também colocado, geralmente na base do hemitórax operado, para a introdução de instrumentos endoscópicos como aspirador, pinças de biópsia, bisturi elétrico, etc., onde, posteriormente, ao final da cirurgia, era posicionado o dreno tubular.

As óticas utilizadas na videotoracoscopia foram de 5 mm ou de 10 mm, também dependendo da idade e do tamanho da caixa torácica do paciente. Foram utilizadas óticas com angulação de 30°, ou sem angulação, para facilitar a visualização da cavidade pleural. Após a introdução na cavidade torácica, semelhante à pleuroscopia, um segundo trocarter foi inserido, sob visão direta, na base do hemitórax operado, à altura da linha axilar média. Este port era o principal local para a manipulação da ótica, proporcionando uma visão ampla e geral da cavidade pleural (onde, posteriormente, ao final da cirurgia, era posicionado o dreno tubular). O primeiro port se transformava, então, no principal canal de trabalho. Um terceiro trocarter, por vezes, foi utilizado no triângulo da ausculta, para auxílio na decorticação pulmonar.

Foram coletados, em todas as cirurgias, materiais para cultura e anatomia patológica. No pós-operatório, todos os pacientes receberam analgésicos comuns (dipirona e paracetamol), com ou sem opióides. Todos os pacientes receberam antibioticoterapia empírica antes do tratamento cirúrgico do empiema, e mudanças ocorreram conforme a evolução clínica e os resultados das culturas do material coletado no intra-operatório.

Os drenos tubulares torácicos colocados variavam conforme a idade do paciente e o tamanho da cavidade torácica, variando entre 20, 22, 24, 26 e 28; e todos eram colocados em selo d'água. Os critérios para a retirada dos drenos torácicos foram: débito menor que 50 mL nas últimas 24 h; ausência de fístula aérea; e radiografia mostrando pulmão expandido. Quando houve fístula aérea prolongada (fístula superior a 7 dias), trocamos o selo d'água pela válvula de Heimlich, para diminuirmos a resistência do sistema de drenagem.

Para a análise estatística, os dados foram armazenados em planilha eletrônica Microsoft Excel® e avaliados utilizando-se o programa SPSS 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O teste t de Student, e o teste do qui-quadrado e/ou exato de Fisher foram utilizados conforme as indicações. A significância estatística foi considerada para p < 0,05.

Resultados

Dos 117 pacientes submetidos à toracoscopia, 97 deles (82,9%) apresentaram empiema fibrinoso e/ou purulento (fase II), e 20 (17,1%) possuíam empiema organizado (fase III). O tempo de drenagem durou, em média, 8,98 dias, variando entre 2 e 33 dias.

As indicações para a intervenção cirúrgica foram: derrame pleural com ausência de resposta clínica e radiológica ao tratamento clínico (antibióticos, fisioterapia e toracocentese), com sepse grave, em 43 pacientes (36,8%), e derrame pleural loculado (documentado por ultrassonografia ou tomografia computadorizada do tórax) em 74 pacientes (63,2%).

O tempo total de internação, incluindo o período de tratamento conservador, durou, em média, 16 dias, variando entre 4 e 49 dias. Houve apenas 1 óbito (0,8%) no período peri-operatório (nos primeiros 30 dias de pós-operatório). Esta paciente de 17 anos era portadora de diabetes mellitus e insuficiência renal crônica, e o falecimento ocorreu por complicações associadas à doença de base.

A principal complicação cirúrgica foi a ocorrência de fístula aérea (com ou sem pneumotórax residual à radiografia de tórax) em 33 pacientes (28,2%). Necrose e abscessos pulmonares foram identificados em 26 pacientes (22,2%), durante a cirurgia. Em 7 pacientes (6%), houve necessidade de conversão para toracotomia com decorticação pulmonar decorrente da organização do empiema.

Na nossa experiência, os pacientes com fístula pleural ficaram, em média, 18,1 dias com o dreno e 22,5 dias internados, enquanto os pacientes sem fístula aérea permaneceram apenas 5,9 dias com o dreno e 12,5 dias internados. Esta diferença foi estatisticamente significante (p = 0,003).

