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Cartas ao Editor

Omalizumabe: o que nos ensinam os pacientes com mais de dez anos de uso?

Omalizumab: what do we learn from patients in treatment for more than ten years?

Faradiba Sarquis Serpa1, Joseane Chiabai1,2, Fernanda Lugão Campinhos1, Augusto Sarquis Serpa1, Firmino Braga Neto1

AO EDITOR,

As terapias com imunobiológicos, com o objetivo de melhorar o tratamento da asma, têm sido alvo de diversos estudos nos últimos anos. O omalizumabe, um anticorpo monoclonal humanizado anti-IgE, foi o primeiro a ser utilizado na doença. Atualmente, está licenciado para uso em asma alérgica grave não controlada em adultos e crianças a partir de 6 anos.(1) Ao ligar-se à IgE livre circulante, o omalizumabe impede que a mesma se acople aos receptores de alta e baixa afinidade em mastócitos, basófilos e células dendríticas circulantes. Dessa forma, a cascata inflamatória e a liberação de mediadores pró-inflamatórios são interrompidas.(1) Vários estudos têm confirmado a efetividade e a segurança dessa terapêutica na asma alérgica grave, mesmo após longos períodos de uso.(2-4)

O presente relato descreve a manutenção da efetividade clínica e funcional, assim como a segurança, do omalizumabe em duas pacientes do sexo feminino com asma grave, não tabagistas, em tratamento contínuo há mais de 10 anos. O diagnóstico de asma baseou-se em critérios clínicos (sintomas de asma de início na infância e desencadeados/agravados por aeroalérgenos e irritantes ambientais), associados à presença de positividade de IgE específica para aeroalérgenos e à limitação ao fluxo expiratório, documentada por meio da relação VEF1/CVF < 75% do previsto. Reversibilidade ao uso de broncodilatador só foi evidenciada em uma espirometria, ao longo do seguimento, da paciente 1. Apesar do uso regular de doses altas de corticoide inalatório associado a β2-agonista de longa duração, as pacientes não alcançaram o controle da doença, segundo critérios da Global Initiative for Asthma.(5) Ambas apresentavam pelo menos 5 exacerbações ao ano e necessidade de uso diário de β2-agonista de curta duração e de corticoide sistêmico por tempo prolongado. Em ambos os casos, o uso de corticoide sistêmico correspondia a mais de 50% dos dias do ano, sendo utilizada prednisona na dose de 10 mg/dia para a paciente 1 e betametasona pelo menos seis vezes ao ano para a paciente 2. Todas as comorbidades que poderiam contribuir para a falta de controle da asma, com exceção da obesidade, foram tratadas. A adesão e a técnica inalatória foram verificadas a cada consulta. Após mais de 1 ano de acompanhamento, devido à falta de controle da doença com a terapia convencional, omalizumabe foi associado ao tratamento. Com a introdução do medicamento imunobiológico foi observada uma redução do número de exacerbações, com a interrupção de idas à emergência e de hospitalizações, sendo suspensa a corticoterapia sistêmica. Os dados clínicos e laboratoriais, assim como parâmetros de função pulmonar, são apresentados na Tabela 1.



A eficácia do omalizumabe já é observada durante os primeiros meses de terapia, e o impacto do tratamento na redução do número de exacerbações, visitas à emergência e hospitalizações está bem estabelecido.(2) Entretanto, são recentes as publicações que relatam a experiência de uso do omalizumabe por tempo prolongado, de forma a confirmar sua efetividade e segurança ao longo do tempo. (3,4) A redução no uso de corticoide inalatório ao longo do tratamento com omalizumabe é controversa e, quando verificada, é considerada pequena a moderada,(2,3,6) assim como observado no presente relato. No entanto, foi descrita uma redução no uso de outros fármacos, como, por exemplo, β2-agonista de longa duração e montelucaste, após tratamento por mais de 60 meses.(7) A redução ou a suspensão do uso de corticoide sistêmico é mais significativa e constante, o que reforça os efeitos do omalizumabe no controle da inflamação, com redução dos riscos futuros e dos efeitos adversos do uso frequente ou prolongado dos corticoides sistêmicos.(6) Nos dois casos descritos, observamos que, após a introdução do omalizumabe, foi possível suspender a corticoterapia sistêmica. Em relação aos parâmetros espirométricos, as alterações são variáveis. Enquanto alguns estudos mostram aumentos do VEF1 entre 6,7% e 11,4% após 4-6 meses de tratamento,(2) outros sugerem uma resposta tempo-dependente, com aumentos do VEF1 de 15% e de 24% após 36 e 48 meses de tratamento, respectivamente. (3,8) A maioria das publicações, no entanto, evidencia um aumento do VEF1, em média, por volta de 12 meses de uso do medicamento, atingindo um pico de eficácia nesse período, com estabilização ou pequeno decréscimo nos meses seguintes. Em um estudo prévio com 24 pacientes com asma grave em uso de omalizumabe, observou-se um aumento significativo na média do VEF1 (em % do previsto), de 37,6% no início do tratamento, para 44,0%, na 16ª semana.(9) Nos dois casos relatados, o VEF1 e a CVF variaram ao longo dos anos, sendo observada melhora, nos dois parâmetros, na paciente 1. Na paciente 2, houve aumento da CVF, porém, o VEF1 manteve-se inalterado. No entanto, a despeito do tratamento, as duas pacientes mantiveram distúrbio ventilatório obstrutivo grave. O fator determinante para a falta de melhora funcional em alguns pacientes é a provável presença de remodelamento e alterações irreversíveis na via aérea. As pacientes do presente relato apresentavam mais de 40 anos de doença e exacerbações frequentes, sendo essas últimas um fator de risco para o remodelamento.(10) Postula-se que o omalizumabe, ao reduzir efetivamente o número de exacerbações, pode indiretamente diminuir as mudanças estruturais induzidas por períodos de piora da inflamação das vias aéreas, interferindo assim no declínio da função pulmonar.(7)

