AO EDITOR,Nos últimos anos, a estratégia de aumentar os impostos sobre os cigarros reduziu a prevalência do tabagismo e o consumo de cigarros legais no Brasil.(1) No entanto, é possível que uma parcela dos fumantes tenha migrado para o consumo de cigarros ilegais, mais baratos, a fim de economizar dinheiro.(2) Em muitos países de baixa e média renda, a indústria do tabaco é a única fonte de informações sobre o mercado ilegal de cigarros, e essas informações podem ser usadas para enfraquecer ou atrasar a implementação de políticas eficazes de controle do tabaco.(3)
Em 2018, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) realizou um estudo pragmático para compreender melhor o comércio de cigarros ilegais na cidade do Rio de Janeiro (RJ), com base nas características e no número de embalagens de cigarros no lixo doméstico. Para isso, o INCA trabalhou em parceria com a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), que presta serviços de coleta de lixo doméstico aos 156 bairros da cidade. Pesquisadores de nosso grupo tiraram fotografias de todas as etapas do estudo, permitindo assim que as imagens "contassem a história por trás dos números".
Além de realizar suas atividades regulares de reciclagem, os funcionários da COMLURB foram instruídos a separar todas as embalagens de cigarros encontradas no lixo doméstico de cada bairro (Figura 1A). As embalagens descartadas foram separadas de outros materiais por meio de peneiração manual (Figura 1B). As embalagens encontradas foram classificadas em ilegais e legais por analistas de controle do tabaco do INCA. Para isso, os analistas usaram a lista de marcas autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a observação direta da presença de advertências sanitárias nas embalagens dos cigarros.(4) A marca de cigarros ilegais mais consumida na cidade do Rio de Janeiro é denominada "GIFT" (Figura 1C) e é trazida do Paraguai ao Brasil, uma conhecida rota de contrabando. Identificamos também uma situação estranha que deveria ser investigada de perto pela Receita Federal do Brasil: cigarros "GIFT" fabricados legalmente na cidade do Rio de Janeiro (com advertências sanitárias brasileiras nas embalagens de cigarros; Figura 1D) com autorização judicial.
Estudos não financiados pela indústria do tabaco são importantes para se compreender melhor o mercado ilegal de cigarros e, como consequência, contribuir para a implementação efetiva de políticas de impostos sobre o tabaco no Brasil e em outros países de baixa e média renda.
AGRADECIMENTOSGostaríamos de agradecer a todos os funcionários da COMLURB que tornaram este estudo possível.
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORESTodos os autores contribuíram para a redação do manuscrito. Silva MRF e Machado AT contribuíram com as fotografias.
REFERÊNCIAS1. Szklo AS, Yuan Z, Levy D. Update and extension of the Brazil SimSmoke model to estimate the health impact of cigarette smoking by pregnant women in Brazil. Cad Saude Publica. 2017;33(12):e00207416. https://doi.org/10.1590/0102-311x00207416
2. Iglesias RM, Szklo AS, Souza MC, de Almeida LM. Estimating the size of illicit tobacco consumption in Brazil: findings from the global adult tobacco survey. Tob Control. 2017;26(1):53-59. http://dx.doi.org/10.1136/tobaccocontrol-2015-052465
3. The World Bank [homepage on the Internet]. Washington DC: The World Bank; c2020 [updated 2019 Jan 1; cited 2020 Feb 1]. Confronting Illicit Tobacco Trade: A Global Review of Country Experiences. Available from: http://documents.worldbank.org/curated/en/677451548260528135/Confronting-Illicit-Tobacco-Trade-a-Global-Review-of-Country-Experiences
Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária [homepage on the Internet] Brasília: o Ministério; [cited 2020 Feb 2]. Consulta a registro. Available from: http://portal.anvisa.gov.br/tabaco/consulta-a-registro