Em apenas 14,5% dos pacientes foi identificado algum microorganismo causador do empiema pleural, sendo que, destes pacientes, 64,7% eram o Streptococcus sp e Streptococcus pneumoniae. Outros agentes, identificados em ordem decrescente, foram: Staphylococcus aureus (17,6%), Staphylococcus coagulase-negativo (5,9%), Staphylococcus warneri (5,9%) e Mycobacteryum tuberculosis (5,9%).

Discussão

Com a inflamação pleural, há aumento da permeabilidade capilar para proteínas, líquidos e leucócitos, formando um derrame pleural estéril. Esta é a fase exsudativa, em que o derrame parapneumônico é não-complicado ou livre na cavidade (escorre na radiografia de tórax em decúbito lateral) e ocorre entre as primeiras 24-72 h. As características bioquímicas deste líquido mostram pH normal, glicose normal e baixa concentração de leucócitos.

Após este período, se não houver resposta adequada ao tratamento, haverá um acúmulo de leucócitos polimorfonucleares, invasão bacteriana e deposição de fibrina, que pode levar à formação de loculações (derrame pleural complicado), ou líquido pleural francamente purulento. As características bioquímicas do líquido mostram diminuição do pH e da glicose e aumento da desidrogenase lática. Esta fase pode durar até 7-10 dias.

Após duas a quatro semanas do início do empiema pleural, começa a haver crescimento de fibroblastos nas superfícies das pleuras parietal e visceral, formando uma membrana inelástica que encarcera o pulmão, criando uma cavidade pleural fixa propensa a manter a infecção.(1)

O tratamento do empiema pleural tem como objetivos: a limpeza da cavidade pleural; a drenagem do líquido pleural; e a re-expansão pulmonar. A drenagem da cavidade empiemática pode ser feita através da toracocentese, drenagem pleural com dreno tubular, ou desbridamento, através da toracoscopia ou por técnicas cirúrgicas mais agressivas, quando da organização do espaço pleural (como a toracotomia, por exemplo).(3,11)

A primeira experiência no uso da toracoscopia para o tratamento de doenças pleurais foi descrita por Jacobaeus, em 1910, quando realizou a lise de aderências intrapleurais com um cistoscópio modificado.(7) Com o advento das drogas antituberculínicas, o uso da toracoscopia para tratamento cirúrgico (principalmente da tuberculose, através de pneumotórax artificial) praticamente foi abandonado, restando apenas o valor do método para investigar doenças e derrames pleurais de etiologia a esclarecer.

No entanto, o desenvolvimento de instrumentos endoscópicos, fibras ópticas e métodos anestésicos mais apurados, na década de 70, permitiram um melhor aproveitamento da toracoscopia, tanto no diagnóstico como no tratamento de afecções pleurais. Data de 1976 a descrição do uso do mediastinoscópio, por Carlens, para o diagnóstico de doenças intratorácicas,(9,10) instrumento este que até hoje utilizamos com grande eficácia para a investigação, tratamento e/ou estadiamento de doenças pleuro-pulmonares.

Na década de 90, estas melhorias tecnológicas atingiram um ápice, com o surgimento de óticas com microcâmeras e instrumentos endoscópicos apropriados que possibilitaram a diminuição de: trauma cirúrgico; dor pós-operatória; tempo de internação hospitalar; e custos hospitalares, sem diminuição da acurácia do diagnóstico e da efetividade do tratamento. Desde então, houve um aumento expressivo do uso da toracoscopia, ampliando para procedimentos cirúrgicos, antes realizados "a céu aberto" (por exemplo, simpatectomia torácica e correção de pectus excavatum), e proporcionando maior facilidade no tratamento das indicações já existentes (por exemplo, tratamento de empiemas multiloculados).(8)