A terapia com omalizumabe mostrou-se segura, uma vez que as pacientes não apresentaram efeitos locais ou sistêmicos em nenhuma das aplicações ao longo dos anos. Dados da literatura sobre eventos adversos são variáveis e divergentes, com maior número de relatos desses efeitos em publicações mais antigas.(2)

Uma das limitações do presente relato é a ausência de dados objetivos do controle clínico da doença e da qualidade de vida por meio de questionários padronizados, como, por exemplo, o Asthma Control Test e o Asthma Quality of Life Questionnaire. Tais instrumentos, aplicados em diferentes estudos observacionais, destacam um aumento dos índices de forma significativa após o primeiro ano de tratamento, mantendo a melhora de forma progressiva, porém modesta, durante seguimentos de 4-5 anos de duração.(2)

Em síntese, a efetividade e a segurança do uso de omalizumabe em longo prazo foram observadas em nossas pacientes. Os benefícios do tratamento, incluindo a desaceleração do declínio da função pulmonar, mantiveram-se mesmo após uma década de uso da medicação.

REFERÊNCIAS

1. Scott HA, Wood LG, Gibson PG. Role of Obesity in Asthma: Mechanisms and Management Strategies. Curr Allergy Asthma Rep. 2017;17(8):53. https://doi.org/10.1007/s11882-017-0719-9
2. Camargo CA Jr, Boulet LP, Sutherland ER, Busse WW, Yancey SW, Emmett AH, et al. Body mass index and response to asthma therapy: fluticasone propionate/salmeterol versus montelukast. J Asthma. 2010;47(1):76-82. https://doi.org/10.3109/02770900903338494
3. Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
4. Scott HA, Gibson PG, Garg ML, Wood LG. Airway inflammation is augmented by obesity and fatty acids in asthma. Eur Respir J. 2011;38(3):594-602. https://doi.org/10.1183/09031936.00139810
5. Nijhuis J, Rensen SS, Slaats Y, van Dielen FM, Buurman WA, Greve JW. Neutrophil activation in morbid obesity, chronic activation of acute inflammation. Obesity (Silver Spring). 2009;17(11):2014-2018. https://doi.org/10.1038/oby.2009.113
6. Shah TJ, Leik CE, Walsh SW. Neutrophil infiltration and systemic vascular inflammation in obese women. Reprod Sci. 2010;17(2):116-124. https://doi.org/10.1177/1933719109348252
7. Telenga ED, Tideman SW, Kerstjens HA, Ten Hacken NH, Timens W, Postma DS, et al. Obesity in asthma: more neutrophilic inflammation as a possible explanation for a reduced treatment response. Allergy. 2012;67(8):1060-1068. https://doi.org/10.1111/j.1398-9995.2012.02855.x
8. Marijsse GS, Seys SF, Schelpe AS, Dilissen E, Goeminne P, Dupont LJ, et al. Obese individuals with asthma preferentially have a high IL-5/IL-17A/IL-25 sputum inflammatory pattern. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(10):1284-1285. https://doi.org/10.1164/rccm.201311-2011LE
9. Chen JH, Qin L, Shi YY, Feng JT, Zheng YL, Wan YF, et al. IL-17 protein levels in both induced sputum and plasma are increased in stable but not acute asthma individuals with obesity. Respir Med. 2016;121:48-58. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2016.10.018
10. Salome CM, King GG, Berend N. Physiology of obesity and effects on lung function. J Appl Physiol (1985). 2010;108(1):206-211. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00694.2009
11. Scott HA, Gibson PG, Garg ML, Pretto JJ, Morgan PJ, Callister R, et al. Dietary re-striction and exercise improve airway inflammation and clinical outcomes in over-weight and obese asthma: a randomized trial. Clin Exp Allergy. 2013;43(1):36-49. https://doi.org/10.1111/cea.12004

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