A decisão pela intervenção cirúrgica é tema de controvérsia, uma vez que não há consenso sobre o papel do tratamento conservador versus o cirúrgico. Muitos estudos indicam que o tratamento cirúrgico raramente é necessário,(11-13) enquanto outros mostram os benefícios da decorticação ou desbridamento precoces da pleura infectada.(14-17) Uma revisão sistemática de 67 estudos, entre 1981 e 2004, comparando o tratamento conservador (antibióticos e drenagem tubular pleural) e o tratamento cirúrgico, mostrou que 76% dos pacientes evoluíam satisfatoriamente com a primeira opção. No entanto, o tratamento conservador mostrou taxas maiores de mortalidade (3,3 vs. 0%), aumento dos dias de antibioticoterapia (21,3 vs. 12,8 dias), de drenagem torácica (10,6 vs. 4,4 dias) e de internação hospitalar (20 vs. 10,8 dias).(21) Na nossa experiência, os pacientes com fístula pleural permaneceram mais tempo com o dreno pleural e mais tempo internados. Esses dados denotam a gravidade de nossos pacientes, uma vez que grande parte destes doentes apresentava necrose e abscessos na superfície pulmonar, identificados durante o desbridamento da pleura visceral. Além disso, havia a necessidade da indicação precoce da cirurgia para se evitar a fístula aérea, já que a cirurgia realizada numa fase mais organizada torna o desbridamento da pleura visceral mais difícil, com risco de provocar lacerações pulmonares. Estes dois fatores foram considerados os principais responsáveis pelo maior tempo de internação e de drenagem pleural em nossa experiência, quando comparados à literatura.

A toracoscopia é um importante instrumento para o tratamento do empiema, tanto em pacientes adultos como em pacientes pediátricos, principalmente porque tem como objetivos: obter material para o diagnóstico microbiológico e histopatológico e promover o tratamento da cavidade pleural com menor trauma cirúrgico; bem como tentar possibilitar um menor tempo de hospitalização e retorno precoce às atividades físicas normais.(6,8,25) O menor estigma da cicatriz cirúrgica quando comparado ao das cirurgias prévias convencionais (toracotomias, toracoplastias e toracostomias abertas)(24) também é fator importante, não só para os pacientes mas também para os pais, e ajuda o médico a convencer a família das reais necessidades da indicação cirúrgica do procedimento.

Com a maior disponibilização das óticas de vídeo e microcâmeras, a videotoracoscopia passou a ser empregada com mais freqüência no tratamento de empiemas.(18-20) Neste tipo de abordagem, a utilização de um terceiro trocarter se tornou importante, já que um dos trocarteres serviria apenas para a entrada da ótica de vídeo de 4, 5 ou 10 mm, dependendo da idade e tamanho da caixa torácica. Ao final da cirurgia, um dos ports serviu para o posicionamento do dreno tubular (geralmente o inferior).

Em pacientes pediátricos, encontramos algumas particularidades inerentes a essa faixa etária no que se refere ao instrumental endoscópico utilizado e à técnica de ventilação do intra-operatório, principalmente em menores de 12 anos de idade. O fato de não haver sondas de intubação orotraqueal seletiva, propícias para os pacientes pediátricos, impede o bloqueio e o isolamento do hemitórax comprometido. Para evitar a contaminação do pulmão contralateral, deve-se realizar uma constante e cuidadosa toalete brônquica durante o intra-operatório, para que secreções do pulmão doente não escorram para o pulmão contralateral. O bloqueio brônquico do pulmão operado com dispositivos de balonete é uma alternativa para que a secreção do pulmão operado não contamine o pulmão contralateral.

Optamos, em muitos casos, pelo uso do mediastinoscópio (ou pelo menos para iniciar o procedimento) por vários motivos: 1) permite a entrada na cavidade pleural através de pequena incisão, sob visão direta, evitando-se, assim, falsos trajetos e lesões pulmonares, já que se trata de uma região rica em neovascularização e aderências pleuro-pulmonares inflamatórias; 2) como os pacientes mais jovens mantêm a ventilação no hemitórax que está sendo operado, o próprio pleuroscópio mantém um pneumotórax artificial, afastando e abaixando o pulmão, permitindo a visualização e o desbridamento da cavidade pleural; 3) permite que crianças muito pequenas possam ser operadas pelas mãos de um único cirurgião, em virtude de o campo cirúrgico ser extremamente limitado; e 4) permite o inventário inicial da cavidade e a escolha dos melhores locais para a introdução dos trocarteres.

O uso do videotoracoscópio promove, no entanto, outras vantagens: 1) possibilita ampla e magnificada visão da cavidade pleural; 2) permite o acompanhamento do procedimento e das condições patológicas do pulmão e da pleura por toda a equipe que assiste ao paciente através do monitor de vídeo, particularmente pelo pediatra; e 3) pode-se insuflar a cavidade pleural com dióxido de carbono para se criar um pneumotórax artificial, a fim de se ter uma melhor visualização da cavidade pleural (técnica que habitualmente não utilizamos, para não piorar as condições ventilatórias e/ou hemodinâmicas do paciente). Optamos, sempre que necessário, por realizar um terceiro trocarter para a introdução de um afastador pulmonar.

Através do pleuroscópio ou do videotoracoscópio, realizamos sempre a lise das aderências pleuro-pulmonares e o desbridamento pulmonar usando aspiradores e/ou pinças endoscópicas. Segue-se a biópsia de pleura, quando necessária, e a irrigação da cavidade pleural com solução salina, e drenagem pleural sob visão direta. A conversão para toracotomia ocorreu apenas em 7 pacientes, em 6 deles por aderências pleuro-pulmonares extremamente rígidas e difusas, e em 1 pela necessidade de se realizar a segmentectomia pulmonar por necrose e fístula bronco-pleural do segmento superior do lobo inferior direito. A necessidade de conversão para toracotomia para permitir a ressecção pulmonar poderia ter sido evitada, neste último caso, se houvessem grampeadores endoscópicos pediátricos disponíveis à época. Com o ganho de experiência e observando a rápida melhora clínica e radiológica dos pacientes, nos quais pudemos diagnosticar visualmente, durante a cirurgia, abscessos na superfície pulmonar, percebemos que não havia necessidade de se ressecar áreas pulmonares gangrenadas. O parênquima pulmonar necrótico e abscedado muitas vezes sofre uma remodelação e se mostra totalmente normal à radiografia de tórax e à tomografia de tórax, durante o seguimento ambulatorial. Isto sempre ocorreu de maneira natural, desde que a cavidade pleural tivesse sido adequadamente drenada no intra-operatório, permitindo vazão suficiente à fístula aérea alvéolo-pleural ou bronquíolo-pleural, e proporcionando a expansão pulmonar necessária para evitar o acúmulo de coleções líquidas ou aéreas na pleura.

Os pacientes com fístula aérea permaneceram, em média, 17,5 dias drenados, comparados aos 5,9 dias dos pacientes sem fístula aérea. Tivemos 26 pacientes (22,2%) com abscesso e/ou necrose do parênquima pulmonar, diagnosticados durante a toracoscopia. Destes, apenas 5 pacientes (4%) tiveram fístula aérea prolongada, com alta hospitalar, mantendo dreno torácico conectado à válvula unidirecional de Heimlich. Todos tiveram seus drenos retirados após uma semana da alta hospitalar.

O fato de encontrarmos pequena incidência de fístula aérea prolongada, nos pacientes com abscessos e necrose pulmonar, nos chamou a atenção para a não necessidade de ressecção pulmonar nestes casos, evitando a morbidade e o trauma cirúrgico de uma toracotomia.

Todos os pacientes submetidos à toracoscopia obtiveram uma rápida melhora clínica (Figura 1), a despeito de alguma alteração radiológica residual pleural em alguns casos. Estas alterações eram pequenas e não representaram qualquer tipo de complicação ou sintoma, em conformidade com a literatura.(11,27)



Apenas um paciente foi submetido a nova pleuroscopia (0,8%), cinco dias após o primeiro procedimento, em virtude da não expansão pulmonar e piora do quadro séptico. O dreno foi retirado após 4 dias, com melhora clínica.

Embora as indicações de toracoscopia para o paciente pediátrico e para o paciente adulto sejam praticamente as mesmas, a indicação para o diagnóstico etiológico do derrame pleural na faixa etária pediátrica é rara.(8) Na nossa experiência, tivemos apenas um caso de tuberculose pleural diagnosticada através de biópsia de pleura por toracoscopia, em um menino de 11 anos.

Normalmente, para conforto dos pais, do paciente pediátrico, do pediatra e do cirurgião, a simples drenagem torácica é realizada sob anestesia geral. A associação da toracoscopia a esta drenagem permite que a limpeza da cavidade pleural, a expansão pulmonar e a drenagem pleural sejam realizadas sob visão direta, tornando o tratamento cirúrgico mais fácil e eficaz.(18,22,23) O momento de se indicar a toracoscopia deve ser o mais precoce possível, para se evitar a organização do espaço pleural, com a conseqüente perda de função pulmonar, por encarceramento pulmonar e/ou empiema crônico. Isto levaria à necessidade de decorticação pulmonar, que envolve uma toracotomia póstero-lateral para a excisão da pleura rígida e espessa, e evacuação do material purulento.(24,26) A participação do cirurgião torácico, desde o início do tratamento destes pacientes, permite assegurar que a intervenção cirúrgica necessária seja indicada num momento mais precoce e adequado.(24)

A maioria dos pacientes pediátricos com empiema melhora com antibioticoterapia e drenagem pleural simples.(21) No entanto, uma terapia agressiva precoce, com a participação do cirurgião torácico, utilizando, principalmente, a toracoscopia, pode resultar em menor tempo de doença e menor tempo de internação. Fístulas bronco-pleurais e pneumotórax hipertensivo são complicações raras em pacientes pediátricos, mas acabam por aumentar o tempo de convalescença.

A toracoscopia é o método de escolha no tratamento do empiema pleural fase II. No curso do empiema pleural, geralmente, o cirurgião torácico é solicitado tardiamente, particularmente quando já existem múltiplas loculações ou quadro séptico grave. A toracoscopia indicada mais precocemente no tratamento do empiema pleural em pacientes pediátricos proporcionou uma melhor resposta à terapêutica clínica, aparentemente reduzindo o índice de morbi-mortalidade, o tempo de permanência do dreno torácico, o tempo de internação hospitalar e o tempo de antibioticoterapia.

Referências

1. Rodgers BM, McGahren ED. Mediastinum and pleura. In: Oldham KT, Colombani PM, Foglia RP, Skinner MA, editors. Principles and Practice of Pediatric Surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 929.

2. Jaffé A, Balfour-Lynn IM. Management of empyema in children. Pediatr Pulmonol. 2005;40(2):148-56.

3. Moran JF. Surgical management of pleural space infections. Semin Respir Infect. 1988;3(4):383-94.

4. Tuomanen EI, Austrian R, Masure HR. Pathogenesis of pneumococcal infection. N Engl J Med. 1995;332(19): 1280-4.

5. Byington CL, Spencer LY, Johnson TA, Pavia AT, Allen D, Mason EO, et al. An epidemiological investigation of a sustained high rate of pediatric parapneumonic empyema: risk factors and microbiological associations. Clin Infect Dis. 2002;34(4):434-40.

6. Schultz KD, Fan LL, Pinsky J, Ochoa L, Smith EO, Kaplan SL, et al. The changing face of pleural empyemas in children: epidemiology and management. Pediatrics. 2004; 113(6):1735-40.

7. Hatzinger M, Kwon ST, Langbein S, Kamp S, Häcker A, Alken P. Hans Christian Jacobaeus: Inventor of human laparoscopy and thoracoscopy. J Endourol. 2006;20(11):848-50.

8. de Campos JR, Andrade Filho LO, Werebe EC, Minamoto H, Quim AO, Filomeno LT, et al. Thoracoscopy in children and adolescents. Chest. 1997;111(2):494-7.

9. Carlens E. Mediastinoscopy: a method for inspection and tissue biopsy in the superior mediastinum. Dis Chest. 1959;36:343-52.

10. Rodgers BM, Talbert JL. Thoracoscopy for diagnosis of intrathoracic lesions in children. J Pediatr Surg. 1976;11(5):703-8.

11. McLaughlin FJ, Goldmann DA, Rosenbaum DM, Harris GB, Schuster SR, Strieder DJ. Empyema in children: clinical course and long-term follow-up. Pediatrics. 1984;73(5):587-93.

12. Berger HA, Morganroth ML. Immediate drainage is not required for all patients with complicated parapneumonic effusions. Chest. 1990;97(3):731-5.

13. Kennedy AS, Agness M, Bailey L, White JJ. Decortication for childhood empyema. The primary provider's peccadillo. Arch Surg. 1991;126(10):1287-91.

14. Gustafson RA, Murray GF, Warden HE, Hill RC. Role of lung decortication in symptomatic empyemas in children. Ann Thorac Surg. 1990;49(6):940-6; discussion 946-7.

15. Kercher KW, Attorri RJ, Hoover JD, Morton D Jr. Thoracoscopic decortication as first-line therapy for pediatric parapneumonic empyema. A case series. Chest. 2000;118(1):24-7.

16. Kern JA, Rodgers BM. Thoracoscopy in the management of empyema in children. J Pediatr Surg. 1993;28(9):1128-32.

17. Silen ML, Weber TR. Thoracoscopic debridement of loculated empyema thoracis in children. Ann Thorac Surg. 1995;59(5):1166-8.

18. Cohen G, Hjortdal V, Ricci M, Jaffe A, Wallis C, Dinwiddie R, et al. Primary thoracoscopic treatment of empyema in children. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;125(1):79-83; discussion 83-4.

19. Hope WW, Bolton WD, Stephenson JE. The utility and timing of surgical intervention for parapneumonic empyema in the era of video-assisted thoracoscopy. Am Surg. 2005;71(6):512-4.

20. Kalfa N, Allal H, Montes-Tapia F, Lopez M, Forgues D, Guibal MP, et al. Ideal timing of thoracoscopic decortication and drainage for empyema in children. Surg Endosc. 2004;18(3):472-7.

21. Avansino JR, Goldman B, Sawin RS, Flum DR. Primary operative versus nonoperative therapy for pediatric empyema: a meta-analysis. Pediatrics. 2005;115(6):1652-9.

22. Klena JW, Cameron BH, Langer JC, Winthrop AL, Perez CR. Timing of video-assisted thoracoscopic debridement for pediatric empyema. J Am Coll Surg. 1998;187(4):404-8.

23. Merry CM, Bufo AJ, Shah RS, Schropp KP, Lobe TE. Early definitive intervention by thoracoscopy in pediatric empyema. J Pediatr Surg. 1999;34(1):178-80; discussion 180-1.

24. Balfour-Lynn IM, Abrahamson E, Cohen G, Hartley J, King S, Parikh D, et al. BTS guidelines for the management of pleural infection in children. Thorax. 2005;60(Suppl 1):i1-21.

25. Gates RL, Caniano DA, Hayes JR, Arca MJ. Does VATS provide optimal treatment of empyema in children? A systematic review. J Pediatr Surg. 2004;39(3):381-6.

26. Fraga JC, Kim P. Surgical treatment of parapneumonic pleural effusion and its complications. J Pediatr (Rio J.). 2002;78(Supl 2):161-70.

27. Murphy D, Lockhart CH, Todd JK. Pneumococcal empyema: outcome of medical management. Am J Dis Child. 1980;134(7):659-62.

___________________________________________________________________________________________________________________
Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Infantil Darcy Vargas, Hospital Jaraguá e Hospital Iguatemi, São Paulo (SP) Brasil.
1. Cirurgião torácico. Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Jaraguá e Hospital Iguatemi, São Paulo (SP) Brasil.
2. Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Coordenador do Programa de Transplante Pulmonar. Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Cirurgião infantil. Hospital Israelita Albert Einstein e Hospital Infantil Darcy Vargas, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Davi Wen Wei Kang. Avenida Rebouças, 3084 Cj. 14, Pinheiros, CEP 05402-600, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3062-8295/3673-0765. E-mail daviwwkang@ig.com.br
Recebido para publicação em 29/1/2007. Aprovado, após revisão, em 21/7/2007.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia